Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 16 de maio de 2021
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A política de atritos, especialmente na Frente Ocidental, custou a vida de centenas de milhares de soldados.
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Exemplo de trincheira no Front Ocidental
DEFLAGRAÇÃO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A Primeira Guerra Mundial iniciou o primeiro grande conflito internacional do século vinte. O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, e de sua esposa, a arquiduquesa Sofia, em Saraievo, no dia 28 de junho de 1914, desencadeou as hostilidades que começaram em agosto de 1914 e se prolongaram por várias frentes durante os quatro anos seguintes.
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Stretcher bearers carry a wounded soldier during the Battle of the Somme. [LCID: 2453747]
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Cena Durante a Batalha do [Rio] Somme
Em uma maca, carregadores levam um soldado ferido durante a Batalha do Rio Somme, durante a Primeira Guerra Mundial. França, setembro de 1916.
IWM (Q 1332)
Imperial War Museum - Photograph Archive
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AS POTÊNCIAS UNIDAS VERSUS OS PODERES CENTRAIS NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Durante a Primeira Guerra Mundial, as Potências Unidas – Grã-Bretanha, França, Sérvia e Rússia Imperial (às quais se uniram posteriormente Grécia, Portugal, Romênia e Estados Unidos) – lutaram contra as Potências Centrais - Alemanha e Império Austro-Húngaro (às quais se uniram posteriormente o Império Turco Otomano e a Bulgária).
IMPASSE
O entusiasmo inicial de todos os contedores acreditando que haveria uma vitória rápida e decisiva desapareceu quando a Guerra começou a se arrastar, marcada por infindáveis, com grandes perdas humanas e materiais, e os terríveis combates nas trincheiras, particularmente na Linha de Frente Ocidental da Guerra. O sistema de trincheiras e fortificações naquela Frente se estendia por 760 quilômetros aproximadamente, do Mar do Norte à fronteira suíça, e definiu a Guerra para a maioria dos combatentes dos EUA e do oeste europeu. Apesar da grande extensão da Frente Oriental, a qual impedia combates em larga escala nas trincheiras, o volume do conflito foi igual ao da Frente Ocidental. Houve muitas batalhas também no norte da Itália, nos Bálcãs e no Império Otomano. Combates eram travados na terra, no mar e, pela primeira vez, no ar [OBS: início da aviação bélica].
ENTRADA DOS ESTADOS UNIDOS NA PRIMEIRA GUERRA
Uma mudança decisiva em relação às hostilidades ocorreu em abril de 1917, quando a política de guerra submarina irrestrita da Alemanha fez com que os EUA abandonassem sua posição de isolacionismo e tomassem parte central no conflito. Novas tropas e equipamentos militares das Forças Expedicionárias Americanas (AEF), sob a liderança do general John J. Pershing, adicionados a um bloqueio cada vez mais rigoroso dos portos alemães, ajudaram a alterar o equilíbrio do esforço de guerra, proporcionando uma vantagem para as Potências Unidas.
A REVOLUÇÃO RUSSA
Essa nova vantagem para as forças unidas foi inicialmente contrabalançada por eventos ocorridos no palco oriental da Guerra. Desde o início de 1917, a Rússia, uma das principais Potências Unidas, encontrava-se muito tumultuada. Em fevereiro daquele mesmo ano, as grandes dificuldades do governo czarista para administrar a guerra ajudaram a incentivar um levante popular que ficou conhecido como “A Revolução de Fevereiro”. Esta revolução forçou a abdicação do Czar Nicolau II e colocou no poder um Governo Provisório formado por facções liberais e socialistas, e posteriormente Alexander Kerensky, membro do partido Socialista Revolucionário, tornou-se seu líder. A breve experiência com a democracia pluralista foi caótica, e de junho a setembro a contínua deterioração dos esforços de guerra e uma situação econômica cada vez mais precária, fizeram com que os trabalhadores, soldados e marinheiros russos se rebelassem ("Os Dias de Julho").
