Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Vendo o que tendo ...
... Vendi o que tinha
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“Como declarar ações que comprei e vendi no mesmo ano”
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https://www.leoa.com.br/blog/comprei-e-vendi-acoes-no-mesmo-ano
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"Abolição não foi um presente dado por brancos", diz historiadora
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Detalhe de imagem que retrata a missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da escravatura no Brasil mostra Machado de Assis (no canto direito) e a Princesa Isabel (ao centro)
Imagem: Antonio Luiz Ferreira/Acervo Instituto Moreira Salles
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Paula Rodrigues
de Ecoa, em São Paulo (SP)
13/05/2021 06h00
Fazia quase um ano que a escravidão tinha acabado oficialmente, quando sete homens negros enviaram uma carta ao político Ruy Barbosa, em abril de 1889. Deles, pouco se sabe além do nomes e que juntos faziam parte da Comissão de Libertos de Paty de Alferes, de Vassouras (RJ). Já o que escreveram dá grandes pistas da situação em que a população negra vivia no pós-abolição.
"São pessoas que foram escravizadas em uma das regiões mais ricas e onde a escravidão se fazia mais dura que eram as plantações de café em Vassouras. Mesmo assim, na carta, eles aparecem se posicionando, dizendo e aconselhando outros negros a não lutarem pela monarquia, já que esse regime inteiro foi sustentado pela escravidão, falam em apoio à República e cobram principalmente a instrução, a educação para os seus filhos", conta Wlamyra Albuquerque, autora do livro "Jogo da Dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil", historiadora e professora pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
Os homens ainda faziam uma proposta: os 5% cobrados como impostos para o Fundo de Emancipação dos escravos, criado com a Lei do Ventre Livre, em 1871, deveriam ser destinados a pagar a educação de negros e negras antes escravizados.
Como não seria mais preciso comprar a liberdade, motivo pelo qual o fundo existia, para aqueles homens, o mais justo seria reverter o dinheiro que ainda era cobrado para ajudar a construir condições melhores para ex-escravizados e seus descendentes.
Para a professora Wlamyra, esse documento — considerado por ela um dos mais importantes já encontrados em sua pesquisa — mostra principalmente a consciência que os negros tinham de que o fim da escravidão não foi um presente dado pelas mãos brancas da Princesa Isabel, mas conquistado por mãos pretas.
"Compreendemos perfeitamente que a liberdade partiu do povo que forçou a Coroa e o Parlamento a decretá-la", escrevem. Além de mostrar uma nova versão da história que apresenta negros e negras como pessoas que tinham, de fato, planos para o futuro deles e do país no pós-abolição. Hoje, quando se completam 133 anos da abolição da escravidão oficial no Brasil, Ecoa conversa com Wlamyra Albuquerque sobre o papel da população negra naquele momento histórico.
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"Sempre foi a população que organizou e deu sentidos à vida nas cidades brasileiras. Não tem como pensar abolição sem pensar na contribuição do povo.
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Wlamyra - Adilton Venegeroles - Adilton Venegeroles
Wlamyra Albuquerque
Imagem: Adilton Venegeroles
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Ecoa - Por que hoje, 133 anos após o fim oficial da escravidão, ainda é importante falar sobre aquele momento?
Wlamyra Albuquerque - Porque ainda temos um certo esquecimento ou criação de histórias muitas vezes fantasiosas sobre a escravidão, como a ideia dela ter sido um "mal necessário", por exemplo. Porque no Brasil ainda existe um trauma coletivo que toda sociedade escravista tem. O país nunca parou para discutir seriamente esse passado, tentam deixar para trás e esquecer a escravidão, quando, na verdade, precisamos é revisitar e rediscutir essa história. Então, existe a importância da gente voltar para o passado para entender como esse país se estruturou, o que tem lá embaixo na raiz dele, sabe? A escravidão e o fim dela são partes muito importantes pra entender essa nossa estrutura social aqui de hoje, e para conseguir caminhar para outros caminhos no futuro.
Mas do que a nossa abolição foi feita? O que causou o fim da escravidão?
Foram muitos fatores, mas a abolição foi feita principalmente pela insubordinação negra. Toda a movimentação da população escravizada desde a chegada dos primeiros navios negreiros, depois todas as estratégias para conseguir comprar cartas de alforria, a rebeldia de quem criou quilombos, de quem protagonizou rebeliões pela liberdade, a rebeldia de quem soube negociar com seus senhores...
Mas o empenho que houve na construção de uma memória nacional que lesse abolição como resultado da ação de alguns jovens homens brancos acadêmicos pesa muito sobre a sociedade brasileira e justifica muito do racismo que existe hoje. A ideia de que uma população negra é incapaz de decidir por si mesma, que ela precisa estar sempre sendo tutelada pela escola, pela polícia ou pelo Estado, a ideia de que essa população seria naturalmente dada ao fracasso se não houver algum tipo de controle sobre ela, todas essas ideias não vêm de um governo ou momento específico, elas foram construídas e mantidas ao longo dos séculos.
Então, existe essa ideia de que a liberdade negra não foi conquistada, ela foi dada por brancos e, por isso, até hoje somos uma sociedade que carrega essa ideia de que o negro parece estar sempre devendo alguma coisa, que o negro precisa sempre ter uma reação de gratidão. Abolição não foi um presente dado por brancos. Ela foi conquistada.
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Patrocínio - Biblioteca Nacional/BBC - Biblioteca Nacional/BBC
José do Patrocínio tinha interlocução direta com os abolicionistas cearenses
Imagem: Biblioteca Nacional/BBC
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E mesmo dentro do movimento abolicionista, as pessoas negras desempenharam um papel fundamental, correto?
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Sim! Mas são pessoas que pouco foram lembradas no decorrer dos anos e quando aparecem a sensação é de que são casos excepcionais, né? Como se só os gênios como Luiz Gama ou José do Patrocínio tivessem se envolvido na luta pela abolição. O que não é verdade! Quando a gente vai pesquisando, a gente encontra notícias de diversos negros e negras até hoje desconhecidos pelo grande público. Você encontra um homem que tinha uma tenda de sapateiro, que aprendeu a ler e escrever sozinho e que se arriscava para fazer campanha pelo fim da escravidão com todo mundo que passava por ele ali. (...) a gente tem várias notícias hoje de mulheres que se engajaram na luta abolicionista, como Maria Firmina, por exemplo. E quando a gente vai para a documentação judicial, elas estão lá sempre acusadas de esconder escravizados que fugiam e de proteger pessoas que eram sujeitos de cativeiro.
