Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 20 de maio de 2021
Farsa dos Almocreves:
- Êle pôs desta maneira
A mão na barba e jurou
De meus dinheiros pagá-los
***
***
almocreve não é “almocreve” (“das palavras que ficam para trás no tempo”)
ervaluisa20 de Dezembro de 2018Sem categoriaNavegação de artigos
***
***
Nascimento 24 de junho de 1860
Laranjeiras, SE
Morte 13 de abril de 1934 (73 anos)
Rio de Janeiro, DF
Nacionalidade brasileiro
Ocupação Jornalista, crítico literário, filólogo, historiador, pintor e tradutor
***
- Essa barba era inteira
A mesma que te jurou,
Ou bigodezinhos ralos?
III, 215
À barba longa é a que dá para todos os desperdícios.12
Fonte: João Ribeiro
FRASES FEITAS
*** https://www.academia.org.br/publicacoes/frases-feitas ***
*** https://www.academia.org.br/sites/default/files/publicacoes/arquivos/frases_feitas_-_joao_ribeiro_-para_internet.pdf ***
***
***
A EN 2 ou N2 ou Estrada Nacional 2, é uma estrada nacional que integra a rede nacional de estradas de Portugal. Atualmente, a N2 consiste de 5 troços separados entre si: Santa Marta de Penaguião–Peso da Régua (A24), Góis (N342)–Portela do Vento (N112), Sertã (IC8)–Abrantes (IP6), Ervidel (N18)–Aljustrel (N263) e Castro Verde–Faro [1], num total de 738,5 km.
*** *** https://pt.wikipedia.org/wiki/EN2 *** ***
Sabia que as pessoas da Mealha e dos montes em volta, em tempos idos, iam ao Ameixial fazer negócio. Esta aldeia situa-se na Estrada Nacional n.º 2 (*). Até ao século passado era uma das mais importantes vias de ligação entre Lisboa e o Algarve por terra. Aqui passava a “camioneta de Lisboa”.
Um mar de gente, animais e mercadorias formigava por estes cerros. Da Mealha para o famoso mercado do Ameixial, percorriam cerca de 12 km para lá, mais um outro tanto de volta, para ir vender e comprar coisas. Levavam queijo, ovos, chouriças, gado, e traziam sabão, “roupas aos retalhos” (tecidos), louça,… aquilo que não conseguiam produzir.
“E os almocreves?” – várias vezes fiz esta pergunta. As pessoas paravam a conversa (lembro-me do olhar longo e estranho de Noémia). Insistia – “assim, como os vendedores que andam de monte em monte, em certos dias” – padeiros, peixeiros, ou a senhora dos tecidos, como vi uma vez, com lençóis e panos tão cobiçados para lavores. Até que me foi explicado (depois de um “ah isso”) que um almocreve “é um moço que tomava conta das bestas e de gado”. Por estas bandas, almocreve é quase o mesmo que pastor.
Um pouco por acaso fui dar com o “Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram: obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entre nós se conservam” de Frei Joaquim de Viterbo (1744-1822):
Almocreve:, s.m. Homem que conduz bestas de carga; carregador.
Há palavras que ficam para trás no tempo.
(*) A EN2 liga Chaves a Faro. É a estrada do país com maior extensão (cerca de 738 km). É considerada “Estrada Património”.
Luísa Ricardo, 21 de dezembro de 2018.
***
***
Ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello durante CPI da Covid - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
*** *** https://www.folhape.com.br/politica/pazuello-afirma-que-nao-e-o-unico-responsavel-pela-situacao-atual-na/184388/ *** ***
*** https://pessoasfronteirasobjetos.wordpress.com/2018/12/20/almocreve-nao-e-almocreve-das-palavras-que-ficam-para-tras-no-tempo/ ***
***
***
***
AO VIVO!! CPI da Pandemia ouve ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello
***
Por KAMYLLA RODRIGUES -19 de maio de 2021 | 09h29- atualizada em 19/05/2021 | 09h30
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia ouve nesta quarta-feira (19/5) o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a respeito de medidas adotadas no combate ao coronavírus durante sua gestão, de 16 de maio de 2020 a 23 de março de 2021, especialmente em relação ao agravamento da crise sanitária no Amazonas com a falta de oxigênio para os pacientes internados.
O ex-ministro obteve no STF o direito de ficar calado para não se autoincriminar. Mas é obrigado a falar a verdade sobre terceiros, inclusive sobre Bolsonaro. Pazuello também deve ser questionado sobre indícios de fraude em contrato para reforma da sede do Ministério da Saúde.
Acompanhe ao vivo:
***
*** *** https://sagresonline.com.br/ao-vivo-cpi-da-pandemia-ouve-ex-ministro-da-saude-eduardo-pazuello/ *** ***
***
***
Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas
***
Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época.
*** *** https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/memorias-postumas-de-bras-cubas-resumo-da-obra-de-machado-de-assis/ *** ***
***
***
LIVRO USADO
Lições de Texto: Leitura e Redação
José Luiz Fiorin e Francisco Platão Savioli
Livro em Português (Brasil)
Editora: Editora Ática, SP
Ano: 1999
*** *** https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2018/01/21/narracao/ *** ***
***
***
Imagem: da Capa do Livro de Machado de Assis
***
Capítulo XXI
O almocreve
Vai então, empacou o jumento em que eu vinha montado; fustiguei-o, ele deu dous corcovos, depois mais três, enfim mais um, que me sacudiu fora da sela, e com tal desastre, que o pé esquerdo me ficou preso no estribo; tento agarrar-me ao ventre do animal, mas já então, espantado, disparou pela estrada afora. Digo mal: tentou disparar, e efectivamente deu dous saltos, mas um almocreve, que ali estava, acudiu a tempo de lhe pegar na rédea e detê-lo, não sem esforço nem perigo. Dominado o bruto, desvencilhei-me do estribo e pus-me de pé.
-- Olhe do que vosmecê escapou, disse o almocreve.
E era verdade; se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e não sei se a morte não estaria no fim do desastre; cabeça partida, uma congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me ia a ciência em flor. O almocreve salvara-me talvez a vida; era positivo; eu sentia-o no sangue que me agitava o coração. Bom almocreve! enquanto eu tornava à consciência de mim mesmo, ele cuidava de consertar os arreios do jumento, com muito zelo e arte. Resolvi dar-lhe três moedas de ouro das cinco que trazia comigo; não porque tal fosse o preço da minha vida, -- essa era inestimável; mas porque era uma recompensa digna da dedicação com que ele me salvou. Está dito, dou-lhe as três moedas.
-- Pronto, disse ele, apresentando-me a rédea da cavalgadura.
-- Daqui a nada, respondi; deixa-me, que ainda não estou em mim...
-- Ora qual!
-- Pois não é certo que ia morrendo?
