segunda-feira, 14 de junho de 2021

O Assalto à Razão

Bolsonaro racha o País e juristas da CPI separam o que é só grotesco do que é crime do presidente ***
*** Vem pedido de processo por aí. ***
*** A Trajetória do Irracionalismo de Schelling a Hitler *** GYORG LUKÁCS Com os ideólogos progressistas do período de preparação da revolução democrático-burguesa, os pensadores da Ilustração tinham necessariamente que idealizar a sociedade burguesa e, primeiramente, a função social do egoísmo. Sem conhecer em sua maior parte a economia política clássica inglesa, e até, muitas vezes, antes mesmo de que esta surgira, expressam em sua ética a fundamental tese econômica de Adam Smith segundo a qual a conduta economicamente egoísta do indivíduo é o principal veículo para o desenvolvimento das forças produtivas e conduz necessariamente, em última instância, à harmonia dos interesses globais da sociedade. (…) É claro, no entanto, que, ao despedaçar a teoria smithiana da harmonia contra os feitos do próprio capitalismo, só podia manter-se em pé, na economia, sob a forma de economia vulgar (a partir de Say), e na ética e na sociologia somente sob a forma de apologia direta do capitalismo (desde Bentham). A falta de sagacidade e o ecletismo dos positivistas se manifestam também, entre outras coisas, em que estes pensadores são incapazes de adotar uma posição clara e unívoca frente ao problema do egoísmo. Sua posição é a de uma miscelânea que tudo o borra e confunde. Agora bem, quando Nietzsche, como representante da apologética indireta, aborda de novo o problema da afirmação do egoísmo – tendência que, como veremos, desempenha já importante papel em sua juventude, na atualização mitificadora do “agon”, da “Éris boa” –, não se trata já, nele, de idealizar a nascente sociedade burguesa, todavia progressista e até revolucionária, mas, pelo contrário, de idealizar aquelas tendências egoístas da burguesia já em seu declínio que se desdobravam no período do imperialismo: quer dizer, do egoísmo de uma classe condenada pela história a perecer e que, em sua luta desesperada contra seu coveiro, contra o proletariado, mobilizava todos os instintos bárbaros soterrados no homem e ascendia neles sua “ética”. Referência: LUKÁCS, G. El asalto a la razón: la trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler. México/Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1959, p. 280-281. Ilustração: Irracionalismo Moderno – Decadência Filosófica. Disponível em: https://www.facebook.com/IrracionalismoModerno *** *** http://www.chacomletras.com.br/2015/09/lukacs-o-assalto-a-razao-excerto/ *** *** Pedro S. Malan - O terceiro inverno do governo Bolsonaro ***
*** “Não vejo na divergência ideológica, na diversidade partidária e no pluralismo doutrinário, senão virtudes para as quais se concebeu a democracia representativa." - O Estado de S. Paulo Os próximos 12 a 15 meses são cruciais para evitar outro salto no escuro em 2022 A cada início de inverno deste período de governo Bolsonaro venho publicando neste espaço textos voltados para o eventual leitor que preferiria não experimentar, em outubro de 2022, a polarização irrefletida que marcou a eleição de 2018 e julga ainda possível, desejável e salutar contribuir para tornar viável uma eventual coalizão ampliada de centro. Como escreveu em texto recente Margareth Dalcomo, “aos cansados desses longos meses e que pretendem não se imiscuir nas querelas e desavenças políticas resta a lógica aristotélica, que lembra, aos que não gostam da política e permanecem neutros por convicção: somos e seremos sempre governados pelos que gostam e instados a arcar com as consequências dessa nada impune neutralidade”. Há que levar em conta as sofridas memórias vividas por todos os brasileiros nos últimos dois anos e meio. Refiro-me não apenas à pandemia e à desastrosa postura do chefe do Executivo em relação a ela. É preciso que o País não perca sua memória – a memória do que alguns historiadores chamam do “passado recente”: aquele que continua influenciando o escopo das escolhas possíveis no presente. Foram ações e omissões, erros e acertos, paixões e interesses, conflitos e compromissos que nos trouxeram, como país, ao que somos hoje. Entender como um país se tornou o que é, e o que poderia vir a ser, exige consciência do peso ou do empuxo do passado, como condição para viver criativamente no presente e, principalmente, para ter visão sobre o futuro, seu e de seu país no mundo. O processo que nos trouxe até aqui está em curso há décadas. Estamos há mais de 130 anos em busca de uma República democrática digna desse nome. Por vezes, e particularmente agora, é preciso defender conquistas que julgávamos, realisticamente, em processo de consolidação. O risco de retrocesso existe e vem se tornando menos obscuro ao longo dos últimos dois anos e meio. Acentuado pela propensão ao autoritarismo que vem marcando, a cada inverno que passa, a postura e a conduta daquele que deveria servir de exemplo a seus concidadãos – e não apenas àqueles que o têm como mito, como oráculo inquestionável. Dizia o texto publicado aqui em junho de 2019 (início do primeiro inverno): “É difícil imaginar que possamos seguir com o grau de surpresas e incertezas que marcou os primeiros meses deste governo”. Por mais espantoso que pareça, elas se acentuaram nos 12 meses que se seguiram, com crescente atividade e influência do núcleo familiar e do núcleo ideológico do Palácio do Planalto nas redes sociais. No início do segundo inverno tentávamos ainda interpretar a escalada da estratégia bolsonarista, cada vez mais inspirada no sucesso de Trump nos EUA quanto ao uso, “como nunca antes no Brasil”, das redes sociais, crescentemente mobilizadas. E desde então as incertezas, ansiedades e contradições só se acentuaram. A polarização acerba vem sendo a marca dos primeiros 18 meses do governo. Em 19 de abril de 2020 Bolsonaro discursou na manifestação de seus fiéis seguidores em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, em meio a faixas pela restauração do AI-5 e contra o Congresso e o STF. Em fins de maio o País assistiu à íntegra do vídeo de uma surrealista reunião ministerial – a pandemia de covid-19 já fora declarada oficialmente pela OMS havia cerca de um mês e meio. Quem tinha dúvidas sobre o que era o presidencialismo de confrontação, à la Trump, deve tê-las perdido então. A partir daí, o instinto de sobrevivência política levou o presidente a fazer o que havia desprezado até então: tentar construir uma base de apoio no Congresso apta a permitir-lhe ganhar a reeleição em outubro de 2022. Trump, o modelo de Bolsonaro, obteve em 2020 10 milhões de votos a mais do que havia obtido em 2016. Em belo artigo publicado neste jornal (23/11/20), Moisés Naim escreveu: “São 74 milhões que não se importaram em votar em um presidente que mente de forma compulsiva, constante e facilmente verificável. Que não acreditam que Trump seja mentiroso, ou não se importam com isso, ou têm necessidades e esperanças mais importantes”. Mas o fato é que os eleitores norte-americanos decidiram, por uma diferença de 6 milhões de votos, não dar um segundo mandato a Trump. Que então se recusou a aceitar o resultado das urnas. Na verdade já declarava desde 2016, quando disputou pela primeira vez, que só reconheceria o resultado das urnas “if I win”. Em episódio inesquecível, insuflou seus seguidores a marchar contra o Congresso norte-americano. Era 6 de janeiro. A democracia norte-americana reagiu à invasão de seu Parlamento em plena sessão, e Biden tomou posse duas semanas depois. A democracia venezuelana não resistiu a Chávez e Maduro. Há o risco de Bolsonaro ter em 2023 um quinto inverno. Seria o inverno de nossa desesperança, porque o Brasil teria dado em 2022 outro salto no escuro, como fez em 2018. Aqueles que desejam evitá-lo deveriam pensar na importância crucial dos próximos 12 a 15 meses. Para tanto muito ajudaria o uso da memória, que é, ou deveria ser, um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. domingo, 13 de junho de 2021 *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/pedro-s-malan-o-terceiro-inverno-do.html *** *** **** Samuel Pessôa - Celso Furtado e décadas perdidas ***
*** - Folha de S. Paulo Olhar o passado recente à luz de Furtado pode iluminar o futuro O melhor momento que vivemos desde a redemocratização foi no governo Lula. No entanto, a hegemonia petista terminou na maior crise de nossa história. Para construir um contrato social que sustente crescimento persistente a longo prazo, vale rever a análise que Celso Furtado fez da política econômica dos anos 1970, que anteciparam nossa primeira década perdida. No livro de 1981 "O Brasil Pós-'Milagre'", nosso economista mais influente de todos os tempos escreveu: "Também era necessário que se ampliasse a capacidade de financiamento a partir da poupança interna. Essa modificação estrutural somente seria obtida se, ao crescer o produto, durante algum tempo os gastos de consumo (privados e públicos) aumentassem menos que proporcionalmente". Duas décadas depois, foi o que fez Lula nos primeiros anos de seu governo. A partir da mudança na política econômica de Lula, em seguida à saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda e o abandono da política de contenção fiscal, contudo, deixamos de seguir o ensinamento de Furtado. No período de 2006 até 2014, o PIB cresceu em média 3,1% ao ano, e o consumo, 4,3%, 1,2 ponto percentual acima. Não surpreendentemente, as exportações líquidas, que eram superavitárias em 4,3% do PIB em 2005, tornaram-se deficitárias em 3,6%, uma virada de 7,9 pontos percentuais do PIB. O segundo motivo que gerou a crise foi a perda de eficiência do investimento. Investimentos foram feitos. Maturaram mal. O crescimento máximo possível, o que os economistas chamam de crescimento potencial, reduziu-se. Algo semelhante havia se passado nos anos finais da ditadura, segundo a crítica de Furtado em 1981. O economista notou que a descoordenação na década de 1970 das decisões de investimento, numa economia em que o mercado não exercia poder de direcioná-las, acabou por gerar perda de eficiência. Apesar de o governo militar ser à primeira vista altamente centralizado, havia dentro dele uma "fragmentação do sistema de decisões, forma de feudalismo, ou senhorio, que opera sem unidade de propósito", escreveu em artigo no Jornal de Tarde em agosto de 1982. Cada estatal ou ministério de certa forma agia independentemente do todo, fazendo os seus projetos, e gastos, com assustadora independência, sem precisar prestar contas ao Legislativo e à sociedade. No livro "A Nova Dependência", de 1982, anotou: "A partir de certo momento, qualquer tentativa visando a compatibilizar o agregado de projetos com os meios realmente disponíveis exige o abandono de obras e implica elevar os custos. A relação produto-capital corresponde à metade da que o país conheceu historicamente". Não que não tenha havido motivos externos para as nossas décadas perdidas. Tanto na década de 1980 quanto na de 2010, parte da queda