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A senhora tem falado aqui de algumas táticas que pessoas negras usaram para lutar contra a escravidão. Pode citar mais algumas?
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Poxa, existem várias! Tem o clássico de juntar dinheiro para comprar as próprias alforrias ou a de familiares. Elas formavam irmandades religiosas, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco tem muitos registros dessas associações de pessoas negras, em que se criava uma espécie de fundo para poder socorrer principalmente as viúvas e os filhos de escravizados, para ajudar nos tratamentos de pessoas que sofrem algum acidente de trabalho? Você vê que há uma inteligência coletiva. Há uma forma de se organizar coletivamente, que vai ser passado de geração a geração porque são formas encontradas para sobreviver e atravessar a escravidão até construir uma sociedade de liberdade.
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Professora, o Estado brasileiro não deu nenhum apoio à população negra no pós-abolição, mas existiram algumas ideias da população sobre o que deveria acontecer depois do dia 13 de maio?
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O Estado, de fato, não deu nenhum apoio, digamos assim. Entre a população, cada um tinha uma visão do rumo que o país precisava tomar no pós-abolição. Os negros não só ajudaram a abolir a escravidão, como tinham planos de futuro para eles e para o país. Infelizmente, criou-se na memória nacional a ideia de que os africanos chegavam aqui despreparados, analfabetos, sem educação ou escolaridade? O que não é verdade, né? A história do negro não começa na escravidão. Existe um passado.
Só que o Estado, ao invés de criar situações favoráveis, só sofisticou as formas de exclusão, especialmente reestruturando todo aparato policial para promover cada vez mais perseguições a toda forma de atividade relacionada à comunidade negra no Brasil.
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Rebouças - Divulgação - Divulgação
André Rebouças, engenheiro e abolicionista, pintura de Rodolfo Bernardelli
Imagem: Divulgação
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E, para finalizar, quais os planos da população que não foram abraçados no pós-abolição, mas que ainda são importantes para o futuro do país?
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É a questão da educação, da saúde, moradia e emprego. Tinha um abolicionista negro chamado André Rebouças, ele defendia que o fim da escravidão deveria vir com a repartição das terras públicas do Estado. Porque ele acreditava que o processo de abolição não poderia acontecer sem qualquer tipo de garantia para que essas pessoas pudessem se construir de modo autônomo, sem depender da tutela, da proteção desses ex-senhores.
É óbvio que o projeto não foi adiante, né? O que aconteceu foi uma dúzia de projetos pedindo indenização aos ex-senhores, e a criação de mecanismos legais para que a população tivesse mais dificuldade em poder acessar, por exemplo, as escolas.
A pobreza em que a maioria da população negra vive no Brasil, ela se dá ao sucesso do Estado em aprofundar desigualdades. Foi o Estado brasileiro quem criou essa situação, e é o Estado brasileiro a quem cabe resolver essa situação. O mais importante disso tudo é que a gente está, ano depois de ano, empenhada em colaborar com o fim do racismo, e tomara que um dia o que aqueles libertos de Vassouras escreveram em 1889 se torne verdade.
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Tomara que a gente consiga construir um país em que liberdade, igualdade e fraternidade sejam para todos nós.
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https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2021/05/13/abolicao-nao-foi-um-presente-dado-por-brancos-diz-historiadora.htm
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Por Querer Liberdade
Dona Ivone Lara
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Ouvir Por Querer Liberdade
Por querer liberdade
Meu amor fugiu de mim
Vou cantando as minhas mágoas
Tocando meu tamborim
Por querer liberdade
Meu amor fugiu de mim
Vou cantando as minhas mágoas
Tocando meu tamborim
Pode ir pro bola preta
Ou outro lugar qualquer
Uma coisa lhe garanto
Vou arrasar, esta mulher
Pode ir pro bola preta
Ou outro lugar qualquer
Uma coisa lhe garanto
Vou arrasar, esta mulher
Composição: Mestre Fuleiro.
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https://www.letras.mus.br/dona-ivone-lara/por-querer-liberdade/
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Liberdade
Dona Ivone Lara
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https://www.youtube.com/watch?v=oN-v6YaP5FI
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Ouvir Liberdade
Liberdade desfrutei
Conheci quando na minha mocidade
A ternura de um amor sem falsidade
E confiante sempre na felicidade
E eu cantava, sentia tudo que sonhei
Mas depois suspreendeu-me a solidão
Foi o fim da ilusão
E agora esta desilusão
Existe uma lição que vive em mim
Tudo que é feliz não tem direito a eternidade
Porque sempre chega a vez
De entrar em cena, a saudade
Às sombras desta recordação
Um gesto de perdão que eu não fiz
O remorso traz aquela triste melodia
Que me faz infeliz
Composição: Délcio Carvalho / Dona Ivone
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https://www.letras.mus.br/dona-ivone-lara/1299950/
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Como calcular o preço de venda do seu produto ou serviço?
Para definir o preço adequado de venda de um produto ou serviço você precisa analisar o equilíbrio entre o preço de mercado e o valor dos seus custos e despesas totais. O valor do seu produto deve igual ao custo das matérias primas ou hora de serviço, somado às despesas variáveis e fixas para realizar uma venda.
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Machado de Assis funcionário público
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Joaquim Maria Machado de Assis, uma das maiores figuras do mundo ... Machado de Assis realizara uma brilhante ... mover uma ação por perdas e danos, a.
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Raymundo Magalhães Jr.
RSP Revisitada
Machado de Assis
funcionário público
Texto publicado na RSP de out/dez 1981 (Ano 38, v. 109, n. 4)
Raymundo Magalhães Jr.
