Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 5 de junho de 2021
Vírus ataca disciplina e hierarquia
sábado, 5 de junho de 2021
'Há perigo de politização das Forças Armadas com risco à democracia’
Entrevista | José Murilo de Carvalho, historiador
sábado, 5 de junho de 2021
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Autor do livro ‘Forças Armadas e Política no Brasil’, ele diz que a transformação do Exército em instrumento da política de Bolsonaro afetará as eleições de 2022
Sérgio Roxo / O Globo
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SÃO PAULO — Historiador que estuda a participação dos militares na política brasileira, José Murilo de Carvalho avalia que a decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político com o presidente Jair Bolsonaro representa uma capitulação desmoralizante para o comando da instituição e pode ter “sérias consequências para o funcionamento da democracia brasileira”. Autor, entre outros, do livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, Carvalho acredita que o episódio pode levar “à politização da Força”.
A ausência de punição ao general Eduardo Pazuello pode levar a uma anarquia nas Forças Armadas?
Trata-se do episódio mais grave no que se refere à relação entre o Exército e o atual presidente. A justificativa de que o general envolvido não participara de ato político é ridícula e ele próprio o reconhecera logo depois do evento, quando pediu desculpas. Até mesmo o general Mourão, vice-presidente, duas vezes punido por fazer declarações políticas, defendeu a necessidade da punição para preservar a disciplina. O comandante da Força e o Alto Comando que o assessora tornaram-se responsáveis pela quebra de um dos esteios da corporação (o outro é a hierarquia). Tornou-se clara a consequência política negativa da alta presença de militares no governo.
O senhor acredita que exista hoje uma divisão dentro do Exército sobre a postura que deve ser adotada em relação ao presidente Jair Bolsonaro?
Se não havia, haverá agora. Será inevitável que a não punição de Pazuello gere um grande debate dentro do Exército e também da Marinha e da Aeronáutica. O argumento frequentemente usado pelas Forças Armadas de serem instituições de Estado e não de governo perde credibilidade.
Em março, os comandantes das Forças deixaram seus postos por aparentemente não se submeterem ao presidente. Agora, houve uma capitulação?
Houve uma capitulação desairosa e desmoralizante para o comandante e perigosa por poder levar à politização da Força, com sérias consequências para o funcionamento da democracia.
Como essa decisão pode ser avaliada dentro de todo o contexto de envolvimento político das Forças Armadas nos últimos anos, que inclui o tuíte do então comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF?
O tuíte do general Villas Boas desmentiu a aparente renúncia pelas Forças Armadas, pelo Exército em particular, de outro papel, exercido na prática, o de tutoras da República. Uma eventual divisão interna do Exército dificultará o exercício desse papel, mas, ao mesmo tempo, poderá aumentar o grau de instabilidade política, chegando, no limite, à volta aos turbulentos anos de 1950/1960. Será mais um desafio a ser enfrentado por nossa frágil democracia.
Qual o impacto político que pode resultar dessa decisão de não punir o general?
A transformação do Exército em instrumento da política do presidente vai afetar as eleições de 2022. A libertação de Lula e a possibilidade de que ele se candidate e, mais ainda, vença as eleições, trazem de volta o fantasma de sua eleição que o general Villas Boas tentou com êxito exorcizar em 2018. A dificuldade que têm os partidos de centro em montar uma terceira via eleitoral vai contribuir para esse cenário polarizado. As Forças Armadas terão que decidir se vão adotar a linha de Villas Boas, configurando nova intervenção política ou se vão reafirmar o papel que se atribuem de instituição do Estado.
Numa dimensão histórica, qual o significado dessa decisão do Exército?
Que me lembre, o único caso que tem alguma semelhança com o atual foi o de 11 de novembro de 1955. JK (Juscelino Kubitschek) ganhara as eleições, mas golpistas militares queriam evitar sua posse. O coronel Bizarria Mamede fez um discurso golpista. O ministro da Guerra, general Lott, quis puni-lo, mas o presidente em exercício, Carlos Luz, não concordou. Lott pediu demissão, mas um grupo de generais, liderados por Odílio Denys, o convenceram a reagir. Carlos Luz e Café Filho foram depostos e Nereu Ramos, presidente do Senado, assumiu a presidência. Em janeiro de 1956, JK tomou posse. Foi uma espécie de golpe preventivo, a favor da lei, causado pela não punição de um oficial golpista.
*** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/entrevista-jose-murilo-de-carvalho.html *** ***
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sábado, 5 de junho de 2021
Miguel Reale Júnior* - Voto sem cabresto
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- O Estado de S. Paulo
Ameaça de Bolsonaro revela a intenção de deslegitimar o pleito em que pode ser derrotado
Por via da Emenda Constitucional 135/19 pretende-se impor o voto impresso, pois as leis que introduziam tal sistema foram consideradas inconstitucionais por violação do sigilo do voto, intocável alicerce da democracia, como consta do artigo 60, § 4.º, II, da Constituição.
