domingo, 9 de maio de 2021

federalização dos crimes contra os direitos humanos

O que se entende por federalização dos crimes contra os direitos humanos? - Denise Cristina Mantovani Cera Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) *** ***
*** Da FOLHA Por OSCAR VILHENA VIEIRA O que a imagem de corpos pretos ensanguentados reforça é a realidade bruta de que a lei não é para todos *** sábado, 8 de maio de 2021 Oscar Vilhena Vieira* - A exceção como regra - Folha de S. Paulo O que a imagem de corpos pretos ensanguentados reforça é a realidade bruta de que a lei não é para todos Ao nomear como “Exceptis” a operação que invadiu a comunidade de Jacarezinho, na capital fluminense, na última quita feira (6), o governo já deixava claro que a lei não condicionaria a ação dos seus agentes, antecipando o que se converteu numa das maiores chacinas no do Estado do Rio de Janeiro nas últimas décadas. O fato é que o ideal civilizatório de que todas as pessoas e, em especial, os agentes públicos (civis e militares) devem pautar as suas condutas pela legalidade jamais se consolidou no Brasil. Certamente, os dois regimes de exceção, fundados na ruptura da ordem constitucional, exercidos por meio do arbítrio e coroados pela impunidade daqueles que cometeram crimes contra a humanidade, não contribuíram para fortalecer, em nossa acidentada história republicana, a noção básica de império da lei. A incompletude do estado de direito no Brasil transcende, porém, os regimes propriamente autoritários. A profunda e persistente desigualdade, o racismo estrutural e a forte hierarquização social têm se demonstrado obstáculos intransponíveis para que todas as pessoas sejam reconhecidas como sujeitos de direitos e, portanto, tratadas como igual respeito e consideração. O que a imagem de corpos sempre pretos ensanguentados a cada nova chacina reforça é a realidade bruta de que a lei, nessas plagas, não é para todos. Que no Jacarezinho e nas demais periferias sociais brasileiras vigora um permanente estado de exceção. Que a “ordem” é determinada pelo arbítrio das milícias, do tráfego e, quando necessário, pelo arbítrio dos agentes do Estado. Mais de três décadas de democracia não foram suficientes para pôr fim a um regime de exceção permanente que se impõe à grande parte da população. A perda de mais de 1 milhão de vidas, vitimadas por homicídios neste período, e a crueldade das experiências de comunidades dilaceradas pela violência, não foram suficientes para que governos democráticos levassem a cabo um plano de reformas das instituições de aplicação da lei, voltado a expandir o Estado de direito para todos os brasileiros. Os poucos líderes que se propuseram modernizar as policias e o sistema de segurança e aplicação da lei criminal sucumbiram à resistência de interesses corporativos ilegítimos e políticos irresponsáveis, quando não coniventes ou mesmo beneficiários da deterioração do sistema de justiça criminal. O medo do crime abriu um amplo mercado para milícias e poder para maus policiais. Também rende votos para aqueles que oferecem uma solução rápida, fácil, mas, no entanto, incapaz de reduzir a criminalidade. As políticas do “bandido bom é bandido morto”, da “Rota na rua”, dos “direitos humanos para humanos direitos” e de “armar o cidadão de bem”, que prevaleceram no Brasil nas últimas décadas, com amplo apoio da direita —como fez questão de deixar claro o general Mourão, ao legitimar a operação “Exceptis”— redundaram num retumbante fracasso. Com raras exceções, a constrangedora omissão de liberais e incompetência da esquerda também contribuíram para o fiasco na segurança pública. A eleição de Bolsonaro e aliados armados, paradoxalmente, premiou justamente aqueles que mais têm contribuído para que a população se encontre refém da criminalidade e da violência de Estado. A operação “Exceptis” não apenas afronta o Supremo Tribunal Federal, que impediu a realização de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia, mas também deixa clara a indisposição de determinados setores do Estado brasileiro de se submeter ao império da lei. *Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. *** *** https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/05/oscar-vilhena-vieira-excecao-como-regra.html#more *** ***
*** Aras pede esclarecimentos sobre a chacina do Jacarezinho; governador tem cinco dias para se manifestar O governo do Rio de Janeiro terá cinco dias úteis para se manifestar sobre a operação policial que deixou, nesta quinta-feira, 25 mortos na favela do Jacarezinho. Pedro França/Agência Senado O PGR Augusto ArasCredit...Pedro França/Agência Senado Por Jornal do Brasil Publicado 08, Maio, 2021,09:05 O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, informações sobre a operação policial que deixou 25 mortos na favela do Jacarezinho. Aras