Joaquim Maria Machado de Assis, uma das maiores figuras do mundo literário
brasileiro do século passado e do início deste século, teve duas carreiras paralelas,
a de homem de letras e a de burocrata. Na primeira iniciou-se mais cedo, quando,
apenas um adolescente de pouco mais de 15 anos, publicou um soneto – por sinal
bem ruinzinho – no Periódico dos Pobres, a 3 de outubro de 1854. Nascido no morro
do Livramento, perto da Gamboa e do Saco do Alferes, a 21 de junho de 1839,
deu mostras de impressionante precocidade, ao assinar um Soneto, no mesmo
jornalzinho. Nota-se que, nessa época, o Rio de Janeiro ainda não tinha sequer
iluminação a gás – só contratada pelo governo imperial em 1859 – nem sabia
ainda o que fossem estradas de ferro. Seu ingresso no serviço público só se daria
quase treze anos depois dessa estréia literária, que em nada fazia prever o grande
escritor que viria a ser. E isto se deu a 8 de abril de 1867, com a sua nomeação
para “ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial”, então subordinado ao
Ministério da Fazenda, durante o 22o gabinete ministerial da monarquia, chefiado
pelo então deputado-geral Zacarias de Góis e Vasconcelos.
Entre essas duas datas do primeiro
escrito publicado na imprensa e a admissão no serviço público do Império,
Machado de Assis realizara uma brilhante
carreira jornalística e literária. Colaborara
nas revistas A Marmota Fluminense, O Espelho,
A Semana Ilustrada, O Futuro, Jornal das
Famílias, e nos jornais Diário do Rio de Janeiro,
Correio Mercantil, O Paraíba, Imprensa
Acadêmica (de São Paulo), Correio da Tarde e
outros. Publicara seus primeiros trabalhos
em livro: a peça teatral Desencantos, o
volume intitulado Teatro (contendo as
comédias O caminho da porta e O protocolo),
as comédias Quase ministro e Os deuses de
casaca (em volumes separados) e, ainda, seu
primeiro livro de versos, intitulado
Crisálidas. Além disso, exercitara a sua pena
como tradutor de peças teatrais para a
Companhia Furtado Coelho, numa delas,
Obarbeiro de Sevilha, de Beaumarchais; fizera
parte da equipe de tradutores de O Brasil
pitoresco, obra em dois grandes volumes,
escrita por Charles Ribeyrolles e ilustrada
pelo fotógrafo Victor Frond; traduzira a
obra anônima Queda que as mulheres têm pelos
tolos e, ainda, o romance de Victor Hugo,
Os trabalhadores do mar, publicado em
folhetim no Diário do Rio de Janeiro. O que é
mais singular é que Machado de Assis,
embora sendo autodidata, não apenas traduzia correntemente do francês para o
português, mas ainda escrevia diretamente
em francês versos bastante razoáveis, principalmente paródias cômicas de poesias de
Victor Hugo e de Alfred de Musset. A
publicação das Crisálidas, em 1864, colocara seu nome em evidência, como um dos
mais promissores entre os novos poetas
brasileiros.
Como jornalista, ligado ao Partido
Liberal, pois o Diário do Rio de Janeiro, para
onde entrou em 1860, antes dos 21 anos,
era antes de tudo um órgão partidário,
comprometido com aquela agremiação –
a mais inquieta, progressista e turbulenta
da monarquia (de sua ala extremada
tinham irrompido as revoluções em 1842,
em Minas e São Paulo, e a de 1848 em
Pernambuco) – Machado de Assis várias
vezes atacara Zacarias de Góis e Vasconcelos, que ainda não se desligara inteiramente de seus antigos vínculos com o
Partido Conservador. Mas, quando Zacarias adotou a posição liberal, mudou de
atitude, o que não lhe foi difícil, pois seus
ataques não tinham sido extremados ou
agressivos. Foi o próprio gabinete de
Zacarias que, a 16 de março de 1867, fez
condecorar Machado de Assis com a
insígnia de cavaleiro da Ordem da Rosa,
destinada a premiar o mérito literário e
artístico. E, vinte e dois dias depois,
assinava, como Ministro da Fazenda, o ato
que lhe assegurava o ingresso no serviço
público. Neste, entrara Machado de Assis
com o pé direito, pois que, pouco antes,
tivera o seu valor reconhecido e oficialmente proclamado.
Que fizera ele para merecer tanto? Em
primeiro lugar, esses dois fatos se verificaram em plena guerra da Tríplice Aliança
(Brasil, Argentina e Uruguai) contra o
Paraguai de Francisco Solano López. Além
de apoiar, como jornalista, as posições do
governo, Machado de Assis escreveu
poesias patrióticas. Três anos antes, por
ocasião da Questão Christie, já havia escrito
um hino cantado nos teatros do Rio de
Janeiro, em desagravo da honra nacional,
ultrajada pela intervenção inglesa em
nossos portos, com o apresamento de
vários dos nossos navios mercantes. Além
disso, durante três anos, Machado de Assis
exercera, sem remuneração, a função de
censor teatral, como membro do Conservatório Dramático Brasileiro, entidade
particular reconhecida pelo governo.
Machado de Assis deixou o Diário do
Rio de Janeiro ao entrar para o Diário Oficial,
mas continuou a atuar no jornalismo,
colaborando em várias publicações sem
filiação partidária declarada. Dois anos e
oito meses depois de seu ingresso no
serviço público, Machado de Assis se
casava com a portuguesa Carolina Augusta
Xavier de Novais, que chegara ao Brasil a
18 de junho de 1868, para cuidar do irmão
enfermo, Faustino Xavier de Novais, poeta
e jornalista, fundador e diretor de O Futuro,
a revista efêmera em que o autor das
Crisálidas muito colaborara em prosa e
verso. Com o aumento de suas responsabilidades, Machado desdobrou-se em
trabalhos, principalmente como tradutor.
Traduziu novas peças teatrais. Traduziu
como folhetim para o Jornal da Tarde o
longo romance de Charles Dickens Oliver
Twist, e para a revista A Instrução Pública, a
obra do médico e educador francês T.
Gallard, Notions d’hygiene à l’usage des
instituteurs primaires, a que deu o título de
Higiene para o uso dos mestres-escolas, cuja
publicação se prolongou até 1874. Em
1871, retornou à função de censor teatral,
ainda uma vez sem receber qualquer
remuneração. E, em abril de 1872, foi
designado pelo Ministro da Marinha a fazer
parte da comissão do Dicionário Marítimo
Brasileiro, em substituição a Henrique César
Muzzio, que, cego e em tratamento na
Europa, morrera em Paris. Muzzio havia
sido o secretário do Diário do Rio de Janeiro,
quando Machado nele começara a trabalhar. Essa nova função era um mero
“bico” e não atendia às suas necessidades
mais prementes.