-- Se o jumento corre por aí fora, é possível; mas, com a ajuda do Senhor, viu vosmecê que não aconteceu nada.
Fui aos alforjes, tirei um colete velho, em cujo bolso trazia as cinco moedas de ouro, e durante esse tempo cogitei se não era excessiva a gratificação, se não bastavam duas moedas. Talvez uma. Com efeito, uma moeda era bastante para lhe dar estremeções de alegria. Examinei-lhe a roupa; era um pobre diabo, que nunca jamais vira uma moeda de ouro. Portanto, uma moeda. Tirei-a, via-a reluzir à luz do sol; não a viu o almocreve, porque eu tinha-lhe voltado as costas; mas suspeitou-o talvez, entrou a falar ao jumento de um modo significativo; dava-lhe conselhos, dizia-lhe que tomasse juízo, que o «senhor doutor» podia castigá-lo; um monólogo paternal. Valha-me Deus! até ouvi estalar um beijo: era o almocreve que lhe beijava a testa.
-- Olé! exclamei.
-- Queira vosmecê perdoar, mas o diabo do bicho está a olhar para a gente com tanta graça...
Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em logar do cruzado em prata. Porque, enfim, ele não levou em mira nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício; acresce que a circunstância de estar, não mais adeante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo simples instrumento de Providência; e de um ou de outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?), tive remorsos.
*** **** http://www.ibiblio.org/ml/libri/a/AssisJMM_MemoriasPostumas/node24.html#:~:text=O%20almocreve%20salvara%2Dme%20talvez,com%20muito%20zelo%20e%20arte. *** ***
LIÇÃO 17 DISSERTAÇÃO Observe o texto que segue, extraído da obra Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift: São Paulo, Abril Cultural, 1979 p. 234-5
LIÇÃO 17
DISSERTAÇÃO
Observe o texto que segue, extraído da obra Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift:
á três métodos pelos quais pode um homem chegar a ser primeiro-ministro. O primeiro
é saber, com prudência, como servir-se de uma pessoa, de uma filha ou de uma irmã; o
segundo, como trair ou solapar os predecessores; e o terceiro, como clamar, com zelo
furioso, contra a corrupção na corte. Mas um príncipe discreto prefere nomear os que se
valem do último desses métodos, pois os tais fanáticos sempre se revelam os mais obsequiosos e
subservientes à vontade e às paixões do amo. Tendo à disposição todos os cargos, conservam-se
no poder esses ministros subordinando a maioria do senado, ou grande conselho, e, afinal, por via
de um expediente chamado anistia (cuja natureza lhe expliquei), garantem-se contra futuras
prestações de conta e retiram-se da vida pública carregados com os despojos da nação.
Jonathan Swift. Viagens de Gulliver. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 234-5.
Esse texto explica os três métodos pelos quais um homem chega a ser primeiro-ministro,
aconselha o príncipe discreto a escolhê-lo entre os que clamam contra a corrupção na corte e
justifica seu conselho.
A primeira característica desse texto é que ele é temático, pois analisa e interpreta a realidade
com termos abstratos (método, prudência, corrupção, discreto, vontade, paixões etc.). Quando se
vale de termos concretos (homem, primeiro-ministro), toma-os em seu valor genérico. Não fala
de um homem particular e do que faz para chegar a ser primeiro-ministro, como seria em uma
narração, mas do homem em geral e dos métodos que qualquer homem utiliza para chegar ao
poder.
A segunda característica é que existe transformação de situação no texto (por exemplo, a
mudança de atitude dos que clamam contra a corrupção da corte, que, quando chegam ao poder,
tornam-se corruptos).
A progressão dos enunciados obedece a uma relação lógica e não cronológica. Um enunciado
é anterior a outro não por causa de uma progressão temporal, mas por causa de uma
concatenação lógica. Assim, o enunciado que diz que o príncipe discreto escolhe o primeiroministro entre os que clamam contra a corrupção na corte é anterior ao que diz que os que
clamam contra a corrupção são mais obsequiosos e subservientes às vontades e às paixões do
amo, porque o segundo é uma explicação para a afirmação contida no primeiro.
Como o texto pretende falar de algo que ele apresenta como uma verdade válida para todos os
homens, em todos os tempos e lugares, constrói-se com o presente em seu valor atemporal.
Todos os verbos do texto estão nesse tempo.
Esse texto é dissertativo. Dissertação é o tipo de texto que analisa, interpreta, explica e avalia
os dados da realidade.
As características do texto dissertativo são:
a) ao contrário do texto narrativo e do descritivo, ele é temático, ou seja, não trata de episódios
ou seres concretos e particularizados, mas de análises e interpretações genéricas válidas para
muitos casos concretos e particulares; opera predominantemente com termos abstratos;
b) como o texto narrativo, mostra ele mudanças de situação;
c) ao contrário do texto narrativo, cuja ordenação é cronológica, ele tem uma ordenação que
obedece às relações lógicas: analogia, pertinência, causalidade, coexistência, correspondência,
implicação etc.;
d) já que a dissertação pretende expor verdades gerais válidas para muitos fatos particulares, o
tempo por excelência da dissertação é o presente no seu valor atemporal; admite-se nela ainda
o uso de outros tempos do sistema do presente, a saber, o presente com valor temporal, o
pretérito perfeito e o futuro do presente.
Cabe agora perguntar por que existem estes três tipos básicos de texto, a narração, a descrição
e a dissertação. Cada um deles tem uma função distinta. Os textos narrativos e descritivos são
figurativos. Eles representam o mundo, simulam-no.
A narração mostra mudanças de situação de um ser particular, com os enunciados dispostos
numa progressão temporal, numa relação de anterioridade e de posterioridade. A narração capta
o mundo em sua mudança, no dinamismo de suas transformações.
A descrição expõe propriedades e aspectos de um ser particular (por exemplo, o céu estrelado
numa determinada noite, um rosto sofrido, a hora do rush, um pôr do sol, uma personagem
qualquer) numa relação de simultaneidade; nela não há mudanças. Ela apresenta, então, um ser
tal como é visto num dado momento, fora do dinamismo da mudança.
O texto dissertativo é temático. Explica, analisa, classifica, avalia os seres concretos. Por isso,
sua referência ao mundo faz-se por conceitos amplos, modelos genéricos, muitas vezes
abstraídos do tempo e do espaço. Por isso, embora apareçam nele mudanças de situação, não
têm maior importância as relações de posterioridade e de anterioridade entre os enunciados, mas
as relações lógicas entre eles. O texto dissertativo é mais abstrato que os outros dois, ele explica
os dados concretos da realidade. Por isso, numa dissertação, as referências a casos concretos e particulares, ou seja, narrações ou descrições que aparecem em seu interior, ocorrem apenas
para ilustrar afirmações gerais ou para argumentar a favor delas ou contra elas. A dissertação
fala também de mudanças de estado, mas aborda essas transformações de maneira diferente da
narração. Enquanto a finalidade central desta é relatar mudanças, a daquela é explicar e
interpretar as transformações relatadas. O discurso dissertativo típico é o da ciência, o da
filosofia, o dos editoriais dos jornais etc.