também pediu esclarecimentos ao Ministério Público do Rio. O prazo para o envio da manifestações é de cinco dias úteis. Ao receber as informações, o procurador-geral deverá avaliar se houve descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu balizas para as operações nas favelas durante a pandemia, e tomará as medidas cabíveis. Conforme decisão proferida pelo STF no ano passado, as operações poderão ser deflagradas somente em casos excepcionais. A polícia ainda deverá justificar as medidas por escrito e comunicá-las ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial. Mais sobre o assunto: 08/05/21 Venezuela denuncia 'massacre' na Colômbia após mortes em manifestações 07/05/21 ONU se diz 'perturbada' com chacina no Jacarezinho 07/05/21 Clima: Nova onda de frio se espalha sobre o Brasil e Sul terá geada A operação é questionada por diversas entidades que atuam em defesa dos direitos humanos, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Defensoria Pública do estado. Ontem (6), a Polícia Civil negou que tenha havido casos de execução de suspeitos durante a operação na favela do Jacarezinho. O delegado Fabrício Oliveira, chefe da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), unidade especial da Polícia Civil, contou que os confrontos se estenderam por toda a comunidade e que os criminosos invadiram as casas dos moradores, o que forçou os policiais a entrar nas residências. Oliveira negou, porém, que tenha havido execução de suspeitos. O objetivo da operação era combater grupos armados de traficantes de drogas vinculados à facção Comando Vermelho que estariam aliciando crianças para o crime. (com Agência Brasil) *** *** https://www.jb.com.br/pais/justica/2021/05/1030056-aras-pede-esclarecimentos-sobre-a-chacina-do-jacarezinho-governador-tem-cinco-dias-para-se-manifestar.html *** ***
*** XV Exame de Ordem (2014.3) - Situação-Problema - Questão 3 da prova da OAB 2ª fase de Direito Constitucional com a resposta formulada pela própria banca e o valor de cada item. Direito Constitucional XV EXAME DE ORDEM UNIFICADO (2014.3) FGV - Prova aplicada em 11/01/2015 Situação-Problema Questão 3 Os jornais noticiaram violenta chacina ocorrida no Estado Y, onde foram torturadas e assassinadas dezenas de crianças e mulheres de uma comunidade rural de baixa renda, com suspeita de trabalho escravo. É aberto inquérito policial para a investigação dos fatos e, passado um mês do ocorrido, a polícia e as autoridades locais mantêm-se absolutamente inertes, configurando, de forma patente, omissão na apuração dos crimes. A imprensa nacional e a internacional dão destaque à omissão, afirmando que o Estado Y não é capaz de assegurar a proteção aos diversos direitos humanos contidos em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Com base no caso apresentado, responda aos itens a seguir. A) O que se entende por federalização dos crimes contra os direitos humanos? (Valor: 0,65) B) O Presidente da República pode requerer a aplicação do instituto? Perante qual juízo ou tribunal brasileiro deve ser suscitado o instituto da federalização dos crimes contra os direitos humanos? (Valor: 0,60) O examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Resposta FGV Padrão de Resposta / Espelho de Correção A) O examinando deve indicar que a federalização dos crimes contra os direitos humanos é um instituto trazido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, consistente na possibilidade de deslocamento de competência da Justiça comum para a Justiça Federal, nas hipóteses em que ficar configurada grave violação de direitos humanos. Tem previsão no Art. 109, § 5º, da Constituição Federal. A finalidade do instituto é a de assegurar proteção efetiva aos direitos humanos e o cumprimento das obrigações assumidas pelo Brasil em tratados internacionais. B) O examinando deve indicar que o Presidente da República não tem competência para suscitar a aplicação do instituto. Conforme previsão constante do Art. 109, § 5º, da Constituição Federal, apenas o Procurador Geral da República pode suscitar a aplicação do instituto, e, nos termos do mesmo dispositivo, o tribunal perante o qual deve ser suscitado o instituto é o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Distribuição de Pontos A distribuição de pontos só é disponibilizada quando da divulgação do gabarito definitivo. *** *** https://www.jurisway.org.br/provasOAB/oab2afase.asp?id_questao=436 *** ***
*** A Emenda Constitucional n.