Mas, nesse mesmo ano, quando se
achava na presidência do gabinete o
visconde do Rio Branco (José Maria da
Silva Paranhos), notável estadista imortalizado por ter feito aprovar na Câmara e
no Senado do Império a famosa “Lei do
Ventre-Livre” – segundo a qual não mais
nasceram escravos no Brasil – Machado
de Assis conseguiu obter um cargo de primeiro oficial, ou de amanuense, do Ministério de Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, cujo ministro era, então, o deputado José Fernandes da Costa Pereira
Júnior. Durante algum tempo, Machado
de Assis se manteve nos dois cargos – o
do Diário Oficial e o do Ministério – trabalhando primeiro neste e depois naquele,
onde o expediente se prolongava noite
adentro. Machado de Assis ingressou no
Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas quando tinha passado dos
33 anos e já era uma figura destacada das
letras brasileiras. Em 1868, José de Alencar
o consagrara como a mais importante
figura da crítica literária de seu tempo, ao
pedir-lhe que apresentasse ao meio intelectual do Rio de Janeiro o jovem poeta
Castro Alves. Em 1870, publicara os Contos fluminenses e o segundo livro de versos,
Falenas. Em 1872, publicara o seu primeiro
romance, Ressurreição. E, em 1873, novo
livro de contos, das Histórias fluminenses. Ia
ter, a partir daquela nomeação, vida mais
tranqüila e segura, mas não menos laboriosa, por sua inexcedível dedicação, tanto
às letras como às funções burocráticas,
exemplarmente desempenhadas.
Machado de Assis era ainda chefe da
2a
Seção do Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, quando deu
um memorável parecer sobre importante
assunto submetido à sua apreciação, que
dizia respeito ao registro de escravos,
regulado pela Lei do Ventre-Livre, de 28
de setembro de 1871. O registro tinha
como finalidade manter um cadastro da
população escravizada, fazer com que as
crianças nascidas depois da promulgação
dessa lei tivessem os nascimentos registrados como pessoas livres, além de
outras medidas no interesse dos cativos.
Aquela lei instituíra também ações de liberdade, ou causas de liberdade, propostas pelos
escravos, ou em nome destes, para que
objetivassem a condição de pessoas livres.
Dessas ações, quando as decisões judiciais
fossem contrárias a seus autores, haveria
sempre a apelação ex-officio para a instância
superior. Ora, um proprietário da comarca
de Resende, na província do Rio de Janeiro,
ganhara uma ação ordinária e, não tendo
havido apelação, por parte dos escravos
envolvidos no pleito, pretendia o interessado, José Pereira da Silva Porto, obter o
registro desses mesmos escravos, mediante
apresentação de traslado da sentença que
lhe dera ganho de causa. O presidente da
província do Rio de Janeiro, Francisco
Xavier Pinto Lima (depois agraciado com
o título de barão de Pinto Lima) achou
que a situação não estava suficientemente
clara e, por isso, submeteu o assunto ao
exame do Ministério da Fazenda. O ministro, na época o barão de Cotejipe, decidiu
que fosse ouvido o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, por ser
deste a competência, pois lhe estavam
subordinados os assuntos referentes aos
escravos, cartas de alforria, manumissões,
e todos os demais, exceto a cobrança das
taxas de registro.
As questões suscitadas eram as
seguintes:
1) Poderia o coletor de Resende
inscrever na matrícula especial os escravos
do cidadão José Pereira da Silva Porto, que
não haviam sido matriculados em tempo
hábil, isto é, no prazo determinado pela
lei de 28 de setembro de 1871?
2) Em vista do artigo 7o, § 2 o, da
mesma lei – o qual estabelecia que, nas
causas em favor da liberdade, haveria
apelação ex-officio quando as decisões lhes
fossem contrárias – produziria efeitos a
sentença obtida com base no artigo 19 do
regulamento da mesma lei, sem que da
mesma houvesse sido interposta apelação
ex-officio ou voluntária? O ministro Tomás
José Coelho de Almeida pediu que fossem ouvidos os funcionários do Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de maior graduação e com a necessária
competência para opinar sobre o assunto.
E pediu também a opinião do procurador
da coroa, desembargador João Evangelista
de Negreiros Saião Lobato.
Os funcionários que opinaram foram
os seguintes: José Diniz de Vilas-Boas,
oficial da Secretaria; Augusto José de
Castro e Silva, antigo diretor de Agricultura;
José Pedro Xavier Pinheiro, oficial da
Secretaria; Francisco Leopoldino Gusmão
Lobo, chefe da Diretoria Central; e, finalmente, Joaquim Maria Machado de Assis,
chefe da 2a
Seção de Agricultura. Esse
episódio é, sem dúvida, um dos mais significativos da carreira de Machado de Assis,
sobretudo por ter sido vitorioso o ponto
de vista de um funcionário que, sem ser
bacharel em direito, demonstrou grande
tino jurídico, vendo o seu ponto de vista
vencedor. As opiniões foram de início
divergentes. Saião Lobato manifestou-se
contra a concessão da matrícula. No seu
entender, como não houvera apelação,
também não podia haver registro. VilasBoas opinou no mesmo sentido. Mas em
sentido contrário opinaram três altos
funcionários: Xavier Pinheiro, Castro e Silva
e, finalmente, Gusmão Lobo, que foi
citado por Joaquim Nabuco, no livro Minha
formação, como um adepto da causa
abolicionista. Castro e Silva afirmou se
tratava da “libertação de escravos que
deixaram de ser matriculados, e cuja
reivindicação era permitida por ação
ordinária, nos termos do artigo 19 da lei de 28 de setembro, e que o artigo 7o
se
referia ao processo, aliás sumário, para a
alforria por indenização do valor ou
remissão”. E concluía dizendo pensar que,
“sendo independentes os poderes políticos
do Império, ao Executivo cabia acatar as
decisões do Judiciário e, conseqüentemente, ordenar ao coletor de Resende que
matriculasse os escravos de José Pereira da
Silva Porto.”
Xavier Pinheiro fez várias considerações sobre o problema, para por fim
declarar: “Examinando atentamente os
papéis, cabe me dizer que, para resolvê-lo,
basta considerar que duas são as ações
concernentes à alforria de escravos. Em
uma, a favor da liberdade, em que o autor
é escravo, o processo é sumário e, quando a
decisão do juiz é contrária à liberdade,
haverá apelação ex-officio(artigo 7o da lei no
2.040). Noutra, a favor da escravidão, em
que o senhor é o autor, o processo é ordinário, e não há recurso ex-officio, sem que,
no entanto, às partes seja tolhido o direito
de apelar. No caso presente, a causa é
ordinária, e o juiz não está na obrigação
de apelar ex-officio. Os interessados, isto é,
os três escravos, não recorreram da sentença, que assim passou em julgado. Resta,
portanto, expedir ordens a fim de que
produza os devidos efeitos”.
