Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 29 de maio de 2021
O eterno guru da Reforma Sanitária
"Eu achei legal essa história de florada, Lígia."
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"(...) O que lembro tenho. (...)"
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"Nós temos cada vez menos coisas porque esquecemos de nos lembrar dessas coisas."
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"Lembrar do que foi a construção do SUS."
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"Eu fui para a clandestinidade na clandestinidade."
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O eterno guru da Reforma Sanitária
Publicado em 30/08/2013 11h08
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O eterno guru da Reforma Sanitária
Informe ENSP
De 3 a 6 de setembro, a ENSP comemora seus 59 anos com a Semana Sergio Arouca, destacando os 25 anos de criação do Sistema Único de Saúde e os 10 anos sem o sanitarista – um dos principais artífices na formulação e na ação política desse processo.
Por conta dessas datas, o Informe ENSP republica a última entrevista dada por Arouca para a edição número 03/outubro de 2002 da revista Radis. Naquela época, o país vinha de uma forte crise econômica, resultado de uma política cambial que marcou o segundo mandato do até então presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), tornou-se presidente da República pela primeira vez, ao mesmo tempo que a seleção brasileira de futebol sagrou-se pentacampeã mundial: dois momentos que deram alento e esperanças à população brasileira.
Passados 11 anos, as questões levantadas pelos jornalistas Ana Beatriz de Noronha, Caco Xavier, Daniela Sophia, Katia Machado e Rogério Lannes Rocha da revista Radis para Sergio Arouca seguem mais atuais do que nunca, uma vez que tratam de temas como a implantação do SUS, os rumos da ciência em campos como biotecnologia e transgênicos, a importância de uma política industrial para a saúde no país ou do papel da comunicação na saúde.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista.
Radis entrevista: Sergio Arouca – O eterno guru da Reforma Sanitária
Antonio Sergio da Silva Arouca é paulista de Ribeirão Preto, comunista histórico, médico sanitarista e doutor em saúde pública. Foi presidente da Fiocruz entre 1985 e 1989, presidente da VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, eleito deputado federal e exerceu ainda as funções de secretário municipal e estadual de Saúde do Rio de Janeiro. A biografia ‘oficial’, no entanto, não é capaz de espelhar a riqueza da vida e do pensamento de Sergio Arouca, lembrando mesmo aquelas frias estatísticas do futebol moderno, que registram quantos minutos uma equipe ficou com a posse da bola, mas deixam de fora os lances geniais e o drama do gol. O melhor a fazer, então, é passar diretamente ao ‘jogo’, mergulhar na leitura desta incisiva entrevista concedida à equipe do Radis e perceber que Arouca, como é bem do seu estilo, não deixa nenhuma bola quicando na entrada da área, mas permanece na ponta de lança do questionamento crítico da saúde brasileira. Entre os companheiros do ‘time da Reforma Sanitária’, Arouca era conhecido pelo carinhoso apelido de Rhalah Rikota, o humaníssimo personagem-guru do cartunista Angeli. O apelido parece ainda hoje mais do que justificado, de ouvi-lo dizer que o SUS precisa ser repensado à luz da Reforma Sanitária e a Saúde, humanizada.
Participaram da entrevista Ana Beatriz de Noronha, Caco Xavier, Daniela Sophia, Katia Machado e Rogério Lannes Rocha.
Revista Radis: A saúde pública mudou nesses últimos anos, quando muitas questões sociais e estruturais foram adicionadas ao seu contexto. Em relação a essas mudanças, e mais de uma década depois da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), tem sentido ainda falar em Reforma Sanitária?
Sergio Arouca: A pergunta tem a ver com a origem do movimento da Reforma Sanitária, com a passagem do pensamento crítico para uma proposta de ação. O movimento da Reforma Sanitária nasceu dentro da perspectiva da luta contra a ditadura, da frente democrática, de realizar trabalhos onde existiam espaços institucionais. Na área da saúde, existia a ideia clara de que não poderíamos fazer disso uma esquizofrenia, ser médico e lutar contra a ditadura. Era preciso integrar essas duas dimensões. O espaço para essa integração era o da Medicina Preventiva, movimento recém-criado no Brasil, que começou na Escola Paulista de Medicina, em Ribeirão Preto, e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A ideia era que o Sistema de Saúde não precisava mudar em nada, que se poderia deixar as clínicas privadas e planos de saúde como estavam e bastava mudar a mentalidade do médico. O movimento da Reforma Sanitária cria outra alternativa, que se abria para uma análise de esquerda marxista da saúde, na qual se rediscute o conceito saúde/doença e o processo de trabalho, em vez de se tratar apenas da relação médico/paciente. Discute-se a determinação social da doença e se introduz a noção de estrutura de sistema. Começamos a fazer projetos de saúde comunitária, como clínica de família e pesquisas comunitárias, e fizemos treinamento do pessoal que fazia política em todo o Brasil. No PCB, havia uma dinâmica para o debate sobre saúde. Quando a ditadura chegou ao seu esgotamento, o movimento já tinha propostas. Não só criou quadros de profissionais, mas também meios de comunicação, espaço acadêmico consolidado, movimento sindical estruturado e muitas práticas. Assim, esse movimento conseguiu se articular em um documento chamado Saúde e Democracia, que foi um grande marco, e enviá-lo para aprovação do Legislativo. Nós queríamos conquistar a democracia para então começar a mudar o sistema de saúde, porque tínhamos muito claro que ditadura e saúde são incompatíveis. Nosso primeiro movimento era, portanto, no sentido de derrubar a ditadura, e não de melhorar a saúde. Tudo isso aconteceu antes da Constituinte.
Revista Radis: O panorama, nessa época, parecia favorável a essas mudanças?
Sergio Arouca: Nessa época, eu me torno presidente da Fundação Oswaldo Cruz, o Hésio Cordeiro se torna presidente do Inamps, Renato Archer começa a atuar na Ciência e Tecnologia e Waldir Pires assume a Previdência Social. Há um núcleo de pensamento da esquerda em conflito com um núcleo conservador. Carlos Santana, que ideologicamente era considerado conservador, mas que era um radical na área da saúde, se torna ministro da Saúde. Começa aí a discussão em torno do primeiro passo a ser dado. O marco era transferir o Inamps para o Ministério da Saúde, e qualquer reforma deveria começar pela integração. Mas havia um problema: a Saúde estava na mão de um conservador e a Previdência com a oposição. Até que, na calada da noite, o Carlos Santana consegue um decreto que autoriza o Sarney a passar o Inamps para o Ministério da Saúde. Waldir Pires então veta o decreto, dizendo que “o Inamps é um patrimônio dos trabalhadores e que por isso essa decisão deveria ser participada a eles”. Pensamos em fazer isso convocando uma conferência. Mas, na época, as conferências de saúde eram espaços burocráticos, em que os temas e os resultados já estavam pré-definidos. Propusemos então convidar a sociedade para discutir a questão e realizar uma conferência com a participação de 50% de usuários. A VIII Conferência Nacional de Saúde conseguiu reunir, pela primeira vez, mais de 4 mil pessoas que trabalharam durante cinco dias consecutivos, produzindo relatórios diários e participando de uma assembleia final que durou mais de 24 horas. Da conferência, sai o movimento pela Emenda Popular, a única emenda constitucional que nasce do movimento social. Esse foi o maior sucesso da Reforma Sanitária, que enfrentou mudanças de ministros e até de um presidente da República (o ex-presidente Fernando Collor, que era absolutamente contra o SUS). Para ele, segundo o pensamento da reforma neoliberal do Estado, o SUS era uma excrescência. Como presidente da Fiocruz, vivenciei diretamente alguns desses fatos. Apresentei o documento Saúde e Democracia, presidi a VIII Conferência Nacional de Saúde, apresentei a Emenda Popular e, como deputado federal, fui designado como relator da extinção do Inamps. Todos achavam que era um suicídio, pois eu estava propondo a extinção de uma instituição com mais de cem mil funcionários e que iria mobilizar tanto trabalhadores quanto aposentados. De fato, sofri muita pressão. A surpresa é que, na hora da decisão final, as lideranças do Movimento dos Trabalhadores do Inamps eram favoráveis à extinção, em nome de um novo projeto.
Revista Radis: Depois da VIII Conferência Nacional de Saúde, do texto da Constituição e do SUS implantado – objeto da Lei Orgânica 8.080 -, qual é o saldo de hoje?
Sergio Arouca: Conquistamos a universalização na saúde (o princípio constitucional que estabelece que todo brasileiro tem direito à saúde), definindo com clareza o dever do Estado e a função complementar da saúde privada. Conseguimos estabelecer que a saúde deve ser planejada com base nas Conferências e conseguimos formalizar os Conselhos de Saúde como parte do SUS, tendo 50% de usuários. O último passo desse movimento pela Reforma Sanitária foi a formação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária, que transformou o texto da Constituinte na Lei Orgânica 8.080. Dessa forma, todas as propostas reformistas de esquerda viraram lei e isso acabou possibilitando a aprovação de outros projetos da esquerda.
Era preciso abrir canais para que o pensamento crítico da área da saúde alcançasse uma expressão própria, dando início à formulação setorial de novas políticas públicas. De um lado, o SUS avança por meio das conferências, dos conselhos, da municipalização, da universalização dos direitos. Por outro, na operação do modelo assistencial, segue a lógica do Inamps. O Ministério da Saúde é organizado segundo esse mesmo modelo do Inamps, segundo a lógica hospitalar, com estrutura medicalizante. A grande vitória é que a Reforma Sanitária cria novos atores na área da saúde.
Revista Radis: A Noas (Norma Operacional de Assistência à Saúde) representa progresso ou retrocesso na lei?
Sergio Arouca: Nos últimos anos de gestão do José Serra, foram emitidos oito atos normativos por dia. Houve secretarias de Saúde que contrataram assessores para ler e interpretar esses atos, pois não davam conta de seguir essa fúria regulatória, que trata o Amazonas como o Rio Grande do Sul, a Saúde da Família igual para todos, assim como o repasse de recursos. Passamos a ter a regulação como ênfase, com bons ou maus regulamentos. A Noas, por exemplo, é um bom instrumento de regulação que preenche a lacuna de esvaziamento do papel do nível estadual. Quando se perde o papel dos estados, se perde a possibilidade de planejamento regional. A Noas retoma o papel da municipalização, mas dá ênfase à questão da regionalização. A lacuna que ainda resta é que o conceito da Reforma Sanitária foi abandonado. Essa é minha briga atual. Nós temos que retomar o conceito da Reforma Sanitária, para retomar políticas dentro do sistema sem burocratizá-lo. Ele já foi burocratizado o suficiente.
Revista Radis: Atualmente, qual é a pauta dessa luta?
Sergio Arouca: Retomar os princípios básicos da Reforma Sanitária, que não se resumiam à criação do SUS. O conceito saúde/doença está ligado a trabalho, saneamento, lazer e cultura. Por isso, temos que discutir a saúde não como política do Ministério da Saúde, mas como uma função de Estado permanente. À Saúde cabe o papel de sensor crítico das políticas econômicas em desenvolvimento. O conceito fundamental é o da intersetorialidade. Não basta aprofundarmos cada vez mais o modelo ‘Ministério da Saúde e Secretaria de Assistência à Saúde’, temos que discutir saúde segundo políticas intersetoriais. O modelo assistencial é anti-SUS. Aliás, o SUS como modelo assistencial está falido, não resolve nenhum problema da população. Essa lógica transformou o governo num grande comprador e todas as outras instituições em produtores. A saúde virou um mercado, com produtores, compradores e planilhas de custos. O modelo assistencialista acabou universalizando a privatização. O grande desafio que nós temos, imaginando o campo da oposição a esse modelo assistencial, é conseguir estabelecer um governo que tenha projeto e que não seja simplesmente um somatório de ministérios. Esse tipo de governo, em que sociedade, ministérios e secretarias são fraturados e cada um desses sujeitos compete com os outros, é uma falência.
Revista Radis: Qual é o ambiente em que pode se dar essa luta?
Sergio Arouca: Primeiro, é preciso repetir que a ‘inampização’ do SUS nunca vai resolver os problemas da população. Eu estou propondo a convocação de uma conferência extraordinária, cujo tema é a mudança do modelo assistencial do SUS, acabando com a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) e com o pagamento por prestação de serviços, que seria substituído por um contrato global com metas de desempenho, qualidade e prioridades definidas pela população. Podemos contratar o setor privado em que não existe o setor público, mas definindo prioridades e metas. O PSF (Programa Saúde da Família), por exemplo, pode ser entendido de duas maneiras. Ele pode ser simplesmente mais um programa paralelo, como no Rio de Janeiro, onde dez equipes de Saúde da Família não representam nada, ou pode ser um modelo reestruturante do sistema de saúde, no qual uma equipe dará atendimento personalizado às famílias segundo o conceito de desenvolvimento local, integral e sustentável. É preciso que os programas de governo ganhem intersetorialidade nos municípios. É preciso trabalhar a questão da humanização da saúde. Um Projeto de Lei sobre os direitos do paciente rolou oito anos na Câmara, e eu não consegui aprovar. O projeto dizia simplesmente que o paciente tem direito aos seus dados e a optar por terapias, devendo ser tratado como cidadão – com nome e sobrenome.
Quando discutíamos a Reforma Sanitária e fazíamos crítica à prática da medicalização, já falávamos sobre a abertura às práticas alternativas de saúde, como a fitoterapia, a acupuntura e a homeopatia. O genérico é um avanço, mas só atende a quem já tinha acesso a medicamentos, diminuindo o custo. Cerca de 50 milhões de brasileiros não chegam nem aos genéricos. Por isso, é necessário estabelecer uma política que pense na fitoterapia e em hortas de produção de medicamentos naturais, que trabalhe com práticas de promoção e prevenção da saúde e que participe das discussões sobre cidades saudáveis.
Revista Radis: Como você vê os avanços da tecnologia mundial de ponta, como a biotecnologia e os transgênicos?
Sergio Arouca: Quando fui candidato a vice-presidente da República, com Roberto Freire, a bandeira da candidatura era a questão da revolução científico-tecnológica. Essa revolução tecnológica tem a característica de transformar grupos humanos em descartáveis e até mesmo uma nação em algo descartável. Para se proteger da globalização, o Estado tem que ser forte e muito mais competente. Nossa pergunta era: “Como entrar na revolução científico-tecnológica? Na nossa área, a resposta para essa pergunta seria a biotecnologia, pois nós temos uma das mais ricas biodiversidades do mundo. Nessa área de pesquisa, poderemos trabalhar pela preservação e na produção de novos medicamentos, reagentes e novos alimentos, sem precisar de grandes aparatos técnicos. Do ato de protesto de José Bové – que é um conservador – destruindo uma plantação de transgênicos no Brasil, só restou uma discussão maniqueísta e equivocada entre os que acreditam que a biotecnologia é solução para tudo e os que, vendo a biotecnologia como um demônio, querem proibir até a pesquisa. A biotecnologia é um enorme avanço, mas apresenta enormes riscos. O único experimento on-line em massa é a alimentação com transgênicos. Milhões de pessoas estão sendo submetidas a experimentos dos quais não se sabe o resultado e que não são controlados.
Há também um pensamento ‘producionista’, no campo da genética, querendo explicar que comportamento é determinação genética e esquecendo tudo o que já foi desenvolvido no campo da cultura e da antropologia. A vida é uma rede. Você está em contato permanente com vírus e bactérias que já vivem dentro do seu corpo e que fazem parte do seu DNA. O organismo humano tem a capacidade de produzir mudanças para sobreviver e essas mudanças são geradas segundo as influências do meio em que vive. Quando eu especializo uma planta, jogando sobre ela um único inseticida, qual será o impacto na rede da vida que está embaixo daquele solo? Para que eu possa interferir no DNA, eu utilizo uma bactéria como vetor para fazer a mudança, e as bactérias são seres vivos que também se modificam e se incorporam a seres mais complexos.
Dizer que a biotecnologia vai resolver o problema da fome é uma falácia. O problema da fome não está na produção de alimentos, e sim na distribuição deles. A discussão tem que mostrar onde estão os avanços e onde a sociedade civil pode exigir o controle social. A energia nuclear era contida no laboratório, e o risco era de haver uso político ou acidentes. A biotecnologia não tem paredes, ela está na rede da vida e exige, portanto, um controle social que não passa pelos pares da ciência. Está faltando uma Comissão de Bioética que tenha uma representação da sociedade e que não seja só de pesquisadores. Uma comissão que inclua também filósofos, pensadores e usuários. O Estado tem que se capacitar para esse mundo novo que nós estamos vivendo, e a legislação brasileira não está nem chegando perto de começar essa discussão. Ela chegou à Lei de Biossegurança, mas não avançou. É preciso começar a discutir a questão da clonagem.
Revista Radis: Hoje em dia, qual seria a política industrial para a saúde? Em relação às vacinas e aos medicamentos, a proposta ainda é ter autonomia na produção?
Sergio Arouca: Estamos cada vez mais ligados a uma balança de pagamento em que é preciso ter o dólar, e por isso não podemos nos relacionar com o mundo globalizado sem estabelecer mecanismos de proteção. Precisamos de uma política de substituição de importação, que é possível, apesar da Lei de Patentes. A saúde é uma área privilegiada, pois a grande maioria dos medicamentos não está protegida. Se hoje somos um dos maiores compradores de medicamentos do mundo, o Estado pode utilizar o poder de compra para fazer transferência de tecnologia, como fizemos com a (vacina) Sabin na Fiocruz: “Compramos vacina de sua empresa desde que você me associe, me transfira tecnologia e me capacite para produzir.”
Revista Radis: Existem parceiros possíveis de se associar?
Sergio Arouca: Existem, sim. Em vez de entrar de uma forma suicida na Alca, nós podemos nos associar a países com tecnologia de medicamentos. Isso significa fortalecer os laboratórios públicos. Eu não posso simplesmente permitir um fluxo de recursos e não atrasar o pagamento das bolsas de estudo se, quando uma pessoa termina o doutorado, não tem emprego. De que adianta mandar pessoas para o mundo inteiro para fazer mestrado e doutorado se, depois, eles não são absorvidos? Paralelamente à política industrial, é preciso ter uma política agressiva na área da ciência e tecnologia. Em vez de ser um exportador de cérebros, o Brasil tem que ser um importador. Se quero profissionais em Biologia Molecular, preciso saber quem é que está trabalhando com isso no mundo e trazer para o país. A política em Ciência e Tecnologia não pode ser esta que a Capes e o CNPq oferecem.
Revista Radis: Independentemente de quem estará no próximo governo, de seus erros e acertos, quais são os principais desafios apresentados à sociedade?
Sergio Arouca: Eu tenho participado de debates em que não se tem saída para nada. Mesmo no Conselho Nacional de Saúde, onde estive recentemente, as últimas perguntas que eu respondi manifestavam grande angústia. Este é um período crítico, em que presenciamos instituições internacionais perdendo espaço, e Bush assumindo uniteralidade em tudo, tanto no comércio como na guerra. Você vê uma cultura guerreira. É uma coisa horrível o que está acontecendo nos EUA, é uma redução dos direitos humanos. O que está sendo feito lá é um tremendo retrocesso autoritário, digno de uma boa ditadura. Por outro lado, você tem pessoas que dão boas respostas. Eu acredito que as lutas pela cidadania, expressas na defesa do consumidor, na defesa de necessidades especiais, nas discussões sobre os direitos da mulher e dos novos temas envolvendo violência e saúde pública, estão ganhando força. O Ministério Público também propiciou enorme avanço na questão da cidadania. O desafio é dar conteúdo a essas questões.
O momento que estamos vivendo revela a paralisia do pensamento crítico nacional. O movimento sindical está paralisado, e a universidade não tem feito nenhum debate crítico mais avançado. Isso exige que retomemos a Reforma Sanitária, enxergando o SUS a partir dessa reforma, e não vendo o SUS pelo umbigo do SUS. O umbigo do SUS vai apenas tentar regular o que está aí. Outro dia, ouvi um médico dizer com maior orgulho que tinha triplicado o número de amputações de diabéticos. Se o conceito é de produtividade e serviço, então ele amputa mais para ganhar mais. Para mim, isso é a falência. O conceito fundamental dessa última fase do SUS é o faturamento. Foi uma distorção na implantação do SUS.
Segundo a lógica de indução de mercado, quando pensamos em assessoria aos municípios, na formação profissional e nas universidades, há uma tendência de se direcionar pesquisas para onde há recursos.
De um lado, a universidade tem o papel de Estado, deve estar preocupada com gerações futuras, com conhecimentos novos e que não são privilegiados. Ela, no entanto, deve ter liberdade de atuação. Não pode estar subordinada a políticas de governo. De outro, o governo deve propor pactos à universidade. Nós queremos universidade aberta para vários tipos de curso. Eu posso pactuar com a universidade para o ensino a distância e treinamento dos quadros atuais que estão nos serviços. Se a pública não pactuar, pactue-se com quem faça, estipulando metas de desempenho e recursos. Desta forma, a universidade ganha uma dimensão de parceira do desenvolvimento. O Carlos Lessa [reitor da UFRJ] diz que nós temos que voltar a desenvolver o corporativismo, no sentido de autonomia, permitindo-nos pensar além da política conjuntural de governo.
Em relação ao mercado, o governo Fernando Henrique congelou os salários de todo o setor público e começou a dar aumentos indiscriminados (dentro da Reforma Bresser) por áreas de atuação. O governo acabou criando induções, e a maior delas foi a do mercado de projetos públicos, envolvendo cada pesquisador individualmente em interesses personalizados. As instituições não têm mais projeto global, elas foram fragmentadas por baixo. Cada pesquisador precisa ter vários projetos individuais para ter acréscimo salarial e prestígio. Você acha que esse pesquisador vai querer participar de um projeto coletivo? Essa é a distorção máxima: o serviço público vendendo serviços para o próprio setor público. É a privatização do mercado que se fez por baixo, privatizando os desejos e as mentes das pessoas. Ela envolveu os prestadores de serviço, dizendo que o negócio é faturar, e os pesquisadores, dizendo que a coisa é projetar.
Revista Radis: Como você analisa sua experiência parlamentar e suas experiências como secretário de Saúde?
Sergio Arouca: Eu sou muito mais identificado como sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz do que como militante político ou deputado, e é como eu me sinto bem. Outro dia, brincando com um amigo, eu disse que meu tempo de permanência em alguns cargos executivos nesses conflitos de poder tem diminuído radicalmente. Fui secretário de Saúde do estado do Rio durante nove meses, e meu período como secretário municipal caiu para quatro meses. Como deputado federal, eu era líder de um partido de três. Isso foi um aprendizado fantástico, pois me permitiu atuar não só na área da Saúde. Eu fiz a Lei do Sangue, a Lei de Saúde de Populações Indígenas, participei da extinção do Inamps e da defesa dos direitos do paciente, fui negociador da questão das patentes e das gratificações de desempenho e participei da reforma educacional junto com Darcy Ribeiro, entre outras coisas. Nesse campo, penso que já dei minha contribuição. Vou estar na política sempre, mas não volto a me candidatar. Sou muito mais sanitarista.
Revista Radis: Em relação aos meios de comunicação, que caminhos você vê para a sociedade?
Sergio Arouca: Eu acho que todas as experiências, em nossa área específica, têm tido sucesso. Nós temos a Radis, o Saúde em Debate, do Cebes, e as revistas da Abrasco, entre outras. Eu só tenho medo que, em algumas delas, o academicismo retire essa dimensão do pensamento crítico e a substitua pela ‘lógica da epidemiologia’ para aceitar artigos. Nós temos espaço, e a questão é como apresentar o debate. A discussão substantiva que o campo do pensamento crítico da oposição deve assumir é a mudança do modelo assistencial, retomando a Reforma Sanitária e reformando o SUS. Esse seria o diferencial e também a nossa grande unidade. A possibilidade de repensar o SUS como Reforma Sanitária pode ser nossa grande unidade.
*** *** http://cebes.org.br/2013/08/o-eterno-guru-da-reforma-sanitaria/ *** ***
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Sérgio Arouca em sua tese de doutorado, escrita em 1975, para refletir sobre sua atualização. Na tese, Arouca buscou compreender como foram produzidas as regras da formação discursiva da medicina preventiva e as relações com instâncias não discursivas, estudando as articulações com o modo de produção capitalista.
www.scielo.br › sdeb › 0103-1104-sdeb-42-119-0990PDF
Do dilema preventivista ao dilema promocionista ... - SciELO
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Determinantes Sociais da Saúde
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ANTÔNIO SÉRGIO DA SILVA AROUCA
O DILEMA PREVENTIVISTA
CONTRIBUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO
E CRÍTICA DA MEDICINA PREVENTIVA
Tese de Doutoramento apresentada à
Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas.
- 1975 –
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A Anamaria e Pedro
A meus pais
- II –
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Mais de um, como eu sem dúvida, escreveu para não
ter mais fisionomia. Não me pergunte quem eu sou e
não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral
de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos
deixe livres quando se trata de escrever.
(A Arqueologia do Saber, MICHEL FOUCAULT)
- III –
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor Miguel Ignácio Tobar Acosta, orientador desta tese.
A minha companheira Anamaria, pelo estímulo, sugestões e, sobretudo, por sua
visão crítica, da qual espero ter aprendido alguma coisa.
Pelas sugestões e críticas, aos colegas Ricardo Lafetá, Maria Hillegonda, Alberto
Pellegrine e Everardo D. Nunes.
Pela cuidadosa revisão dos textos, aos amigos Claudinei Nacarato, Maria
Aparecida Baccega e Ecilda Nunes.
Pelo trabalho de datilografia, a Itacy Andrade e Maria Izalina Ferreira Alves.
Às funcionárias da Biblioteca da UNICAMP e, em especial, à Maria Alves de
Paula.
Aos meus amigos e colegas Simão, Raimundo, Francisco, Célia, Cristina,
Marília e em particular à Eleonora, por suas presenças afetivas em todos os momentos
do meu trabalho.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a minha
formação, que agradeço nas pessoas do Professor Dr. Guilherme Rodrigues da Silva,
Dr. José Romero Teruel, Dr. Luís Benedito Lacerda Orlandi, Dr. Juan César Garcia e
Dr. Miguel Marques.
A todos os colegas do Departamento de Medicina Preventiva e Social da
UNICAMP.
- IV –
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CAPÍTULO VIII
CONCLUSÕES
Nossa tentativa de aproximação entre o projeto arqueológico e a Ciência
da História possibilitou-nos estabelecer as relações entre a Prática Discursiva da
Medicina Preventiva e a análise em diferentes instâncias de um dado modo de produção.
Pretendemos, em última análise, situar o extra-discursivo como sendo o próprio objeto
do Materialismo Histórico que serviu como referência geral para situarmos o discurso,
que assim abandonou sua liberdade para articular-se com instâncias de uma formação
social.
Este instrumental teórico permitiu que nos afastássemos das sucessões
cronológicas, da determinação das influências dos sujeitos, das análises de conteúdo,
para a aproximação da estrutura de um fato social em toda sua especificidade, ou seja, a
emergência e constituição do movimento preventivista.
Permitiu também, ao final, que levantássemos a suposição de que o
movimento preventivista não existe em uma singularidade única, mas, sim, que faz
parte de um movimento mais geral de institucionalização de relações específicas da
Ciência e do Saber, por via disciplinar, que tem como função fundamentar as relações
que estas ciências mantêm com necessidades geradas no interior de uma formação
social e não resolvidas.
Nosso projeto sofreu duas limitações importantes. A primeira relativa à
ausência de uma análise do próprio conhecimento médico reorganizado pelo discurso
preventivista, o que suporá o desenvolvimento de uma Epistemologia da Medicina, e a segunda relativa a um estudo do conjunto das Práticas Empíricas Experimentais
desenvolvidas pelos Departamentos de Medicina Preventiva, o que suporia um vasto
trabalho de campo, no momento fora de nossas possibilidades.
Em síntese, esperamos que nosso trabalho possa ter contribuído em algo
para a constituição de uma Teoria Social da Medicina, que a situe como uma entre as
outras Práticas Sociais, dotada de uma historicidade própria.
Em relação ao estudo específico da Medicina Preventiva, seguem nossas
principais conclusões:
- A Medicina Preventiva, como disciplina do ensino médico, fez seu
aparecimento na Inglaterra e logo foi transplantada para os Estados Unidos e Canadá,
onde se configurou como um movimento ideológico que tinha como projeto a mudança
da prática médica através de um profissional médico que fosse imbuído de uma nova
atitude formada nas Faculdades de Medicina.
- A Medicina Preventiva ocupou o espaço deixado pela Higiene Privada,
invertendo a normalização das atitudes dos indivíduos para a normalização da conduta
profissional, ou seja, incorporou a cultura higiênica, que devia ser difusa no espaço
social, ao cuidado médico.
- Como um projeto de mudança da prática médica, a Medicina Preventiva
representou uma leitura liberal e civil dos problemas do crescente custo da atenção
médica nos Estados Unidos e uma proposta alternativa à intervenção estatal, mantendo a
organização liberal da prática médica e o poder médico.
- O fundamento da proposta preventivista baseou-se em uma redefinição dos
contornos do profissional médico que deveria ser imbuído de um novo conjunto de
atitudes que o relacionassem com a comunidade, com os serviços públicos de saúde,
com a promoção e a proteção da saúde do indivíduo e de sua família. Como base para
esta redefinição das funções médicas, introduziu-se o conceito ecológico de saúde e
doença e uma visão da história da Medicina que caminhava inexoravelmente para a
Medicina Preventiva.
- Para encontrar a sua especificidade, a Medicina Preventiva realizou um
trabalho de delimitação com a Medicina Social e a Saúde Pública, afirmando a sua
própria identidade com a Medicina Clínica. O fundamento da delimitação baseava-se
em que a Medicina Preventiva era simplesmente uma nova forma da Medicina privada,
enquanto as outras duas representavam uma participação estatal.
- O discurso preventivista, após o seu desenvolvimento nos países centrais,
ganhou, depois da Segunda Guerra Mundial, uma expansão para a América Latina,
através de Seminários patrocinados por agências internacionais. Desta forma, o discurso
preventivista representou uma construção teórico-ideológica do real nos países
dependentes, criando não só seus intelectuais orgânicos, como também uma forma de
pensar estas novas realidades, transplantando não só a problemática como também a
forma de pensá-la e de resolvê-la.
- Os conceitos básicos do discurso preventivista referem-se à História Natural
das Doenças, à própria saúde e doença e à causalidade. O conceito ecológico de saúde e
doença realiza uma síntese entre a concepção dinâmica e a ontológica, representando
uma leitura duplamente otimista do fenômeno em que os dois estados são
simultaneamente idênticos e diversos, existindo entre os dois uma continuidade
quantitativa dos valores biológicos e qualitativa dos estados fisiopatológicos.
- A História Natural das Doenças opera como um modelo reorganizador do
conhecimento médico, permitindo uma Taxonomia e uma “Mathesis”, e compondo o
conhecimento fisiopatológico e epidemiológico em um mesmo espaço envolvido pelo
social mistificado, cujo conhecimento é deteriorizado.
A Medicina Preventiva assume a multicausalidade, que representa uma
simplificação do real e um afastamento das determinações.
- Os conceitos estratégicos:
A Integração representa um conceito político do movimento, em relação
à escola médica, procurando a formação de uma consciência difusa que, levando a um
consenso, determinasse a transformação da própria escola.
A Inculcação, operando através da noção de contato que pretende vencer
a resistência estudantil ao modelo preventivista, realiza uma redução do espaço social a
uma leitura clínica e cria um espaço para um discurso pedagógico e tecnológico da
aprendizagem.
O conceito de Mudança introduz a noção de que a história é feita pelos
sujeitos em particular e procura demonstrar uma autonomia política do setor saúde,
neutralizando o conjunto das relações sociais que determinam o setor e o próprio sujeito
em suas ações, tratando-se de uma mudança que só existe na materialidade do discurso.
- A análise da viabilidade do projeto preventivista em um modo de produção
capitalista, dada a articulação da Medicina com o mesmo, revelou que:
a) enquanto projeto da sociedade civil, a introdução das medidas preventivistas
ao cuidado médico dependem de que estas medidas adquiram valor de troca, ou sejam
impostas pela lógica da produção. A introdução das atitudes sociais, epidemiológicas e
educativas estão em antítese com esta forma de organização do cuidado médico. Diante
disto, a viabilidade de transformação da escola médica é limitada, neste modelo, a
projetos experimentais;
b) enquanto projeto do Estado, pode levar a uma introdução dos objetivos
preventivistas, desde que exista uma reorganização da prática médica com uma
redefinição das relações sociais existentes e uma posterior mudança do ensino que
refletisse esta prática modificada.
c) o impacto das concepções preventivistas sobre as condições de saúde da
população fica limitado, nos dois modelos, à não solução da contradição fundamental
existente, isto é, ao uso atribuído à vida humana nas diferentes formações sociais.
- O movimento preventivista, em síntese, possui uma baixa densidade política ao
não realizar modificações nas relações sociais concretas e uma alta densidade ideológica
ao constituir, através do seu discurso, uma construção teórico-ideológica daquelas
relações.
- Ao introduzir nas escolas médicas uma discussão sobre a Teoria da Medicina, a
Medicina Preventiva tem possibilitado o aparecimento de núcleos de reflexão sobre esta
teoria, que poderão se constituir em um novo campo da Prática Teórica, delimitando o
ideológico no interior da Medicina.
- Finalmente, na América Latina, o movimento preventivista como tendência
vem se deslocando no sentido de projetos racionalizadores da atenção médica,
constituindo-se no solo para a introdução da racionalidade da produção no interior da
prática médica.
Fonte: Tese de Doutoramento apresentada à
Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas.
- 1975 –
*** *** https://teses.icict.fiocruz.br/pdf/aroucaass.pdf *** ***
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***
O que lembro, tenho.
Guimarães Rosa
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O PCB, o movimento sanitarista e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)
***
Fonte: Fundação Astrojildo Pereira
*** *** https://www.youtube.com/watch?v=sZSxDDPzGUI *** ***
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***
Do dilema preventivista ao dilema
promocionista: retomando a contribuição de
Sérgio Arouca
From preventivist dilemma to promotionist dilemma: resuming the
contribution of Sérgio Arouca
Rodrigo Prado da Costa1, Maria Ceci Misoczky2, Paulo Ricardo Zilio Abdala3
____________________________
DOI: 10.1590/0103-1104201811916
RESUMO O objetivo deste trabalho é retomar a categoria ‘dilema preventivista’, cunhada por
Sérgio Arouca em sua tese de doutorado, escrita em 1975, para refletir sobre sua atualização. Na
tese, Arouca buscou compreender como foram produzidas as regras da formação discursiva da
medicina preventiva e as relações com instâncias não discursivas, estudando as articulações com
o modo de produção capitalista. A análise dessas articulações possibilitou a Arouca evidenciar
que a medicina preventiva não fugiu à contradição fundamental da medicina que transforma
a saúde – um valor de uso – em valor de troca, através do cuidado médico. Portanto, a busca
que se faz ao resgatar essa categoria se orienta para uma pergunta própria: como aconteceu
a atualização do discurso da medicina preventiva para o da promoção da saúde? A categoria
cunhada por Arouca permitiu evidenciar que a promoção da saúde não foge à contradição fundamental da medicina e, ao invés de ser uma inovação para o campo da saúde, é uma atualização
do discurso preventivista, configurando, assim, o dilema promocionista.
PALAVRAS-CHAVE Medicina preventiva. Promoção da saúde. Atenção Primária à Saúde.
ABSTRACT The aim of this study is to resume the category ‘preventivist dilemma’, coined by
Sérgio Arouca in his doctoral thesis, written in 1975, to reflect on its updating. In his thesis, Arouca
sought to understand how the rules of discursive formation of preventive medicine and relations
with non-discursive instances were produced, studying the articulations with the capitalist mode
of production. The analysis of these articulations enabled Arouca to evidence that preventive
medicine did not escape the fundamental contradiction of medicine that transforms health – a usevalue into exchange-value through medical care. Therefore, the research that is done by rescuing
that category is directed to a specific question: how did the update of the discourse of preventive
medicine for health promotion happened? The category coined by Arouca has made it possible to
highlight that health promotion does not escape the fundamental contradiction of medicine, and,
instead of being an innovation for the field of health, it is an update of the preventivist discourse,
setting, thus, the promotionist dilemma.
KEYWORDS Preventive medicine. Health promotion. Primary Health Care.
Introdução
Na sua tese de doutorado, Sérgio Arouca examinou como foram produzidas as regras da
formação discursiva da medicina preventiva
e as relações com instâncias não discursivas,
estudando as articulações com o modo de
produção capitalista, a fim de compreender
a simultaneidade e a contradição medicina
preventiva-medicina curativa. Sobretudo,
partiu do princípio de que o modo de exercer
a medicina decorre de uma determinação histórico-social e, se a medicina preventiva tinha
por projeto uma nova determinação, o estudo
desse projeto corresponderia a conhecer as
contradições da própria sociedade expressas em um campo específico de sua análise,
a medicina. Para tanto, Arouca1 estudou o
discurso preventivista através da metodologia arqueológica proposta por Foucault2,
para uma aproximação com o materialismo
histórico e a teoria do valor em Marx3.
Para o entendimento dessas contradições,
Arouca1 abordou a estrutura social de emergência da medicina preventiva, defendendo
que ela não se constituiu em um novo conhecimento a partir da higiene, mas como
crítica à prática médica centrada na medicina
curativa, correspondendo à singularidade de
um determinado contexto histórico. O projeto
da medicina preventiva definiu uma nova
organização do conhecimento médico, que
incluiu reformas nos currículos das faculdades de medicina e a criação de departamentos
e cátedras de medicina preventiva. Esse processo teve como princípios as proposições de
Leavell e Clark4, e o paradigma da História
Natural das Doenças (HND).
Articulando cuidado médico e modo
de produção capitalista, Arouca1 chegou
à centralidade de sua tese, evidenciando a
contradição fundamental da medicina: ter
como objeto valores vitais – que, para os seres
humanos, são valores de uso – transformados em valores de troca pela dinâmica do
modo de produção capitalista. Essa apreensão possibilitou ao autor a construção da
categoria ‘dilema preventivista’, evidenciando que a medicina preventiva não escapou à
contradição da própria medicina. Portanto,
mesmo apresentando-se como um projeto de
mudança da prática médica, a introdução das
medidas preventivistas ao cuidado médico
ficou limitada a uma leitura liberal da medicina, constituindo-se, então, em um espaço
conservador e funcional ao capitalismo.
A compreensão do dilema preventivista
permite discutir a promoção da saúde, difundida contemporaneamente como uma importante estratégia para melhorar as condições
de saúde da população por intermédio de um
conjunto de prescrições normativas a respeito
de ‘hábitos saudáveis’. Ao analisar a promoção
da saúde, denota-se que, como formação discursiva, ela surgiu no momento de ascensão
do neoliberalismo. O conjunto das premissas
neoliberais, somado aos custos da atenção
médica e do enfoque clínico sob a responsabilidade dos profissionais médicos, fez com que
a promoção da saúde aparecesse no cenário
internacional como uma inovação para o
campo da saúde. Tendo início no Canadá,
na década de 1970, a partir do documento
intitulado ‘Informe Lalonde’, a promoção da
saúde logo foi incorporada à Atenção Primária
à Saúde (APS) como principal estratégia da
saúde, a partir da Conferência de Alma-Ata,
na década de 1980. Em 1986, com a Carta de
Ottawa, foram estabelecidas as principais estratégias da promoção da saúde, momento em
que foram definidos seus conceitos estratégicos: determinantes sociais da saúde, fatores
de risco e empowerment. Este conjunto de
conceitos é até hoje amplamente divulgado,
seja no espaço privado ou no espaço público.
Entretanto, ao retomar a tese de Arouca1,
percebe-se que o conceito de promoção da
saúde não é novo, visto que já aparecia no
esquema desenvolvido por Leavell e Clark4,
na década de 1940, compondo um dos níveis
de prevenção da medicina preventiva.
Diante disso, a partir da compreensão da
especificidade do trabalho de Arouca1, este
artigo objetiva questionar o movimento da promoção da saúde em relação à sua articulação com a medicina e a sociedade. Sobretudo,
a recuperação da categoria ‘dilema preventivista’ apoia a pergunta na qual se originou
este trabalho: como aconteceu a atualização
do discurso da medicina preventiva para o
da promoção da saúde? Esse resgate permite
evidenciar que a promoção da saúde, embora
seja apresentada como uma inovação para o
campo da saúde, na década de 1970, não é
uma inovação em relação ao ‘dilema preventivista’, mas uma atualização de seu discurso,
não escapando à contradição fundamental da
medicina. Portanto, o dilema persiste, agora,
sob uma nova roupagem, configurada sob o
dilema promocionista.
Métodos
A compreensão do dilema preventivista
desenvolvido na obra de Arouca1 levou a
um questionamento sobre o movimento
da promoção da saúde por compreender
que ela ocupa um espaço análogo ao da
medicina preventiva: o da prevenção das
doenças, respeitadas suas singularidades.
Ao analisar a promoção da saúde, denota-se
que, como formação discursiva, ela surgiu
em um contexto muito semelhante ao da
medicina preventiva, conforme apontado
por Arouca1 e caracterizado, principalmente, pela ascensão do neoliberalismo. Para
concretizar este entendimento, adotou-se
a lógica da interdiscursividade. Segundo
Bakhtin5, o enunciado constitui um todo
de sentido e, por isto, permite encontrar
respostas. Qualquer texto tem um intertexto, parte de um contexto mais amplo
e se constitui em um elo, em uma cadeia
contínua e inesgotável de sentidos. Sendo
assim, o sentido de um discurso só pode
ser buscado no interdiscurso. Tendo esse
entendimento, tomou-se a tese de Arouca1
como um elo que propicia entender os sentidos contemporâneos do movimento da
promoção da saúde.
Resultados
O dilema preventivista na tese de
Sérgio Arouca
Na introdução de sua tese, Arouca1 deixou
claro que, para compreender o significado
da medicina preventiva, era necessário determinar a que tipo de racionalidade o conceito
pertencia em um dado contexto social. Assim,
tem-se sua pergunta central:
O que representa a emergência do discurso
preventivista privilegiando uma ‘nova atitude’,
reintroduzindo a quantificação e a formalização no saber clínico, colocando em questão a
experiência pedagógica do hospital e relibertando a enfermidade para o espaço social? E,
enfim, qual a novidade da institucionalização
de um espaço que coloca em questão a própria medicina, ao mesmo tempo que se oferece como projeto alternativo?1(15).
Como formação discursiva, a medicina
preventiva emergiu em um campo formado
por três vertentes: 1) a higiene, surgida no
século XIX, ligada ao desenvolvimento do
capitalismo e da ideologia liberal; 2) a discussão dos custos da atenção médica nos Estados
Unidos, no período de 1930 a 1940, diante de
uma crise internacional e da ameaça de uma
intervenção estatal com a respectiva reação
das organizações médicas; e 3) a redefinição
das responsabilidades médicas surgidas no
interior da educação médica.
Diante disso, Arouca1 apontou que entre
1950 e 1953 houve um marco importante na
redefinição dos objetivos do ensino médico,
realizados pelo Comitê de Educação Médica
da Associação Americana de Medicina em conjunto com a Associação Americana de Colégios
Médicos, que elaboraram uma declaração que
introduziu alguns dos principais preceitos
da medicina preventiva, servindo como base
à Conferência de Colorado Springs (1953),
local de emergência do discurso preventivista.
Conforme Arouca1, o campo teórico das conceituações a respeito da medicina preventiva definiu, pelas regularidades discursivas,
três principais premissas da nova conduta:
1) enfoque no indivíduo e na família; 2) incorporação na prática diária do médico, independentemente de sua especialidade; e 3)
nova atitude por parte do profissional médico.
Arouca1 definiu esse processo como um
movimento que, em um primeiro momento,
faz a crítica da medicina curativa, para, em
um segundo momento, defender seu próprio
projeto. A medicina curativa era uma prática
médica que se esgotava no diagnóstico e na intervenção terapêutica, privilegiando a doença;
a prevenção e a reabilitação eram secundárias.
Ou seja, tratou de demonstrar a ineficiência
dessa prática, devido ao enfoque médico predominantemente biológico, da especialização
crescente da medicina e da desvinculação dos
reais problemas de saúde da população.
Os princípios teóricos da medicina preventiva foram introduzidos, principalmente,
por Leavell e Clark4, que tiveram influência
na divulgação das ideias e na implantação dos
departamentos de medicina preventiva nos
Estados Unidos, que mais tarde seriam expandidos para todos os países. Os princípios
e condutas da nova disciplina deveriam dar
conta do desdobramento do conhecimento em
diversas áreas, especialidades e subespecialidades, tendo como proposta de reorganização
e síntese desse movimento a HND. Para esses
autores4(25), a medicina preventiva é
a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongar a vida e promover a saúde física, mental e a eficiência, para interceptar a história
natural da doença em qualquer estágio de sua
evolução.
A HND é a inter-relação entre agente, hospedeiro e ambiente, e está dividida em dois
períodos: o primeiro, a pré-patogênese; e o
segundo, a patogênese. Na pré-patogênese,
momento em que a doença não se iniciou,
devem ser estabelecidas medidas de prevenção
primária contra os agentes patológicos, através
da promoção da saúde, a fim de estabelecer
como ótima a saúde nos seres humanos. Na
patogênese, quando a doença está manifestada,
são aplicadas medidas de prevenção secundária e terciária, através do diagnóstico clínico,
tratamento e reabilitação.
Nessa proposição, a relação médico-paciente deixaria de ser ocasional, cabendo às condutas preventivas a manutenção do equilíbrio da
vida. Assim, o cuidado à saúde se transforma
em prática cotidiana, em ponto de articulação
da totalidade criada com o campo médico.
Portanto, como projeto, a medicina preventiva promoveu uma reorganização do discurso
médico, proclamando uma nova atitude na
prática médica, que deveria ser implantada
através da educação médica.
Para analisar o projeto da medicina preventiva, Arouca1 retomou seus conceitos estratégicos:
integração; inculcação e resistência; mudança;
e esquema evolutivo. Em seguida, analisou suas
regras da formação discursiva, a fim de compreender as condições concretas da existência dos
elementos que compõe o discurso preventivista
em sua singularidade, constatando que este
construiu, diante da medicina, um projeto que
lhe era, simultaneamente, igual e diferente.
Ou seja, tratava-se de um discurso que falava
de uma medicina adjetivada que se tornaria o
próprio futuro da medicina, aparecendo como
projeto e como processo de transformação.
Ao assumir essa relação de identidade e de
mudança da medicina, o discurso preventivista
tomou como seus objetos a saúde e a doença, a
prática e a educação médica.
Dessa forma, tornou-se, ao mesmo tempo,
alternativo e afirmativo. Instaurou-se através
da institucionalização de espaços discursivos, através dos departamentos de medicina preventiva, das associações nacionais de
escolas médicas e de diferentes instituições
internacionais.
Após estudar as condições de emergência e
as regras de formação discursiva da medicina
preventiva, Arouca1 analisou a articulação da
medicina com a sociedade, a fim de apanhar, em sua totalidade, a especificidade da medicina
preventiva, momento em que faz uma aproximação teórica com a teoria de valor de Marx3.
Ao analisar a articulação da medicina com
a sociedade, Arouca1 partiu da unidade mais
simples: o cuidado médico. O cuidado é o
próprio processo de trabalho de agentes investidos e legitimados socialmente nesta função,
monopolizando o exercício e o conhecimento
de tal atividade. O cuidado é composto pela corporificação de instrumentos e condutas técnicas
em uma relação social específica, satisfazendo
necessidades humanas nos modos de andar a
vida. Ele apresenta uma dupla característica: é
um processo de trabalho, tendo como objetivo
a intervenção sobre valores vitais (biológicos e
psicológicos); é unidade de troca por atender
necessidades humanas, tendo atribuído, social
e historicamente, um valor.
Neste processo, o que se consome é o próprio
cuidado, ou seja, o próprio trabalho e não o
produto deste trabalho, em outras palavras, o
resultado do cuidado é a intervenção (normativa ou transformadora) sobre valores vitais,
cujo consumo é realizado na própria vida, no
seu uso e no consumo da força de trabalho no
processo produtivo, sendo, portanto, consumido no cuidado o trabalho de seus agentes e
seus instrumentos, e não o seu resultado1(205).
Dessa relação, Arouca1 evidenciou as características básicas do cuidado médico: é uma
unidade de produção e consumo; implica em
três valores: seu próprio valor como unidade de
troca, os valores vitais que toma como objetos,
e os valores de uso e de troca atribuídos socialmente aos valores vitais; é um processo de
trabalho que envolve conhecimentos, técnicas,
relações sociais e necessidades a serem satisfeitas; é determinado pelas necessidades vitais
nos mais variados modos de andar a vida e
determina socialmente as necessidades e seu
espaço de coberturas.
Essas características definem o espaço no
qual se encontra a contradição fundamental
da medicina1. Ela atua nas margens entre o
vital e o social, uma vez que define como
seu objeto o vital, que é influenciado pelo
social, encontrando, nesse lugar, seus limites
e suas possibilidades.
O produto da prática médica, o cuidado,
refere-se a valores que, para seus possuidores, existem como valores de uso, ou seja,
refere-se à própria vida dos seres humanos.
Quando uma pessoa, por exemplo, está com
um problema de saúde, ela procura o cuidado
médico para retomar sua condição de saúde
e seguir seu modo de andar a vida. Então, na
relação entre essa pessoa e o médico, há uma
dependência entre a necessidade do cuidado
e o saber que somente o médico possui para
proporcionar àquela as condições necessárias de sua recuperação. Nesta relação, o valor
de uso aparece como a própria recuperação
da saúde, para que a pessoa possa deixar a
condição de estar doente. Todavia, sanar o
problema dessa pessoa implica para ela não
só uma melhora de sua condição de saúde,
mas, também, a possibilidade de retomar as
condições necessárias para exercer sua força
de trabalho, pois, como trabalhador, depende
disso para sua sobrevivência no modo de produção capitalista. Porém, no momento em
que a saúde, como valor biológico, passa a
ser considerada também como um atributo
da força de trabalho, para que melhor seja
consumida no processo produtivo, ela, como
valor de uso para seu detentor, passa a ser um
valor de troca, a partir da venda de sua força
de trabalho no mercado. Portanto, se inicialmente a saúde tem como significado um valor
de uso para seu detentor, imediatamente ela
é transformada em valor de troca para a sua
própria sobrevivência.
Essa é a contradição fundamental da medicina: ter como objeto valores vitais que, para os
seres humanos, são valores de uso no processo
da vida, transformados em valores de troca
pela dinâmica do modo de produção capitalista. A vida, então, é tratada como mercadoria,
tendo no cuidado médico a forma para que
sejam mantidas as condições necessárias de
manutenção da saúde utilizada como valor de troca no mercado. O uso atribuído a valores
vitais determina, também, quais deles devem
ser tomados prioritariamente como objetos
de trabalho da medicina, fazendo com que
se crie uma normatividade destes valores em
termos de doenças e cabendo a ela o cuidado
dessas alterações1.
Entretanto, segundo Arouca1, a mesma atividade médica que faz a manutenção e recuperação do valor de uso de uma pessoa, que, ao
vender sua força de trabalho passa a significar
a manutenção de valor de troca, funciona, para
as classes hegemônicas, como um valor de
uso, que é colocado como corporificação do
capital no processo de extração de mais-valia.
Conforme Arouca1, o cuidado médico
contribui para o aumento da produtividade
quando os trabalhadores são mantidos em boas
condições de saúde, direta ou indiretamente,
devido à diminuição do absenteísmo e de acidentes de trabalho. Pode, também, contribuir
para a mais-valia absoluta, quando mantém
o trabalhador em condições boas de saúde,
possibilitando, desta forma, a realização de
jornadas extraordinárias de trabalho.
Em síntese, podemos dizer que a saúde, como
valor biológico, pode ser considerada como
um atributo da força de trabalho para que ela
melhor possa ser consumida no processo produtivo. Porém, paradoxalmente, a força de trabalho como mercadoria incorpora para a sua
manutenção um quantum de trabalho cujo
efeito não é aumentar o seu valor, mas, sim,
possibilitar o aumento da sua exploração1(219).
A articulação da medicina está referida à
manutenção, à recuperação e à reprodução
da força de trabalho tomada como um valor
de troca para o proletário, funcionando como
um valor de uso para as classes hegemônicas, a
partir da exploração do trabalhador. O trabalho
médico se tornou funcional a essa reprodução
dentro da lógica capitalista, sendo diretamente
produtivo quando possibilita um acréscimo
na mais-valia. A medicina preventiva aparece
nesse campo de tensões da medicina como
um projeto que se apresenta como alternativa de solução ao conjunto de problemas das
formações sociais relativas à incidência de
doenças e abrangência dos cuidados médicos,
centralizando no profissional médico um novo
comportamento. Contudo, o fez a partir de
uma leitura liberal, mantendo a natureza do
cuidado médico, sem que escapasse à contradição da medicina.
Assim, a incorporação das atitudes preventivistas ficou diretamente ligada ao aumento
da produtividade do trabalho.
Não foi por mero acaso que as chamadas empresas médicas adotaram rapidamente, após
a sua criação, o discurso preventivista na justificativa de sua validade1(213).
Na política estatal, também foram incorporadas, por meio de organismos da saúde
pública, as atitudes preventivistas, visando,
principalmente, cobrir a atenção das populações ditas marginais.
Portanto, a apreensão da contradição fundamental da medicina possibilitou à Arouca1 a
construção da categoria ‘dilema preventivista’,
pois, mesmo a medicina preventiva tendo se
apresentado como um novo projeto, como um
movimento de mudança, ela manteve a mesma
lógica do cuidado médico, constituindo-se
em um espaço conservador e funcional ao
capitalismo. Na dimensão do ensino, a medicina preventiva é mais uma disciplina-tampão,
entre as tantas que criticam a disciplina dentro
da qual nascem, centram suas estratégias de
modificação da prática no ensino, possuem
organização institucional legitimada e se constituem em discursos e práticas concretas que
contribuem para a estabilização ideológica de
propósitos mais gerais e idealistas1.
Feita essa breve apresentação, podem ser
tratadas as mudanças sociais e práticas de
saúde que possibilitaram à medicina preventiva, como uma medicina de orientação liberal e
individualista, se transformar na promoção da
saúde, hoje amplamente divulgada e defendida
no âmbito nacional e internacional.
A promoção da saúde
A promoção da saúde, como formação discursiva, emergiu em um contexto muito semelhante
ao apontado na análise de Arouca1, em relação
à medicina preventiva: um momento de crise
econômica. Dessa vez, com o neoliberalismo
como estratégia ofensiva do capital.
O neoliberalismo é um projeto econômico-
-político de classe (capitalista) expresso através
de uma estratégia de acumulação do capital,
que se baseia especificamente na subordinação
e sujeição absoluta ao mercado como dispositivo de produção e reprodução social em sentido
amplo6. Um dos conceitos mais significativos
do ideário neoliberal é a mudança de enfoque
do homo economicus (homem econômico) –
tido como princípio antropológico da corrente
anglo-americana – para o de homo redemptoris
(homem empresário/empreendedor), da corrente austríaca7. Conforme Puello-Socarrás7,
o conceito de homem empresário/empreendedor, antes de ser uma premissa dos tempos
atuais, é uma ideia historicamente arraigada
no pensamento liberal, na qual o conceito de
homem econômico era uma categoria que interpretava dedutivamente o ser humano como
um agente econômico racional e um indivíduo
eminentemente calculador. Entretanto, a partir
do século XX, esse conceito passa a fazer parte
de uma reivindicação do empreendedorismo
como exigência para a compreensão do ser
humano diante das condições econômicas do
mercado, ou seja, frente ao capital financeiro e à governança corporativa, entre outros.
Neste contexto, o homem empreendedor é
um homem econômico, mas não no sentido
puro como defendia o neoclassicismo anglo-
-americano, pois ele é um empresário de si
mesmo, aprofundando o individualismo típico
do neoliberalismo.
A consolidação da doutrina neoliberal, em
nível global, foi caracterizada pelo ‘Consenso
de Washington’ em sua versão original, de
1989 (CW-89), e de suas adaptações posteriores (Consenso Revisado, Ampliado e PósWashington), realizadas pelos organismos
multilaterais de crédito subordinados aos
interesses de Washington (Estados Unidos),
como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial (BM) e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Essas adaptações ao consenso original emergiram quase uma década depois como resposta
das agências internacionais a um conjunto de
progressivas resistências sociais antineoliberais e constantes políticas contra-hegemônicas,
principalmente na América Latina e no Caribe,
no plano sociopolítico e eleitoral, motivados
pela catástrofe da hegemonia liberal, especificamente em termos sociais8. Sem abrir
mão dos postulados macroeconômicos, o
neoliberalismo se viu obrigado a adaptar, às
suas práticas políticas, a inclusão de temas
sociais para manter sua posição central de
poder e seus postulados. Temas como pobreza
e inclusão social, bem como a presença estatal
(reguladora) e o reconhecimento de falhas
do mercado, passaram a fazer parte das diretrizes sistematicamente incorporadas na
agenda neoliberal das agências multilaterais,
sem abrir mão da essência do projeto de sujeição e subordinação ao mercado. Além disso,
temas como justiça social, equidade e empoderamento, entre outros, passaram a fazer
parte das prescrições da agenda neoliberal
no conjunto de políticas sociais8.
Obviamente, a atenção à saúde não poderia
ficar fora desse processo. Incorporando as
premissas do ideário neoliberal, a APS surge
como resposta, em um primeiro momento, à
crise dos anos 1970 e à discussão dos elevados custos da atenção médica, para firmar-se
como uma nova perspectiva, tendo a promoção da saúde como sua principal estratégia.
Conforme Vasconcelos e Schmaller9, os elevados custos da saúde estavam relacionados à
dependência ao modelo biomédico, centrado
em uma abordagem fisiopatológica individual
de diagnóstico e terapêutica. Nesse modelo
de atenção à saúde, o núcleo central preconizava a unidade hospitalar para tratamento,
bem como elevados aparatos tecnológicos e
o suporte de especialistas.
A discussão em torno da necessidade de
uma nova abordagem para o campo da saúde,
somada à crise econômica da década de 1970 e
ao consequente avanço do neoliberalismo, fez
com que o processo de mudança ocorresse de
forma acelerada. Isso deu início a uma série de
encontros de países do centro capitalista e de
organizações internacionais para a formulação
de uma nova perspectiva que correspondesse
às exigências do campo econômico, ou seja, da
contenção dos elevados custos sociais.
Devido à crise fiscal, ao elevado custo em
tecnologias médicas e ao modelo biomédico, o Canadá foi um dos países que, naquele
momento, fez uma forte crítica ao seu sistema
de saúde, resultando na apresentação, em maio
de 1974, do documento ‘A new perspective on
the health of Canadians’10, também conhecido
como ‘Informe Lalonde’. Foi a primeira vez
que o termo promoção da saúde apareceu oficialmente em um documento como parte de
um pensamento estratégico para reorganizar
a atenção à saúde.
As premissas do ‘Informe Lalonde’ foram
definidas no item denominado ‘campo da
saúde’, reunindo os ‘determinantes da saúde’,
conceito que contempla os quatro componentes que influenciam a saúde10: biologia
humana, ambiente, estilo de vida e organização
da assistência à saúde. Destes componentes,
decorrem cinco estratégias: promoção da
saúde, regulação, eficiência da assistência
médica, pesquisa e fixação de objetivos. No
documento, a promoção da saúde teve como
definição “informar, influenciar e assistir
pessoas e organizações, para que assumam
maiores responsabilidades e sejam mais ativos
em matéria de saúde”10(66). O enfoque da estratégia da promoção da saúde foi, essencialmente, voltado aos estilos de vida, englobando, por
exemplo, a alimentação, o tabaco, o álcool, as
condutas sexuais e o uso de drogas, e evidenciando, para tanto, a necessidade de responsabilização individual sobre a própria saúde.
Assim, ao propor a retirada do enfoque da
assistência médica sob os cuidados exclusivos
do profissional médico, Lalonde10 introduziu
a concepção de que as pessoas deveriam se
responsabilizar sobre seu próprio cuidado
com a saúde, pois suas atitudes resultariam
na expressão de sua saúde.
Paralelamente à reestruturação que vinha
ocorrendo no Canadá em torno da promoção
da saúde, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) fomentou, na década de 1970, um amplo
debate em torno de alternativas viáveis para a
extensão dos cuidados à saúde nos países, de
forma a atender as expectativas do cenário econômico. O ponto culminante foi a Conferência
Internacional de APS, realizada em 1978, em
Alma-Ata, no Cazaquistão, em parceria com
o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef )11. Dois documentos resultaram da
conferência. Na Declaração12, a promoção da
saúde apareceu como um conceito essencial,
acompanhada dos conceitos de prevenção,
tratamento e reabilitação.
Analisando os documentos da conferência e as declarações posteriores sobre a APS,
denota-se que o conjunto de afirmações e recomendações demonstrou uma preocupação
com a necessidade de implantar uma reforma
estrutural de cunho socioeconômico nos países
– principalmente, nos subdesenvolvidos – como
perspectiva de superação das barreiras econômicas presentes naquele momento. A proposta da APS, para além da implantação de um
conjunto de diretrizes em saúde, fez parte do
conjunto de reformas do aparelho de Estado ao
indicar a necessidade de reestruturação interna
dos países, conforme preconizado pelo neoliberalismo. Essa postura, presente na conferência,
é reafirmada nas Recomendações de Alma-Ata,
quando se dá a publicação do documento intitulado ‘Saúde para Todos no Ano 2000’, que
propunha ajustes no campo da saúde em longo
prazo, além do acompanhamento constante das
reformas preconizadas em Alma-Ata13.
Em novembro de 1986, em Ottawa, ocorreu
a I Conferência Internacional sobre Promoção
da Saúde. Tendo a participação de 35 países,
e resultando na Carta de Ottawa, ainda é
considerada a principal conferência sobre
promoção da saúde por ter se tornado uma referência para o campo, em todo o mundo13.
Segundo Labonte14, a Carta de Ottawa afirmou,
sobretudo, que a promoção da saúde demarcou
uma inovação, ao introduzir um conjunto de
preceitos que antes não eram trabalhados no
cuidado à saúde.
A promoção da saúde deveria, então, dar
conta de um conjunto de valores: solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e ação conjunta. Daí
decorrem as principais estratégias: políticas
públicas saudáveis; ambientes favoráveis à
saúde; reorientação dos serviços de saúde;
reforço da ação comunitária; e desenvolvimento de habilidades pessoais15. Além de seus conceitos estratégicos: os determinantes sociais
da saúde, os fatores de risco e o empowerment.
Segundo Zioni e Westphal16, os determinantes sociais estão condicionados ao contexto
estrutural socioeconômico e político da sociedade, que, por sua vez, pode ser traduzido
como uma estratificação social, definida em
termos de excedente econômico. Esta estratificação leva ao que seriam os determinantes
sociais da saúde expressos pela distribuição
desigual de três tipos de fatores: materiais,
como habitação, alimentação, trabalho etc.;
psicossociais e comportamentais; e biológicos. Estes fatores representam os níveis de
saúde em cada sociedade, conforme seu desenvolvimento. Entretanto, nesta concepção,
os fatores causais dos problemas de saúde
aparecem puramente no plano empírico e, para
minimizar a determinação social, defende-se
a necessidade de uma maior atuação sobre
os fatores de risco, sem que se transformem
efetivamente as condições sociais9.
A epidemiologia trata o risco como a probabilidade de um conjunto de membros de uma
população desenvolver uma doença ou algum
evento relacionado à saúde, surgindo, então,
a noção correlata de fator de risco, que pode
ser definido como o atributo de um grupo de
pessoas que apresentam uma determinada patologia com maior incidência do que os demais
grupos populacionais, oferecendo, assim, um
forte risco à saúde de todos17. Desta forma,
prever os fatores de risco significa minimizar
problemas futuros. Na promoção da saúde,
esta concepção é utilizada na estruturação de
ações e estratégias como as Políticas Públicas
Saudáveis, que têm como concepção contribuir
para a escolha de hábitos de vida saudáveis16.
O controle sobre os determinantes sociais e
os fatores de risco no processo saúde-doença,
por parte dos indivíduos, encontra-se na principal estratégia da promoção da saúde, através
do conceito de empoderamento e suas variantes: o psicológico e a comunidade.
O empoderamento psicológico enfatiza uma
perspectiva filosófica individualista, que tende
a ignorar a influência dos fatores sociais e estruturais, desconectando o comportamento
dos seres humanos do contexto sociopolítico
em que estão inseridos. A centralidade desta
perspectiva consiste na regulação da vida por
parte de políticas e práticas macrossociais,
fazendo com que as pessoas se responsabilizem cada vez mais por sua condição de
vida18. A perspectiva centrada na comunidade
compreende que existem níveis diferenciados
de poder distribuídos de forma desigual na
sociedade, o que justificaria as disparidades
sociais. A responsabilização individual não é
criticada, mas ampliada para as comunidades,
de forma que a responsabilização coletiva é
apontada como alternativa de fortalecimento
da crítica à macroestrutura.
Assim, o discurso do fortalecimento das
comunidades e dos indivíduos através do
empoderamento retira a responsabilidade
do Estado de prover um sistema de saúde
adequado, por meio da transferência de responsabilidades, a cada indivíduo, sobre sua
condição de vida. Nesse sentido, embora haja
problemas macroestruturais reconhecidos,
os indivíduos é que são os responsáveis por
mudá-los. Essa estratégia centrada no empoderamento nada mais é do que a prescrição
neoliberal do enfoque no indivíduo, que se
justifica na concepção de que todo ser humano
é um empresário/empreendedor, conforme
apontado por Puello-Socarrás7. Logo, o conjunto normativo de prescrições da promoção da saúde se apresenta como sendo o próprio
espaço de oportunidades preconizado pelo neoliberalismo, no qual os indivíduos encontram
as oportunidades de melhorar sua condição
de saúde, bastando, para isto, que se tornem
agentes ativos por meio da responsabilização
de cada aspecto de sua vida no que diz respeito
a hábitos saudáveis. Ao prescrever o que é bom
ou mau para a saúde de cada um, a promoção da saúde se estabelece como autoridade
suprema sobre a própria existência humana,
tendo na noção de fatores de risco o epicentro
das normas de conduta que prescreve.
Considerações finais: o
dilema promocionista
O conceito de promoção da saúde já havia
aparecido na década de 1940, quando Leavell
e Clark4 o introduziram ao desenvolverem o
modelo da HND, no período da pré-patogênese. O que o movimento da promoção da
saúde iniciado na década de 1970 fez foi se
ater ao nível da prevenção primária do modelo
preconizado por Leavell e Clark4, negligenciando todo o resto, tratando de apresentar
um esquema pedagógico baseado na causalidade de fatores simples e até mesmo em uma
redução monocausal, centrado, exclusivamente nos fatores de risco, em cada aspecto da
vida19. Isso porque, nos demais níveis preconizados por Leavell e Clark4, o trabalho do
médico era indispensável. Assim, como forma
de contenção de custos da atenção médica, a
promoção da saúde desloca a centralidade do
trabalho médico para o nível da prevenção
primária e, complementarmente, delega as
responsabilidades de cuidado aos indivíduos.
Segundo Nogueira19(179), a pregação de
“hábitos saudáveis” sob a responsabilidade
do indivíduo em cada aspecto de sua vida é um
retorno à normalização imposta pela higiene
no final do século XIX e começo do século XX,
que deu origem à medicina preventiva e às
suas normas. Desta forma, não deixa de ser um
projeto similar de medicalização da totalidade
da existência humana e não só da dimensão da
doença; medicalização que dispensa a figura
do médico, pois molda a cultura cientificista a
seus propósitos, afetando diretamente o modo
como as pessoas cuidam de sua saúde19 e, na
expressão de Arouca1, seus modos de andar a
vida. Daí, compreende-se que a promoção da
saúde não se separou da medicina preventiva. De fato, o que se tem é uma atualização
do discurso da medicina preventiva, dado o
contexto histórico que exigiu essa reconfiguração. Devido à crise econômica e ao aumento
dos custos da atenção médica, foi imposta
uma reestruturação que correspondesse às
exigências do ideário neoliberal. Além disto,
importa destacar que não é mera coincidência
que temas da agenda neoliberal como justiça
social, equidade e empoderamento, entre
outros, sejam os mesmos preconizados pela
promoção da saúde.
Diante do exposto até aqui, se na medicina preventiva ficou evidente a existência do
dilema preventivista1, a promoção da saúde
não escapa ao dilema promocionista. Aqui
reside a centralidade da tese de Arouca1
para este trabalho. Como a promoção da
saúde é uma atualização do discurso da medicina preventiva, não há rompimento com
a contradição fundamental da medicina,
conforme foi demonstrado por Arouca1. Ao
contrário, a articulação da medicina com o
modo de produção capitalista é fortalecida. A análise de Arouca1 demonstrou que,
na relação centrada no médico-paciente, o
cuidado médico contribui para a recuperação e manutenção da força de trabalho e,
ao fazer isto, contribui para a perpetuação
de tal relação de troca, sendo funcional ao
modo de produção capitalista. Na promoção
da saúde, o enfoque dos cuidados sob a responsabilidade do indivíduo não diminui essa
contradição, ao contrário, ela a aprofunda,
na medida em que as pessoas são convertidas
em empresárias de si mesmas. O cuidado
não depende, na promoção da saúde, apenas
da figura médica, mas essencialmente, do
indivíduo, sendo ele o responsável por sua saúde e, ao mesmo tempo, por sua condição
social.
Sob o discurso da promoção da saúde, a
medicalização é ampliada ao prescrever um
conjunto de hábitos saudáveis aos indivíduos,
mantendo, assim, a reprodução e manutenção
da força de trabalho a ser consumida no processo produtivo.
Em última análise, a promoção da saúde
é uma atualização da medicina preventiva,
mantendo os preceitos que transformam um
valor de uso, que é a saúde, em valor de troca,
mediado por relações sociais subordinadas
à lógica do mercado. Ao fazer isto, reforça a
articulação da medicina com o modo de produção capitalista.
Colaboradores
Misoczky MC contribuiu para a concepção
do estudo, elaboração de versão preliminar
e aprovação final da versão a ser publicada.
Abdala PRZ contribuiu para a concepção do
trabalho, avaliação crítica da primeira versão
do trabalho em termos da resolução de problemas de precisão e integridade do texto, revisão
criteriosa do conteúdo intelectual do artigo,
aprovação e revisão da versão final para publicação. Costa RP contribuiu para a concepção
do trabalho, coleta dos dados bibliográficos
para a elaboração do texto, interpretação dos
dados e redação, aprovação e revisão da versão
final do artigo. s
1. Arouca SAS. O dilema preventivista: contribuição
para a compreensão e crítica da medicina preventiva [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 1975. 261 p.
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contribuição para a compreensão e crítica da medicina. São Paulo: Fiocruz; 2003. p. 175-182.
Aprovado em 23/03/2018
Recebido em 29/05/2018
Conflito de interesses: não houve
Suporte financeiro: inexistente
Fonte: SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 42, N. 119, P. 990-1001, OUT-DEZ 2018
*** *** https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v42n119/0103-1104-sdeb-42-119-0990.pdf *** ***
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