º 45 (publicada em 30 de dezembro de 2004), e ficou conhecida como a “Reforma do Judiciário”. *** Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes A federalização dos crimes contra os direitos humanos veio com a Emenda Constitucional 45/2004, amplamente conhecida como a Reforma do Poder Judiciário, é também conhecida como IDC (incidente de deslocamento de competência), e consiste na possibilidade de deslocamento de competência da Justiça comum para a Justiça Federal, nas hipóteses em que ficar configurada grave violação de direitos humanos. A finalidade da federalização dos crimes contra os direitos humanos é a de assegurar uma proteção efetiva aos direitos humanos e o cumprimento das obrigações assumidas pelo Brasil em tratados internacionais. O incidente, que poderá ser suscitado pelo Procurador-Geral da República, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou do processo, é medida de caráter excepcional e só poderá ser admitida em casos de extrema gravidade, quando houver a demonstração concreta do risco de não cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte. Tem previsão no art. 109, V-A e 5º, CRFB/88, in verbis : Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo; (...) 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Sobre o assunto, STJ - IDC 1/PA : Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. [...] O deslocamento de competência em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente. Fonte: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes *** *** https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1978250/o-que-se-entende-por-federalizacao-dos-crimes-contra-os-direitos-humanos-denise-cristina-mantovani-cera *** ***
*** PGR analisa 49 pedidos de federalização de crimes contra os direitos humanos AvatarRedação Quarta-feira, 22 de abril de 2015 PGR analisa 49 pedidos de federalização de crimes contra os direitos humanos Quarenta e nove pedidos de federalização de crimes envolvendo graves violações aos direitos humanos aguardam parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. A mais antiga dessas petições está há quase nove anos à espera de que o procurador-geral da República – chefe do Ministério Público da União (MPU) e do Ministério Público Federal (MPF) – decida se deve propor ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência do processo da Justiça estadual para a federal a fim de evitar que, por falta de interesse, condições ou competência das autoridades locais, o crime acabe não sendo esclarecido e os responsáveis fiquem impunes. O número de pedidos de deslocamento de competência à espera de encaminhamento é 12 vezes maior que o total de casos (quatro) deslocados de varas estaduais para a Justiça Federal desde 2004, quando o chamado Incidente de Deslocamento de Competência foi incluído na Constituição Federal. O propósito é garantir que graves crimes contra os direitos humanos sejam julgados antes que o Estado brasileiro possa ser acusado de omissão ou inércia nas cortes internacionais. As petições são feitas à PGR por entidades de defesa dos direitos humanos e organizações sociais que reclamam da demora na solução dos crimes e na punição aos envolvidos – em geral, devido ao envolvimento de agentes do Estado ou de pessoas com grande poder e influência econômica e política. Entre casos como esses está o do produtor rural Adilson Prestes, o Piá, morto a tiros em julho de 2004, na cidade de Novo Progresso (PA), dias após denunciar ao MPF a ligação de pecuaristas, madeireiros, políticos, advogados e policiais com crimes como grilagem de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento. Outro pedido trata das investigações de parte dos casos do episódio que ficou conhecido como Crimes de Maio de 2006, quando 493 civis foram mortos em São Paulo, Guarulhos e na Baixada Santista, durante os confrontos entre a polícia paulista e membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Embora 20 dos 49 pedidos tenham sido apresentados à PGR antes de 2013, o coordenador da equipe de assessoria jurídica responsável por analisar os pedidos de federalização, o procurador Ubiratan Cazetta, garante que a análise não está parada. “Estão todos em instrução. Tanto que esse número já foi maior”, disse. O procurador diz que 23 pedidos foram arquivados entre o fim de 2014 e o começo de 2015 por não atenderem aos requisitos legais. Segundo Cazetta, a demora ocorreu, em parte, por causa das dúvidas iniciais sobre a aplicação prática do deslocamento de competência. “Por falta de clareza sobre como conduzir os pedidos, eles ficaram parados durante um período. Os critérios constitucionais para decretar a federalização são muito abertos [vagos] e precisam ser regulamentados. Por exemplo, se levarmos em conta apenas a demora na conclusão do inquérito policial ou do julgamento processual, vamos concluir que grande parte das ações penais teria que ser deslocada para a esfera federal.” De acordo com Ubiratan Cazetta, há elementos suficientes para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir ao STJ o deslocamento de pelo menos cinco dos 49 pedidos. “São casos analisados minuciosamente, que preenchem os requisitos necessários à transferência da competência e que podem vir a se transformar em pedidos de deslocamento muito em breve”, disse o procurador, evitando antecipar quais são os cinco casos. De acordo com ele, a mera proposição de federalização muitas vezes leva as autoridades estaduais a adotar providências que acelerem as investigações e o julgamento. Já a coordenadora da organização não governamental Justiça Global, Sandra Carvalho, defende a necessidade de maior celeridade no julgamento das questões “tanto da PGR, ao analisar as petições das organizações sociais, quanto do STJ, para julgar os pedidos protocolados pelo procurador-geral”. No STJ, um pedido de federalização, relativo a crimes ocorridos em Goiás, apresentado em maio de 2013, ainda não foi julgado. A Justiça Global é autora, com outras entidades, de ao menos dois pedidos de federalização, entre eles, o do caso do advogado Manoel Mattos, morto a tiros em janeiro de 2009, em Pitimbu (PB). Mattos denunciava a ação de um grupo de extermínio que atuava na divisa de Pernambuco com a Paraíba e ao qual são atribuídos mais de 200 homicídios. Primeiro caso federalizado no Brasil, o julgamento dos cinco acusados de matar o advogado aconteceu na semana passada, em Recife (PE). A Justiça Federal condenou dois dos réus – entre eles, o sargento reformado da Polícia Militar, Flávio Inácio Pereira – e inocentou três. Se para Sandra, “a maior agilidade é importante para garantir que as investigações ocorram em um tempo razoável, evitando que as provas se percam”, para o procurador da República em Pernambuco, Alfredo Falcão, os processos já federalizados avançaram no tempo necessário ao cumprimento de todas as exigências legais. O procurador alerta que o deslocamento de competência empregado sem os devidos cuidados pode ferir o pacto federativo. “A federalização não pode ser encarada como um apanágio para todas as questões. Há problemas estruturais, políticos e sociais, bem mais amplos. Além disso, há casos complexos que dependem da coleta de provas e da investigação minuciosa e, por isso, demoram a ser julgados. Embora não atendam ao tempo que a sociedade considera adequado, não necessariamente significa que as autoridades estaduais não estejam empenhadas em esclarecer o caso”, declarou o procurador, para quem, o mais importante é que o Estado brasileiro, sobretudo as autoridades locais, garantam às autoridades policiais e judiciárias estaduais condições de trabalhar sem sofrer pressões políticas ou econômicas. Fonte: Agência Brasil *** *** http://www.justificando.com/2015/04/22/pgr-analisa-49-pedidos-de-federalizacao-de-crimes-contra-os-direitos-humanos/ *** *** Deslocamento de competência: histórico de julgados no STJ 1/06/20 | Conteúdo Jurídico | por Supremo Concursos ***
*** A Emenda Constitucional n. 45/2004 introduziu na Constituição da República o denominado Incidente de deslocamento de competência (IDC), cuja previsão está contida no art. 109, § 5º: “Art. 109. (…) § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.” Trata-se de instituto que visa, em linhas gerais, deslocar a competência do âmbito Estadual para a esfera Federal quando o caso implicar em “grave violação de direitos humanos” e que objetiva “assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos”. Segundo André da Carvalho Ramos (Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 533) “o IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e, em especial, do dever internacional assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável.” Para Fabiano Melo (Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2016, p. 348) é um instrumento político-jurídico para assegurar o cumprimento das obrigações internacionais que o Estado brasileiro assume na proteção e garantia dos direitos humanos. Segundo ele, é amplo o espectro de direitos que podem ensejar o IDC [pelo fato do § 5º se referir a uma expressão abrangente: grave violação de direitos humanos], daí a margem do julgador para a delimitação da incidência do instituto. O único legitimado para requer o incidente é o Procurador-Geral da República (apesar de haver propostas para alargar essa legitimidade) e a competência para seu julgamento é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o art. 1º, parágrafo único, da Resolução n. 06, de 16/02/2005 do STJ, a competência para julgar o IDC será da Terceira Seção, órgão composto por Ministros da 5ª e da 6ª Turmas. Guardo reservas quanto à essa definição de competência, pois conforme posição da doutrina, a violação aos direitos humanos pode ter repercussões cíveis, de modo, que em minha visão, a competência poderia ser da Terceira Seção ou da Corte Especial, a depender do caso analisado. Registro ainda que existem ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no STF questionando o IDC – ADI 3493/DF (concluso ao relator desde 24/03/2017) e ADI 3486/DF (concluso ao relator desde 28/03/2017), ambas de relatoria do Min. Dias Toffoli. Segundo os requerentes, o IDC viola o princípio do juiz natural e quebra o pacto federativo. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça vem processando os incidentes, como veremos a seguir. São requisitos para sua instauração: 1) a constatação de grave violação efetiva e real de direitos humanos; 2) a possibilidade de responsabilização internacional, decorrente do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais; e 3) a evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção (incapacidade das autoridades locais de oferecer respostas efetivas). Trata-se de instituto que deve ser “utilizado em situações excepcionalíssimas” – ver trecho do voto do Min. Rogerio Schietti Cruz no IDC 5/PE, julgado em 28/05/2014 e que não pode “esvaziar a competência da Justiça Estadual e, em contrapartida, inviabilizar o funcionamento da Justiça Federal” (trecho do voto do Min. Jorge Mussi no IDC 3/GO, julgado em 10/12/2014). De fato, por se tratar “de exceção à regra geral da competência absoluta, somente deve ser efetuado em situações excepcionalíssimas, mediante a demonstração de sua necessidade e imprescindibilidade ante provas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais e/ou materiais das instituições – ou de uma ou outra delas – responsáveis por investigar, processar e punir os responsáveis pela grave violação a direito humano, em levar a cabo a responsabilização dos envolvidos na conduta criminosa” (IDC 10/DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 19/12/2018). O primeiro IDC analisado pelo STJ envolveu o homicídio cometido em face da Irmã Dorothy Stang, religiosa norte-americana que realizava trabalhos em favor da reforma agrária e dos povos da Amazônia. O deslocamento foi rejeitado, pois se considerou que as autoridades estaduais encontravam-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos. Após três julgamentos, o mandante do crime foi condenado a 30 anos de prisão (IDC 1/PA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 08/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 217). Para admissão do incidente, como dito, deve haver a demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder com a persecução penal. A federalização ou o deslocamento exige prova concreta da incapacidade das autoridades locais de investigarem e julgarem o caso, não bastando o “rumor” ou a gravidade abstrata do caso. O IDC 2 envolveu o homicídio de um vereador e defensor dos direitos humanos, autor de diversas denúncias contra a atuação de grupos de extermínio na fronteira dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, ocorrido em 24/01/2009, no Município de Pitimbu/PB. Nesse caso, o STJ considerou que era “notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias” e admitiu o deslocamento para a Justiça Federal da Paraíba (IDC 2/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 27/10/2010, DJe 22/11/2010). A Corte também admitiu o deslocamento no caso que envolveu um querido colega e meu professor, Promotor de Justiça estadual em Pernambuco, brutalmente assassinado “numa emboscada”. Na ocasião o STJ entendeu que havia falta de entendimento operacional entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual o que ensejou um conjunto de falhas na investigação criminal que comprometia o resultado final da persecução penal, com possibilidade, inclusive, de gerar a impunidade dos mandantes e dos executores do citado crime de homicídio. Deslocou-se o processo para a Justiça Federal de Pernambuco (a capital, mais precisamente) – IDC 5/PE, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 13/08/2014, DJe 01/09/2014. O STJ também admitiu o deslocamento no IDC 3/GO que envolvia policiais militares na composição de grupos de extermínio. Considerou-se que o Estado de Goiás foi omisso na investigação de tais agentes, os demais requisitos estavam preenchidos e ocorreu o deslocamento – IDC 3/GO, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 02/02/2015. No IDC 14/ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/08/2018, DJe 22/08/2018, que versava sobre a greve de policiais militares do Estado do Espírito Santo, o STJ entendeu que não houve inércia das instâncias locais em julgar os supostos crimes militares nem havia risco de responsabilização internacional do Brasil e, por isso, negou o deslocamento. Também no IDC 10/BA, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 19/12/2018, caso que envolvia a morte 12 pessoas entre 15 e 28 anos e 6 feridos, em fevereiro de 2015 na cidade de Salvador, no que se denominou de Chacina da Cabula, o STJ também negou o deslocamento, pois considerou não ocorreu deficiência de funcionamento nem tampouco comprometimento ideológico ou subjetivo do Judiciário estadual que dificultasse a análise isenta dos fatos. No dia 27/05/2020, o STJ analisou o IDC 24/RJ, no qual se requeria o deslocamento da competência do rumoroso caso envolvendo o homicídio da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, ocorrido em 2018 no Rio de Janeiro. Na linha do que já vinha decidindo, o STJ entendeu que o caso não preenche os requisitos necessários para a federalização, pois não foi possível verificar desídia, inércia ou desinteresse por parte das autoridades estaduais nas investigações para solucionar o crime. Segundo a relatora do processo, Min. Laurita Vaz, “há um evidente empenho dessas autoridades em solucionar os crimes, cujos executores, inclusive, já foram identificados.” A Ministra lembrou que, no dia seguinte ao crime, o Ministério Público Federal instaurou um grupo de trabalho composto por cinco Procuradores da República para acompanhar as investigações o que denotou “açodamento, com precipitada invasão de atribuições”. E lembrou que “não há notícia de abertura de nenhum procedimento formal perante as cortes internacionais para apurar eventual responsabilidade do Brasil decorrente de suposto descumprimento de obrigações assumidas em tratados de direitos humanos.” No mais, a relatora conclui que não há conivência ou imobilidade das autoridades locais na apuração de crimes praticados por milicianos. Assim, a meu ver corretamente, o STJ manteve a competência do caso para análise, investigação e julgamento pelas autoridades estaduais do Rio de Janeiro, pois a investigação do caso é bastante difícil e as instituições locais estão atuando para solucionar o crime. Trata-se de caso muito complexo, cuja resolução e desate envolve a realização de provas periciais, análise de vídeos, oitiva de testemunhas, dos investigados, entre outras providências. Ademais, o deslocamento para a esfera federal não evidencia que lá a investigação obtivesse maior êxito. Como dito pela Ministra Laurita Vaz, “As tribulações inerentes ao caso – frise-se, de altíssima complexidade – não seriam exclusividade dessa ou daquela polícia judiciária. Ouso afirmar que qualquer instituição brasileira de investigação enfrentaria as mesmas dificuldades, os mesmos obstáculos e contratempos surgidos no inquérito em curso perante a Polícia Civil fluminense.” E de fato, como lembrou o querido Prof. Marcelo Navarro (Min. Ribeiro Dantas), nada indica que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro não consigam lidar com as investigações criminais, e também não há certeza de que, na hipótese de transferência do processo para a Polícia Federal e o MPF, haveria maior sucesso na persecução penal. Por não estarem atendidos, concomitantemente, a patente violação de direitos humanos, a possibilidade de responsabilização do Brasil em nível internacional e a constatação de ineficiência das instituições locais responsáveis pela apuração criminal, o incidente de deslocamento do Caso Marielle foi negado. A decisão do STJ no denominado Caso Marielle é correta, pois se está diante de uma investigação bastante complicada que demoraria, penso eu, se também estivesse no âmbito federal. Assim, ainda que com sobressaltos, as autoridades do Rio de Janeiro estão empenhadas na solução do caso. A instauração do IDC, como dito, deve ser exceção e somente ocorre se demonstrada a incapacidade do Estado-membro, por suas instituições (Polícia, Ministério Público e Judiciário), de conduzir a persecução penal devida, o que no Caso Marielle Franco não ficou demonstrado. Registro, por fim, que o IDC 9/SP (Chacina do Parque Bistrol ou “Maio Sangrento” – morte de mais de 500 pessoa em São Paulo em maio de 2006), o IDC 15/CE (mortes causadas por grupos de extermínio no Ceará) e o IDC 22/RO (homicídios e torturas de pessoas vinculadas a ligas de camponeses ocorridos em 2009, 2011, 2012 e 2016 em Rondônia) ainda estão em tramitação. Em síntese, no STJ os incidentes analisados foram assim solucionados: Admitiu-se deslocamento: Não se admitiu o deslocamento: IDC 2/PB (homicídio de vereador que denunciava grupo de extermínios entre os Estados da Paraíba e de Pernambuco) IDC 1/PA (homicídio da Irmã Dorothy Stang) IDC 3/GO (investigação de policiais militares que integravam grupos de extermínio desde a década de 2000) IDC 4/PE (rejeitado por não ter sido proposto pelo Procurador-Geral da República) IDC 5/PE (homicídio de Promotor de Justiça em Pernambuco) IDC 10/BA (Chacina da Cabula – morte de 12 pessoas em Salvador) IDC 14/ES (greve de policiais doEspírito Santo) IDC 24/RJ (homicídio da Vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes) __________________________________ Rodrigo Leite *** *** https://blog.supremotv.com.br/deslocamento-de-competencia-historico-de-julgados-no-stj/ *** ***

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