Gusmão Lobo, pelo menos aparentemente, dava visível apoio a essa tese. Disse
tratar-se de uma questão “muito grave” e
alegou que era com pesar que discordava
“do parecer do Sr. Procurador da Coroa”.
Finalmente, declarou que, “ainda que a
matéria esteja largamente discutida, conviria
que sobre ela dissesse o atual chefe da 2a
Seção”, Tal chefe, ainda em caráter interino,
era Machado de Assis, que assim foi provocado a manifestar-se. Nesse processo
encontram-se palavras de Gusmão Lobo
que valem como um atestado de seu zelo e
capacidade funcional: “Recomendo- lhe que
o faça em prazo curto, como costuma fazer,
pois trata-se de negócio pendente há quase
um ano./ 15 de julho de 1876./ Gusmão
Lobo”. Seis dias depois, dava Machado de
Assis seu magistral parecer, em que começava por declarar: “2a
Seção./ Obedecendo
ao despacho da Diretoria, examinei detidamente estes papéis e, à vista deles e das
disposições legais, direi resumidamente o
que me parece./ No art. 7o, § 2o
da lei de 28
de setembro de 1871 se diz que das decisões contrárias à liberdade, nas causas em
favor desta, haverá apelação
ex-officio. Pelo artigo 18 do regulamento de
1o
de dezembro do mesmo ano, os escravos que não forem dados à matrícula por
culpa ou omissão dos senhores serão considerados libertos, salvo aos mesmos
senhores o meio de provar, em ação ordinária, o domínio que têm sobre eles, e não
ter havido culpa, ou omissão sua, na falta da
matrícula./ Pergunta- se: Das sentenças que,
na hipótese do artigo 19, forem contrárias à
liberdade, cabe apelação ex-ofício?/ Minha
resposta é afirmativa. Para responder de
outro modo, fora preciso fazer entre os dois
casos uma distinção que não existe, e que, a
meu juízo, repugna ao espírito da lei”.
Em seguida, Machado de Assis começava a expor suas razões: “O argumento
principal que acho nestes papéis, favorável
à negativa, é que as causas de que trata o
artigo 19 do regulamento não são a favor
da liberdade, isto é, não são propostas pelo
escravo, mas pelo senhor, a favor da
escravidão, entenda-se a favor da propriedade./ Esta diferença não é radical, mas
aparente e acessória. As causas do artigo
19 é certo que não as propõe o escravo,
mas o senhor; não têm por objeto a libertação, mas a prova da propriedade do
senhor e da força maior que deu lugar à
falta de matrícula. Mas em que tal diversidade de origem pode eliminar o
objeto essencial e superior do pleito, isto
é, a liberdade do escravo?/ Importa
pouco ou nada que o recurso à justiça parta
do escravo ou do senhor, desde que o
resultado do pleito é dar ou retirar a condição livre ao indivíduo nascido na escravidão. Acresce que, na hipótese do artigo
19, a decisão contraria a liberdade, é contrária à liberdade adquirida, anula um efeito
da lei, restitui à escravidão o indivíduo já
chamado à sociedade livre; neste, como
no caso do artigo 7o
da lei, é a liberdade
que perece; em favor dela deve prevalecer
a mesma disposição”.
Ainda não esgotara, no entanto, sua
argumentação. E assim concluiu: “Na diferença entre ação sumária (artigo 7o
da lei) e
ação ordinária(artigo 19 do regulamento) não
estará, presumo eu, a razão da diferença
para a aplicação do recurso de que se trata.
Ser sumário ou ordinário o processo,
suponho que apenas lhe diminui ou multiplica os trâmites, circunstância alheia ao
ponto litigioso./ Outrossim, convém não
esquecer o espírito da lei. Cautelosa, eqüitativa, correta, em relação à propriedade dos
Senhores, ela é, não obstante, uma lei de
liberdade, cujo interesse ampara em todas
as suas partes e disposições. É ocioso apontar o que está no ânimo de quantos a têm
folheado; desde o direito e facilidades da
alforria até à disposição máxima, sua alma
e fundamento. Sendo este o espírito da lei,
é para mim manifesto que num caso como
o do artigo 19 do regulamento, em que,
como ficou dito, o objeto superior e essencial é a liberdade do escravo, não podia o
legislador consentir que esta perecesse sem
aplicar em seu favor a preciosa garantia
indicada no artigo 7 o da lei./ Tal é o meu
parecer, que sujeito à esclarecida competência da Diretoria. Em 21 de julho de
1876./Machado de Assis”.
Mas isso não foi bastante para convencer o diretor Gusmão Lobo, que voltou
a insistir em seu ponto de vista e terminou
por sugerir: “A questão é grave e, dada a
diversidade de pareceres, penso que deve
ser submetida ao exame da ilustrada Seção
dos Negócios da Justiça do Conselho de
Estado, cujo esclarecido voto exercerá
decisiva influência sobre o ânimo dos
julgadores, concorrendo para firmar uma
interpretação segura e invariável./3 de
agosto de 1876./ Gusmão Lobo”. Os membros da Seção dos Negócios da Justiça do
Conselho de Estado eram três juristas
ilustres: o conselheiro José Tomás Nabuco
de Araújo, pai de Joaquim Nabuco e
antigo ministro da Justiça; Francisco de
Paula Saião Lobato (visconde de Niterói),
antigo magistrado e ex-ministro da Justiça;
e José Ildefonso de Sousa Ramos, bacharel
em direito, parlamentar do Império e
também antigo ministro da Justiça. O parecer dos três ilustres homens de estado concluiu no mesmo sentido pelo qual se havia
manifestado Machado de Assis. É uma
peça longa, que examina minuciosamente
a questão e apresenta essas conclusões:
“A lei não diz ações de liberdade, mas
causas de liberdade; a lei refere-se ao objeto
e não ao meio. Mas, então, a ação do artigo
19 citado devia ser sumária? Não; porque
a lei só tem por fim favorecer a liberdade
e não a escravidão; as exceções são só em
favor da liberdade; a escravidão fica como
antes dela, no princípio ou regra de direito
comum, que é a ação ordinária. Portanto,
o argumento legal em que se apóia a
afirmativa é o argumento a simile, que
consiste em aplicar a um caso não previsto
na lei a regra estabelecida para caso semelhante, quando a razão de decidir é a
mesma. Esse argumento ainda tem mais
valor à vista da regra das Ordenações,
Livro 4o
, título II – que em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas
contra as regras gerais. Se em caso análogo e semelhante, tanto na espécie como
no motivo, não cabe a regra da Ordenação citada, não há mais hermenêutica, e as
leis devem ser casuísticas”. Remetendo o
processo ao despacho da princesa regente
(D. Isabel ocupava pela segunda vez o
trono do Império, enquanto o imperador
Pedro II viajava pela Europa depois de
ter representado o Brasil nas festas do
primeiro centenário da independência dos
Estados Unidos), o parecer acrescentava:
“Vossa Alteza mandará o que for melhor”.