Geralmente se pensa que é só na dissertação que o produtor do texto expressa seu ponto de
vista sobre o objeto posto em discussão. Isso não é verdade. Também na narração e na descrição
estão presentes os pontos de vista de quem elabora o texto. O que é diferente em cada tipo de
texto é o modo como o produtor apresenta seus pontos de vista. Como a dissertação é um texto
temático, os pontos de vista, nela, são explícitos. Na descrição, o ponto de vista é manifestado,
entre outros, pelos aspectos selecionados para serem descritos e pelos termos escolhidos. Nela, o
produtor do texto transmite, por exemplo, uma visão positiva ou negativa do que está sendo
descrito. Vimos na lição anterior, na descrição da pedreira, que, pela seleção das palavras
referentes à pedreira e aos seres humanos, o descritor mostra que o homem está inferiorizado
em relação à natureza. Na narração, um dos meios mais eficientes de manifestar um ponto de
vista é o encadeamento de figuras, a contraposição de percursos figurativos. A Veja SP, de 19 de
outubro de 1994, publicou uma reportagem sobre Celso Russomano, repórter do Aqui e agora e
candidato a deputado federal mais votado nas eleições de 1994. Depois de narrar episódios que
mostram sua atuação como defensor dos consumidores, conta o seguinte:
***
***
Os burgueses de Calais, escultura de Rodin, de 1895.
***
Los burgueses de Calais (1885-1895) es una de las obras más importantes de Auguste Rodin. Autodidacta y experimental, Rodin convivió con el impresionismo pictórico y confirió a su obra una estética singular, precursora del expresionismo, que puso fin al esfuerzo de imitación de la realidad que aún entonces lastraba la escultura tradicional. Además de eso, se atrevió a introducir nuevos recursos plásticos como el énfasis en la anatomía para expresar la espiritualidad humana (aunque ello provoque cierta desproporción entre los miembros), el desarrollo de una nueva concepción de la escultura como monumento público, y la importancia del soporte (que hasta la época sólo se había considerado como un pedestal que alejaba la estatua respecto del espectador).
La obra que comentamos aquí fue un encargo del ayuntamiento de Calais, para homenajear en la plaza principal de la ciudad una hazaña heroica, la de un grupo de seis personas que se entregaron voluntariamente a los conquistadores ingleses, para evitar la completa destrucción y saqueo de Calais al inicio de la Guerra de los Cien Años. La historia es la siguiente: tras varios intentos de asalto infructuosos por parte de los ingleses, el rey Eduardo III decidió sitiar la ciudad durante un año para dejar morir de hambre a sus habitantes. En julio de 1347 se esperaba un envío de víveres que hubiera dado un respiro a los sitiados, pero fue interceptado, así que el consejo municipal se vio obligado a expulsar de la ciudad a 500 niños y ancianos para permitir a los demás sobrevivir. Sin embargo, los ingleses les impidieron la huida, dejándolos morir de hambre delante mismo de las murallas. Después de meses de agonía y arduas negociaciones, el rey Eduardo aceptó respetar la vida de los pobladores si seis hombres notables se rendían simbólicamente ante él, y le entregaban las llaves de la ciudad, vestidos en camisón y con una soga amarrada a sus cuellos en señal de sumisión. Uno de los hombres más ricos de la ciudad, Eustache de Saint-Pierre, se ofreció voluntariamente, junto con Jacques y Pierre de Wissant, Jean de Vienne, Andrieu d'Andres y Jean d'Aire. Los seis burgueses se vistieron según los deseos del rey, se despidieron de una multitud afligida de hombres, mujeres y niños, y fueron escoltados por el alcalde hasta el campamento inglés, donde fueron abandonados a su suerte. Entonces, los soldados ingleses los condujeron frente a la tienda del rey Eduardo y les obligaron a arrodillarse para entregarle las llaves de la ciudad. El rey los miró con inquina y en silencio durante un largo tiempo, antes de dar la orden de que los ahorcaran. Sólo la mediación de los propios caballeros ingleses y de la reina Felipa lograron salvar a los burgueses de la muerte. Pero la ciudad de Calais permanecería bajo dominio inglés hasta el año 1558.
***
***
Rodin diseñó un conjunto de esculturas en bronce y las situó en un podio bajo, a ras del suelo, para que la gente pudiera contemplarlas mejor. La posibilidad de enfrentarse cara a cara con cada uno de los personajes, incluso de caminar entre ellos, permitió al artista explayarse en los detalles de los rostros y las expresiones. Las seis personas representadas son retratos individualizados por el valor singular de su vestimenta, su fisionomía, sus gestos, etc. Pero Los burgueses... también es una obra colectiva, en la que las personas se dirigen juntas hacia su destino inexorable, en una especie de movimiento rotatorio, de gran profundidad existencial. Rodin expresó con realismo el drama de estos hombres que habían sobrevivido un año de sitio, y ahora daban su primer paso hacia una muerte segura. El conjunto no muestra un instante preciso, congelado en el tiempo, sino un espectro de sentimientos, pensamientos y dilemas morales expresados de forma muy variada. Algunos personajes se inclinan, otros muestran su angustia y desesperación, otros se refugian en la apatía, otros tratan de sobrellevar el dolor con la mayor dignidad y orgullo posibles, todos dudan...
A pesar de las indicaciones dadas por Rodin, las esculturas fueron valladas y colocadas sobre un pedestal, lo que alteraba completamente sus intenciones originales. El monumento no gustó al principio, sobre todo a las autoridades, porque decían que transmitía desmoralización y derrota. Pero después de la I Guerra Mundial, se le atribuyó otro significado, el de la tenacidad y abnegación de la resistencia francesa frente a los invasores, así que el monumento fue puesto a ras del suelo, y el Estado concedió a Rodin la Legión de Honor. Hoy existen varias versiones del monumento, en Londres, en Nueva York, en la Universidad de Stanford, etc., además del que todavía subsiste en Calais.
*** https://www.arteiconografia.com/2010/07/los-burgueses-de-calais.html ***
***
***
Busto de Georges Clemenceau, 1911 (bronze)
(Bust of Georges Clemenceau, 1911 (bronze))
Auguste Rodin
1911 · bronze · ID da imagem: 63281
Arte Plástica · Fotografias de objetos antigos
Musee Rodin, Paris, France / bridgemanimages.com
*** https://www.meisterdrucke.pt/impressoes-artisticas-sofisticadas/Auguste-Rodin/63281/Busto-de-Georges-Clemenceau,-1911-(bronze).html ***
***
Retrato de Georges Clemenceau, escultura de Rodin, de 1911.