Ledo engano da proponente da emenda, a deputada de extrema direita Bia Kicis, pois não é por ser emenda à Constituição, e não lei, que deixa de poder ser considerada inconstitucional se extrapola o limite material fixado nas cláusulas pétreas. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que emenda constitucional, emanada, portanto, de constituinte derivado, incidindo em violação à constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo STF, cuja função precípua é de guarda da constituição (Adins 939-7 DF, 926-5 DF e 466 DF).
Atribui-se ao TSE má-fé ao defender sistema eletrônico destituído de segurança e rejeitar o voto impresso. Não é verdade. O TSE até colaborou, sendo Jobim presidente, na elaboração da Lei n.º 10.048/02, por isso denominada Lei Jobim, que introduziu o voto impresso, a ser adotado nas eleições de 2004.
Em 2002, o TSE, em vista de futura implantação do voto impresso, adotou, para teste, esse sistema em 150 municípios com 19.373 seções eleitorais, correspondendo a 7.128.233 eleitores, ou seja a 6,18% do eleitorado.
Os problemas surgidos foram imensos: 1) o tamanho das filas; 2) o número de votos nulos e em branco; 3) o porcentual de urnas com votação por cédula; 4) a quantidade de urnas que apresentaram defeito, além das falhas na impressora. O TSE e os TREs, com vantagens inquestionáveis sobre o voto impresso, propuseram o registro eletrônico do voto (cédula eletrônica), que espelha a composição do voto do eleitor, sem identificá-lo.
Assim, editou-se a Lei n.º 10.740/03, que revogou a exigência do voto impresso e implantou o registro digital do voto, resguardado o anonimato do eleitor. Criou-se também comissão para acompanhamento de todo o procedimento de testagem e verificação das urnas, com técnicos indicados pelos partidos, pela OAB e pelo Ministério Público.
Mas em 2009 voltou-se a legislar para adoção do voto impresso, por via da Lei n.º 12.034, julgada inconstitucional pela ministra Cármen Lúcia na Adin n.º 4.543, em abril de 2013. Nessa decisão, pontuava a ministra: o segredo do voto foi conquista impossível de retroação e a impressão do voto fere exatamente o direito inexpugnável ao segredo. A impressão do voto é prova do seu ato. Se o ato é próprio e inexpugnável, qual a sua necessidade? Se não há que prestar contas (porque é ato personalíssimo), para que o papel?
No voto, a ministra Cármen Lúcia recorreu ao princípio da proibição do retrocesso político, que impede suprimir o direito ao voto com garantia de segredo e invulnerabilidade para retroceder a modelo superado.
Foi própria da República Velha a cédula a descoberto, para controle dos coronéis sobre o eleitor, obediente servidor a prestar contas mediante o voto de cabresto, passível de se reinstalar com o voto impresso.
Diante de nova declaração de inconstitucionalidade da lei de 2009, houve mais outra tentativa de introdução do voto impresso pela Lei n.º 13.165/2015, cuja eficácia foi cassada na Adin 5.889, por liminar de junho de 2018.
A liminar foi confirmada em julgamento de 2020. Segundo a decisão, a impressão do voto pode gerar falhas inocorrentes no voto exclusivamente eletrônico e ameaça a livre opção do eleitor em face de potencial identificação de quem escolheu quais candidatos.
Nesse julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, além de ressaltar jamais ter havido prova alguma de fraude no sistema eletrônico, destacou a existência de mecanismos que garantem a confiabilidade das urnas eletrônicas: 1) a transparência no desenvolvimento dos programas; 2) a realização de testes regulares; 3) o procedimento de votação paralela; e 4) a entrega de cópia dos dados processados aos partidos políticos. E alerta para a judicialização da eleição, com candidatos a solicitar recontagem pelos votos impressos, com risco de violação do sigilo.
Para verificação dessa confiabilidade se realizou Confirmação do Teste Público de Segurança (TPS) 2019 do Sistema Eletrônico, constatando-se a segurança e a plena confiabilidade da urna eletrônica.
Se, com bem diz a deputada Margarete Coelho, urnas eletrônicas garantem segurança e sigilo e o voto impresso apenas segurança (blog de Fausto Macedo, 25/5), é forçoso concluir ser impossível adotar o meio-termo do voto impresso em algumas urnas, pois é inconstitucional o risco ao sigilo do voto em qualquer porcentual.
Mas por que a insistência no voto impresso? A ameaça de Bolsonaro de não haver eleições sem tal sistema revela a intenção de deslegitimar o pleito futuro em que pode ser derrotado.
Assim, a campanha do TSE de informar a garantia do voto secreto e a lisura das eleições por meio do sistema eletrônico deve merecer integral apoio em defesa da democracia.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia paulista de letras, foi ministro da Justiça
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sábado, 5 de junho de 2021
Bolívar Lamounier* - Dois becos sem saída
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- O Estado de S. Paulo
‘Trânsito em julgado’ e polarização populista nos mantêm presos num cenário perverso
O que se tem chamado de crise brasileira é um cenário surrealista, dentro do qual dificilmente retomaremos o crescimento econômico e a busca do bem-estar social. Compõe-se de muitos fatores, mas tentarei descrevê-lo como a conjunção de dois becos sem saída, escuros e entrelaçados.