O despacho de D. Isabel foi o clássico –
“como parece” – ou seja, a aprovação do
mesmo, datado do “Palácio do Rio de
Janeiro, 20 de outubro de 1876”. Encerrou-se, assim, a questão. Por falta de
matrícula, adquiriram a liberdade os três
escravos resendenses, pois que, muito
embora o senhor deles, José Pereira da
Silva Porto, houvesse ganho a ação
ordinária, esta não produzira efeitos para
o registro, por não ter havido apelação e,
logo, não existir sentença confirmatória de
segunda instância.
Quando dei conhecimento desse parecer de Machado de Assis ao jurisconsulto
brasileiro Levi Carneiro, que foi um dos
constituintes de 1934 e membro da Academia Brasileira de Letras, disse ele que,
embora não sendo formado em direito –
nem em qualquer outra coisa – Machado
de Assis demonstrara “uma clara consciência jurídica, um verdadeiro sentimento
de justiça, uma perfeita compreensão do
espírito da lei”. Foi depois de tal parecer
que o ministro da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas, Tomás José Coelho de
Almeida, efetivou Machado de Assis no
cargo de chefe de seção, que ele exercia
interinamente. Isso foi feito por decreto
de 7 de dezembro de 1876, quando estava
no poder o último gabinete presidido pelo
senador Caxias (elevado a duque depois
da guerra com o Paraguai). Com as novas
responsabilidades e as vantagens financeiras decorrentes de sua efetivação em tal
posto, pôde Machado de Assis deixar o
cargo que exercia no Diário Oficial, consagrando-se daí por diante, como funcionário, apenas ao Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, que ainda em
vida dele começaria a ser desdobrado,
dando origem a outras pastas – como a
da Viação e a do Comércio.
Arranjou Machado de Assis outros
meios de aumentar os seus proventos, passando a escrever romances folhetins para
jornais, como O Globo e O Cruzeiro, ou para
revistas, como a Revista Brasileira. Em O
Globo, dirigido a partir do ano de 1874 por
seu amigo Quintino Bocaiúva – que viria a
ter grande evidência na República, como
ministro das Relações Exteriores, deputado
à Constituinte, senador e governador do
Estado do Rio de Janeiro – publicou
sucessivamente os romances A Mão e a luva,
em 1874, e Helena, em 1876. Em O
Cruzeiro, que começou a circular em 1878,
publicou o romance Iaiá Garcia. E, na
Revista Brasileira, iniciou em 1880 a publicação do romance Memórias póstumas de Brás
Cubas, uma de suas obras-primas, que se
prolongaria de março a dezembro, saindo
em volume no ano seguinte.
Por doze anos e quase quatro meses
permaneceu Machado de Assis como simples chefe de seção, muito embora tenha
exercido a função de oficial de gabinete
de dois ministros, durante esse período.
Quando, a 8 de março de 1880, passou a
exercer o cargo de ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o
engenheiro Manuel Buarque de Macedo,
que se formara na Escola Politécnica do
Rio de Janeiro e, em seguida, fizera em Paris um curso de aperfeiçoamento profissional, Machado de Assis foi por ele
chamado para servir em seu gabinete. Mas
pouco durou a gestão do ilustre engenheiro.
Ele morreu repentinamente a 21 de agosto
de 1881, quando acompanhava o imperador D. Pedro II a Minas, na viagem
destinada a inaugurar o ramal ferroviário
de São João del Rei. Foi então designado
para responder pela pasta vaga o deputado-geral fluminense Pedro Luís Pereira
de Sousa, que era em caráter efetivo
ministro dos estrangeiros. Assoberbado
com o trabalho de duas pastas – a segunda
ainda mais trabalhosa que a primeira –,
Pedro Luís Pereira de Sousa confiou a
Machado de Assis grande parte de suas
tarefas na última. Durante os meses que se
seguiram, Machado de Assis foi praticamente um vice-ministro. Era quem recebia, em nome do ministro, as pessoas brasileiras e estrangeiras que tinham interesse a
tratar no seu Ministério. Quando o senador
José Antônio Saraiva passou a ocupar a
pasta, em caráter efetivo, Machado
retornou a seu posto de chefe de seção.
Só a 30 de março de 1889, quando
era ministro da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas o senador Rodrigo
Augusto da Sirva, integrante do gabinete
chefiado por João Alfredo Corrêa de
Oliveira, que no ano anterior promovera
a abolição total da escravatura, é que
Machado de Assis foi novamente promovido. Passou, nessa data, a diretor de um
dos departamentos em que se dividia o
ministério. Seu título era o de diretor de
Viação. Com a República, proclamada a
15 de novembro de 1889, sua situação
permaneceu inalterada. O primeiro
ministro da Agricultura do novo regime,
foi, em caráter interino, o seu velho amigo
Quintino Bocaiúva, seu companheiro por
vários anos na redação do Diário do Rio de
Janeiro e, mais tarde, diretor de O Globo,
onde publicara dois romances. Quintino,
que era o ministro efetivo das Relações
Exteriores (novo nome do antigo Ministério dos Estrangeiros), pouco tempo
depois entregou a segunda pasta ao
ministro efetivo, Demétrio Ribeiro, que nela
pouco demorou, sendo a 30 de janeiro de
1800 substituído por Francisco Glicério.