***
***
*** https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-19/realismo/ ***
***
Três esculturas criadas pelo mesmo artista, cada uma delas caracterizada por diferentes
ênfases na escolha do tema e no tratamento dado a ele. A primeira peça, no alto à esquerda,
representa uma célebre cena da Guerra dos Cem Anos, no século XIV, na qual um grupo de
burgueses de Calais é obrigado a entregar as chaves da cidade ao vitorioso rei inglês. O
caráter dessa obra é eminentemente narrativo. A segunda peça, à esquerda, é um busto do
estadista francês Georges Clemenceau. Do mesmo modo que os retratos na pintura, bustos são
eminentemente descritivos. A terceira peça, reproduzida acima, intitulada O pensador, é uma
das mais conhecidas obras da história da arte. Ao contrário de representar um determinado
homem pensando, procura qualificar a atitude de pensar como o traço definidor do ser
humano, ou seja, procura transmitir uma mensagem de caráter abstrato e generalizante,
característica da dissertação.
REALISMO
História das Artes > No Mundo > Arte no Século 19 > Realismo
Durante a primeira metade do século XIX, enquanto se travava o embate entre Neoclassicismo e Romantismo, o Realismo, força que iria dominar a arte na segunda metade do século, começa lentamente a aparecer.
O homem europeu, diante da industrialização e aprendido a utilizar o conhecimento científico e a técnica para interpretar e dominar a natureza, se convenceu de que precisava ser realista, inclusive em suas criações artísticas, deixando de lado as visões subjetivas e emotivas da realidade.
Em certo sentido o realismo tinha sempre feito parte da arte ocidental. Durante a Renascença, os artistas superaram as limitações técnicas e representavam a natureza com a acuidade fotográfica.
O “novo” Realismo insistia na imitação precisa de percepções visuais sem alteração. Também eram diferentes em seus temas, os artistas se limitavam a fatos do mundo moderno à medida que os experimentavam pessoalmente; somente o que podiam ver ou tocar era considerado real. Deuses, deusas e heróis da antiguidade estavam “fora”. Camponeses e a classe trabalhadora urbana estavam “dentro”. Em tudo, de cor ao tema, o Realismo trazia para a arte uma sensação de sobriedade silenciosa.
São características gerais:
O cientificismo;
A valorização do objeto;
O sóbrio e o minucioso;
A expressão da realidade e dos aspectos descritivos.
ARQUITETURA
Os arquitetos e engenheiros procuram responder adequadamente às novas necessidades urbanas, criadas pela industrialização. As cidades não exigem mais ricos palácios e templos. Elas precisam de fábricas, estações, ferroviárias, armazéns, lojas, bibliotecas, escolas, hospitais e moradias, tanto para os operários quanto para a nova burguesia.
Em 1850, Joseph Paxton construiu o Palácio de Cristal que abrigou a 1ª Feira Mundial em Londres, demonstrou as possibilidades estéticas do uso do ferro fundido.
Em 1889, Gustavo Eiffel levanta, em Paris, a Torre Eiffel, hoje logotipo da “Cidade Luz”. Triunfo da engenharia moderna ostenta seu esqueleto de ferro e aço, sem alusões a estilos arquitetônicos do passado.
ESCULTURA
René-François-Auguste Rodin (1840-1917) foi um importante escultor francês. Desde criança demonstrou grande interesse por esculturas. Aos 13 anos de idade, entrou para uma academia de arte para aprender os princípios básicos das artes plásticas. Interessou-se e estudou também, por conta própria, anatomia humana para utilizar os conhecimentos na elaboração de suas esculturas. Aos 18 anos de idade, começou a trabalhar como modelador e ornamentista. Especializou-se na elaboração de esculturas em bronze.
Auguste Rodin não se preocupou com a idealização da realidade. Ao contrário, procurou recriar os seres tais como eles são. Além disso, os escultores preferiam os temas contemporâneos, assumindo muitas vezes uma intenção política em suas obras. Sua característica principal é a fixação do momento significativo de um gesto humano.
PINTURA
Características da pintura:
Representação da realidade com a mesma objetividade com que um cientista estuda um fenômeno da natureza, ou seja, o pintor buscava representar o mundo de maneira documental;
Ao artista não cabe “melhorar” artisticamente a natureza, pois a beleza está na realidade tal qual ela é;
Revelação dos aspectos mais característicos e expressivos da realidade.
Temas da pintura:
Politização: a arte passa a ser um meio para denunciar uma ordem social que consideram injustas; a arte manifesta um protesto em favor dos oprimidos.
Pintura social denunciando as injustiças e as imensas desigualdades entre a miséria dos trabalhadores e a opulência da burguesia. As pessoas das classes menos favorecidas – o povo, em resumo – tornaram-se assunto frequente da pintura realista. Os artistas incorporavam a rudeza, a fealdade, a vulgaridade dos tipos que pintavam, elevando esses tipos à categoria de heróis. Heróis que nada têm a ver com os idealizados heróis da pintura romântica.
Principais pintores:
Gustave Courbet (1819-1877) homem de grande pragmatismo desafiou o gosto convencional por pinturas históricas e temas poéticos, insistindo que a “pintura é essencialmente uma arte concreta e tem de ser aplicada às coisas reais existentes”. Sua crença era “tudo que não aparece na retina está fora do domínio da pintura”. Foi considerado o criador do realismo social na pintura, pois procurou retratar em suas telas temas da vida cotidiana, principalmente das classes populares. Manifesta sua simpatia particular pelos trabalhadores e pelos homens mais pobres da sociedade no século XIX.
Jean-François Millet (1814-1875) pintor romântico e um dos fundadores da Escola de Barbzon na França rural. É conhecido como percursor do realismo, pelas suas representações de trabalhadores rurais.Junto com Courbet, Millet foi um dos principais representantes do realismo europeu surgido em meados do século XIX. Sua obra foi uma resposta à estética romântica, de gostos um tanto orientais e exóticos, e deu forma à realidade circundante, sobretudo a das classes trabalhadoras. Sensível observador da vida campestre, criou uma obra realista na qual o principal elemento é a ligação atávica do homem com a terra. Foi educado num meio de profunda religiosidade e respeito pela natureza. Trabalhou na lavoura desde muito cedo. Seus numerosos desenhos de paisagens influenciaram, mais tarde, Pissarro e Van Gogh.
SaibaMaisCourbet dizia: “Sou democrata, republicano, socialista, realista, amigo da verdade e verdadeiro”.
A palavra realismo designa uma maneira de agir, de interpretar a realidade. Esse comportamento caracteriza-se pela objetividade, por uma atitude racional das coisas pode ocorrer em qualquer tempo da história.