De 24 a 25 de outubro de 1917, forças bolcheviques (socialistas de esquerda) sob a liderança de Vladimir Lenin tomaram os prédios governamentais mais importantes, invadiram o Palácio de Inverno e, em seguida, a sede do novo governo na então capital da Rússia, Petrogrado (atual São Petersburgo). A "Grande Revolução Socialista de Outubro", o primeiro golpe marxista bem-sucedido da história, derrubou o ineficiente Governo Provisório e, finalmente, estabeleceu uma República Socialista Soviética sob a liderança de Lenin. As radicais reformas sociais, políticas, econômicas e agrárias do novo estado soviético iriam, nos anos pós-Guerra, preocupar os governos democráticos ocidentais que de tal modo temiam a difusão do comunismo por toda a Europa que estavam mesmo dispostos a fazer acordos com regimes de direita (inclusive com o da Alemanha nazista de Adolf Hitler) nos anos de 1920 e 1930.
Os efeitos imediatos da Revolução Russa no cenário europeu foram dois: uma brutal e duradoura Guerra Civil em território russo (1917-1922) e a decisão da nova liderança bolshevique em fazer um acordo de paz em separado com o Kaiser da Alemanha. Quando as negociações não atenderam às exigências alemãs, o exército alemão lançou uma ofensiva total contra a Frente Oriental [onde estava a Rússia], que teve que aceitar a assinatura de um tratado de paz em Brest-Litovsk, no dia 6 de março de 1918.
O AVANÇO DOS PODERES UNIDOS E A RENDIÇÃO DOS PODERES CENTRAIS
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A view of part of the Maginot Line, a French defensive wall built after World War I to deter a German invasion. [LCID: 18017]
Vista de um trecho da "Linha Maginot", na França
Vista de um trecho da "Linha Maginot", um muro de caráter defensivo construído pelos franceses após a Primeira Guerra Mundial para deter a invasão alemã. Foto tirada na França, em torno de junho de 1940.
US Holocaust Memorial Museum
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Apesar das conquistas alemãs, que tiraram a Rússia bolchevique da Guerra no final de 1918 e cujas tropas chegaram aos portões de Paris em meados do ano seguinte, os exércitos dos Poderes Unidos conseguiram vencer o exército alemão no rio Marne. A partir de então, eles avançaram persistentemente em direção às linhas alemãs na Frente Ocidental, de 8 de agosto a 11 de novembro de 1918, operação que ficou conhecida como “A Ofensiva dos Cem Dias".
As Potências Centrais começaram a se render, iniciando-se pela Bulgária e pelo Império Otomano [atual Turquia e Oriente Médio], em setembro e outubro, respectivamente. Em 3 de novembro, as forças austro-húngaras assinaram uma trégua próximo a Pádua, na Itália. Na Alemanha, em Kiel, a rebelião dos marinheiros da marinha daquele país desencadeou uma grande revolta nas cidades costeiras alemãs e nas principais áreas municipais de Hannover, Frankfurt em Main e Munique. Conselhos de trabalhadores e soldados, baseados no modelo soviético, incitaram a eclosão da chamada "revolução alemã"; foi estabelecida a primeira "república de conselhos" (Räterrepublik) sob a liderança do Social-Democrata Independente (USPD), Kurt Eisner, na Bavária. O forte Partido Social-Democrata (SPD) Alemão, sob a direção de Friedrich Ebert, viu aqueles novos conselhos como elementos desestabilizadores e defendeu a opinião popular alemã que clamava por uma reforma parlamentar e pela paz.
ARMISTÍCIO
Em 9 de novembro de 1918, em meio à agitação difundida entre a população e abandonado pelos comandantes do seu exército, o Imperador (Kaiser) Guilherme II abdicou do trono alemão. No mesmo dia, Philipp Scheidemann, representante do SPD, proclamou a república na Alemanha, com um governo provisório liderado por Friedrich Ebert. Dois dias depois, os representantes alemães, liderados pelo representante do Partido Católico Central (Zentrum), Matthias Erzberger, se reuniram, em um trem na Floresta de Compiègne, com uma delegação das vitoriosas Potências Unidas, lideradas pelo Marechal-de-Campo francês Ferdinand Foch, o comandante geral das forças unidas, e a Alemanha aceitou os termos do armistício.
Às 11 horas do dia 11 de novembro (11/11) de 1918, os combates na Frente Ocidental cessaram. A "Grande Guerra", como seus contemporâneos a denominavam, havia terminado mas o enorme impacto do conflito nas esferas internacionais, políticas, econômicas e sociais ainda seria sentido por décadas.