Durante a gestão deste, Machado de Assis
sofreu uma tentativa de agressão, por parte
de outro funcionário, que, aliás, era também
escritor – Luís Francisco da Veiga –, mas
o ministro deu mão forte ao agredido. O
assunto chegou a ser tratado numa das
reuniões do chefe do Governo Provisório,
marechal Manuel Deodoro da Fonseca,
com seus ministros. Francisco Glicério disse
ter determinado a suspensão de Luís Francisco da Veiga, que entretanto, não se conformara. Assim, propunha a aposentadoria imediata de Luís Francisco da Veiga.
Tal proposta foi aprovada por unanimidade pelos presentes: Deodoro, Campos
Sales, Eduardo Wandenkolk, Cesário
Alvim, Benjamim Constant e o próprio
Francisco Glicério (dois ministros tinham
deixado de comparecer: Quintino e Rui
Barbosa, que era o titular da Fazenda).
Machado de Assis sofreu, durante o
último ano do governo do Marechal
Floriano Peixoto, injustos ataques de um
inimigo gratuito, o exaltado panfletário e
agitador político Deocleciano Mártir, que
então publicava um pequeno jornal
intitulado O Jacobino. Pouco depois de
encerrada a “revolta da esquadra”, o exaltado verrineiro começou a estampar nos
“a pedidos” dos jornais listas de pessoas
que eram por ele apresentadas como
“monarquistas impenitentes” e “adversários encapuzados do regime republicano”, exigindo que todos os denunciados fossem afastados, quanto antes, do serviço público. Entre eles, além de
Machado de Assis e de numerosos outros,
estava o barão do Rio Branco, que então
pertencia ao serviço consular e viria a ser
um benemérito da República, além de ter
sido quem, até hoje, exerceu por mais
tempo o cargo de ministro das Relações
Exteriores – nada menos de dez anos –
servindo nos governos de Rodrigues Alves,
Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da
Fonseca. Machado de Assis não respondeu às acusações de Deocleciano Mártir.
Mas foi defendido por um “republicano
histórico”, Lúcio de Mendonça, sob o
pseudônimo de Z. Marcas, na revista A
Semana, de Valentim Magalhães. Lúcio de
Mendonça, que exercia importante cargo
no Ministério da Justiça, fez ao mesmo
tempo o elogio do escritor e do funcionário, ambos merecedores de consideração, estima e reconhecimento.
Na verdade assim era. Lúcio de Mendonça não citou, mas poderia ter citado
casos específicos, em que Machado de Assis
demonstrara seu espírito público, evitando
que erros fossem cometidos pela administração, como no parecer sobre os escravos
de Resende e episódios semelhantes. Um
destes era bem recente.
Ocorrera dois anos antes, quando
lavrara a grande crise financeira, que deu
lugar às especulações do chamado “encilhamento”. Em maio de 1892, quando o
governo do marechal Floriano Peixoto
ainda não havia completado um ano,
Machado de Assis vira, no Diário Oficial, a
publicação de um “relatório de invenção”,
firmado por um norte-americano, George
Boyngton Boyngton, que dizia ter descoberto “um processo engenhosíssimo e
inteiramente novo para a obtenção do
capital necessário a um empreendimento
qualquer”. E acrescentava: “A idéia do
inventor é aproveitar o bem conhecido
espírito de especulação do povo, a fim de
dirigir, a um destino novo e útil, o dinheiro
empregado em especulações arriscadas”.
E adiante explicava que se tratava da
“venda de cartões, em tal número e tal
preço, que de seu produto, deduzidas as
despesas, ficaria como lucro líquido o
capital desejado.” E ainda: “Exemplificando para maior clareza: dado que se
precise, para uma empresa reunir o capital
de 550:000$, anunciava-se a venda de
200.000 cartões, a 5$ cada um, o que
produzirá 1.000:000$. Dessa quantia há a
deduzir: o desconto de 10% dos vendedores, 100:000$; as despesas dos anúncios
e outras, 20:000$; os prêmios pagos em
dinheiro, 330:000$; 450:000$. Restam os
desejados 550:000$, que constituem o
capital da companhia, dividido em ação
de 200$ cada uma, das quais umas serão
distribuídas por segundo sorteio e outras
ficarão pertencendo ao inventor da distribuição sistemática”... Era uma arapuca,
uma dupla loteria – e a patente já havia
sido concedida, pelo Ministério da
Fazenda, sob o número 1.140.
Machado de Assis, por puro espírito
público, ainda que se tratasse de assunto
de outro ministério, resolveu intervir para
promover a cassação de tal patente, aprovada por inadvertência do jovem ministro
da Fazenda, Inocêncio Serzedelo Correia.
Em caso anterior, quando outra patente
fora concedida, para outra loteria dissimulada, a anulação fora promovida por via
judicial, pois que fora outorgada pelo
Governo Provisório, que tinha poderes
não só executivos, mas legislativos. Depois
de ouvir o parecer da 2a
Seção da Diretoria de Comércio, Machado de Assis
submetera o assunto à decisão do ministro da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, Antão Gonçalves de Faria,
pedindo que fosse promovida a anulação da patente de Boyngton. Apesar dos
protestos de Boyngton, que ameaçou promover uma ação por perdas e danos, a
Diretoria de Comércio, pela qual respondia Machado de Assis, obteve que o
ministro interviesse, para anular a concessão, o que acabou sendo feito, por
despacho de 8 de setembro de 1892, por
se ter “transformado a concessão em
loteria e em fonte de jogo”. Lúcio de Mendonça não citou em defesa de Machado
de Assis essa recente demonstração de zelo,
mas condenou as maliciosas denúncias de
Deocleciano Mártir, dirigindo-se a esse
desabusado panfletário: “Com um nome,
então, foi você caipora como nos seus
piores dias: com o nome de Machado de
Assis. Quem é este homem, sabem-no
todos, menos talvez o Sr. Deocleciano
Mártir. É um filho de si próprio, ex se natus,
na enérgica expressão de Tácito; obscuro,
artista anônimo, tipógrafo, depois revisor
de provas, depois noticiarista, depois cronista e poeta, depois chefe incontestado da
literatura brasileira. Apenas isto: uma
reputação nacional, feita a pouco e pouco,
passo a passo, dia a dia, na modéstia, na
perseverança e no trabalho para o pão de
cada dia, e no estudo e no esforço nobre
para a conquista do saber e da glória. Se
há um homem para honrar toda uma
democracia moderna é este. Quem quer
que tenha uma leve intuição de justiça, uma
centelha de paixão republicana, há de
venerar este homem. O Sr. Deocleciano
Mártir apedreja-o. É medonho para você,
jacobino”.