de crescimento foi consequência de choques externos. Na primeira com muito mais intensidade do que na segunda. Furtado acreditava no poder da democracia para gerenciar o Orçamento público, ou, em última instância, nosso conflito distributivo. No mesmo artigo no Jornal da Tarde, escreveu: "Nas democracias modernas o controle dos gastos do Estado é obtido mediante um consenso entre as forças que estão na base do sistema de poder político. (...) A mediação da classe política é fundamental nesse processo". O presidencialismo brasileiro depende muito da qualidade da liderança da Presidência da República. O Congresso tem sempre a última palavra, mas, se o presidente se exime de suas responsabilidades e não lidera na explicitação e na mediação dos conflitos, o impasse está estabelecido. Ano próximo temos mais uma oportunidade de acertar. domingo, 13 de junho de 2021 *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/samuel-pessoa-celso-furtado-e-decadas.html#more *** *** ***
*** Senador Alessandro Vieira @Sen_Alessandro · 8 h Concordo 100% com o alerta do ⁦ @GenSantosCruz ⁩. Não enfrentamos apenas um governo profundamente incompentente e anárquico, mas sim um projeto golpista. É preciso acordar e reagir, sempre dentro das regras democráticas. São elas que nos permitem sonhar com um Brasil melhor. ***
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*** - O Estado de S. Paulo Bolsonaro racha o País e juristas da CPI separam o que é só grotesco do que é crime do presidente Ao entrar num avião lotado, sem ter por que nem para que, o presidente Jair Bolsonaro colheu uma cena e um momento do Brasil: um grupo estridente ao fundo, gritando “fora, Bolsonaro!”, “genocida” e “assassino” e um outro, próximo à cabine do piloto, tirando fotos e reagindo com “mito, mito, mito”. No centro da aeronave, porém, a grande maioria dos passageiros permaneceu sentada em seus assentos, em silêncio, só observando. Mais do que um ato populista, de campanha antecipada, Bolsonaro fez a papagaiada com um intuito: radicalizar a divisão da sociedade brasileira, rachar o País entre os dele, que são machos, não usam máscara, tomam cloroquina e andam de avião e moto, e todos os demais, “maricas”, de máscaras, que deviam viajar “de jegue”. A diferença é que o grupo “dele” é armado: militares, policiais, milícias, civis adoradores de revólveres e tiros, tudo embolado com a velha política e religiões que nadam em dinheiro. Do outro lado, em meio a bandeiras vermelhas, tem de tudo, da esquerda à direita, mas, se houver armas, estão mais para peixeiras do que fuzis. Só há um ponto comum entre machos e “maricas”, os do avião e do jegue, os das motos e do juízo, os dos fuzis e das peixeiras, os da terra plana e da ciência, os da Amazônia e das cinzas, os da institucionalidade e das sombras, os com máscara e sem máscara: as vacinas! Aí não tem mito nem ideologia, é botar o braço na mira. Bolsonaro teve sucesso em tumultuar, confundir e dividir os cidadãos quanto a isolamento social, máscaras e cloroquina, na contramão da ciência e do mundo civilizado, mas perdeu feio quando atirou despudoradamente contra as vacinas. Pesquisas, filas e declarações de Norte a Sul mostram, sem sombra de dúvidas, que o brasileiro quer se vacinar. E sabe que este é um... direito. Se jamais recuou no resto, o presidente foi obrigado a capitular na vacina, sua grande e única inflexão na pandemia. E não foi pela ciência ou consciência, mas por oportunismo. Além de a população exigir imunização, há o fator João Doria, que não incomoda só com suas “calças apertadinhas”, mas pela audácia de sair na frente, bancar a Coronavac e registrar a foto da primeira brasileira vacinada em solo nacional. Desde junho de 2020, a Pfizer e o Butantan se esgoelavam para abastecer o Brasil, enquanto o governo dava de ombros para eles e para os relatórios de embaixadas brasileiras, talvez porque Bolsonaro, além de não dar o braço para a vacina, não quisesse dar o braço a torcer e admitir, finalmente, que não era “uma gripezinha”. Assim, o tempo passou, dezembro chegou sem vacinas, e com aumento de casos e mortes. O governo só acordou em 2021. Foi o ciúme de Doria que chacoalhou Bolsonaro, quando o governador anunciou o início da vacinação para janeiro e deu aos brasileiros o que ele se recusava a dar: esperança. A partir daí, as coisas ficaram na mesma em relação a máscaras, isolamento e cloroquina, mas mudaram radicalmente quanto a vacinas e até os filhos do presidente viraram pró vacina desde criancinhas. O paizão liberou, só não ao ponto de arregaçar as mangas – nem para sua dose, nem para combater a pandemia. O que a CPI busca, com um conselho de juristas instalado sexta-feira e municiado com uma montanha de documentos e depoimentos, é algo bem concreto: separar o que é só grotesco do que é criminoso, o que é falação do que pode ser, objetivamente, tipificado como crime do presidente da República numa pandemia que caminha para 500 mil mortos em pouco mais de um ano. Vem pedido de processo por aí. PS: Marco Maciel foi praticamente uma unanimidade, como homem bom e político com ideais e princípios, desses que fazem muita falta, mais ainda em meio às trevas. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/eliane-cantanhede-cpi-mito-e-genocida.html#more *** *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Carlos Alberto dos Santos Cruz* - Por que envolver o Exército em crise política? ***
*** - O Estado de S. Paulo Bolsonaro age para destruir e desmoralizar as instituições; com seguidores extremistas, alimenta fanatismo que terminará em violência A resposta é simples: o sonho chavista de poder do presidente que tenta usar o Exército em seu projeto pessoal. O Brasil não é a terra do ídolo inspirador do presidente e não vai se transformar em algo similar. Aqui, “EB” quer dizer Exército Brasileiro e não “Exército Bolsonarista”. O Exército enfrenta o mesmo problema das outras instituições brasileiras: o risco de erosão. Infelizmente, a mentalidade anarquista do presidente age para destruir e desmoralizar as instituições, e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional. Junto com seguidores extremistas, alimenta um fanatismo que certamente terminará em violência. Para aventuras políticas pessoais, instituições sólidas e funcionais são sempre um imenso obstáculo. Projetos populistas e totalitários, não importa seu matiz ideológico, não avançam sem subverter a ordem, sem corromper as instituições. E uma das instituições mais sólidas é o Exército (assim como a Marinha e a Força Aérea). Ao invés de recuperação e aperfeiçoamento das instituições, assistimos ao agravamento da situação existente e a erosão da Saúde, Justiça, Meio Ambiente e Educação. O presidente tenta também desmoralizar o sistema eleitoral, mas não apresenta as provas de fraude que diz possuir. Semeia dúvidas sobre o Tribunal de Contas da União, valendo-se de relatório e dados falsos. No orçamento da União, apresenta uma nova forma de “mensalão” – o chamado orçamento secreto. Nas Relações Exteriores, graças ao Senado, escapamos do vexame da quase nomeação de um embaixador esdrúxulo junto aos EUA, e agora temos à frente a investida demagógica de uma nomeação para a África do Sul. Oxalá o Senado poupe o Brasil de mais essa. Esse é o contexto em que se desenvolve mais uma tentativa de erosão de uma das instituições de maior prestígio do Brasil – o Exército Brasileiro. O caso do general no palanque, em mais um evento populista promovido pela autoridade maior, é da alçada do comandante da Força, que decidiu dentro das suas atribuições. Problemas disciplinares são resolvidos diariamente por todos os comandantes, nos diversos níveis. Não é esse o problema. O problema é muito maior e mais grave. É político. E tem um responsável – o presidente. Para realizar seu projeto pessoal, ele vem testando o Exército frequentemente. Isso é deliberado. É projeto de poder. Não acontece só por despreparo, irresponsabilidade e inconsequência. Isso é processo planejado, que vem sendo adotado e tentado de forma sistemática. É também um processo covarde, pois as consequências são sempre creditadas a outras pessoas e instituições. Ocorre que a responsabilidade pessoal e funcional está muito bem definida e o responsável maior deve arcar com as consequências. É covardia transferir essa conta ao Exército. E é totalmente inaceitável a tentativa permanente de arrastar o Exército para o erro histórico de assumir um protagonismo político em apoio a uma aventura pessoal perseguida de forma paranoica. O Exército não é e não pode ser uma ferramenta de uso pessoal, partidário ou de intimidação política. A missão do Exército não é auxiliar uns e outros em disputas eleitorais e em jogo de poder, dividindo os brasileiros. O Exército tem uma missão constitucional definida. O Brasil precisa de paz, de união nacional, de governo que trabalhe e promova o desenvolvimento socioeconômico com boa administração. O Brasil precisa de políticas públicas sensatas, de combate à corrupção, eliminação de privilégios e redução da desigualdade. Precisa de vacina e emprego. É preciso que o voto da maioria sirva para governar para o bem de todos e não para interesses pessoais, familiares ou de grupos. O Brasil não merece uma polarização entre quem já teve oportunidade de governar e se perdeu em demagogia e escândalos de corrupção e quem mostra diariamente que tem como objetivo um projeto de poder semelhante, apenas com sinal trocado. O País não pode ficar entre dois polos que se alimentam e se comportam como cabos eleitorais um do outro. O Brasil não merece mais erosão em suas instituições. Ao contrário, nossas instituições precisam de melhorias e aperfeiçoamentos. A democracia depende do aperfeiçoamento institucional constante. O Exército Brasileiro, assim como as outras instituições que compõem a Nação, não pode continuar a ser covardemente prejudicado por causa de um projeto de poder pessoal e populista. *General da reserva e ex-ministro da Secretaria de Governo *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/carlos-alberto-dos-santos-cruz-por-que.html#more *** *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Ricardo Noblat - Quebra de sigilos pelo STF deixa o governo Bolsonaro atordoado ***
*** - Blog do Noblat / Metrópoles Tem muita gente que perdeu o sono Na avaliação do presidente Jair Bolsonaro, até ontem o mais duro revés sofrido por seu governo, este ano, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a instalação da CPI da Covid-19 no Senado. O desgaste tem sido grande desde então. Mas, ontem, finalmente, outra decisão superou a primeira em gravidade. Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes mantiveram a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos ex-ministros Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, a “a capitã cloroquina”. Na última sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um mandado de segurança ao Supremo no qual pedia a anulação da decisão da CPI de quebrar os sigilos de Pazuello. Antes, por sua conta e risco, Pazuello e Mayra deram entrada nos seus próprios pedidos. A ação da AGU dizia que a CPI tomara sua decisão sem “qualquer fundamentação” e com base “na pressuposição genérica” de que o general Pazuello foi titular do Ministério da Saúde, o que não seria suficiente “para uma medida de extrema gravidade”. Lewandowski simplesmente rejeitou-a. No seu entendimento, as medidas adotadas pela CPI são pertinentes com as investigações e não se mostram, “a princípio, abusivas ou ilegais”. Por razões semelhantes, Alexandre de Moraes também rejeitou o pedido feito por Araújo. Teme Bolsonaro que a quebra dos sigilos dos três revele segredos embaraçosos para o governo guardados na memória de celulares e de computadores. Mais cuidadoso foi o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, suspeito de envolvimento com contrabando de madeira, que levou 19 dias para entregar seu celular requisitado. A operação de combate à pandemia implicou em muitos gastos. Dirigentes e lobistas de empresas farmacêuticas pressionaram o governo para que comprasse respiradouros, testes, vacinas e drogas ineficazes contra o vírus. Ao que se viu, o governo estimulou a compra de drogas e empurrou as demais compras. A direção da CPI está convencida de que muito dinheiro correu diretamente para o bolso de funcionários graduados do governo. Com os documentos que reúne, pretende provar. A conferir em breve se isso é verdade. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/ricardo-noblat-quebra-de-sigilos-pelo.html#more *** *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Hélio Schwartsman - Os limites da razão ***
*** Folha - UOL Kurt Gödel e os limites da razão *** - Folha de S. Paulo Nova biografia traz episódios de sua vida como a amizade com Einstein e os problemas psiquiátricos Diálogo entre um juiz americano e um estrangeiro em processo de naturalização: – Que tipo de governo vocês têm lá? – Era uma República, mas a Constituição era tão frágil que acabou se tornando uma ditadura. – Isso é ruim. É claro que nada parecido poderia acontecer aqui. – Pode sim. E eu posso provar. Essa conversa se deu em 1948 entre o juiz Phillip Forman e o lógico austríaco Kurt Gödel. Como Albert Einstein e Oskar Morgenstern, padrinhos de Gödel na naturalização, rapidamente intervieram para que ele se calasse e não estragasse tudo, não sabemos que tipo de prova seria apresentada. Mas podemos imaginar. É o que faz Stephen Budiansky em “Journey to the Edge of Reason” (jornada aos limites da razão), a nova biografia de Gödel. Para Budiansky, é plausível que Gödel, na trilha da lógica autorreferencial que o consagrou, tivesse em mente a possibilidade de algum governante americano alterar as regras que presidem à mudança de regras —emendas à Constituição—, o que lhe permitiria assumir poderes ditatoriais. “Journey...” relata esse e outros episódios da vida de Gödel: a participação no Círculo de Viena, a fuga da Áustria anexada, a vida em Princeton, a amizade com Einstein, os problemas psiquiátricos. Obviamente, fala também das contribuições de Gödel para a matemática e a filosofia, com destaque para os teoremas da incompletude, que mostram limitações inerentes a todos os sistemas axiomáticos não triviais, como é a matemática. É aí que o livro se revela particularmente útil. Além de trazer um anexo que torna possível acompanhar —e, com certo esforço, compreender— o passo a passo da prova de Gödel, “Journey...” se põe a desmitificá-la. Sim, os teoremas da incompletude foram um golpe fatal nos programas que pretendiam levar as certezas matemáticas à filosofia, mas os engenheiros podem ficar tranquilos, pois a matemática continua funcionando. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/helio-schwartsman-os-limites-da-razao.html#more *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Vinicius Torres Freire - Luto e política no Natal sem pandemia ***
*** - Folha de S. Paulo País vai se adaptar ao ódio e à mentira lunática ou vai mudar de conversa política? É bem possível que o Brasil tenha reuniões de Natal e comemorações de fim de ano. Falar em “festas” talvez seja ambição exagerada ou insensibilidade. Haverá muito luto familiar ou a memória dos talvez quase 600 mil brasileiros que terão partido. Em um trabalho recente, André Dahmer ilustra um calendário das nossas perdas. No primeiro quadrinho de três “fotos” de família, aparecem em 2019 um casal de avós, um casal mais novo e uma criança. Em 2020, os avós se foram. Em 2021, restam a mulher e seu filho. Até o final do ano, uma de cada cem pessoas de mais de 70 anos terá morrido; o risco bruto de um homem morrer é 27% maior que o de uma mulher. As histórias de rusgas em reuniões familiares da época de “festas” tornaram-se um folclore nacional mais deprimente desde que a desavença política e cultural derivou para o ódio. Imaginar como vai se desenhar essa caricatura familiar da vida do país no Natal de 2021 é também uma especulação sobre o que será do luto e da conversa política. Os Estados Unidos lembram do “grande Natal” de 1945, depois do fim da Segunda Guerra. Milhões de americanos combateram, centenas de milhares morreram, outros viveram anos de racionamento estrito. A celebração de 1945 teve raros feriados, euforia e um tom de união nacional restante de um país que se engajou inteiro em conflito de vida e morte. Nós estamos em uma espécie de guerra política incivil, conflito muito além das linhas costumeiras das nossas divisões cruéis. Nos dias que correm, a maior parte do país teme a morte pelo vírus, outros nem tanto ou nada. Parte tenta estabelecer a culpa legal de quem agravou a tragédia, outros tentam ampliá-la, embalados por mentiras lunáticas e sectárias do presidente do que resta da República. Jair Bolsonaro volta a desacreditar as vacinas ao mesmo tempo em que se gaba indevidamente de um progresso exagerado da vacinação. Faz campanha contra máscaras e voltou a mentir sobre o tamanho do morticínio. Quer erradicar qualquer possibilidade de diálogo racional e enraizar o ódio. As condições reais da vida vão mudar até o final do ano, porém (se não tivermos sucesso na nossa tentativa de cevar uma variante assassina do vírus). Ao ritmo de junho, todos os adultos terão sido vacinados em outubro —sem frustração maior do cronograma oficial, antes disso. É possível até dar duas doses para todo mundo até dezembro. A vida material vai melhorar para muitos, embora o povo comum deva ter um Natal entre magro e faminto. Um quilo de carne custa 10% do salário mínimo em São Paulo. Entre o alívio e o luto, entre a pobreza de muitos e a melhoria de vida de metade do país, como vamos lembrar da catástrofe e pensar no futuro ou em 2022? O alívio talvez possa provocar uma normalização duradoura da mentira, da agressão à humanidade e do ódio, ao qual temos nos adaptado mais e mais. Uma alternativa é justamente pensar no futuro, o que inclui dizer “nunca mais” para a aceitação da morte gratuita. Mas não temos visão alguma de futuro, talvez apenas a ideia de “retorno” a “bons anos”, uma ilusão grave, pois os anos nem eram assim bons e nem mais existe o país que imaginávamos conhecer faz meia década. Na política ou nas ideias, 2023 em diante é um acirramento sombrio do que estamos vendo ou névoa escura, apenas um “depois” sem rosto. Até agora, não temos plano ou sugestão de conversa para seguir a vida, viver o luto, enterrar os mortos e cuidar dos tantos vivos feridos. Em termos vulgares, não temos um programa. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/vinicius-torres-freire-luto-e-politica.html#more *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Míriam Leitão - Um ‘tera’ de provas contra o governo ***
*** - O Globo Um criminalista, que já advogou para milicianos, foi parar numa negociação internacional com a Pfizer, indicado pelo governo. Cem mil brasileiros morreram pelos atrasos deliberados na compra de vacinas. Com a Covaxin, o governo quis fazer contrato, ainda na segunda fase, e pagar adiantado. Foi a única a ter um intermediário e era uma empresa ligada a outra suspeita de fraude. Tudo isso está em um terabyte de informação que a CPI já acumulou e deve ser avaliado, segundo o senador Alessandro Vieira, por um grupo de juristas para tipificar os crimes cometidos pelo governo federal na crise sanitária. — A CPI conseguiu mostrar que existe uma lógica por trás de toda esta onda de equívocos do governo federal. O raciocínio era tentar contaminar o mais rapidamente os brasileiros, buscando a impossível imunidade de rebanho — disse Vieira. O presidente Jair Bolsonaro continua nessa mesma trilha, descrita na CPI. Atribuiu ao TCU uma tabela em que metade das mortes de Covid tinha outra causa e foi desmentido pelo tribunal. Em Goiás, disse que as vacinas são “experimentais”, como a cloroquina. No Planalto, afirmou que o “tal" Queiroga estava “ultimando” um parecer para dispensar o uso da máscara. No Espírito Santo, fez uma aglomeração, tirou a máscara, estimulando todos a fazerem o mesmo. E passou a semana preparando a manifestação de motos em São Paulo. Se os atos são explícitos, por que fazer uma CPI? Desde que a Comissão começou a trabalhar, acumularam-se provas, evidências, linhas de investigação sobre a maneira criminosa com que o governo conduz esta pandemia. — O governo deliberadamente atrasou a compra de vacinas. No fim do ano passado, o Brasil poderia ter 4,5 milhões de vacinas da Pfizer e 45 milhões de coronavac. A nosso pedido, o professor Pedro Hallal fez uma conta. Uma vez aplicadas as vacinas, no momento em que elas estiveram disponíveis, no fim do ano e começo de 2021, qual seria a correção de curva e redução das mortes? Ele estima que 100 mil mortes teriam sido evitadas e entre 250 mil a 300 mil internações não teriam ocorrido — diz o senador Alessandro Vieira. Foi uma semana de muita mentira na CPI. O ministro Marcelo Queiroga disse que foi dele a decisão de não nomear a médica Luana Araújo. Havia atribuído, anteriormente, ao Palácio, “afinal, o regime é presidencialista”. O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde coronel Élcio Franco foi desmentido por vídeo enviado por internauta. Ele disse que a negociação com o Butantan nunca foi interrompida. No vídeo, ele aparece dizendo “não vamos comprar a vacina da China”. Por que mentem os governistas? Para blindar o presidente. Só que Bolsonaro repete a mesma conduta temerária que aumenta as mortes. Nesse um terabyte da CPI tem a informação de que a sucessora de uma empresa de nome Global Medicamentos, suspeita de fraudes na gestão do ex-ministro Ricardo Barros, na Saúde, é a intermediária da Covaxin. Com essa o governo teve pressa em negociar. O advogado Zoser Plata Bondim de Araújo, com milicianos na sua lista de clientes, negociou com a Pfizer, em nome do governo. Dinheiro público foi usado em remédio que não funciona para o Covid-19. — Houve uma ação direta do próprio presidente da República em benefício das empresas que produzem cloroquina em negociações internacionais. O mundo inteiro correndo atrás de vacinas e o Brasil dificultando ao máximo a compra. Aquilo que o presidente não fez pela vacina fez pela cloroquina — diz o senador. Há muita informação já coletada pela CPI, há documentos oficiais mostrando os erros e omissões do governo, mas o que pode fazer a CPI, de fato? Ela encaminhará à Procuradoria-Geral da República. “Depois de enviar à PGR a lei não prevê mais nada” , me disse um procurador. O senador acha que, mesmo assim, a CPI tem que fazer o seu papel. — A gente tem essa compreensão da limitação da CPI. Ela não vai poder fazer denúncia, pedir impeachment. Vai fazer um relatório que será bastante contundente para que a sociedade organizada cobre providências. Vamos avançar para tipificar a conduta de Bolsonaro e construir, mesmo que seja para o futuro, medidas que evitem ter um presidente que claramente descumpre a lei de forma ostensiva. Não criamos mecanismos para isso. Era imprevisível. Agora sabemos que existe. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/miriam-leitao-um-tera-de-provas-contra.html *** *** domingo, 13 de junho de 2021 Luiz Carlos Azedo - O mal que nos ronda ***
*** - Correio Braziliense / Estado de Minas Por que tanta gente apoia atitudes negativas de Bolsonaro, mesmo sabendo que muitas de suas ações têm consequências trágicas para a sociedade? Ontem, sem máscara, o presidente Jair Bolsonaro participou de mais um desfile de motos, desta vez em São Paulo, reunindo milhares de partidários motorizados que o apoiam. Na sexta-feira, em São Mateus (ES), Bolsonaro se referiu aos críticos como “os que buscam o poder pelo poder” e se definiu como “um presidente que acredita em Deus, que é leal ao seu povo, que acredita nos militares e que nunca jogou fora das quatro linhas da Constituição”. Na quinta-feira, havia recomendado ao ministro da Saúde, “um tal de (Marcelo) Queiroga”, que decretasse o fim do uso obrigatório de máscaras durante a pandemia, sem levar em conta que a média de óbitos por covid-19 continua altíssima. A banalização das atitudes negacionistas e antidemocráticas divide o país. Uma parte da população endossa qualquer ato ou gesto do presidente da República e advoga uma ordem política na qual ele concentre todo o poder, ou seja, um Estado de exceção. Esse tipo de pensamento circula intensamente nos grupos de WhatsApp e outras redes sociais, enraizando comportamentos pautados pelo preconceito, pela excludência e pelo ódio. Em qualquer ambiente social, o clima político não é nada bom para o diálogo e a boa convivência. A filósofa judia-alemã Hannah Arendt (1906-1975), após testemunhar o julgamento do criminoso nazista Adolph Eichmann, escreveu um livro (“Eichmann em Jerusalém”, Companhia das Letras) no qual sugere que o mal não provém necessariamente da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Na década de 1960, Adolf Eichmann fora capturado na Argentina por agentes do Mossad, a polícia secreta de Israel, e transportado para Jerusalém, onde ocorreu o famoso julgamento do criminoso nazista. Eichmann era imaginado como um homem sanguinário, mas o julgamento mostrou um burocrata de carreira sem maior importância, que tinha por objetivo primordial vencer na vida a todo custo, cheio de esperanças, incapaz de refletir sobre as consequências de suas ações: mandar centenas demilhares de judeus para as câmaras de gás e crematórios. Estado de exceção. Eichmann poderia frequentar qualquer ambiente social sem sequer ser notado. Foi com base na sua personalidade e no seu julgamento que Arendt elaborou sua teoria sobre a “banalidade do mal”. Para a filósofa, as pessoas agem de certa maneira por sucumbirem às falhas de seus próprios julgamentos e pensamentos. A recusa em ver as pessoas que cometem atos dessa natureza como “monstros”, como no caso de Eichmann, traz para o nosso cotidiano esse tipo de ação. Não se trata apenas de examinar as falhas de sistema político, devemos examinar também as falhas de julgamentos e pensamentos de cada um de nós. A ideia de que o mal é uma coisa banal não elimina os horrores de suas consequências, como a morte recente de uma jovem grávida no Lins de Vasconcelos, em mais uma operação policial no Rio de Janeiro. Por que tanta gente apoia essas atitudes negativas de Bolsonaro, mesmo sabendo que muitas de suas ações têm consequências trágicas para a sociedade, como no caso da crise sanitária em que estamos vivendo? Porque o conservadorismo da sociedade é o berço das suas ideias mais reacionárias. Um empresário satisfeito com os próprios negócios na pandemia pode muito bem ignorar o que ocorre ao seu redor e achar que tudo vai muito bem, obrigado. Um militar austero que a vida inteira economizou para chegar ao fim do mês com as contas em dia não tem do que reclamar se ocupar um cargo comissionado que multiplicou sua renda mensal. Um caminhoneiro que abastece seu veículo com diesel subsidia- do também não. O agricultor que se beneficia da alta do dólar na exportação de sua produção a mesma coisa. O problema é o que ronda tudo isso. Um dos grandes críticos do liberalismo foi o jurista alemão Carl Schmitt (1988-1985). Segundo ele, os pressupostos do liberalismo não davam conta das situações excepcionais, nas quais alguém deveria ter a possibilidade de suspender as leis, ou seja, decidir quando a situação está normal ou excepcional. A vida estaria acima da lei, daí a possibilidade de ignorá-la para proteger o Estado e os cidadãos. Schmitt foi um ideólogo do Estado nazista, o que liquidou sua carreira acadêmica após a II Guerra Mundial. Entretanto, alguns conceitos de Schmitt sobre a política, a distinção entre amigo e inimigo e a excepcionalidade foram exumados por conservadores e pensadores políticos de direita, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Suas ideias também circulam no Brasil. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/06/luiz-carlos-azedo-o-mal-que-nos-ronda.html *** *** ***
*** *** Ancelmo Gois: ''Quer se esconder de um bolsonarista? Entre em uma livraria.'' *** Marco Antonio Villa O General Leônidas tinha horror a Bolsonaro. Bolsonaro foi um deputado sindicalista Bolsonaro sempre foi bem votado na Vila MIlitar e em áreas sob domínio das milícias. Bolsonaro faz a política da litigância. A elite política brasileira piorou muito Bolsonaristas satanizam a cultura Vivemos em um momento em que a burrice venceu. *** *** https://www.youtube.com/watch?v=tjTT8kJZ0iE *** *** *** Conheça a Biblioteca Lukács da Boitempo! Publicado em 08/12/2015 // 13 comentários ***
*** Desde 2010, a Boitempo desenvolve sistematicamente o projeto de publicação das obras de György Lukács (1885-1971). O diferencial dessas edições, em face das anteriores de textos lukacsianos em português, não se reduz ao esmero da apresentação gráfica nem ao cuidado na escolha de especialistas para a redação dos subsídios (prefácio, posfácio, texto paras as orelhas e para a quarta capa dos volumes) oferecidos ao público. O diferencial consiste na tradução – com revisões técnicas – que se vale dos originais alemães, devidamente autorizada pelos detentores dos direitos autorais. ***
*** Boitempo no Instagram: José Paulo Netto veio a São Paulo para discutir a programação da Biblioteca Lukács com nossas editoras e com Ronaldo Vielmi Fortes. *** A Boitempo não se propõe entregar ao leitor de língua portuguesa as obras completas de Lukács, como também não ambiciona elaborar – no sentido estrito – edições críticas. O projeto em curso ousa oferecer o essencial do pensamento lukacsiano em traduções confiáveis e dignas de crédito, posto que se conhecem a complexidade e a dificuldade da tarefa de verter textos tão densos, substanciais e polêmicos. Agora, aos livros anteriormente publicados (Prolegômenos para uma ontologia do ser social, 2010; O romance histórico, 2011; Lenin e Para uma ontologia do ser social I, 2012; e Para uma ontologia do ser social II, 2013), junta-se este Reboquismo e dialética, que inaugura uma nova fase do projeto, batizado como Biblioteca Lukács. Verifica-se como, ao cabo de meia década, com o trabalho de tradutores de competência comprovada, de revisores técnicos de alto nível e com subsídios de intelectuais destacados, vem avançando a missão de divulgação para o leitor brasileiro do pensamento daquele que foi o maior filósofo marxista do século XX. E a Boitempo, empenhada em alcançar seu objetivo, acaba de reforçar a equipe responsável pela Biblioteca Lukács, com a colaboração permanente dos professores José Paulo Netto (coordenador) e Ronaldo Vielmi Fortes (coordenador adjunto). REBOQUISMO E DIALÉTICA A coleção tem início com a publicação de Reboquismo e dialética: uma resposta aos críticos de História e consciência de classe, livro raro de György Lukács descoberto só recentemente nos arquivos de Moscou e até então inédito no Brasil. Traduzida diretamente do alemão por Nélio Schneider, a edição conta ainda com um prefácio de Michael Löwy e pósfácio de Nicolas Tertulian. Leia o texto de orelha do livro, assinado por Antonio Carlos Mazzeo, abaixo: ***
*** reboquismo Este ensaio inédito de Gyӧrgy Lukács era, até pouco tempo, desconhecido – tanto que o próprio autor pensava que havia sido destruído. Em meados da década de 1990, ao abrir os arquivos do Comintern, em Moscou, pesquisadores descobriram este texto, escrito entre 1925 e 1926, com o título em alemão Chvostimus und Dialektik – uma paráfrase da expressão que Lenin, em seu livro Que fazer? (1902), usa para indicar as tendências espontaneístas do movimento operário russo que se recusavam a aceitar o papel da vanguarda e da necessidade da teoria e do partido revolucionários. Chvostimus – que deriva do termo russo chvost, “cauda” –, quer dizer, “a reboque” ou “reboquismo”. Escrito logo após o surgimento das críticas a História e consciência de classe (1923), Reboquismo e dialética é uma resposta, sobretudo, às vozes sectárias de Abram Deborin e de seu camarada do Partido Comunista húngaro László Rudas, mas também a Grigori Zinoviev, que no V Congresso do Comintern (junho-julho de 1924) praticamente “excomunga” o hoje clássico texto de filosofia marxista quando vocifera contra o “revisionismo teórico dos professores”. Lukács percorre criticamente os temas centrais de História e consciência de classe fazendo serrada defesa do significado do método dialético, contrapondo-o ao mecanicismo de viés positivista e ao determinismo de seus críticos, principalmente em relação à problemática da dialética da natureza e à questão da “consciência adquirida”. Mas se no ensaio não publicado à época, por um lado, escancaram-se as debilidades do jovem Lukács em relação à teoria social de Marx, por outro, verificam-se continuidades e rupturas com a obra de 1923, evidenciando o aprofundamento da transição intelectual do filósofo húngaro, principalmente a que está em processo na imediata pós-publicação de História e consciência de classe. Em sua defesa, o autor retoma aspectos fundamentais da teoria marxiana que foram desenvolvidos naquela obra, como a teoria do reflexo (Abbildtheorie) e a questão da totalidade como elemento analítico nodal para conhecer e transformar a realidade objetiva e a