*** https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-19/realismo/ ***
***
***
DOLETHES: O ALMOCREVE
dolethes.blogspot.com
***
Auto dos Almocreves
Gil Vicente
Esta seguinte farsa foi feita e representada ao muito poderoso e excelente rei dom João, o terceiro em Portugal deste nome, na sua cidade de Coimbra, na era do Senhor de 1526.
Seu fundamento é que um Fidalgo de muito pouca renda usava muito estado, tinha Capelão seu e Ourives seu e outros oficiais, aos quais nunca pagava.
E vendo-se o seu Capelão esfarrapado e sem nada de seu, entra dizendo:
Capelão
Pois que nam posso rezar
por me ver tam esquipado
por aqui por este arnado
quero um pouco passear
por espaçar meu cuidado.
5
E grosarei o romance
de Yo me estaba en Coimbra
pois Coimbra assi nos cimbra
que nam há quem preto alcance.
Grosa:
Yo me estaba en Coimbra
10
cidade bem assentada
polos campos de Mondego
nam vi palha nem cevada.
Quando aquilo vi mesquinho
entendi que era cilada
15
contra os cavalos da corte
e minha mula pelada.
Logo tive a mau sinal
tanta milhã apanhada
e a peso de dinheiro
20
ó mula desemparada.
Vi vir ao longo do rio
uma batalha ordenada
nam de gentes mas de mus
com muita raia pisada
25
[ Interrompe o romance, e intercala no seu contexto: ]
A carne está em Bretanha
e as couves em Biscaia.
[ Continua a cantarolar o romance: ]
Sam capelão dum fidalgo
que nam tem renda nem nada
quer ter muitos aparatos
30
e a casa anda esfaimada.
Toma ratinhos por pajens
anda já a cousa danada
quero-lhe pedir licença
pague-me minha soldada.
35
Chega o Capelão a casa do Fidalgo e falando com ele diz:
Capelão
Senhor, já será rezão?
Fidalgo
Avante padre, falai...
Capelão
Digo, que em três anos vai,
que sam vosso capelão…
Fidalgo
É grande verdade, avante…
40
Capelão
Eu fora já do ifante
e pudera ser que de el-rei.
Fidalgo
À bofé padre, não sei!
Capelão
Si senhor, que eu sou de estante...
Ainda que cá me empreguei!
45
Ora, pois veja senhor,
que é o que me há de dar…,
porque além do altar
servia de comprador.
Fidalgo
Não vo-lo hei de negar!
50
Fazei-me uma petição
de tudo o que requereis.
Capelão
Senhor não me perlongueis
que isso não traz concrusão,
nem vejo que a quereis…
55
Porque me fiz polo vosso,
clericus et negoceatores.
Fidalgo
Assi, vos dei eu favores,
e disso, pouco que eu posso,
vos fiz mais que outros senhores.
60
Ora um clérigo, que mais quer
de renda, nem outro bem,
que dar-lhe homem de comer
que é cada dia um vintém
e mais muito a seu prazer.
65
Ora a honra que se monta!
É capelão de foão!...
Capelão
E do vestir, não fazeis conta?
E esse comer, com paixão,
e dormir com tanta afronta
70
que a coroa jaz no chão?
Sem cabeçal e à uma hora,
e missa sempre de caça…,
e por vos cair em graça,
servia-vos também de fora…,
75
até comprar sibas na praça.
E outros carregozinhos,
desonestos pera mi…,
isto senhor é assi…
E azemel nesses caminhos,
80
arre aqui, e arre ali...
E ter carrego dos gatos,
e dos negros da cozinha,
[ … ]
e alimpar-vo-los sapatos...
[ … inha]
E outras cousas que eu fazia!
85
Fidalgo
Assi fiei eu de vós
toda a minha esmolaria
e dáveis polo amor de Deos
sem vos tomar conta um dia.
Capelão
Dos três anos que eu alego
90
dá-la-ei logo sem pendenças
mandastes dar a um cego
um real por Endoenças.
Fidalgo
Eu isso nam vo-lo nego.
Capelão
E logo daí a um ano
95
pera ajuda de casar
uma órfã, mandastes dar
meo côvado de pano
de Alcobaça por tosar.
E nos dous anos primeiros
100
repartistes três pescadas
por todos esses mosteiros
na Pederneira compradas
daquestes mesmos dinheiros.
Ora eu recebi cem reais
105
em três anos contai bem
tenho aqui meo vintém.
Fidalgo
Padre boa conta dais
ponde tudo num itém!
E falai ao meu doutor,
110
que ele me falará nisso.
Capelão
Deixe vossa mercê isso
pera el rei nosso senhor
e vós falai-me de siso.
Que coma senhor me ficastes
115
isto dentro em Santarém
de me pagardes mui bem.
Fidalgo
Em quantas missas me achastes
das vossas digo eu porém?
Capelão
Que culpa vos tem Samora?
120
Por vós estão elas nos céus.
Fidalgo
Mas tomai-as pera vós
e gardai-as muito embora
entam pague-vo-las Deos.
Que eu não gasto meus dinheiros
125
em missas atabalhoadas.
Capelão
E vós fazeis foliadas
e nam pagais o gaiteiro
isso são balcarriadas.
Se vossas mercês nam hão
130
cordel pera tantos nós
vivei vós aquém de vós
e nam compreis gavião
pois que nam tendes piós.
Vós trazeis seis moços de pé
135
e acrecentai-los a capa
coma rei e por mercê
nam tendo as terras do papa
nem os tratos de Guiné.
Antes vossa renda encurta
140
coma pano de Alcobaça.
Fidalgo
Todo o fidalgo da raça
em que a renda seja curta
é per força que isso faça.
Padre mui bem vos entendo
145
foi sempre a vontade minha
dar-vos a el rei ou à rainha.
Capelão
Isso me vai parecendo
bom trigo se der farinha.
Senhor, se me isso fizer,
150
grande mercê me fará!
Fidalgo
Eu vos direi que será...
Dizei ora um profácio a ver
que voz tendes pera lá.
Capelão
Folgarei de o dizer
155
mas quem me responderá?
Fidalgo
Eu.
Capelão
Penonia secula seculorum.
Fidalgo
Amen!
Capelão
Dominus vobiscum.
Fidalgo
Avante.
Capelão
Sursum corda.
160
Fidalgo
Tendes essa voz tam gorda
que pareceis alifante
depois de farto de açorda.
Capelão
Pior voz, tem Simão Vaz,
tesoureiro e capelão...,
165
e pior o adaião
que canta como alcatraz...,
e outros, que per i estão.
Quereis que acabe a cantiga
e vereis aonde vou ter?
170
Fidalgo
Padre eu hei de ter fadiga
mas del rei haveis de ser
escusada é mais briga.
Capelão
Sabeis em que está a contenda
direis: é meu capelão!
175
E el-rei sabe a vossa renda,
e rir-se-á se vem à mão,
e remeter-me-á à fazenda.
Fidalgo
Se vós fôreis entoado.