O primeiro, como o jurista Modesto Carvalhosa tem corajosamente ressaltado, é a própria Constituição de 1988. Embora tenha consagrado várias coisas boas, não há dúvida de que ela impede o combate ao crime de colarinho-branco, expressão a que recorro para designar as falcatruas continuamente perpetradas pelos poderosos em geral, dentro e fora do governo. Refiro-me, naturalmente, ao chamado “trânsito em julgado” (artigo 5.º, LVII): “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Num país onde o patrimonialismo e o corporativismo não só se mantêm, mas parecem crescer a cada 15 minutos, esse dispositivo é uma aberração inominável. Por duas razões: primeiro, porque institui quatro instâncias de julgamento; assim, a execução da pena só pode ter início após a confirmação da condenação nas instâncias inferiores pelo Supremo Tribunal Federal. Segue-se, evidentemente, que o citado dispositivo divide a Justiça brasileira em duas, a dos ricos e a dos pobres.
Mas o beco é mais escuro do que parece. O “trânsito em julgado” é uma das cláusulas pétreas da Constituição, aquelas que só podem ser alteradas pelo chamado “poder constituinte originário”, vale dizer, na prática, por meio da convocação de uma nova Assembleia Constituinte. Quem, no momento atual, com a polarização grassando com sua característica estupidez, com a economia patinando e com a pandemia já atingindo quase 500 mil mortos – quem, dizia eu, terá a coragem, o arrojo e a lucidez para liderar tal empreitada?
Acrescente-se – e aqui a experiência da Lava Jato foi altamente instrutiva – que essa é uma das principais pontes entre a Constituição e os riscos políticos a que o Brasil está exposto. A Lava Jato foi eficaz ao desvelar a extensão amazônica da corrupção e a infinidade de tentáculos mediante os quais ela abraça o poder público. Mas foi incapaz – justamente por causa do “trânsito em julgado” – de entregar a mercadoria que sua própria existência implicava: o fim do conluio entre a ladroagem e o Estado. Dessa incongruência brotou uma perversa contradição. Em vez de robustecer o anseio de combate à corrupção, a abundância da informação estimula o ressentimento contra quase tudo e quase todos. Quase todos – indivíduos e instituições – se tornam farinha do mesmo saco. Dessa tendência à generalização só escapam aqueles que, por um dom qualquer, percebem a chance de se diferenciar. Jair Bolsonaro escapou em 2018. Fernando Henrique parece acreditar em Lula contra ele em 2022. Pode até dar, mas e daí?
E assim chegamos ao segundo beco: a polarização populista. De um lado, encarnado ainda pelo PT, o mesmo esquerdismo aguado de sempre, incapaz de formular um projeto digno do nome para o País e que hoje até se envergonha de se denominar socialismo. No polo oposto, um indivíduo excluído das Forças Armadas por indisciplina, mas que conseguiu passar uma imagem de “franqueza”, “autenticidade” e “coragem”. De “pulso firme” na política e reforma liberal na economia. O que de fato aconteceu, e disso não há como duvidar, foi um dos mais desavergonhados estelionatos eleitorais que nossa História registra. A promessa de uma “nova política”, que parecia significar o fim do patrimonialismo e do corporativismo, significando, na verdade, o acesso ao poder dos mais lídimos representantes da “velha política”: o mais que conhecido “Centrão”. Diferença, se cabe notar alguma, é que Bolsonaro assume sem rebuços sua propensão violenta e uma clara inclinação autogolpista. Como bem sabemos, todos os golpes se parecem. Primeiro, os candidatos a golpista se empenham em aumentar o nível de tensão social e a quantidade de gente armada na rua. Depois, tratam de intimidar ou cooptar as Forças Armadas legítimas, subjugando-as ou, se a manobra sair pela culatra, forçando-as a intervir sponte sua.
E desse beco como sairemos? Temos de reconhecer: o Brasil é um prodígio político. Temos mais de 30 partidos e por enquanto nada sugere que conseguiremos constituir uma força política de centro, realista, capaz de enfrentar a monstruosa crise econômica e sanitária que se abateu sobre nós e encarar de vez o imperativo das reformas de médio prazo.
A consequência previsível de nos mantermos presos nesse cenário perverso pode ser facilmente condensada numa sentença: perdermos uma geração inteira para atingirmos o nível de renda per capita dos países relativamente pobres da Europa meridional. Esse devia ser o ponto principal de nossa agenda, mas, por ora, temos questões mais substantivas a tratar: o destino a ser dado ao general Pazzuelo e a organização da Copa América. Como deixar para depois assuntos de tamanha importância?
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
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sábado, 5 de junho de 2021
Oscar Vilhena Vieira* - Simulacro democrático
- Folha de S. Paulo
Líderes populistas fingem jogar dentro das quatro linhas da Constituição
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Se a geração de meus professores se concentrou em responder quando termina o regime autoritário e se consolida a democracia, o desafio neste momento é, lamentavelmente, tentar compreender a partir de que ponto o regime democrático se converte em autoritário.
Essa pergunta se torna particularmente mais difícil quando as ameaças às instituições, aos direitos e aos valores republicanos ou liberais partem de líderes eleitos, que se apresentam como representantes exclusivos da soberania popular, como na mais recente vaga de populismo autocrático.
A questão não é nova. A degeneração da república romana e ascensão do despotismo imperial, como nos ensinou Montesquieu, foi marcada pelo emprego sistemático e abusivo de prerrogativas constitucionais e da legalidade, que terminou por subverter as próprias virtudes do governo das leis e da separação de poderes.
Embora as instituições políticas brasileiras venham sendo submetidas a um teste extremo de resiliência, que culminou com a eleição de Bolsonaro, é difícil negar que nas últimas semanas a pressão sobre as instituições democráticas tenha aumentado.
De um lado, temos recebido sinais animadores de que o sistema de separação de poderes vem reagindo de forma clara na contenção de arroubos autoritários e obscurantistas do Poder Executivo. Destaque fica com o Supremo Tribunal Federal, que tem empregado o seu capital político na defesa do bloco constitucional, sob intenso e cotidiano ataque do bolsonarismo.
Também o Senado Federal parece ter assumido um papel cada vez mais proeminente na contenção de rompantes inconstitucionais, especialmente após a instalação da CPI da pandemia.
Mas, por outro lado, há um crescente processo de captura de diversas instituições, com potencial de gerar forte regressão democrática. A constrangedora capitulação do comando do Exército face ao desejo presidencial de ter um exército para chamar de seu abriu as portas para um engajamento ainda maior das classes armadas no jogo político brasileiro. O emprego abusivo da força por policiais militares, em diversas partes do país, contra opositores do presidente dá a dimensão da crise contratada pelo comando do Exército.
Concomitantemente, pode-se observar o emprego cada vez mais corriqueiro da lei, inclusive da LSN (Lei de Segurança Nacional), como medida voltada a constranger os críticos ao governo. Do guarda da esquina às mais altas hostes jurídicas, todos se sentem autorizados a censurar e intimidar seus críticos e opositores.
A Câmara do Deputados, por sua vez, alterou seu regimento interno, restringindo a participação das minorias no processo de deliberação parlamentar, o que coloca em risco, sobretudo, o direito de minorias vulneráveis, assim como a proteção do meio ambiente. Nesse novo contexto, começou a tramitar o nocivo projeto de emenda constitucional que determina o voto impresso. Se aprovado, terá um forte potencial de desestabilizar o pleito eleitoral de 2022. Basta imaginar a ação das milícias governistas na fiscalização da lealdade do eleitor. Isso sem falar num devastador processo de judicialização, voltado a desacreditar o pleito.
Como outros processos de regressão autoritária têm demonstrado, líderes populistas são especialistas em se apropriar dos símbolos e valores democráticos, reiterando o compromisso de “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”, de “defender a liberdade” e a “vontade soberana do povo”, num verdadeiro simulacro contra a Constituição e os direitos fundamentais que juram proteger.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP
*** **** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/oscar-vilhena-vieira-simulacro.html *** ***
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sábado, 5 de junho de 2021
Cristina Serra - Bolsonaro e a anarquia militar
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- Folha de S. Paulo
A desgraça deste país é uma obra coletiva
A indulgência do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, ao ato de flagrante indisciplina do general Eduardo Pazuello, terá consequências de alto risco para a conjuntura política brasileira. Mas não se pode dar a essa decisão a responsabilidade pela instalação da anarquia entre os fardados. Ela fomenta a anarquia, é certo. Mas o caldo da insubordinação começou a ferver faz tempo.
O marco mais explícito da permissividade nos quartéis deve-se a outro comandante da força, o general Villas Bôas, e seu post ameaçando o STF na véspera da votação do habeas corpus de Lula, em 2018. Na campanha daquele ano, militares da ativa engajaram-se com desenvoltura em exércitos digitais, públicos ou não, a favor de Bolsonaro. Como se sabe, em instituição hierarquizada o exemplo vem de cima.
Também deu mau exemplo o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, quando acompanhou Bolsonaro em sobrevoo de apoio à manifestação contra o Congresso e o STF, que pedia “intervenção militar”. Ao ser defenestrado, em março, afirmou ter preservado as Forças Armadas como “instituições de Estado”. Cinismo ou ingenuidade?
É claro que há nuances e divergências de pensamento entre os militares. Mas essas diferenças não abalam, por ora, o projeto que os trouxe de volta ao poder. Este é um governo colonizado por e para militares, com seus salários, cargos, mordomias, privilégios e outras benesses.
As Forças Armadas carregam a mancha de 21 anos de ditadura, tortura e morte de opositores. Com Bolsonaro, reforçam sua tradição golpista, associam-se ao morticínio de brasileiros na pandemia, afundam-se no pântano da história. Mas não estão sozinhas. Bolsonaro fermenta o caos com a complacência de parcelas da sociedade civil, como o capital financeiro, oligarcas do agronegócio, setores do Legislativo e do Judiciário, mídia, igrejas. A desgraça deste país é uma obra coletiva.
*** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/cristina-serra-bolsonaro-e-anarquia.html *** ***
Exército vem intervindo na política desde a posse do comandante Villas Bôas, em 2015
Publicado em 5 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
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Com Helio Fernandes, os jornalistas aprendiam a ser combativos e não ter medo da verdade
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*** *** https://tribunadaimprensalivre.com/com-helio-fernandes-os-jornalistas-aprendiam-a-ser-combativos-e-nao-ter-medo-da-verdade/ *** ***
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Villas Bôas e Mourão politizaram o Exército, e ninguém percebeu?
Carlos Newton
A História de cada país é escrita sempre a longo prazo, na hora H e no dia D, como diria o general Eduardo Pazuello, em seu raros momentos de lampejos filosóficos, digamos assim. Sua impunidade após grave transgressão disciplinar está sendo fervorosamente debatida agora, mas será muito melhor analisada daqui a alguns anos, quando a poeira das versões estiver assentada e os historiadores se debruçarem sobre os acontecimentos, para analisar exclusivamente os fatos.
Será constatado que desde a posse de José Sarney, em 1985, os militares se reservaram aos quartéis, abandonando por completo a política, especialmente após o presidente Fernando Henrique Cardoso ter criado o Ministério da Defesa, em 1999, tendo nomeado um civil para comandá-lo – o senador Elcio Alvares.
SEM NOVIDADES – Não houve mudanças daí em diante. Os militares continuavam afastados da política, até que a presidente Dilma Rousseff resolveu aceitar a nomeação do general Eduardo Villas Bôas para comandar o Exército em 2015.
Os historiadores vão destacar que, desde que assumiu, Villas Bôas incentivou a politização do Alto Comando do Exército, com a cumplicidade ostensiva do general Hamilton Mourão, responsável pelo Comando Militar do Sul, que sempre se mostrou um militar linha dura e até defensor da tortura a presos políticos, desde 1949 considerada internacionalmente “crime de guerra” pela Convenção de Genebra.
Quando o governo Dilma começou a soçobrar, Mourão era chefe do Comando Militar do Sul e agia como um agente provocador.
DIZIA MOURÃO – Em 17 de setembro de 2015, disse em uma palestra em Porto Alegre que “a maioria dos políticos de hoje parecem privados de atributos intelectuais próprios e de ideologias, enquanto dominam a técnica de apresentar grandes ilusões”. Além disso, ao comentar a possibilidade de impeachment de Dilma, ele afirmou que “a mera substituição não trará mudança significativa no ‘status quo'” e que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”.
Mourão provocava à vontade, a imprensa dava divulgação, mas nada acontecia.
Mesmo sabendo que a presidente Dilma havia sido torturada no regime militar, o general permitiu que em 26 de outubro de 2015, no Comando Militar do Sul, houvesse uma homenagem póstuma ao coronel Brilhante Ustra, responsável por torturas e execuções de presos políticos nos anos de chumbo.
SEM PUNIÇÃO – Ao contrário do que poderia se esperar, não foi punido. O comandante Villa Bôas, seu amigo e incentivador, apenas o transferiu para a Secretaria de Economia, um cargo burocrático em Brasília, onde poderiam ficar juntos e tramar à vontade contra a presidente Dilma. E para descaracterizar ainda mais a ausência de punição, a transferência de Mourão foi incluída num pacote amplo de remanejamentos de postos militares.
Em 2016, Dilma sofreu impeachment e o vice Michel Temer assumiu. Aproveitando-se da omissão do ministro da Defesa, Raul Jungmann, que era tão leniente quanto seus antecessores, Jaques Wagner e Aldo Rebelo, os generais Villas Bôas e Mourão continuaram tramando à vontade.
Em 2017, quando Jair Bolsonaro já fazia campanha para a Presidência, Mourão vestiu o uniforme de gala e fez a célebre palestra na Maçonaria, que serviu como uma luva para consolidar a candidatura do capitão da reserva.
JULGAMENTO DE LULA – O ápice das armações políticas desses generais ocorreu em a 3 de abril de 2018, um dia antes do julgamento do ex-presidente Lula da Silva, quando o general Villa Bôas advertiu, sem dar conhecimento ao ministro Jungmann:
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais”.
Generais da ativa e da reserva apoiaram entusiasticamente as palavras do comandante, que estava apoiando claramente o candidato à presidência Jair Bolsonaro, que depois diria em público que o entendimento entre os dois seria “um segredo até à morte”.
RISCO DE POLITIZAÇÃO – Depois de tudo isso, a imprensa vem dizer que há o risco de politização dos quartéis, um fenômeno que já ocorreu há vários anos e vive a celebrar aniversários.
Não somente houve a politização dos quartéis, como também aconteceu a militarização da política. Estamos sob um governo paramilitar, que felizmente é conduzido por um imbecil. Se fosse um militar intelectualizado, ficaria no poder por mais mais 21 anos. Aliás, como dizia Ibrahim Sued, em sociedade tudo se sabe.
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PANDEMIA DE CORONAVÍRUS
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As doze letras que mudaram o mundo
Genoma do novo coronavírus esconde uma brevíssima sequência suspeita de ser a principal responsável pela sua excepcional capacidade de contágio e virulência
MANUEL ANSEDE
Twitter
MARIANO ZAFRA
Twitter
ARTUR GALOCHA
19 MAI 2020 - 19:54 CEST
O temível inimigo que obrigou bilhões de pessoas a se esconderem em suas casas é uma minúscula bolinha de 70 milionésimos de milímetro. O novo coronavírus, chamado pelos cientistas de SARS-CoV-2, é tão pequeno em comparação ao ser humano como uma galinha com relação a todo o planeta Terra. Esse é o grande adversário da humanidade. O vírus é apenas uma brevíssima mensagem escrita com combinações das mesmas quatro letras. Cada uma delas é a inicial de um composto químico com diferentes quantidades de carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. Com estas quatro letras (a, u, g, c) está escrito o texto que matou mais de 316.000 pessoas em todo o planeta desde que sua existência foi detectada, há pouco mais de quatro meses.
Este material genético que uns vírus herdam dos outros, chamado RNA, funciona como um livro de instruções para fabricar as proteínas que formam o SARS-CoV-2.
O genoma do novo coronavírus tem 30.000 letras, com as instruções suficientes para penetrar em uma célula, sequestrar seu maquinário e fazer milhares de cópias de si mesmo.
Todo o genoma do SARS-CoV-2 caberia em quatro páginas da edição impressa do EL PAÍS.
Cerca de 4.000 letras desse texto contêm as diretrizes para que a célula humana fabrique a principal arma do vírus: sua proteína da espícula, a chave com a qual os novos vírus abrirão muitas outras células.
A espícula do coronavírus é como uma chave com duas partes. A primeira se une à fechadura: o receptor ACE2 da célula humana.
A segunda parte da chave se encarrega da fusão da membrana viral com a membrana celular.
A grande novidade do SARS-CoV-2 com relação a outros coronavírus é a aparição de 12 letras adicionais inseridas em seu genoma. Os especialistas apontam para essa brevíssima sequência como principal responsável por sua virulência e capacidade de contágio.
Um vírus assombroso
O SARS-CoV-2 é insólito. Os vírus respiratórios infectam habitualmente a garganta ou os pulmões. Os que se concentram na garganta provocam sintomas mais leves, mas se espalham muito facilmente. Os vírus que entram nos pulmões causam doenças mais graves, mas são muito menos contagiosos. O SARS-CoV-2 é ao mesmo tempo muito contagioso e potencialmente muito virulento.
O vírus da gripe sazonal se multiplica na garganta e se contagia muito facilmente através das gotas respiratórias.
O vírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-1), surgido em 2002, provoca pneumonias letais, mas é pouco contagioso.
O coronavírus SARS-CoV-2 se multiplica na garganta mil vezes mais que o SARS-CoV-1, podendo afetar a outros órgãos e provocar pneumonias letais.
Brônquios,
bronquíolos
e alvéolos
Vias respiratórias
superiores
Taxa de letalidade
10%
Taxa de letalidade
0,1%
Taxa de letalidade
0,5-1%
Infectados totais
1 bilhão por ano
Infectados totais
8.000 em 6 meses
Casos confirmados
3,8 milhões (em 6 meses)
*Casos confirmados até 8 de maio de 2020.
A cabeça do Demogorgon
Ao microscópio, o novo coronavírus parece um mangual, a bola metálica com pontas agudas usada como arma durante a Idade Média. Mas, dando zoom numa destas espículas do vírus, a imagem é ainda mais horripilante. No laboratório do bioquímico norte-americano Greg Bowman, os cientistas se referem a esta proteína protuberante como “o Demogorgon”, o monstro da série Stranger Things: uma criatura com corpo humanoide e a cabeça como uma planta carnívora que devora a sua presa.
Espaço para
o receptor ACE2
Representação
esquemática da espícula
Simulação da espícula do vírus
pela Universidade de Washington
Cabeza del Demogorgon
‘Stranger Things’
Bowman dirige o Folding@home, um projeto que utiliza a potência dos computadores de um milhão de voluntários para recriar o comportamento da espícula do vírus. “O feroz Demogorgon abre suas mandíbulas para apanhar a sua presa”, descreve com dramatismo Bowman, professor da Universidade de Washington. A presa do Demogorgon é o receptor ACE2, a fechadura da célula humana que o vírus da SARS, embora de maneira muito menos eficiente, já utilizava em 2002. A chave do novo coronavírus se une a esta fechadura com uma afinidade até 20 vezes maior que o vírus da SARS. Mas há outro fator que parece ainda mais decisivo para explicar por que aquele SARS-CoV-1, irmão do atual, matou menos de 800 pessoas, enquanto o SARS-CoV-2 já matou centenas de milhares de pessoas: a furina.
A preativação para a invasão
O coronavírus utiliza sua espícula como uma chave com duas partes.
1.
A primeira parte da chave se une ao receptor ACE2 da célula humana, mas esta união não basta para obter a invasão.
2.
A segunda parte da chave se encarrega da fusão da membrana do vírus com a da célula.
Os vírus precisam cortar sua proteína da espícula para ativá-la e iniciar o ataque. O SARS de 2002, irmão do atual, aproveitava-se de duas tesouras presentes apenas em algumas células, as enzimas TMPRSS2 e as catepsinas.
Coronavirus
Espícula
TMPRSS2
Catepsinas
Espícula
Receptor
ACE2
Célula
humana
Mas o SARS-CoV-2 emprega também uma terceira tesoura: a furina.
Corte da espícula
e união com a célula.
Célula
humana
União do vírus ao
receptor ACE2.
RNA
TMPRSS2
Catepsinas
O vírus libera seu genoma dentro da célula e começa a fazer cópias de si mesmo.
Para isso engana a célula, que cria as proteínas do vírus. Suas partes se montam e, uma vez multiplicado, se dispõe a infectar outras células.
As 12 letras extra do vírus criam na proteína da espícula um ponto de corte por outra tesoura, a furina, uma enzima presente em quase todas as células humanas, o que explica sua alta transmissibilidade e virulência.
Furina
Complexo
de Golgi
A furina faz um primeiro corte da espícula dos novos vírus, que já saem da célula humana preativados para uma nova invasão.
Vírus
preativados
pela furina
Este primeiro corte permite que a espícula inicie a fusão da célula infectada com outra célula saudável, o que permite que o vírus passe de uma para outra sem se expor aos anticorpos do exterior…
…e continue o processo de infecção e multiplicação.
“Acreditamos que esta inserção [das 12 letras] permita que o vírus entre em uma maior variedade de células. Isto, provavelmente, favorece a disseminação do vírus nos pacientes infectados e, portanto, provavelmente é chave para o desenvolvimento da doença”, afirma o virologista francês Etienne Decroly, da Universidade do Aix-Marselha.
Decroly deu a voz de alarme em 10 de fevereiro, quando muitos ainda viam a epidemia como um exótico problema da longínqua cidade chinesa de Wuhan. Naquela época, apenas uma pessoa havia morrido de covid-19 fora da China. Mas a espícula do novo vírus, advertiu Decroly, tinha algo que a tornava diferente das espículas de outros coronavírus similares. Esse ponto de corte pela furina podia transformá-lo em uma arma letal. “É uma das razões pelas quais o SARS-CoV-2 é tão transmissível”, concorda Fang Li, virologista da Universidade de Minnesota que acaba de publicar na revista científica PNAS as "surpreendentes estratégias” do vírus para entrar nas células humanas burlando o sistema imunológico.
O virologista Robert Garry estuda há mais de três décadas as proteínas dos vírus emergentes. O furacão Katrina arrasou em 2005 seu laboratório da Universidade Tulane, em Nova Orleans, onde guardava as amostras de alguns dos primeiros casos confirmados do vírus da Aids. Agora ele investiga os truques do novo coronavírus. “A aquisição [por mutações naturais] de um ponto de corte por furina nos vírus de gripe aviária de baixa patogenicidade é justamente o que os transforma em vírus de alta patogenicidade”, adverte Garry, que quer confirmar suas suspeitas em estudos com animais.
A equipe de Stefan Pöhlmann investiga o vírus no Centro de Primatas da Alemanha, uma instalação científica com mais de 1.200 macacos na cidade de Göttingen. “Nossos dados indicam que o SARS-CoV-2 precisa do ponto de corte por furina para poder entrar de maneira eficiente nas células pulmonares humanas”, afirma Pöhlmann, que até o momento publicou apenas resultados obtidos em cultivos celulares em laboratório. O pesquisador alemão, experiente no trabalho com vírus letais como o ebola, acredita que a implicação da furina permite também que o vírus invada células do aparelho digestivo e dos rins, não só as do sistema respiratório. O próprio ebola, o vírus do dengue e o da Aids também utilizam a furina em seus ataques às células humanas. "A furina está em todos os tipos celulares", salienta a virologista Margarida del Val, do Conselho Superior de Pesquisa Científica (CSIC) da Espanha.
A furina só foi descoberta em 1990, mas tem um papel fundamental no corpo humano. Suas tesouradas ativam os precursores de muitas das proteínas que fazem os trabalhos básicos para a vida. É uma enzima essencial para o vírus, mas também para a pessoa. “Inibir a furina geraria efeitos tóxicos nas células. Poderia ser um alvo para medicamentos contra a covid-19, mas não parece o mais ideal”, reflete o virologista colombiano Javier Jaimes, cujo grupo na Universidade de Cornell (EUA) busca um calcanhar-de-Aquiles do SARS-CoV-2 para atacá-lo com fármacos.
De onde saem estas 12 letras?
A origem do SARS-CoV-2 ainda não é conhecida, mas os cientistas apontam várias possibilidades:
***
***
Recombinações de diferentes vírus
Mutações aleatórias do próprio vírus.
Criação em um laboratório a partir de vários vírus
RNA combinado
RNA alterado por mutação
RNA modificado artificialmente
A possibilidade de que alguém introduza todas essas mudanças em um laboratório é improvável, mas não impossível.
Este processo pode ter ocorrido
de duas formas.
Um vírus de morcego evoluiu de maneira natural em um anfitrião animal e saltou para os humanos já com as doze letras.
O vírus saltou de animais a pessoas e adquiriu as doze letras dentro da população humana.
Morcego
Morcego
Na SARS passou para humanos através de civetas e, na MERS, através de dromedários
Uma hipótese é que o SARS-CoV-2 tenha saltado através do pangolim
Evolui na
população
humana
A análise dos genomas dos coronavírus mais semelhantes mostra que só o SARS-CoV-2 possui as 12 letras que permitem que sua espícula seja ativada pela furina, facilitando a invasão de diversos tipos de células
Letras do genoma
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
22.000
24.000
26.000
28.000
29.903
Espícula
Primeira parte
Segunda parte
Aqui estão as 12 letras que fazem
que o novo coronavírus seja único
Genoma
compartilhado
Animal
SARS-CoV-2
Morcego
96%
RaTG13
Pangolim
91%
Pangolin-Cov
Humano
80%
SARS-Cov-1
A análise dos genomas dos coronavírus mais semelhantes mostra que só o SARS-CoV-2 possui as 12 letras que permitem que sua espícula seja ativada pela furina, facilitando a invasão de diversos tipos de células
O presidente norte-americano, Donald Trump, já abonou a teoria de que o vírus teria escapado do Instituto de Virologia de Wuhan, situado a cerca de 14 quilômetros do mercado de animais vivos que ficou famoso como possível origem da pandemia. Em laboratórios avançados de todo o mundo, incluído o de Wuhan, são feitas os chamados experimentos de ganho de função: gerar mutações em vírus para que se tornem mais contagiosos, mais nocivos e mais resistentes aos tratamentos. O objetivo desses frankensteins é acelerar vacinas e medicamentos para se antecipar às próximas pandemias. Não é um delírio pensar em uma fuga, mas não há nenhuma prova de que tenha ocorrido.
O virologista norte-americano Jack Nunberg fez um destes polêmicos experimentos em 2006. Pegou o vírus SARS-CoV-1 e inseriu nele, precisamente, um ponto de corte por furina. Entretanto, ele hoje acredita que o SARS-CoV-2 é fruto de processos naturais. O novo coronavírus, argumenta, apresenta múltiplas mudanças em seu genoma com relação aos demais coronavírus conhecidos, não só as 12 letras. O vírus mais parecido é o RaTG13, de morcegos, que só compartilha 96% de seu genoma com o atual SARS-CoV-2. Calcula-se que ambos divergiram de um ancestral comum há 52 anos. Em termos evolutivos, esta semelhança é “mais ou menos a que existe entre uma pessoa e um porco”, nas palavras do geneticista Rasmus Nielsen, da Universidade de Califórnia em Berkeley.
A possibilidade de que alguém introduzisse todas essas mudanças em um laboratório é “descabida, mas não impossível”, argumenta Nunberg, hoje diretor do Centro de Biotecnologia de Montana, nos EUA. “Infelizmente, embora não confie na transparência da China, confio menos ainda nos teóricos da conspiração, incluído meu estimado presidente. Não acredito que ninguém saiba o suficiente para desenhar de propósito um novo vírus que tenha tanto sucesso”, opina. Os vírus, recorda, estão em mutação o tempo todo. E um só ser vivo infectado pode ter até um trilhão de partículas virais infectantes de um determinado vírus em seu corpo. “Nunca subestime a capacidade de um vírus para se adaptar. É como os mil macacos com máquinas de escrever que, ao acaso, podem redigir uma obra de Shakespeare. Estas coisas acontecem”, conclui Nunberg.
Fontes: Stefan Pöhlmann (Centro de Primatas da Alemanha), Margarida del Val (CSIC), Javier Jaimes (Universidade de Cornell), Etienne Decroly (Universidade do Aix-Marselha), Fang Li (Universidade de Minnesota), Greg Bowman (Universidade de Washington).
EL PAÍS
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