problemática da subjetividade revolucionária, temas que serão revisitados mais adiante, já sob a luz das leituras dos Manuscritos econômico-filosóficos (1844) de Marx. Assim, noventa anos após sua redação, esta pequena obra-prima que permaneceu inédita por sete décadas continua a oferecer aos estudiosos poderosas ferramentas para a reflexão – com uma profundidade que só o pensamento de György Lukács poderia legar-nos. Antonio Carlos Mazzeo I CURSO LIVRE GYÖRGY LUKÁCS *** https://blogdaboitempo.com.br/2015/12/08/conheca-a-biblioteca-lukacs-da-boitempo/ *** ***
*** Além Dos Limites da Razão A286 *** *** Ouvir Além Dos Limites da Razão Não encontrámos nada. Tudo é um fator psicológico questão de interpretação Pra ver que a razão se perder com a emoção E a minha intenção, não era ferir o mar e os espinhos Só por que eu acredito em outros caminhos E só por que eu não sou o que você pensa que eu sou Só por não jogar o jogo que vocês chamam de amor E eu também fui vitima da história confundida A própria prova viva que Deus é verdade e vida E quem diria que o mundo seria desse jeito Acabaria da forma que nem eu e você entenderia ''Sublimar sofrimento é a pior lei da da física Que transformar inteligência em fuga suicida'' A minha mente é um labirinto eu sei eu to perdido Passo um dia sorrindo e outros dez deprimido Nem por isso meus princípios irão mudar Como muda o meu sorriso, o vento, a lua e o mar Cansei de errar e mentir pra mim mesmo a todo tempo E sei que atrás de um sorriso tem um homem sofrendo ''Pra uns vida é sonho e pra outros pesadelo'' Em cada olhar uma história, mil problemas, uma glória O começo da derrota ou o fim da vitória Uma vida sem vida, o nada atrás do nada O vai e vem e o vem e vai e ninguém entende nada Até eu que nasci no inferno eu sinto medo Que meu próprio medo se transforme em pesadelo Eu leio, eu vejo, ouço do mundo inteiro Guerra por amor, guerra por dinheiro É triste é ruim, eu sei é deprimente Essa porra me mata antes de tempo lentamente A inteligencia é a luz que ilumina meu caminho Mas não me faz caminhar não me faz crescer sozinho Nem depois que eu confessar que meu crime é intuitivo No fim sempre haverá mais que um motivo "Eu vejo a mão que castiga, a outra que atira Os venenos que alivia a intenção que aniquila Não existe segredo a caminhada é sofrida E viver por viver é um crime contra a vida" Eu vejo a mão que castiga, a outra que atira Os venenos que alivia a intenção que aniquila Não existe segredo a caminhada é sofrida E viver por viver é um crime contra a vida Calma, deixa eu pensar me da um tempo O que é que ta acontecendo pera aí não to entendendo Eu to vendo infelizmente o medo nascer primeiro Que a vontade, o desejo, a verdade, o respeito É desse jeito que os homens diz aceitar seus erros? Seguir os mandamentos e ser fiel o tempo inteiro? Amor ao próximo não é só no quadro da sala Onde a mãe briga com a nora e expulsa o filho de casa Mas tudo passa, tudo muda, tudo acaba e o tempo ajuda E ontem a mão que implorou perdão outra vez machuca Dinheiro, prazer, salvação, mulher será isso né? Pra chegar onde você quer, isso é se souber onde quer chegar Quem é quem e o que é e onde isso vai dar E você é só mais um confuso igual a eu no resto do mundo Só esperando um sinal pra acabar com tudo Mas você finge não ver o que te faz sofrer Crer no que não vê e nunca vai entender que Fogo e espada são demonstrações de amor Que preto e vermelho fere a fé do sofredor "Eu vejo a mão que castiga, a outra que atira Os venenos que alivia a intenção que aniquila Não existe segredo a caminhada é sofrida E viver por viver é um crime contra a vida" Eu vejo a mão que castiga, a outra que atira Os venenos que alivia a intenção que aniquila Não existe segredo a caminhada é sofrida E viver por viver é um crime contra a vida. Composição: Ivan Ruan *** *** https://www.letras.mus.br/a286/alem-dos-limites-da-razao/ *** *** *** Leandro Konder: trajetória crítica | Margem Esquerda Entrevista Publicado em 13/11/2014 // 5 comentários ***
*** Leandro Koner_Carlito *** Entrevista especial com Leandro Konder. É com profunda tristeza que nos despedimos de Leandro Konder. Ser humano extraordinário, autor, coordenador de coleção, conselheiro e, acima de tudo, um amigo e companheiro de lutas. Konder sofria de Mal de Parkinson e faleceu em sua casa nesta tarde do dia 12 de novembro. Leandro foi um dos mais importantes filósofos marxistas do país. Filho do líder comunista Valério Konder, foi preso e torturado durante a ditadura militar brasileira e se exilou, em 1972, na Alemanha e, posteriormente, na França. Regressou ao país em 1978 e passou a se dedicar com afinco ao estudo das obras de Lukács e ao seu projeto de difundir o marxismo em terras brasileiras. Pela Boitempo, publicou Em torno de Marx, Sobre o amor e As artes da palavra. Desde 2005 coordenava a coleção Marxismo e Literatura, a qual passou a ser dividida com Michael Löwy no último ano. Na esteira das homenagens da editora a Leandro Konder, o Blog da Boitempo disponibiliza a entrevista completa realizada por Emir Sader e Maria Orlanda Pinassi para a Margem Esquerda #5. Também participa como interlocutor da conversa Carlos Nelson Coutinho, ou “Carlito”, que também nos deixou cedo demais no final de 2012. Abaixo, o texto integral; o leitor também tem a opção de baixar a entrevista completa diagramada em PDF clicando aqui. * * * * * * Leandro Konder é um desses intelectuais que dedicam a vida à crítica social e à construção do socialismo. A inquietação teórica é marcante em sua obra, tão vasta como essencial aos leitores de Georg Lukács, Antonio Gramsci, Walter Benjamin, Fourier e Flora Tristan, entre outros autores e militantes do combate anticapitalista que Leandro ajudou a tornar conhecidos no Brasil. Numa tarde de janeiro de 2005, Leandro concedeu esta entrevista à Margem Esquerda, reunido com Emir Sader, Maria Orlanda Pinassi e o amigo e companheiro de jornada Carlos Nelson Coutinho. Ficam registrados nas páginas a seguir alguns momentos preciosos de sua trajetória singular. Margem Esquerda [ME] – Uma boa forma de começarmos a conversar é conhecendo um pouco da sua formação marxista e da influência que seu pai – Valério Konder – eventualmente exerceu sobre ela. Leandro Konder [LK] – Meu pai era catarinense de Itajaí. O pai dele foi prefeito da cidade durante muitos anos. ME – Em que época foi isso? LK – Fim do século XIX, início do século XX. Mas a grande figura da história não era o meu avô, o que eu demorei um tempo para perceber, mas a minha avó, mulher dele. Ela era uma mulher de personalidade fortíssima, teve nove filhos; uma vez levou todos para o cais do porto, subiu uma montanha, apontou para o mar e disse assim: “Um dia vocês vão crescer e vão conhecer o mundo. O mundo fica lá. Isso aqui é Itajaí. Itajaí não é o mundo”. Em linguagem figurada, exagerando um pouco, eu diria que ela tinha uma personalidade tão forte que neurotizou os nove filhos. Uns eram mansos, outros bravos. O filho mais velho era integralista, foi preso como espião: passava informação aos alemães e aos japoneses durante a guerra. Na prisão, os outros o inocentaram, dizendo que ele era tão boquirroto que ninguém lhe contava nada. Então ele foi absolvido por essa razão infamante. Papai estava entre os doidinhos mansos; ele veio para o Rio de Janeiro estudar medicina. Chegou aqui e logo entrou em contato com os comunistas. Convertido, passou a influenciar a mãe, que não era nem nunca foi marxista, mas apoiava a opção do meu pai pelo comunismo por motivações não muito racionais, por afeto, talvez, mas também porque era muito inquie­ta no plano religioso. Ela foi sucessivamente crente de várias religiões, menos da católica, que era a religião da sogra, com quem ela se dava muito mal. Terminou a vida como rosa-cruz. Meu pai começou a trabalhar como médico em um hospício – ele queria ser psiquiatra; depois desistiu, procurou a medicina social e se tornou sanitarista. Na ocasião, ele tinha um amigo chamado Leandro Ratzbona, a quem devo meu nome. Ratzbona, cujo nome tem origem latina, vinha de uma cidade do sul da Alemanha e era um apaixonado por filosofia, especialmente por Kant. Papai leu Kant, mas preferiu seguir o caminho dos marxistas. Ele não tinha uma boa base filosófica marxista, preferindo adotar idéias próprias; em todo caso, superou o determinismo mais duro. Ele falava para mim: “O sujeito faz as coisas, as coisas são condicionadas, mas o homem é capaz de fazê-las”. Eu, ainda estudante, querendo me tornar marxista, acabei por me tornar um materialista vulgar; mas meu pai me ajudou a superar isso. Esse papel do sujeito na história bagunçava o esquemão do materialismo vulgar. O negócio dele era a ação, tendo participado de algumas atividades paralelas à revolução de 1935 e, por causa delas, acabou sendo preso. Já casado com minha mãe, que estava grávida, ele teve de fugir. Em Petrópolis, minha mãe entrou em trabalho de parto. Assim que ele entrou na casa de saúde, foi preso. Assim, nasci dando origem à prisão do meu pai, o que já me garante vinte anos de análise. Outro momento importante foi quando descobri a pobreza da literatura na vulgata marxista, no marxismo oficial, dominado por soviéticos esquemáticos, sectários. Eu, que me interessava pela cultura, pela literatura, perguntei se ele conhecia algum marxista sério, estudioso da literatura, que pudesse me recomendar. Na época, meu pai era secretário do Movimento Geral dos Partidários da Paz no Brasil, uma organização “biombo” do Partido Comunista, e por conta disso viajava sempre para a França. Em uma das viagens ele me trouxe o livro La signification presente du realisme critique1, de Lukács, que tinha acabado de ser publicado por lá. Meu primeiro contato com Lukács veio daí. ME – Em que ano foi isso? LK – 1959. ME – Você já tinha se formado? LK – Sim, em direito. Tentei ser advogado criminalista, mas não deu certo, por isso me tornei advogado sindical. Ao mesmo tempo, eu continuava interessado por questões literárias e aquele livro de Lukács fez a minha cabeça. Na seqüência eu encomendei outros livros dele, como A destruição da razão2. Por conta disso descobri um baiano doidinho, que também se interessava por Lukács – o Carlos Nelson. Ele escreveu um artigo absolutamente entusiasmado por Sartre3 e o enviou para a revista Estudos Sociais, de cujo comitê de redação eu fazia parte. O artigo causou constrangimento entre alguns companheiros, mas resolvemos criar uma nova seção – Problemas e debates – só para publicar o artigo do Carlos Nelson. ME – Quando você entrou no partido? LK – Em 1951. Em 1950 meu pai foi candidato ao Senado. Peguei gosto, fiz campanha eleitoral, coloquei faixas, cartazes, fiz papel de massa nos ­comícios. Nós éramos os auxiliares, nos infiltrávamos na massa e quando o companheiro falava, dizíamos em coro “É isso mesmo, é isso mesmo”. Em 1951 perguntaram-me se eu queria desenvolver essa atividade em caráter permanente. Ali mesmo me recrutaram, o que me criou um problema desagradável, porque o programa mais importante da minha vida até então – a esperança de felicidade – era a festinha de sábado à noite, em Ipanema. Por isso eu dormia de madrugada e muitas vezes via o sol raiar; domingo de manhã bem cedo, sete horas, minha tarefa era subir a favela para distribuir material, mas eu faltava. Fui advertido duas, três vezes… Fui salvo pelo gongo; a denúncia contra os crimes de Stalin cancelou a minha punição e acabei sendo considerado precursor de novos métodos. Eu não tinha a menor idéia do que seriam esses novos métodos. Achava que para ter método tinha que ser durão e eu era favorável aos métodos stalinistas. Não se devia alterar aquilo. Mas, justo eu, fui pioneiro da mudança. Um dia encontrei o companheiro Hélio, era esse o seu nome de guerra, em um botequim no Flamengo e ele me chamou de “precursor”. Eu tive a fraqueza de caráter de aceitar. ME – Quem é a sua geração dentro do PCB? LK – Tenho uma idéia de proximidade com o Givaldo [Barbosa], com a Zuleika [Alembert] – que era um pouco mais velha – e com o Armênio Guedes, que era bem mais velho. Aliás, o Armênio é um fenômeno; ele tem 80 e tantos anos, mas segundo o [Milton] Temer e o Carlito [Carlos Nelson], ele envelheceu até os 40, desde então permanece o mesmo. O [Luís] Werneck Viana, mais moço do que eu, e os irmãos Cupertino – o Renato e o Fausto. ME – E no plano cultural, aqueles que depois estiveram no CPC [Centro Popular de Cultura da UNE]? LK – No CPC, os meus amigos eram o Vianinha e o João das Neves. Outros, como o [Carlos] Vereza, eu apenas conhecia. ME – E a revista Estudos Sociais? LK – Na revista estavam o Astrojildo Pereira, já muito velhinho, o Mário Alves e o Jacob Gorender. O Armênio era o dissidente, mas convenceu os demais de que era preciso renovar os membros da revista; acabaram colocando três jovens: o Fausto Cupertino, o [Jorge] Miglioli e eu. Mas eu não percebia o que estava acontecendo. Havia uma luta interna, uma divergência política profunda entre o Armênio e os outros. ME – O debate se dava a partir do XX Congresso do PCUS, entre a linha dura e o kruschevismo? LK – Não era bem isso, não. Era mais complicado, tinha que ver com a política interna. Era o seguinte: o Armênio tinha a idéia de criar um partido de novo tipo, um partido que não se prendesse a URSS, mas para isso era preciso apoiar o nacionalismo. Daí a atitude dele simpática ao ISEB [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], que elaborava uma doutrina nacionalista. O Gorender e o Mario Alves tinham uma visão bastante crítica disso. Às vezes eu estava com um, às vezes com outros, mas ninguém criava caso, o clima era simpático. Entre os jovens o primeiro que falava era eu, depois falava o Miglioli, pouco, e o Fausto fechava. A revista quase sobreviveu ao golpe de 1964; chegaram a liberar algum dinheiro depois disso. Portanto, não tínhamos problemas de recursos, além de que havia um número pronto, com a análise da conjuntura, mas se chegou à conclusão de que seria uma aventura publicá-la. Recuamos e o número que estava pronto não saiu. ME – Depois de Lukács, qual é o outro ciclo de influência na sua formação? LK – Depois do Lukács veio o Gramsci. O Carlito já se antecipava nisso, foi ele quem descobriu a originalidade do Gramsci. Eu tinha lido alguma coisa dele, mas o Carlito conhecia melhor sua obra. Então passei a ser lukacsiano na teoria filosófica e gramsciano na teoria política. O Trotski eu li mal e porcamente, com grande preconceito. Do Freud comprei um livrinho em um sebo – A interpretação dos sonhos –, argumentando comigo mesmo: “Bom, eu preciso ler também o Freud, que escreve com muita clareza, para me expressar melhor em alemão”. Passei a noite toda lendo e pela primeira vez tive a sensação de que, como marxista, eu sabia mais do que Freud. Anos e anos mais tarde, no exterior, fodido, voltei a ler Freud mais seriamente e cheguei à conclusão de que esse filho da puta sabia mais coisas do que eu. Aí a desgraça se abateu sobre a minha vida, pois ele me fez rever tudo… ME – Qual foi a primeira vez que foi para a Europa? LK – 1967. ME – Já no exílio? LK – Ainda não. Em 1967 fui convidado para ir à Romênia. O embaixador romeno no Brasil gostava muito do meu pai e um dia ele me disse: “Como membro da Associação de Escritores, tenho a possibilidade de sugerir que eles convidem você para ir à Romênia”. Foi a minha primeira vez no ­exterior, e na volta passei um mês na Itália, que ninguém é de ferro. Muitos anos depois voltei a encontrar-me com ele, arrasado com a história da Romênia. Em 1968 eu voltei para a Europa como co-organizador de uma delegação de brasileiros no Festival Mundial da Juventude em Sófia, na Bulgária. Em 1969 fui para Berlim Oriental receber uma homenagem póstuma a meu pai, que tinha falecido recentemente. Com isso, eu estava indo uma vez por ano; mas em 1970 não, porque fui preso. Aliás, essa parece uma história do barão de Itararé, que falava de um professor que foi preso por causa do terceiro cafezinho, apesar de a mãe dizer a todo instante que ele ia se dar mal. Eu adaptei essa piada à minha própria história: não fui à Europa e me prenderam. Em 1971 voltei para estudar alemão e, depois, em 1972, fui para lá, aí sim, já exilado. ME – Durante quanto tempo você ficou exilado? LK – O exílio durou três anos. Eu fui absolvido, mas como estava trabalhando não dava para voltar de repente e fiquei mais três anos fora. ME – Em que cidade da Alemanha você morava? LK – Em Bonn, uma cidade muito chata. ME – Assim como Brasília? LK – Não, Brasília tem aquelas audácias do Niemeyer. Em Bonn, a única coisa mais interessante é a casa do Beethoven, mas se omite o fato de que, assim que chegou à maioridade, ele foi embora, saiu daquela casa correndo. Eu fiquei na Alemanha durante cinco anos, de 1972 a 1977; depois, mais um ano e meio no sul de Paris, participando das atividades dos comunistas brasileiros na França. Foi quando eu me casei com a Cristina. ME – Os cinco anos que você ficou na Alemanha foram em Bonn? LK – Que podem se contados em dobro, por insalubridade… ME – E o que você fazia lá, qual era sua atividade? LK – Eu trabalhava na universidade, onde era leitor de literatura brasileira e de língua portuguesa. Lá eu conheci um colombiano chamado Gutierrez Girardot, com traços de índio, que tinha sido aluno do Heidegger, mas também era marxista, um heideggeriano-marxista. Ficamos amigos e ele me dizia: “Você tem dois defeitos. Primeiro, você é leninista. Lenin no tiene caracter. Em segundo lugar, você é admirador de Lukács, que alugou seu talento a serviço de Stalin”. Apesar de tudo, ele dizia aquilo com amizade, me protegia e me garantia o emprego. Na época eu trabalhava pouquíssimo e ganhava bem, em marcos alemães, e logo que começavam as férias eu aproveitava para viajar pela Europa. ME – Você já tinha incorporado Lukács. Na sua estada na Alemanha, quem mais você incorporou teoricamente? LK – Um amigo meu, que nunca se entusiasmou muito pela filosofia do Walter Benjamin, ficou muito impressionado com o talento dele. Esse meu amigo está aqui presente [referindo-se a Carlos Nelson]. Ele leu Benjamin antes de mim, mas acho que mergulhei mais profundamente no universo benjaminiano. E isso tem que ver muito com a minha temporada na Alemanha. Carlos Nelson Coutinho [CNC] – Quem primeiro leu Benjamin foi o [José Guilherme] Merquior. Ele nos recomendou ler A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica4. Mas não me lembro de ter lido Benjamin antes de você. LK – Leu, sim. Eu trouxe Benjamin para essa constelação, para esse universo não muito claro, não muito coerente, de referências marxistas filosóficas heterogêneas. Foi aí que entrou o Benjamin. Se fosse para escolher alguém de uma área conexa, o Carlito escolheria o Adorno. Você é mais adorniano do que benjaminiano. CNC – Não sou, não, mas acho que o Adorno é o centro de um pensamento muito mais sólido. LK – Politicamente não tenho dúvida, mas filosoficamente… ME – Como vocês já disseram, às vezes é difícil delimitar o que é Carlos Nelson, o que é Leandro Konder. LK – É verdade, é outra confusão também. CNC – Como falou o Chico [Buarque] sobre aquela confusão de pernas: “e agora com que pernas eu devo seguir?”. ME – Certa vez Carlos Nelson disse que se sentia meio cabotino ao fazer homenagem a você, que se sentia como se estivesse fazendo homenagem a si mesmo. O caminho de vocês, com essa proximidade, é similar ao de outros intelectuais? LK – Marx e Engels. ME – E quem é quem? LK – Eu acho que eu sou Engels, mas um Engels mais bem-humorado. CNC – Mais bem-humorado do que o Engels é impossível. O Marx é que era mal-humorado. Mas acho que a pergunta é no sentido de brasileiros que seguiram mais ou menos o mesmo percurso. ME – Não exatamente, mas de gente que fez dupla intelectual, que teve uma alimentação mútua. CNC – Esse também foi o caso de Adorno e Horkheimer. Mas nós nunca escrevemos nada juntos, a não ser coisas circunstanciais. LK – Uma resenha na revista Civilização Brasileira, condenando a invasão da Tchecolosváquia, em um ato de indisciplina, para forçarmos a direção a nos punir. CNC – Assinado por nós dois existe ainda o prefácio à primeira edição do Gramsci. LK – Que não corresponde precisamente nem ao que eu nem ao que você pensávamos, mas acabamos chegando a um certo acordo. ME – Vocês já tiveram alguma divergência teórica ou política importante? CNC – Eu era mais fanaticamente lukacsiano do que o Leandro. Ele já tinha algumas aberturas para Gramsci, para Benjamin. LK – Eu tinha tendências revisionistas mais fortes do que ele. ME – E politicamente, houve alguma vez em que as diferenças pesaram? CNC – Não. ME – Vocês sempre caminharam juntos na crítica às orientações do partido? CNC – Que eu me lembre, nós nunca gostamos da União Soviética, malgrado o pai do Leandro ser pró-soviético. ME – Você e seu pai brigavam muito, Leandro? LK – Não, eu evitava brigar com ele. Lembro-me, por exemplo, de quando dois escritores – Siniavsky e Daniel – foram condenados na União Soviética. Eu escrevi um artigo crítico, que saiu publicado n’A Folha da Semana, um jornal do Partido Comunista, dizendo que não tinha lido os dois autores, que eles até podiam ser horrorosos, mas que cabia à sociedade civil puni-los, deixando que os livros encalhassem nas prateleiras. Então, saiu um manifesto assinado por intelectuais do Rio e nele estavam a minha assinatura e a da minha ex-mulher. Meu pai ficou puto e foi se queixar de mim pro Carlito… CNC – Eu estava na Bahia e por isso não assinei… LK – Ele achou que talvez você tivesse se preservado da contaminação e do horror. Ele disse: “Olha aqui. Assinou o Leandro e ainda por cima assinou duas vezes”. CNC – Quer dizer, ele e a mulher. Ir contra uma decisão do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética parecia um absurdo a dr. Valério. ME – Qual foi o primeiro livro que você publicou? LK – Se chamava Marxismo e alienação5. Enquanto eu o escrevia, preparei também a tradução dos Ensaios sobre literatura6, um livro do Lukács, publicado em 1965, em que eu assinava a apresentação. ME – Esse livro foi ainda no Brasil, não? Depois disso o que veio? LK – Em 1966 veio Kafka: vida e obra, que faz parte de uma coleção da José Álvaro Editora, depois comprada pela Paz e Terra. O terceiro foi Os marxistas e a arte7, um livro que o Michael Löwy resenhou, fazendo algumas críticas bem contundentes, mas muito civilizadas e corretas. ME – Era um conjunto de ensaios sobre arte? LK – É, mas tinha um capítulo sobre Trotski que o Michael não gostou. CNC – A resenha do Michael nunca foi publicada porque era para o número quatro da Teoria e Prática,8 que não saiu. Mas o Michael mandou uma cópia para o Leandro. ME – Essa foi a primeira aproximação entre vocês? LK – A gente já se conhecia, mas não tinha intimidade. Eu conheci o Roberto [Schwarz] antes do Michael, de quem me aproximei no exílio. Uma vez, o Roberto veio ao Rio e fomos ao teatro ver uma peça do Chico Buarque, Roda viva. Lembro-me de ter ficado com um medo danado de alguns atores me identificarem e fazerem algumas brincadeiras desagradáveis. Eles jogavam pedaços de fígado na platéia e minha camisa era nova. ME – Isso foi tudo que você publicou no Brasil antes do exílio ou outras obras foram publicadas? LK – Publiquei Marx: vida e obra, naquela mesma coleção da José Álvaro Editora (1967). Depois, já no exterior, publiquei Introdução ao fascismo9, em 1976. CNC – Você passou um bom tempo sem publicar. LK – Com essas confusões todas de adaptação, mudança de vida. ME – Você não escreveu livros de análise sobre o Brasil? LK – Não, tem um livro meu, bem ruinzinho, Os comunistas e a democracia no Brasil, sobre a conjuntura brasileira, especificamente sobre o Partido Comunista. ME – Na sua estada na Alemanha, o que você publicou ou acumulou para publicar depois? LK – Quando voltei da Europa, publiquei um livro sobre Lukács10 e O que é dialética11, que vendeu bem. CNC – Esse livro chegou à 30a edição. LK – Na seqüência vieram o Barão de Itararé: um humorista da democracia (1981) e O marxismo na batalha das idéias12, um conjunto de ensaios. Vieram ainda A derrota da dialética13, minha tese de doutorado, e Walter Benjamin. O marxismo da melancolia14. ME – O livro A derrota da dialética foi bem criticado. LK – O Prestes, por exemplo, ficou muito irritado com o livro; disse que eu não fazia diferença entre a dialética idealista e a dialética materialista. Ele fala isso numa entrevista: “o Leandro escreveu sobre a morte da dialética”. Na cabeça dele a dialética é invencível, portanto se a dialética foi derrotada, ela morreu. Essa é a conclusão dele. Depois eu entendi o lapso, mas é curioso isso. Tinha um outro resenhador crítico, que falou o tempo todo que o título do livro mudou para A reforma da dialética. A dialética marxista precisava ser preservada, não podia ser submetida a aventuras revisionistas ousadas demais. Então, se o livro é bom, não teoriza sobre a derrota da dialética, sobre a reforma da dialética. Daí vem o outro ato falho dele, de ter mudado o título do livro. Foi o José Nilo Tavares, que morreu. ME – Esse foi o seu livro mais polêmico? LK – Acho que sim. Depois tem um livro de interesse filosófico na política que é O futuro da filosofia da práxis15. Os intelectuais e o marxismo16 é um conjunto de artigos que eu escrevi para a Tribuna da Imprensa, ao longo de 1990, com caráter jornalístico. ME – Você falou do Lukács, do Gramsci e do Benjamin. E os debates sobre o estruturalismo francês, o Althusser… LK – Eu me lembro de ter acompanhado com emoção o trabalho do Carlito O estruturalismo e a miséria da razão17. Eu fiquei solidário, mas achava aqueles textos do Althusser muito chatos. Eu o entendi melhor depois que ele morreu, quando saiu o livro O futuro dura muito tempo.18 Fiquei comovido, mas já era tarde. Depois vêm Flora Tristan e Fourier19, um mergulho na utopia. CNC – Tem também um livro que foi republicado recentemente, As idéias socialistas no Brasil20. LK – É um livro de divulgação, republicado pela editora Expressão Popular, do MST, uma edição linda, com fotos. A edição original era mixuruquinha e a editora do MST fez do livro uma edição da qual me orgulho. A Expressão Popular também republicou o meu livro sobre Marx. Depois disso vem o livro sobre Brecht21, que escrevi pelo prazer da leitura dos seus poemas. Ele escreve de maneira muito simples e ao mesmo tempo muito elegante e gostosa. Fiz a mesma coisa com a história dos romances de Balzac, que não saiu, porque ao relê-lo o achei meio transbordante. Preferi então fazer uma versão condensada do texto que acabei incorporando ao novo livro que vai ser publicado pela Boitempo22, que – além do Balzac – tem um audacioso ensaio sobre Fernando Pessoa. CNC – Você já tinha escrito sobre Fernando Pessoa23 em 1961, com um título meio caiopradiano. LK – Aquele era um ensaio, este de agora é completamente diferente. ME – Depois vem o livro sobre ideologia24, que é o último. LK – Tem os dois romances também – Bartolomeu e A morte de Rimbaud25. ME – Você tem algum livro em andamento? LK – Tinha, mas morreu. Criei problemas que eu não soube resolver e extinguiu-se. CNC – Você não vai retomar? LK – Acho muito difícil. Existem mortes provisórias e mortes definitivas. Acho que esta é definitiva. ME – Vamos falar um pouco do século XXI. O que você considera que foi importante no passado e que continua sendo importante na atualidade? LK – Como é que a gente faz para reavivar essas coisas… CNC – O que você acha que ficou do marxismo para o século XXI? LK – Basicamente a filosofia, a concepção marxista do homem, a concepção da história. Há outras coisas que se tornaram mais complicadas. ME – A teoria da alienação se mantém? LK – Talvez, mas isso não está muito claro para mim. Talvez ela tenha de ser desenvolvida e aí ressurja. As análises políticas do Marx eu acho que estão envelhecidas. CNC – Quais, por exemplo? A luta de classes é ainda uma categoria vigente? LK – No espírito, na origem dessa teoria, é o que me é muito caro. Acho que ela é reveladora de uma contradição subterrânea profunda e permanente. O terreno da luta de classes desvela uma contradição essencial. Mas os escritos em que Marx trata da luta de classes têm a marca de um certo envelhecimento. CNC – Quer dizer que a luta de classes mudou, mas não acabou? LK – Eu acho que ela assumiu formas novas, muito complicadas, e não estamos ainda em condições de dominar esse conhecimento das suas novas formas. ME – Quais são os autores contemporâneos que te ajudam a repensar essas questões? LK – Encontrei estímulos em autores como Perry Anderson, de quem eu li algumas coisas interessantes; o [Fredric] Jameson também tem movimentos interessantes. CNC – Acho melhor ler o Gramsci pela vigésima vez. Lembra que o Lukács dizia que, em vez de ler os neopositivistas, é melhor reler Aristóteles pela décima vez? ME – E sobre o Brasil, quais foram os autores que mais o ajudaram a compreendê-lo? LK – Eu gosto muito do Antonio Candido, que faz crítica literária e da cultura como chaves para entender mais amplamente o modo de produção e de organização da cultura brasileira. Eu gosto do Sérgio Buarque; eu gosto do Caio Prado, como historiador, não como filósofo. Li pouco do Florestan, não tenho condições para opinar. O Nelson Werneck Sodré tem algumas coisas muito boas, equilibradas, sensatas, mas às vezes é um tanto limitado. ME – E na literatura? Quais são seus autores preferidos – brasileiros, estrangeiros, poetas, ficcionistas? LK – Eu gosto muito do Fernando Pessoa, do Kafka, do Proust; gosto de Graciliano Ramos, do Grande Sertão: Veredas e de outros contos do Guimarães Rosa. Gosto daqueles contos violentíssimos, devastadores, do Rubem Fonseca, gosto também do romance Agosto. Na poesia, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto e Ferreira Gullar. E Brecht. ME – Além da política e da vida intelectual, de que mais você gosta? De futebol? LK – Gosto muito. ME – Você jogou? LK – Certa vez fiz uma tentativa como zagueiro em um time de praia, mas eu era muito ruim. Então encerrei minha carreira com um gol contra. ME – Você assistiu algum jogo memorável na sua vida? LK – Eu vi a final da Copa de 1950: Brasil e Uruguai. Fomos com meu pai ao Maracanã. Eu tinha 14 anos e meu irmão 12; até levamos um caixotinho porque ele era pequenino. ME – Pode ter havido umas 200 mil pessoas nesse dia? LK – Pode ter havido, não época eu não tinha elementos para calcular. ME – Os três gols foram em um arco só. Você estava perto ou longe desse arco? LK – Eu estava longe, por isso tive certa dificuldade em aceitar que tinham sido gols, sobretudo o segundo. Eu me lembro de cenas, na saída do estádio, o povo indo embora – e era grande a quantidade de homens – chorando. Para aquela geração não tinha isso de chorar. Todos ouviam, desde pequenos: “homem não chora”. ME – Seu pai e você choraram? LK – Meu pai não queria nem que se falasse no assunto. CNC – Seu pai gostava de futebol? LK – Não. Ele foi para esse jogo no entusiasmo, patrioticamente, interessado pelas coisas da política porque, na época, ele era candidato a senador. Estávamos em julho e as eleições seriam em setembro. Na saída, eu via muita gente chorando, alguns vomitando, um trauma bravo. ME – Como você viveu momentos trágicos, como a morte do Getúlio e o golpe de 1964? LK – A morte do Getúlio eu vivi como uma situação surreal. Na época, estudava na faculdade, que ficava a duzentos metros do Palácio do Catete. Era a Faculdade de Direito, primeiro da Universidade do Distrito Federal, mais tarde Universidade do Estado da Guanabara, por último UERJ. Lá pelas 8:30 h eu estava caminhando para ver se encontrava um amigo, como não o encontrei fui ao Palácio do Catete. Quando o Getúlio se matou eu estava na frente do Palácio do Catete. Mas eu não sabia disso. Então, peguei um ônibus e quando estava chegando em casa, na praça General Osório, alguém gritou: “O Getúlio se matou! O Getúlio se matou!” Eu nem desci do ônibus, fui direto até a casa da minha avó, entrei, ela não sabia de nada, eu disse: “Vamos ligar o rádio!”. Ligamos o rádio e aí veio a leitura da carta-testamento e a notícia da morte do Getúlio. Depois disso, eu tive a minha primeira idéia política própria; até então eu era um mero repetidor e continuei um pouco assim. Mas aí eu me disse: “Bom, com o suicídio, com essa carta-testamento, temos de nos voltar amistosamente para as massas trabalhistas. São nossos aliados, queiram eles ou não, vamos trabalhar juntos. ME – Quantos anos você tinha? LK – 18. ME – Algum outro momento, como o XX Congresso do PC da URSS, foi marcante? LK – Foi, foi muito marcante. Durante anos eu guardei o relatório do Kruschev e ainda devo ter em algum canto por ai. O partido dizia que aquilo era falso, que havia sido forjado pela CIA, mas depois se viu que era verdadeiro. Eu li o relatório secreto e fiquei muito impressionado. Aos poucos fui me dando conta de uma coisa que me impressionou muito: era a falta de marxismo do Kruschev. A análise que ele fez dos crimes do Stalin é uma análise moralista, sem qualquer interpretação de inspiração marxista. CNC – Togliatti disse isso. Quando responde a uma pergunta sobre o stalinismo, ele diz que o culto à personalidade não é um conceito marxista. ME – O golpe de 1964 também foi um momento marcante para você? LK – O golpe de 1964 foi uma coisa mais direta. Em 1964, quando veio o golpe, as conseqüências sobre nós foram mais profundas. O pessoal do partido ficou atarantado. Eu lhes contei a história da revista Estudos Sociais, o pessoal queria lançar a revista, outros disseram: “Não, não lancem, que a ditadura é pra valer”. ME – O Prestes teria declarado, em Recife: “Estamos no governo, vamos para o poder”; havia a perspectiva de uma vitória estratégica. CNC – Ele declarou na televisão, em março de 1964, que o candidato do partido para as eleições presidenciais de 1965 era Jango Goulart. Aí lhe disseram que o Jango não podia, pela Constituição, e ele respondeu; “Muda-se a Constituição”. A idéia do nosso lado era meio golpista. ME – E também havia o “Cunhado não é parente, Brizola presidente”. CNC – Mas o partido não era brizolista, pelo contrário. O Brizola estava à nossa esquerda. ME – Não se pensava no Juscelino? LK – Não. Nós apoiamos o Negrão de Lima [eleito governador do Rio de Janeiro em 1965]. ME – No dia do golpe, onde você estava? LK – No dia do golpe eu fui procurar um amigo que hoje é presidente da Academia Brasileira de Letras, o Ivan Junqueira, poeta, que não era comunista, e o João das Neves, que era ator e autor, que também não era do partido. Fomos zanzar pelo centro da cidade, com uma situação tensa. Lembro da história meio cômica em que o João ia passando pelo meio da rua e um soldado disse que não podia. “E na calçada, pode?” “Na calçada pode”. Então o João, que tinha treino físico, andava pelo meio-fio, ao lado do soldado, que ficava esperando, com o cassetete na mão, na rua, pra dar uma porrada nele. Vimos também um grupo que hostilizava jogando pedras na embaixada dos Estados Unidos. ME – Qual foi a principal reação do partido diante do golpe? LK – Perplexidade. Lembro-me de que no dia soubemos que o golpe tinha vindo mesmo, porque antes só havia boato. Então nós fomos lá para casa, lembro que tinha um cara que botou os pés em um banquinho de cozinha que estava na sala e disse: “Companheiros, cabeças vão rolar. Por erros nossos, erros graves, cabeças vão rolar”. Achei a coisa sinistra. A gente sofria uma derrota daquelas e o cara achando que nós é que éramos os responsáveis por aquilo. ME – Você tinha estado no comício de 13 de março? Do que você se lembra? LK – Da mulher do Jango. Eu estava lá, infiltrado, perto do palanque, para vê-la. ME – Era o maior comício em que você havia estado na sua vida? LK – Era um comício enorme. Gente da minha família falava que aquilo era um “comício das lavadeiras”, falavam de tanques e de roupa suja. Eu fiquei indignado, um comício daquele tamanho, marcante… CNC – Roupa suja, por quê? LK – Roupa suja por causa das fofocas, das rivalidades, quem vai derrubar quem, quem vai assumir no lugar de quem. CNC – Teve muita gente ali, mas não tanta gente assim. Calcula-se hoje que havia umas 300 mil pessoas. ME – Há pesquisas do Ibope, não divulgadas na época, que demonstravam que o governo tinha muito apoio. CNC – Apoio ele tinha, havia ganhado o plebiscito em janeiro de 1963, ganhou com proporção de 5 a 1. Havia até uma musiquinha: “Eu vou fazer o x no quadrinho ao lado da palavra não, parlamentarismo não”. LK – Lembra da outra musiquinha? “Na hora de votar, eu vou jangar, eu vou jangar, eu vou votar no Jango Goulart. Para vice-presidente eu já tenho em quem votar, no Jango Goulart”. A música do Lott era: “Espada de ouro, quem tem é o marechal, Lott, Lott, por que ele é o ideal, porque defende o petróleo, que é meu e de você”. Tinha que dar merda. Em 1955 eu votei no Juscelino, sou veterano. CNC – Fala um pouco do governo Lula, o que você está achando? LK – Eu acho que ele tem um capital de popularidade, de imagem, que está desgastada, mas que tem força e ele ainda mantém um caminho que pode dar na reeleição. Se vier crise é ruim, porque põe a esquerda contra a parede, e ela se ressente de Lula não ter dado certo, independentemente da autonomia, da postura crítica. Mas, se der certo, a esquerda também fica mal, porque fica sangrada, anêmica, enfraquecida… CNC – Se der certo em que sentido? LK – No sentido da reeleição. ME – Quando é que você se deu conta de que esse não era um governo de esquerda? LK – Quando os meus amigos me convenceram disso. Segundo o Temer, o acordo foi feito antes das eleições, a montagem do gabinete com o Meirelles e o Palocci. ME – Essa situação de um governo de esquerda, com um dirigente de origem operária, você compara com que outra situação? LK – Os casos que me ocorrem não servem. As diferenças são mais importantes que as coincidências. As experiências socialdemocratas são muito variadas, contraditórias, às vezes perversas, nenhuma delas dá conta do que está acontecendo no Brasil agora. ME – Por que o Brasil, que tinha uma esquerda comparativamente mais atrasada que outros países da região – o Chile, o Uruguai, de alguma maneira a Argentina –, de repente se tornou a contramão da esquerda, que tinha o Lula, o PT, a CUT, o MST, o orçamento participativo? A esquerda nunca foi tão fraca, em escala mundial, desde que inventaram a palavra esquerda. De repente, o Brasil tornou-se o elo mais frágil da cadeia. LK – Tem um negócio que não está muito claro pra mim: que força nós conseguimos efetivamente ter a partir do movimento de massas? Será que esse movimento de massas tem uma força na qual nós podemos nos apoiar, ou é só aparência? Será que o movimento de massas tem força própria ou será uma força ilusória? CNC – Mas teve. O próprio PT surgiu em função disso, do fato de que havia um movimento de massas significativo. Agora eu acho que está debilitadíssimo. Tirando o MST, que mesmo assim está meio… ME – O PT foi criado em função desse movimento de massas, mas foi se distan­ciando dele. Em razão disso, o que você pensa do futuro dos partidos políticos? O partido político ainda tem uma dimensão importante na luta pelo socialismo? LK – Baudelaire, o poeta que eu cito há cinqüenta anos, diz: “Só se destrói realmente aquilo que se substitui”. Não acho que os partidos políticos tenham sido substituídos ou possam ser substituídos agora, de repente, por outra forma. Os partidos continuam a dar conta de uma demanda real, de uma necessidade. Nesse sentido, há uma crise dos partidos, sem dúvida. Mas a gente tem de pensar a partir do arquivamento deles, do desaparecimento deles ou a partir de uma renovação que nós não sabemos ainda como fazer? ME – Você participou de dois partidos na sua vida. CNC – De três, eu diria. LK – Durante trinta anos, participei do Partido Comunista Brasileiro. Depois participei do MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. ME – Você foi para o MDB quando saiu do PCB? CNC – Esse foi um momento de discordância entre nós, porque eu nunca fui para o PMDB, não. Eu diria que o segundo foi o PT, o terceiro é o Psol. ME – A idéia original de vocês, quando saíram do PT, era fundar um Fórum Socialista, que abrigasse os críticos de esquerda de dentro e de fora do PT. Como se deu a passagem rápida dessa idéia para a idéia de fundar já um partido? LK – Eu não sinto muito a necessidade de atuação partidária. O Psol tem essa tentativa de ser um partido com características diferentes dos outros. Os outros partidos, inclusive o PT, assumiram determinadas características meio melancólicas. O Psol tem essa aura romântica, que eu acho simpática. ME – Você tem a sensação de melancolia com esse desfecho, com o PT chegando ao governo com essa cara? Com que palavra você expressaria isso? LK – Uma certa tristeza de ver pessoas que a gente conheceu em outras situações – mostrando combatividade, mostrando certa valentia – adotando atitudes tão apagadas, tão deliberadamente adaptadas ao status quo, a uma realidade constituída, renunciando ao projeto original. ME – Qual foi o seu momento mais entusiasta no PT, quando você mais se identificou, mais se deixou empolgar? LK – Quando entrei no PT, em 1989, me inscrevi na organização dos estudantes e professores da PUC. Fui para uma reuniãozinha besta, tinha umas doze pessoas, todos radicalíssimos. E aí minha intervenção foi provocadora e as reações engraçadas. Se nós formos ao poder por meio de eleição, se formos obrigados a manter um calendário eleitoral e promover a realização de eleições que poderiam nos tirar do poder, a maioria considerou que jamais faria essa concessão de abrir mão. Abrir mão dessa conquista, para manter um formalismo, com a entrega do poder aos nossos inimigos. Aí eu discordei e perguntei se eles achavam que nós teríamos força para segurar o poder contra os nossos inimigos, vitoriosos no caso de uma eleição. Ai comecei a desarmar os espíritos e terminei dividindo. Dos doze, seis ficaram numa posição e seis na outra. Aí eu acho que foi o momento em que me senti mais animado. Essa foi uma situação que eu nunca vivi no Partido Comunista. Vivi outras emoções, mas não essa, de ter mudado metade das posições. ME – O momento de saída de vocês do PCB teve um sentimento similar de melancolia ao da saída do PT? LK – No PCB, acho que ficamos decepcionados com o fato de que no exterior nós tínhamos alguns aliados, alguns simpatizantes na direção e a perspectiva de vir para o Brasil fundar um jornal legal, coisa que fizemos. Mas houve um acordo dos detentores do poder aqui no Brasil com os dirigentes que vinham do exílio, e esse acordo levou ao nosso isolamento. CNC – A melancolia com o PT é maior. A forma PC já estava meio superada. O PC não estava dirigindo o processo, o PT estava subindo. Além disso, a forma PC já começava a demonstrar um esgotamento. Mas nós tínhamos esperança de renovar o PC, aquela idéia do eurocomunismo que já estava dando errado lá também. A melancolia histórica com o PT, pelo menos no meu caso, foi mais dura. Mas eu brinco sempre: com o PC eu tinha um casamento monogâmico, com o PT nunca tive. Então, de certo modo foi mais fácil, nesse sentido. ME – Como é sua relação com o MST? LK – De muita simpatia. Eles me prestigiam muito. Eu acho que o movimento social que melhor reage à crise, por enquanto, embora se ressinta de algumas dificuldades, é o MST. Mas ele não pode substituir o partido. *** Leandro Konder nasceu em 1936, em Petrópolis (RJ), filho de Valério Konder, médico sanitarista e líder comunista. Formado em Direito, Leandro exilou-se em 1972, após ser preso e torturado pelo regime militar, e morou na Alemanha e depois na França até seu regresso ao Brasil em 1978. Doutorou-se em Filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Em 2002 foi eleito o Intelectual do Ano pelo Fórum do Rio de Janeiro, da UERJ. Um dos maiores estudiosos do marxismo no país, coordena, em conjunto com Michael Löwy, a coleção Marxismo e literatura, da Boitempo, onde publicou Sobre o amor, As artes da palavra e Em torno de Marx. *** *** https://blogdaboitempo.com.br/2014/11/13/leandro-konder/ *** ***

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