Capelão
Que bem posso eu cantar
180
onde dão sempre pescado
e de dous anos salgado
o pior que há no mar.
Vem um Pajem do Fidalgo e diz:
Pajem
Senhor o Ourives sé ali.
Fidalgo
Entre... Quererá dinheiro...
185
Venhais embora cavaleiro,
cobri a cabeça, cobri...,
tendes grande amigo em mi...,
e mais, vosso pregoeiro!
Gabei-vos ontem a el-rei
190
quanto se pode gabar
e sei que vos há de acupar
e eu vos ajudarei
cada vez que me i achar.
Porque às vezes estas ajudas
195
são milhores que cristéis
porque só a fama que haveis
e outras cousas meúdas
o que valem já o sabeis.
Ourives
Senhor eu o servirei
200
e nam quero outro senhor.
Fidalgo
Sabeis que tendes milhor?
Eu o dixe logo a el rei
e faz em vosso louvor.
Nam vos dá mais que vos paguem
205
que vos deixem de pagar
nunca vi tal esperar
nunca vi tal avantagem
nem tal modo de agradar.
Ourives
Nossa conta é tam pequena
210
e há tanto que é devida
que morre de prometida
e peço-a já com tanta pena
que depeno a minha vida.
Fidalgo
Ora olhai esse falar
215
como vai bem martelado
folgo nam vos ter pagado
por vos ouvir martelar
marteladas de avisado.
Ourives
Senhor beijo-vo-las mãos
220
mas o meu queria eu na mão.
Fidalgo
Também isso é cortesão:
senhor beijo-vo-las mãos
o meu queria eu na mão…
Que bastiães tam louçãos!...
225
Quanto pesava o saleiro?
Ourives
Dous marcos bem ouro e fio.
Fidalgo
Essa é a prata, e o feitio?
Ourives
Assaz de pouco dinheiro.
Fidalgo
Que val com feitio e prata?
230
Ourives
Justos nove mil reais
e nam posso esperar mais
que o vosso esperar me mata.
Fidalgo
Rijamente me apertais.
E fazeis-me mentiroso
235
que eu gabei-vos doutro jeito
e se eu tornar ao desfeito
nam será proveito vosso.
Ourives
Assi que o meu saleiro peito?
Fidalgo
Ele é dos mais maus saleiros
240
que eu em minha vida comprei.
Ourives
Ainda o eu tomarei
a cabo de três Janeiros
que há que vo-lo eu fiei.
Fidalgo
Já agora nam é rezão
245
eu nam quero que vós percais.
Ourives
Pois por que me nam pagais
que eu mesmo comprei o carvão
com que me encarvoiçais?
Fidalgo
Moço vai-me ver que faz el-rei
250
se parecem damas lá
este dia nam se vá
em pagarás nam pagarei
e vós tornai outro dia cá.
Se nam achardes a mi
255
falai com o meu camareiro
porque ele tem o dinheiro
que cada ano vem aqui
da renda do meu celeiro.
E dele receberês
260
o mais certo pagamento.
Ourives
E pagais-me aí c'o vento
ou co as outras mercês?
Fidalgo
Tomai-lhe vós lá o tento.
Indo-se, o Ourives vai dizendo:
Ourives
Estes hão de ir ao paraíso…
265
Nam creo eu logo nele
eu lhes mudarei a pele.
Daqui avante siso, siso,
juro a Deos que eu me abroquele.
Vem o Pajem com recado e diz:
Pajem
Senhor in rei sé no Paço.
270
Fidalgo
Em que casa?
Pajem
Isto abasta.
Fidalgo
O recado que ele dá!
Ratinho és de má casta...
Pajem
Abonda! Bem sei eu o que eu faço.
Fidalgo
Abonda... Olhai o vilão!
275
Damas parecem per i?
Pajem
Si senhor, damas vi...,
andavam pelo balcão.
[ … i]
Fidalgo
E quem eram?
Pajem
Damas mesmas.
Fidalgo
Como as chamam?
280
Pajem
Nam as chamava ninguém.
Fidalgo
Ratinhos são abantesmas,
e quem por pajens os tem.
Eu hei de fazer por haver
um pajem de boa casta.
285
Pajem
Ainda eu hei de crecer
castiço sam eu que basta
se me Deos deixar viver...
Pois o mais deprenderei...,
como outros como eu, per i ...
290
Fidalgo
Pois faze-o tu assi
porque hás de ser del rei....
Moço da câmara ainda!
Pajem
Boa foi logo cá vinda...
Assi que até os pastores
295
hão de ser del rei samica
por isso esta terra é rica
de pão: porque os lavradores
fazem os filhos paçãos.
Cedo nam há de haver vilãos
300
todos del rei todos del rei.
Fidalgo
E tu zombas?
Pajem
Nam mas antes sei
que também alguns cristãos
hão de deixar a costura.
Torna o Capelão:
Capelão
Vossa mercê per ventura
305
falou já a el rei em mi?
Fidalgo
Ainda jeito nam vi.
Capelão
Nam seja tam longa a cura
como o tempo que servi.
Fidalgo
Anda el rei tam acupado
310
co este turco co este papa
co esta França co esta trapa
que nam acho vau azado
porque tudo anda solapa.
Eu entro sempre ao vestir
315
porém pera arrecadar
há mister grande vagar
podeis-me em tanto servir
até que eu veja lugar.
Capelão
Senhor, queria concrusão?
320
Fidalgo
Concrusão quereis. Bem, bem...
Concrusão há em alguém?
Capelão
Concrusão quer concrusão
e nam há concrusão em nada!
Senhor eu tenho gastada
325
uma capa e um mantão
pagai-me minha soldada...
Fidalgo
Se vós pudésseis achar
a altura de leste a oeste
pois nam tendes voz que preste
330
per equi era o medrar...
Capelão
E vós pagais-me co ar!?
Mau caminho vejo eu este!
Vai-se.
Pajem
Deve-o el rei de tomar
que luta coma danado
335
ele é do nosso lugar
de moço guardava gado
agora veo a bispar.
Mas nam sinto capelão
que lhe chante um par de quedas
340
e chama-se o labaredas.
Fidalgo
E cá chama-se cotão
mais fidalgo que os Azedas.
Satisfação me pedia
que é pior de fazer
345
que queimar toda Turquia
porque do satisfazer
naceu a melanconia.
Vem Pero Vaz, almocreve que traz um pouco de fato do Fidalgo, e vem tangendo a chocalhada e cantando:
Pero Vaz
Cantando:
A serra é alta fria e nevosa
vi venir serrana gentil graciosa.
350
Falando:
Arre mulo namorado!
Que custaste no mercado
sete mil e novecentos
e um traque pera o siseiro...
Apre ruço acrecentado
355
a moradia de quinhentos
paga per Nuno Ribeiro.