Mais importante ainda que a defesa de
Lúcio de Mendonça – que não tardaria a
ser procurador geral da República em
seguida, ministro do Supremo Tribunal
Federal – foi a carta de agradecimento que
o general Sérgio Bibiano da Fonseca
Costallat – o último ministro da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas do governo do
marechal Floriano Peixoto – enviou a
Machado de Assis na data em que deixou o
poder. Nessa carta, louvou ele a capacidade
e a diligência do funcionário Machado de
Assis, dizendo que, sem o seu esclarecido
auxílio e sem o seu profundo conhecimento
dos negócios daquela pasta, com os quais,
como militar, pela primeira vez lidava, não
teria conseguido desempenhar-se a contento
do cargo de ministro, a que fora levado pela
confiança de Floriano.
Machado de Assis viria a sofrer, no
governo do presidente Prudente de
Morais, o que considerou uma grave
injustiça. Julgando lhe ser agradável e
querendo deixar-lhe mais tempo livre para
seus trabalhos literários, o novo ministro,
Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda –
pai do grande tribuno parlamentar
Maurício de Lacerda e avô de Carlos
Lacerda – resolveu substituir Machado de
Assis na Diretoria de Viação, que então
ocupava, deixando-o como simples
“adido à Secretaria de Estado, percebendo
os vencimentos que lhe competirem”.
Machado ficou muito magoado, achando
que o ministro o julgara um inútil. Queixouse muito, em cartas aos amigos, não se
conformando em ficar de braços cruzados,
ganhando o dinheiro da nação sem
trabalhar. Foi durante esse período que
escreveu uma de suas obras-primas, Dom
Casmurro; sempre demonstrara, em seus
romances, contos e crônicas, profunda
aversão aos parasitas. E era sincero. Não
queria ser um deles. E não sossegou
enquanto não voltou à atividade, embora
diminuído funcionalmente: de diretor de
um departamento, passou a ser simples
secretário do ministro Severino Vieira.
Quando este se demitiu, no governo de
Campos Sales, para candidatar-se ao
governo da Bahia, o ministro da Justiça,
RSP
Revista do Serviço Público Brasília 56 (2): 237-248 Abr/Jun 2005 247
Raymundo Magalhães Jr.
Epitácio Pessoa, nomeado para substituir
interinamente Severino Vieira, não se deu
bem com Machado de Assis. Jovem, irrequieto, Epitácio estava então veraneando
em Petrópolis. Pela manhã, atendia ao
expediente da pasta da Justiça. À tarde, ia
para o outro Ministério, onde Machado
de Assis lhe fazia minuciosas exposições
sobre cada assunto, apresentando-lhe em
seguida as minutas dos despachos. Epitácio
queria sempre abreviar as exposições, a fim
de não perder a barca que saía da Prainha
para Mauá, no fundo da baía, de onde nos
fins do século passado partia o trem para
Petrópolis. Algumas vezes perdeu a barca,
só tomando a segunda e chegando à casa
já em plena noite. Por isso disse um dia, de
Machado: “Grande escritor, mas péssimo
secretário!” Talvez Machado, sem o dizer,
pensasse a mesma coisa de Epitácio:
“Moço inteligente, mas muito afobado
para ser um bom ministro!”
Machado passou vários anos constrangido e humilhado até encontrar, em Lauro
Müller – o grande ministro da Viação que
iniciou as obras do Porto do Rio de Janeiro
e fez construir a avenida Central, hoje
avenida Rio Branco – quem lhe fizesse
justiça. Lauro Müller fez Machado voltar a
ser diretor. E diretor-geral de Contabilidade. O sucessor de Lauro Müller, Miguel
Calmon, a 16 de dezembro de 1907,
aumentou ainda mais suas responsabilidades,
nomeando-o juntamente com Luís Rodolfo
Cavalcanti de Albuquerque (diretor das Rendas Públicas do Tesouro Nacional) e com
o engenheiro Francisco Bicalho, para exercer as funções de membro da Comissão
Fiscal e Administrativa das Obras do Porto
do Rio de Janeiro, sem prejuízo de suas
funções de diretor-geral de contabilidade.
Machado de Assis morreu no ano seguinte,
a 29 de setembro, com 69 anos de idade e
com 40 anos e cinco meses de serviço
público. Morreu sem ter se aposentado,
porque teve a preocupação de ser útil à
pátria, enquanto teve forças para tanto.
Seus funerais foram custeados pelo
governo federal e o Ministério da Viação,
Indústria e Obras Públicas, em que ele trabalhava (o da Agricultura já tinha então
existência à parte). O expediente da Diretoria Geral de Contabilidade foi encerrado
ao meio-dia, para que os funcionários
subordinados a Machado de Assis pudessem comparecer ao enterro, que saiu do
Silogeu Brasileiro, à rua Augusto Severo,
onde então a Academia Brasileira de Letras
tinha a sua sede. O senador Rui Barbosa,
membro da Academia, discursou na saída
do enterro. Falaram, no Senado, o senador
Érico Coelho e, na Câmara, o deputado
Alcindo Guanabara, fazendo o seu elogio.
O presidente Afonso Pena, que morreria
no ano seguinte, transmitiu à Academia
Brasileira de Letras este telegrama: “Apresento a essa ilustre corporação os meus
sinceros pêsames pelo falecimento de seu
preclaro presidente, Machado de Assis,
glória da literatura brasileira”.
Todas essas homenagens – e muitas
outras, que seria longo enumerar-se – dirigiam-se, é claro, ao escritor que, nos seus
últimos anos de vida, culminara sua atividade com a publicação de alguns dos seus
mais notáveis livros – os romances Dom
Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires e as
narrativas curtas das Várias histórias, dos
Papéis avulsos e das Relíquias de casa velha.
Porque também nas letras, como na função pública, não se aposentou. E só largou
a pena quando a morte o venceu.
Raymundo Magalhães Júnior
Jornalista e biógrafo, nasceu no Ceará em 1907 e faleceu no Rio de Janeiro em 1981. Ingressou na
Academia Brasileira de Letras em agosto de 1956, ocupando a Cadeira no 34, sucedendo a D. Aquino
Correia.
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