PERDAS DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A Primeira Guerra Mundial foi uma das guerras mais destrutivas da história moderna. Quase dez milhões de soldados morreram como resultado das lutas, um número que excedeu, em muito, as perdas militares de todas as guerras dos cem anos anteriores em conjunto. Embora seja difícil fazer uma estimativa precisa do número de baixas, calcula-se que aproximadamente 21 milhões de homens foram feridos em combate.
O grande número de perdas para todos os participantes do conflito deveu-se, em parte, à introdução de novos armamentos, como a metralhadora e o emprego de gás, e também à incapacidade dos líderes militares de ajustarem suas táticas à natureza cada vez mais mecanizada da guerra. A política de atritos, especialmente na Frente Ocidental, custou a vida de centenas de milhares de soldados. No dia 1º de julho de 1916, a data em que houve o maior número de baixas em um único dia, só o exército britânico ,no rio Somme, perdeu cerca de 57.000 soldados. A Alemanha e a Rússia tiveram o maior número de baixas militares: cerca de 1.773.700 e 1.700.000 mortos, respectivamente. A França perdeu dezesseis por cento de suas forças mobilizadas, a mais alta taxa de mortalidade em relação ao número de tropas em combate.
Nenhum órgão oficial manteve registros cuidadosos das perdas civis durante os anos de guerra, mas estudiosos garantem que pelo menos 13.000.000 de não-combatentes também morreram como resultado direto ou indireto das hostilidades. Houve também um enorme aumento na mortalidade de militares e civis no fim da Guerra com a chegada da "Gripe Espanhola", a epidemia de gripe mais letal da história. Milhões de pessoas foram expulsas ou deslocadas de suas residencias na Europa e na Ásia Menor como resultado do conflito. As perdas de propriedades e de indústrias foram catastróficas, principalmente na França e na Bélgica, areas onde os combates foram os mais intensos.
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German territorial losses, Treaty of Versailles, 1919 [LCID: ger71020]
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Perdas territoriais da Alemanha devido ao Tratado de Versalhes, 1919
A Alemanha foi vencida na Primeira Guerra Mundial. Em 1919, aquele país assinou um acordo, conhecido como "O Tratado de Versalhes", com os países vitoriosos (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e outros países aliados), os quais exigiram o pagamento de reparações econômicas, militares e territoriais aos países atacados pela Alemanha. A oeste, a Alemanha devolveu a região da Alsácia-Lorena à França; aquela área havia sido tomada dos franceses pelos alemães cerca de 40 anos antes. A Bélgica recebeu as cidades de Eupen e Malmedy. A região industrial de Sarre foi mantida sob a administração da Liga das Nações por 15 anos. A Dinamarca recebeu a região norte de Schleswig. Por fim, a Renânia foi desmilitarizada, ou seja, não ficou nenhum soldado ou instalação militar na região. A leste, a Polônia recebeu partes da Prússia Ocidental e da Silésia. A Tchecoslováquia recebeu o distrito de Hultschin. A grande cidade alemã de Danzig passou a ser uma cidade livre, sob a proteção da Liga das Nações. Memel, uma pequena faixa territorial na Prússia Oriental, às margens do Mar Báltico, foi entregue ao controle lituano. Fora da Europa, a Alemanha perdeu todas as suas colônias [na Africa e no Pacífico]. No total, a Alemanha perdeu 13 por cento do seu território em solo europeu, aproximadamente 70.000 quilômetros quadrados, e um décimo de sua população (entre 6.5 a 7 milhões de habitantes).
US Holocaust Memorial Museum
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Houve também um enorme aumento na mortalidade de militares e civis no fim da Guerra com a chegada da "Gripe Espanhola", a epidemia de gripe mais letal da história.
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DOSSIÊ GRIPE ESPANHOLA NO BRASIL
Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro1
Adriana da Costa Goulart
Mestre em história social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Rua Mariz e Barros, 98/401, 24220-121 Niterói – RJ Brasil adrianacgoulart@yahoo.com.br
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo analisar os impactos políticos e sociais da epidemia de gripe espanhola em 1918, sobre a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal da República. A partir da análise dos registros na imprensa carioca e de conjuntos documentais que incluem anais, relatórios e boletins de um ministério, da Prefeitura da cidade e da Câmara dos Deputados, bem como estudos da Academia Nacional de Medicina e teses da Faculdade de Medicina, analisamos a utilização da epidemia como mecanismo de engenharia política. Buscaremos focalizar os seus impactos sobre a representação de alguns atores políticos e sociais do período, bem como sobre a reafirmação de um grupo de higienistas como intelligentzia, com vocação para a liderança política e peça fundamental no processo de modernização da sociedade brasileira.
Palavras-chave: gripe espanhola, epidemia, saúde pública, história política e social, governabilidade do Estado, Rio de Janeiro.
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Da gripe espanhola à Covid-19: livro mostra repetição de erros no combate à doença
Em uma narrativa meticulosa e aterrorizante, o livro “A Bailarina da Morte”, sobre a gripe espanhola de 1918 no Brasil, mapeia erros que são repetidos em 2020, como a negação da ciência e o descaso com isolamento social e o uso de máscaras
Gonçalo JuniorGonçalo Junior •15/11/20 • 11h04
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A gripe espanhola matou 50 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativas
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Existe uma máxima que vale principalmente para os governantes, escrita pelo estadista e escritor irlandês Edmund Burke, no século XVIII: “Aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la”.
A leitura de “A bailarina da morte: A gripe espanhola no Brasil, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling, que já está nas livrarias, conduz à inevitável comparação entre a pandemia de 1918-1919 e a que ocorre no mundo hoje por causa da Covid-19. E os dois eventos parecem repetir um enredo de erros muito semelhantes.
Mais de 100 anos depois, mesmo com todo o conhecimento acumulado pela ciência e pela medicina e melhorias nas condições sanitárias, problemas básicos do passado como uso de máscaras e descaso com isolamento social por causa da economia continuam no combate ao vírus.
Agora, o mundo se assombra com uma possível segunda onda. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas nos 11 primeiros dias de novembro, foram mais de 1,5 milhão de infectados – 15% do total de 10,5 milhões acumulados desde março. Estima-se que mais 110 mil americanos podem morrer nos próximos dois meses.
Na Europa, países como Bélgica, França, Inglaterra, Itália, Áustria e Alemanha já decretaram novas medidas sanitárias, fechamento de alguns estabelecimentos e toques de recolher porque estão agora com números maiores de infectados do que em março e em abril.
O Brasil está ainda na primeira onda da Covid-19 e ultrapassou, neste fim de semana, os 165 mil mortos e conta com quase seis milhões de infectados. As lições do passado, portanto, deveriam ser importantes para entender como enfrentar e lidar com essa pandemia.
Em uma narrativa meticulosa e aterrorizante sobre o que aconteceu entre março de 1918 e os primeiros meses de 1920, “A bailarina da morte” mostra que a gripe espanhola pode ter atingido, direta ou indiretamente, cerca de 50% da população mundial e levado à morte de 40 milhões a 50 milhões de pessoas. É um número superior ao de mortes na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, estimado entre 20 milhões e 30 milhões.
Na época, o Brasil, que tinha 30 milhões de habitantes, perdeu ao menos 50 mil vidas. Proporcionalmente, corresponderiam a 350 mil mortos em 2020, uma vez que a população é sete vezes maior.
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Livro “A Bailarina da Morte”
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A partir de julho de 1918, a letalidade deixou o mundo a mercê da morte, com o início da segunda onda. Por meio de uma vasta pesquisa em livros e jornais, além de imagens, as duas historiadoras mostram que foi nesse momento que a maioria das pandemias da história matou mais.
No caso da gripe espanhola, que surgiu nos Estados Unidos, todos os continentes acabaram afetados, até os lugares mais longínquos. Pouquíssimos escaparam ilesos, como o norte da Islândia, a Austrália e algumas ilhas Samoa.
O vírus H1N1, tipo A, foi registrado pela primeira vez no estado americano do Kansas, e era ainda mais violento quando atingia áreas isoladas, porque tinham menor memória imunológica da influenza.
Em Brevig, um vilarejo ao norte do Alasca, a gripe matou 72 pessoas em uma população de 80 esquimós. Em Teller, um povoado distante dez quilômetros de Brevig, apenas cinco adultos sobreviveram.
Os sintomas eram aterradores. “Além de sair sangue pelo nariz, ouvidos e olhos dos doentes, o delírio tomava conta das vítimas. Dizia-se que, em geral, ao menos duas pessoas de cada família iriam falecer.” De tão frequentes e corriqueiras, as mortes não precisavam mais ser noticiadas pelos jornais para ganharem realidade, escrevem Schwarcz e Starling.
“Era possível observá-las no próprio movimento macabro das ruas, onde transeuntes carregavam corpos embrulhados, ambulâncias circulavam pelas ruas, pessoas caminhavam apressadas e com máscaras. Testemunhas contavam ter visto cadáveres totalmente escuros, como se tivessem sido carbonizados.”
Os doentes apresentavam dor de cabeça e nas costas, diarreia e muitas vezes perda de olfato, sintomas muitos semelhantes aos da Covid-19 “Impressionava ver os doentes tossindo e cuspindo sangue, o qual escorria pelos corpos como se fosse uma praga bíblica.”
Nesse contexto, a prostração levava a reações diversas, que iam da histeria à melancolia, da depressão aos vários casos de suicídio que ocorreram em 1918. Grávidas e jovens adultos eram os que mais pereciam.
A medicina da época não sabia explicar as causas da doença e muito menos controlá-la, já que a tecnologia ainda não permitia que os cientistas enxergassem o vírus pelo o microscópio.
Em meados de 1918, de acordo com as autoras, a comunidade científica conhecia pouco sobre a estrutura e a forma de atuação de um vírus. “A elevada e rápida letalidade do vírus desafiava as terapêuticas conhecidas e disponíveis então, alternando-se práticas científicas e populares de prevenção e cura.”
No Brasil, a gripe chegou em 9 de setembro, pelo navio Demerara, que vinha de Liverpool, e começou o processo de contaminação por Recife. E seguiu pelas escalas em Salvador, Santos e Rio de Janeiro. Primeiro, veio a negação do perigo de pandemia. Depois, o credo de que Deus era brasileiro e protegeria a todos.
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No Brasil, a gripe chegou em 9 de setembro de 1918, pelo navio Demerara, que vinha de Liverpool
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Se o resto do mundo não sabia o que fazer, no país, as medidas equivocadas começaram com uma censura pelos meios militares para que o pânico não se espalhasse e a escolha do leprosário da Ilha Grande com o propósito de isolar os infectados, como se fosse possível.
Enquanto isso, havia total carência de aparelhamento das instituições sanitárias federais. Nenhuma estratégia de combate à moléstia foi montada para socorrer a população. Estima-se que três em cada quatro cariocas pegaram a doença e 12,7 mil morreram, em dois meses – mais de 200 cadáveres por dia.
O momento mais crítico aconteceu em meados de outubro de 1918, quando o diretor de saúde pública admitiu que não sabia o que fazer. “À medida que a gripe avançava, o número de mortes diárias atingiu uma velocidade estonteante. Em algumas cidades, não havia caixões suficientes e os cemitérios não tinham capacidade para tantos enterros ao mesmo tempo. Faltavam alimentos, remédios e leitos”, relata um trecho do livro.
Em janeiro, antes de tomar posse pela segunda vez na Presidência da República, Rodrigues Alves morreu “espanholado”. O médico sanitarista Carlos Chagas assumiu o comando da operação de emergência e montou 27 pontos de atendimento médico pelo Rio de Janeiro.
São Paulo tinha pouco mais de 400 mil habitantes e entre outubro e dezembro registrou 5.328 óbitos. Com milhares de mortes, estima-se que um terço de cada população contraiu o vírus em Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Embora se falasse na ação democrática do vírus, sem distinção de classes, a maioria dos mortos veio das camadas mais populares e negros e pardos.
É impressionante como tudo que falhou em 1918 principalmente nos Estados Unidos e no Brasil – líderes em mortes – se assemelha ao que tem acontecido na pandemia da Covid-19 de 2020. O combate foi marcado pela falta de coordenação das autoridades, negação incondicional de dois presidentes, precariedade nos atendimentos e nos medicamentos e esforço para esconder os números reais.
Nada disso, passou sem ser denunciado pela imprensa. Em Recife, um jornal colocou vários repórteres para verificarem diariamente a quantidade de enterros. Enquanto boatos espalhavam o medo e a paranoia, setores da sociedade civil se organizaram para salvar o máximo de pessoas. A história está aí para ensinar. Até agora, as histórias do passado não ajudaram em nada no combate da Covid-19.
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“As pessoas não morrem, ficam encantadas… a gente morre é para provar que viveu.”
– João Guimarães Rosa em “discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL)”. 16.11.1967.
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João Guimarães Rosa, no Itamaraty – acervo IMS
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“Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. … Viver nem não é muito perigoso?”
– João Guimarães Rosa, no livro “Grande Sertão: Veredas”. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.
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