Dix pera a paga e pera ti…
Arre arre arre embora,
que já as tardes são de amigo…
360
Apre besta do roim!
Uxtix o atafal vai por fora
e a cilha no embigo…
São diabos pera os ratos
estes vinhos da Candosa.
365
Canta:
A serra é alta fria e nevosa
vi venir serrana gentil graciosa.
Fala:
Apre cá ieramá…,
que te vás todo torcendo
como jogador de bola...,
370
uxtix uxte xulo cá,
que te eu dou, irás gemendo
e ressoprando sob a cola.
Ah corpo de mi Tareja
descobris-vos vós na cama
375
[ … ?]
[ … ?]
.parece dix pera vossa ama
.nam criarás tu i bareja.
Canta:
Vi venir serrana gentil graciosa
cheguei-me pera ela com grã cortesia.
Fala:
Mando-vos eu sospirar
380
pola padeira de Aveiro
que haveis de chegar à venda
e entam ali desalbardar
e albardar o vendeiro
senam tever que nos venda...
385
Vinho a seis, cabra a três
pão de calo, filhós de manteiga
moça fermosa, lençóis de veludo…
Casa juncada, noite longa
chuva com pedra, telhado novo
390
a candea morta e a gaita à porta.
Apre zambro empeçarás
olha tu nam te ponha eu
o colos na rabadilha
e verás por onde vás
395
demo que te eu dou por seu
e andarás lá de cilha.
Canta:
Cheguei-me a ela de grã cortesia
disse-lhe: senhora quereis companhia?
Vem Vasco Afonso, outro almocreve, e topam-se ambos no caminho, e diz Pero Vaz:
Pero Vaz
Ou Vasco Afonso onde vás?
400
Vasco Afonso
Uxtix per esse chão.
Pero Vaz
Nam traes chocalhos nem nada.
Vasco Afonso
Furtaram-mos lá detrás
um fi de puta ladrão
na venda da repeidada.
405
Pero Vaz
I bebemos nós à vinda.
Vasco Afonso
Cujo é o fato Pero Vaz?
Pero Vaz
Dum fidalgo, dou ò diabo
o fato e seu dono co ele.
Vasco Afonso
Valente almofreixe traz.
410
Pero Vaz
Toma o mu de cabo a rabo.
Vasco Afonso
Pardeos carrega leva ele.
Pero Vaz
Uxtix agora nam pacerão eles
e lá por essas charnecas
vem roendo as urzeiras.
415
Vasco Afonso
Leixa-òs tu Pero Vaz que eles
acham aqui as ervas secas
e nam comem giesteiras.
E quanto te dão por besta?
Pero Vaz
Nam sei assi Deos me ajude.
420
Vasco Afonso
Nam fizeste logo o preço
mal hás tu de livrar desta.
Pero Vaz
Leixei-o em sua virtude
no que ele vir que eu mereço.
Vasco Afonso
Em sua virtude o deixaste
425
e trá-la ele consigo
ou há de ir buscá-la ainda?
Oh que aramá te fartaste
queres apostar comigo
que tu renegues da vinda?
430
Pero Vaz
Ele pôs desta maneira
a mão na barba e me jurou
de meus dinheiros pagá-los.
Vasco Afonso
Essa barba era inteira
a mesma em que te jurou
435
ou bigodezinhos ralos?
Pero Vaz
Ora Deos sabe o que faz
e o juiz de Samora.
De fidalgo é manter fé.
Vasco Afonso
Bem sabes tu Pero Vaz
440
que fidalgo há já agora
que nam sabe se o é.
Como vai a ta molher
e todo teu gasalhado?
Pero Vaz
O gasalhado i ficou...
445
Vasco Afonso
E a molher?
Pero Vaz
Fogiu.
Vasco Afonso
Nam pode ser!
Como estarás magoado,
ieramá!
Pero Vaz
Bofá, nam estou.
Uxtix sempre hás de andar
debaixo dos sovereiros.
450
E a mi que me dá disso?
Vasco Afonso
Per força te há de pesar
se rirem de ti os vendeiros.
Pero Vaz
Nam tenho de ver co isso.
Vai Vasco
Afonso ao teu mu
455
que se quer deitar no chão.
Vasco Afonso
Pesa-te mas dessingulas.
Pero Vaz
Nam pesa. Bem sabes tu
que as molheres nam são
todo o Verão senam pulgas.
460
Isto é quanto à saudade
que eu dela posso ter
e quanto ao rir das gentes
ela fez sua vontade
foi-se per i a perder
465
e eu nam perdi os dentes.
Ainda aqui estou enteiro
Vasco Afonso como dantes
filho de Afonso Vaz
e neto de Jam Diz pedreiro
470
e de Branca Anes de Abrantes
nam me faz nem me desfaz.
Do que me fica gram nó
que teve rezão de se ir
e em parte nam é culpada
475
porque ela dormia só
e eu sempre ia dormir
c'os meus mus à meijoada.
Queria-a eu ir poupando
pera lá pera a velhice
480
como colcha de Medina
e ela mosca Fernando
quando viu minha pequice
foi descobrir outra mina.
Vasco Afonso
E agora que farás?
485
Pero Vaz
Irei dormir à Cornaga
e amenhã à Cucanha
e tu vai, embora vás
que eu vou servir esta praga
e veremos que se ganha.
490
Vai cantando:
Disse-lhe: senhora quereis companhia?
Dixe-me: escudeiro segui vossa via.
Pajem
Senhor o almocreve é aquele
que os chocalhos ouço eu
este é o fato senhor.
495
Fidalgo
Ponde todos cobro nele.
Pero Vaz
Uxtix mulo do judeu!...
O fato u se há de pôr?
Pajem
Venhais embora Pero Vaz.
Pero Vaz
Mantenha Deos vossa mercê.
500
Pajem
Viestes polas Folgosas?
Pero Vaz
Aí estive eu hoje faz
oito dias pé por pé
em casa de uas tias vossas.
Pajem
Ora meu pai que fazia?
505
Pero Vaz
Cavava andand'ò bacelo
bem cansado e bem suado.
Pajem
E minha mãe?
Pero Vaz
Levava o gado
lá pera Val de Cubelo
mal roupada que ela ia.
510
Uxtix que mau lambaz
e vossa mercê que faz?
Pajem
Estou loução coma quê.
Pero Vaz
E a bofé creceis assaz
[ …az ]
saúde que vos Deos dê.
515
Pajem
Eu sou pajem de meu senhor
se Deos quiser pajem da lança.
Pero Vaz
E um fidalgo tanto alcança?
Isso é de emperador
[ …ança]
ora prenda el rei de França.
520
Pajem
Ainda eu hei de perchegar
a cavaleiro fidalgo.
Pero Vaz
Pardeos João Crespo Penalvo
que isso seria esperar
de mau rafeiro ser galgo.
525
[ …alvo]
Mais fermoso está ao vilão
mau burel que bom frisado
e romper matos maninhos
e ao fidalgo de nação
ter quatro homens de recado
530
e leixar lavrar ratinhos
Que em Frandes e Alemanha
em toda França e Veneza
[ …erra]
que vivem per siso e manha
por nam viver em tristeza.
535
Nam é como nesta terra!
Porque o filho do lavrador
casa lá com lavradora
e nunca sobem mais nada
e o filho do broslador
540
casa com a brosladora
isto per lei ordenada.
E os fidalgos de casta
servem os reis e altos senhores
de tudo sem presunção
545
tam chãos que pouco lhes basta
e os filhos dos lavradores
pera todos lavram pão.
Pajem
Quero ir dizer de vós.
Pero Vaz
Ora ide dizer de mi
550
que se grave é Deos dos céus
[ …ós]
mais graves deoses há aqui.
[ …éus ]
Pajem
Senhor ali vem o fato
e está à porta o almocreve
vede quem lhe há de pagar
555
isso tal que se lhe deve.
Fidalgo
Isto é com que me eu mato
quem te manda procurar.
Atenta tu polo meu
e arrecada-o muito bem
560
e nam cures de ninguém.
Pajem
Ele é de a par de Viseu
e homem que me pertém
pois a porta lhe abri eu.
Entra dentro o Almocreve e diz:
Pero Vaz
Senhor trouxe a frascaria
565
de vossa mercê aqui
i estão os mus albardados.
Fidalgo
Essa é a mais nova aravia
de almocreve que eu vi
dou-te vinte mil cruzados.
570
Pero Vaz
Mas pague-me vossa mercê
o meu aluguer nô mais
que me quero logo ir.
Fidalgo
O aluguer quanto é?
Pero Vaz
Mil e seiscentos reais
575
e isto por vos servir.
Fidalgo
Falai c'o meu azemel
porque é doutor das bestas
e estrólogo dos mus
que assente em um papel
580
per avaliações honestas
o que se monta. Ora sus.
Porque esta é a ordenança
e estilo de minha casa
e se o azemel for fora
585
como cuido que é em França
dareis outra volta à massa
e ir-vos-eis por agora.
Vossa paga é nas mãos.
Pero Vaz
Já a eu quisera nos pés
590
oh pesar de minha mãe.
Fidalgo
E tens tu pai e irmãos?
Pero Vaz
Pagai senhor nam zombeis
que sam dalém da Sertãe
e nam posso cá tornar.
595
Fidalgo
Se cá vieres à corte
pousarás aqui c'os meus.
Pero Vaz
Nunca mais hei de fiar
em fidalgo desta sorte
inda que o mande sam Mateus.
600
Fidalgo
Faze por teres amigos
e mais tal homem como eu
porque dinheiro é um vento.
Pero Vaz
Dou eu já ò demo os amigos
que me a mi levam o meu.
605
[ … ento]
Vai-se o Almocreve e vem outro Fidalgo, e diz o Fidalgo primeiro:
Fidalgo
Oh que grande saber vir
e gram saber-m'à vontade.
Fidalgo II
Pois senhor que vos parece
desejo de vos servir
e nam quero que venha à cidade
610
um quem nam parece esquece.
Fidalgo
Paguei soma de dinheiro
a um ourives agora
de prata que me lavrou
e paguei a um recoveiro
615
que é a dar dinheiros fora
a quem nam sei como os ganhou.
Fidalgo II
Ganham-nos tam mal ganhados
que vos roubam as orelhas.
Fidalgo
Pola hóstia consagrada
620
e polo Deos consagrado
que os lobos nas ovelhas
nam dão tam crua pancada.
Polos santos avangelhos
e polo omnium sanctorum
625
que até o meu capelão
por mezinhas de coelhos
e uma secula seculorum
lhe dou por missa um tostão.
Nam há já homem em Portugal
630
tam sojeito em pagar
nem tam forro pera molheres.
Fidalgo II
Guardai vós esse bem tal
que a mi hão-me de matar
bem me queres mal me queres.
635
Fidalgo
Por quantas damas Deos tem
nam daria nemigalha
olhai que descubro isto.
Fidalgo II
Sam tam fino em querer bem
que de fino tomo a palha
640
pola fé de Jesu Cristo.
Quem quereis que veja olhinhos
que se nam perca por eles
lá per uns jeitinhos lindos
que vos metem em caminhos
645
e nam há caminhos neles
senam espinhos enfindos.
Fidalgo
Eu já nam hei de penar
por amores de ninguém
mas dama de bom morgado
650
aqui vai o remirar
aqui vai o querer bem
e tudo bem empregado.
Que porque dance mui bem
nem bailar com muita graça
655
seja discreta avisada
fermosa quanto Deos tem
senhor boa prol lhe faça
se seu pai nam tiver nada.
Fidalgo II
Nam sejais vós tam Mancias
660
que isso passa já de amor
e cousas desesperadas
porém lá por vossas vias
vou-vos esperar senhor
a rendeiro das jugadas.
665
Porque galante caseiro
é pera pôr em história.
Fidalgo
Mas zombai senhor zombai.
Fidalgo II
Senhor o homem enteiro
nam lhe há de vir à memória
670
co a dama o de seu pai.
Nem há mais de desejar
nem querer outra alegria
que So los tus cabellos niña…
Nam há i mais que esperar.
675
[ …ia]
onde é esta canteguinha.
E Todo mal é de quem no tem
e Se o disserem digam alma minha
Quem vos anojou meu bem…
Hei-os todos de grosar…
680
Ainda que sejam velhos!
Fidalgo
Vós senhor vindes tam bravo
que eu hei-vos medo já
polos santos avangelhos
que levais tudo ao cabo
685
lá onde cabo nam há.
Fidalgo II
Zombais e dais a entender
zombando que me entendeis
pois de vós mui alto estou
porque deveis de saber
690
que se de amor nam sabeis
nam podeis ir onde vou.
Quando fordes namorado
vireis a ser mais profundo
mais discreto e mais sotil
695
porque o mundo namorado
é lá senhor outro mundo
que está além do Brasil.
Ó meu mundo verdadeiro
ó minha justa batalha
700
mundo do meu doce engano.
Fidalgo
Ó palha do meu palheiro
que tenho um mundo de palha
palha ainda de ora a um ano.
E tenho um mundo de trigo
705
pera vender essa gente
bom cabeça tem Morale
nam quero de amor amigo
andar gemente e flente
in hac lachrymarum vale.
710
Fidalgo II
Vou-me. Vós não sois sentido
sois mui duro do pescoço
nam val isso nemigalha
pesa-me de ver perdido
um homem fidalgo ensosso
715
pois tem a vida na palha.
Finis.
*** http://www.gilvicente.eu/autos/textos/Auto_dos_Almocreves.html ***
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário