quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

VII. A MAIS LONGA DISTÂNCIA ENTRE DOIS PONTOS




UM FRATRICÍDIO





“Este papel branco, isto não chegará a um fim, queima os olhos e é por isso que se escreve.” (M 45)





Ticiano: Caim e Abel (1570/76), Santa Maria della Salute, Veneza, Itália.








UM FRATRICÍDIO
(KAFKA, Franz. “Um Fratricídio” IN: Os 100 melhores contos de crime e mistério da Literatura Universal. Org. COSTA, Flávio Moreira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.190-1)

As evidências mostram que o crime foi cometido da seguinte maneira:
Schmar, o assassino, tomou seu lugar perto das nove horas de uma noite de luar na esquina onde Wese, sua vítima, ia virar da rua onde ficava seu escritório para a rua onde ele vivia.
O ar da noite espalhava o frio. Mesmo assim, Schmar vestia apenas uma roupa azul leve; a jaqueta estava desabotoada, ainda por cima. Ele não sentia frio; além disso, ele se movimentava o tempo todo. Sua arma, metade uma baioneta e metade uma faca de cozinha, restava firme na sua mão, quase nua. Ele olhou para a faca contra a luz da lua. A lâmina brilhou; não tanto para Schmar; ele pressionou-a contra o tijolo da parede e as faíscas brilharam; talvez tenha se arrependido disso; e para remendar seu gesto deslizou-a como um arco de violino contra a sola da bota, inclinando-se para frente, ficando numa perna só, e ouviu tanto o afiar da faca na sua bota quanto qualquer ruído vindo daquele lado da rua.
Por que Pallas, o cidadão que estava olhando tudo pela janela próxima do segundo andar, permitiu que aquilo acontecesse? Enigmáticos são os mistérios do ser humano! Com seu colarinho fora de lugar, o cinto da camisola em volta do seu corpo arredondado, ficou olhando para baixo, balançando a cabeça.
E cinco casas além dali, no lado oposto da rua, a Sra.Wese, com um casaco de pele de raposa por sobre a roupa de dormir, espichou o pescoço para ver se seu marido chegava, pois ele estava atrasado naquela noite.
Finalmente soou o apito no escritório de Wese, alto demais para um apito, sobre a cidade e nos céus, e Wese, o dedicado trabalhador noturno, saiu do prédio, invisível ainda naquela rua, apenas anunciado pelo som do apito; de repente o andar registrou seus passos tranqüilos.
Pallas debruço-se mais para fora; ele nem pensava em perder um movimento. A Sra.Wese, animada pelo apito, fechou sua janela com um estrondo. Mas Schmar se ajoelhou; por ter todo o resto do corpo coberto, pressionou apenas seu rosto e suas mãos contra a parede; enquanto tudo o mais ficava gelado, Schmar se acendia de calor.
Bem na esquina que dividia as duas ruas, Wese fazia uma pausa, apenas sua bengala parecia vir da outra rua, apoiando-o. um frêmito súbito. O céu da noite convidava-o, com sua escuridão azul e dourada. Sem saber, ele fixou os olhos no céu, sem querer, levantou o chapéu e mexeu nos cabelos; nada lá em cima uniu-se em algum lugar padrão de sinalização que interpretasse o futuro para ele; tudo permanecia no seu lugar inescrutável e sem sentido. Em si mesmo, era uma ação razoável que Wese continuasse caminhando em direção à faca de Schmar.
“Wese!”, gritou Schmar, ficando na ponta dos pés, seu braço se mexendo, a faca rispidamente abaixada, “Wese! Você nunca mais vai ver Júlia!” E o braço direito na garganta e outra vez na garganta e uma terceira vez enfiando na barriga a faca de Schmar fez sua trajetória. Liquido jorrou, ferida aberta, originando o som emitido por Wese.
“Feito”, disse Schmar, e esfregou a faca, agora uma lâmina supérflua e pingando sangue, contra a parede mais próxima. “A felicidade do assassinato! O alívio, o êxtase que cresce do jorro do sangue alheio! Wese, velho pássaro noturno, amigo, colega de botequim, você está se desvanecendo no escuro do chão desta rua. Por que não é você apenas uma poça de sangue de modo que eu poderia pisar em você e fazer com que você desaparecesse no vazio? Nem tudo que queremos se transforma em realidade, nem todos os sonhos que florescem se transformam em frutos, sua solidez paira aqui já indiferente a um simples chute. Qual o sentido da tola pergunta que você me faz?”
Pallas, chocado, abriu a porta dupla de sua casa e ali ficou à espera. “Schmar! Schmar! Eu vi tudo, não perdi nada.” Pallas e Schmar se examinaram mutuamente com os olhos. O resultado da sondagem deixou Pallas satisfeito e Schmar não chegou a nenhuma conclusão.
A Sra.Wese, com um bando de gente à sua volta, apareceu correndo, seu rosto envelheceu consideravelmente com o choque. Seu casaco de pele aberto balançava, ela desmaiou em cima de Wese, o corpo jogado na noite que pertencia a Wese, o casaco de pele espalhado por cima do casal como as macias flores de uma tumba que pertence à multidão.
Schmar, lutando com dificuldade contra sua própria náusea, pressionou a boca contra o ombro do agente de polícia que, se desviando levemente dele, deixou-o escapar.







Manuscrito do Mahabharata (ou, alternativamente, soletrado Maabárata) que procura ilustrar a guerra em Kurukshetra, onde Karna foi morto por seu irmão Arjuna. Mitologia da Índia.











KAFKA: UMA HABILIDADE NECESSÁRIA

NUNO AMADO




UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA EM TEORIA DA LITERATURA KAFKA: UMA HABILIDADE NECESSÁRIA Nuno Amado Mestrado em Teoria da Literatura Dissertação orientada pela Professora Doutora Fernanda Gil Costa Lisboa 2008


RESUMO
 Esta tese parte do pressuposto de que existe uma relação entre aquilo que a escrita representava para Kafka e as habilidades esquisitas de algumas das suas personagens. Assim, no primeiro capítulo, defendo que a escrita era, para Kafka, uma necessidade e não um prazer ou uma reacção a uma determinada ordem de coisas. Tendo essa necessidade, Kafka tinha de encontrar um modo de satisfazê-la: o segundo, o terceiro e o quarto capítulo apresentam diferentes soluções para este problema, sendo que no quarto é mencionada, pela primeira vez, a noção de habilidade. No quinto e no sexto capítulo, concentro-me nessa noção de habilidade, bem como nos efeitos e nas consequências que o seu exercício produz, e procuro relacioná-la com aquilo que era, para Kafka, a sua escrita. Finalmente, no sétimo capítulo, defendo que haveria determinados espaços adequados àqueles que exercem uma habilidade e procuro caracterizar esses espaços.

ABSTRACT
 The central idea of this thesis is that there is some connection between what writing represented for Kafka and the weird abilities of some of his characters. Thus, in chapter One, I argue that writing, for Kafka, was a need and not a pleasure or a reaction against something. Having this need, Kafka had to find a way of accomplish it: chapters Two, Three and Four present different solutions for this problem, being first mentioned in chapter Four the notion of ability. In chapters Five and Six, I focus on that notion of ability, as well as in the effects and consequences the performance of it produces, and I try to relate it to what writing meant for Kafka. Finally, in chapter Seven, I suggest that should exist some appropriate spaces for those who perform an ability and I try to characterise these spaces.


PALAVRAS-CHAVE: KAFKA, ESCRITA, HABILIDADE, JAULA, LITERATURA
KEYWORDS: KAFKA, WRITING, ABILITY, CAGE, LITERATURE


ÍNDICE
 INTRODUÇÃO...............................................................................................................6 LISTA DE ABREVIATURAS......................................................................................10 I. UM NOVELO EMBRULHADO PARA O LADO DE DENTRO.........................11 II. O ABISMO DO CELIBATO...................................................................................22 III. UM COVIL LABIRÍNTICO.................................................................................41 IV. UMA JAULA APERTADA....................................................................................57 V. A HABILIDADE DO DISFARCE..........................................................................69 VI. O PODER DAS HABILIDADES...........................................................................84 VII. A MAIS LONGA DISTÂNCIA ENTRE DOIS PONTOS...............................103 BIBLIOGRAFIA . ......................................................................................................113




INTRODUÇÃO Quando li, pela primeira vez, alguma coisa de Kafka, numa altura em que não sabia praticamente nada do que sei hoje sobre o autor checo, senti uma afinidade esquisita com aquilo que lia. Essa sensação inescrutável foi dando lugar a uma intuição cada vez mais refinada que, com o tempo, viria a transformar-se num argumento. Esta tese é o resultado desse processo.









A ciência jurídica e a tessitura narrativa em três contos de Kafka
Publicado por Canal Ciências Criminais





Por Sâmara Augusta Bueno Santos
O presente texto é uma resenha do artigo da autora Lidiany Caixeta de Lima[1], produzido para a Comissão de Direito e Literatura do Canal Ciências Criminais, sob a coordenação do Prof. Me. Paulo Silas Filho.
O referido texto aborda aspectos da construção narrativa do conto, utilizando para análise os contos “O Veredicto”, “Um Fratricídio” e “Um novo advogado”, ambos de autoria de Franz Kafka. A topoanálise[2] (Gaston Bachelard e outros autores) será o suporte metodológico para análise das representações espaciais da narrativa literária, bem como os escritos de Ricardo Piglia para o gênero conto.
Conforme Lima (2017, P. 186):
O escritor clássico é aquele que provoca incômodos necessários, a fim de se repensar o ser humano e a própria sociedade, conforme a recepção de seu texto em diferentes tempos históricos.
Este é o caso de Kafka, um autor extremamente atual, o qual despertou o interesse de diversos juristas, filósofos, linguistas, enfim, vários profissionais das ciências sociais e humanas.
Neste contexto, diante de sua relevância, a leitura e interpretação dos textos de Kafka são imprescindíveis para os profissionais do direito compreenderem a sistemática da realidade jurídica.
Theodor Adorno e Georgio Agamben, dois filósofos contemporâneos importantes para diversas áreas das ciências humanas e sociais, tiveram apreço especial pela literatura kafkaniana e, deste modo, desenvolveram estudos acerca de sua obra.
Segundo Adorno (1998, p. 240), Kafka preserva em sua produção a característica da indefinição, da dúvida, da eterna intenção em gerar reflexão e agitação no leitor, através das agruras vivenciadas pelos seus personagens. Nas palavras de Adorno, Kafka: “Em nenhuma obra esclarece o horizonte. Cada frase é literal e cada frase significa” (1998, p. 240).
Neste diapasão, Agamben disserta acerca do inexplicável na literatura (e, pode ser aqui estendido, para a arte no geral): “Sobre o inexplicável correm as mais diversas lendas. A mais engenhosa explica que, sendo inexplicável, ele permanece como tal em todas as explicações que dele foram e continuarão a ser dadas nos séculos vindouros” (1999, p. 135).
Assim, o Conto “O veredicto”, como o título sugere, aborda a história de um julgamento, da prolação de uma sentença. Porém, com a utilização do absurdo, a fim de criticar a sociedade e, ao mesmo tempo, o judiciário: Georg Bendemann, exímio nadador é condenado a pena de morte por afogamento, pelo próprio pai.
Inicialmente, alguns pontos podem ser tratados: o autoritarismo ainda presente nos procedimentos processuais penais[3]: Indubitavelmente, alguns institutos foram revogados com a promulgação da Constituição Federal de 1988, marco da redemocratização do país. Por outro lado, institutos como a condução coercitiva para interrogatório, permaneceram por muitas décadas dentro do ordenamento jurídico, sendo amplamente utilizados.
Inclusive, somente no ano de 2018, o Supremo Tribunal Federal declarou a não recepção pelo atual sistema constitucional do art. 260 do Código de Processo Penal (o qual previa o instituto da condução coercitiva), através das Arguições de Descumprimento de Preceito Constitucional - ADPF nº 395 e 444.
O segundo ponto refere-se a vedação da pena de morte, a qual Bendemann fora condenado, a qual, junto à tortura, foram largamente utilizadas durante os períodos ditatoriais brasileiros e, mesmo que expressamente vedadas pelos arts. , incisos II e XLVII, alínea a, todos da CF/88, infelizmente, ainda estão presentes no ambiente carcerário e na própria persecução penal brasileira.
O terceiro ponto que choca o leitor: o filho ser condenado pelo próprio pai. A relação dos dois se deteriorou ao ponto do genitor querer dar um fim ao sofrimento de ambos. Além disso, a figura do patriarca pode ser vista como o Pai-Estado-Juiz, em oposição ao Filho-jurisdicionado.
De forma semelhante do ocorrido em “O Processo”, “Na colônia penal”, dentre outras narrativas, os personagens de Kafka não são submetidos ao devido processo legal, são privados de exercer o seu direito ao contraditório e a ampla defesa, a presunção de inocência ou até de acesso à justiça, tendo em vista que nenhum deles teve oportunidade de assistido por um advogado.
Assim como acontece com Joseph K. e Gregor Samsa, Bendemann, como já dito, exímio nadador e condenado à morte por afogamento, aceita resignado o seu fim: comete suicídio, executa a própria sentença insólita e hostil (LIMA apud KAFKA, 2011, p. 24-25:
No portão do prédio deu um pulo, impelido sobre a pista da rua em direção a água. Já agarrava firme a amurada, como um faminto a comida. Saltou por cima dela como excelente atleta que tinha sido nos anos de juventude, para orgulho dos pais. Segurou-se ainda com as mãos que ficavam cada vez mais fracas, espiou por entre as grades da amurada um ônibus que iria abafar o barulho da sua queda e exclamou em voz baixa
Ressalta-se que, a conduta do pai de Georg amolda-se ao crime de “induzimento ao suicídio”, previsto no art. 122 do Código Penal, assim como estaria sujeito ao aumento do quantum da pena em decorrência da incidência da agravante genérica de crime praticado contra descendente (Art. 61II, “alínea e”, do Código Penal).
Conforme os ensinamentos do doutrinador Rogério Sanches Cunha (2016, p.82), na ocorrência do crime de induzimento ao suicídio:
o agente faz nascer na vítima a ideia e a vontade mórbida. Aqui o sujeito passivo nem sequer cogitava de eliminar a própria vida, sendo convencido pela ação do agente.
O induzimento trata-se de induzimento moral à ocorrência do crime, que faz surgir no íntimo da vítima a vontade de cometer suicídio. Nota-se que a coação fora tão convincente que, conforme supracitado, o personagem, ao jogar-se da ponte, ressalta o amor pelos pais, resignado com a sentença de morte.
Prosseguindo a análise, o conto “Um novo advogado” narra a história do advogado Bucéfalo, um cavalo que já acompanhou Alexandre, o Grande em suas batalhas. Kafka narra que o cavalo deixou de ser um soldado para “mergulhar nos livros do direito” e ao final, ainda descreve que: “Liberto e longe do clamor das batalhas, lê e vira as páginas dos nossos alfarrábicos”.
De forma concisa e satírica, pode-se concluir que Kafka criticou a ideia do direito como ferramenta de transformação social, visto que, para alguns autores[5], o arcabouço jurídico é simplesmente um legitimador do status quo e do poder da burguesia. Através do realismo fantástico, o autor demonstra absoluta descrença na justiça.
Também é possível aduzir que Kafka igualmente critica o formalismo, a burocracia e até o status relacionado aos profissionais do direito. Bucéfalo representa, também, de forma alegórica, aqueles juristas que acomodaram-se em suas rotinas e deixaram de lutar por uma sociedade melhor, esquecendo-se dos ensinamentos de Von Ihering, no clássico “A luta pelo direito”[6].
As alegorias são constantemente utilizadas na obra de Kafka. Assim, cumpre mencionar as palavras de Adorno (2001, p. 245):
A prosa de Kafka se alinha com os proscritos também por buscar antes a alegoria do que o símbolo. Benjamin a defendeu como parábola. Ela não se define pela expressão, mas pelo repúdio a expressão, pelo rompimento. É uma arte de parábolas para as quais a chave foi roubada; e mesmo quem buscasse fazer justamente dessa perda da chave seria induzido ao erro, na medida em que confundiria a tese abstrata da obra de Kafka, a obscuridade da existência com o seu teor. Cada frase diz: interprete-me; e nenhuma frase tolera interpretação.
Por último, o conto “O Fratricídio”, chama atenção por ser uma das narrativas mais viscerais de Kafka, que utilizou o realismo descritivo para tecer um relato quase jornalístico da preparação e da execução de um homicídio. O título faz referência à passagem bíblica do assassinato de Abel, praticado por seu irmão Caim.
Schmar é o assassino, Wese a vítima. A narrativa é concisa, focada no inter criminis do assassino que surpreende a vítima com um golpe fatal. O terceiro elemento chave é Pallas, um observador passivo, que assiste o crime pela janela, sem intervir[7].
O assassino possui o estereótipo de um criminoso frio e calculista: “Ar noturno gelado, de fazer qualquer um tremer. Schmar porém vestia apenas uma roupa azul leve, além disso o paletó estava desabotoado. Não sentia frio”. A esposa de Wese aguardava-o chegar em casa, notando à demora de seu retorno para a casa.
A vítima, Wese, não demonstra suspeitar correr risco de vida e caminha pelas ruas observando o céu noturno, alisa os cabelos e como adverte Kafka: “Ele caminha para a faca de Schmar”.
O assassino desfere vários golpes na vítima, para que não reste perigo que o mesmo sobreviva ao atentado. Desse modo, resta evidenciado o animus necandi do mesmo, que, à primeira vista, teria sua conduta tipificada como homicídio qualificado pela utilização de emboscada[13]. Pelos elementos contidos no Conto, não é possível aduzir a motivação do assassinato, de modo que não é possível cogitar a incidência de outras circunstâncias majorantes ou atenuantes, ou até mesmo a incidência de outras qualificadoras do crime de homicídio.
Ao final, Pallas surpreende o leitor e, concomitantemente, o assassino, dizendo:
Schmar! Schmar! Vi tudo, não me escapou nada!. Pallas e Schmar medem-se com o olhar.
Ante o exposto, conclui-se com o pensamento de Adorno (2001, p. 245), o qual afirma que a trajetória épica de Kafka vem da força da demolição, está contida no sofrimento, no desumano. O autor não busca suavizar a neurose, o contrassenso, mas justamente busca nele mesmo a força que cura, ou seja: só a partir do conhecimento da realidade, em sua aspereza, é possível refletir, transformar e evoluir.


Nota: Na coluna da Comissão de Estudos Direcionados em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão nessa terceira fase do grupo. Além da obra que será produzida, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2019, passamos a realizar abordagens mais direcionadas nos estudos. Daí que contamos dois grupos distintos que funcionam concomitantemente: um focado na literatura de Franz Kafka e outro na de George Orwell. Assim sendo, alguns artigos foram selecionados e são estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as ‘relatorias’ (notas, resumos, resenhas, textos novos e afins), uma vez que cada membro fica responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com seus comentários, inclusive indo além. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O texto da vez, formulado pela colega Sâmara Augusta Bueno Santos, foi feito com base no texto “Quem conta um conto, aumenta um ponto: a ciência jurídica e a tessitura narrativa em três contos de Kafka”, de Lidiany Caixeta de Lima - publicado nos anais do V CIDIL. Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador das Comissões de Estudos Direcionados de Direito & Literatura – Orwell e Kafka - do Canal Ciências Criminais)


REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor Ludwig Weisengrund. Prismas: Crítica Cultural e Sociedade. Tradução de A. Wernet e J. Almeida. São Paulo: Atica, 1998.
KAFKA, Franz. Essencial Franz Kafka/ seleção, introdução e tradução de Modesto Carone; tradução. — São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.
LIMA, Lidiany Caixeta de. Quem conta um conto aumenta um ponto: a ciência jurídica e a tessitura narrativa em três contos de Kafka. Anais do V Colóquio Internacional de Direito e Literatura - Rede Brasileira de Literatura. Volume 01, Páginas 185-197, 2017.
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito / Alysson Leandro Mascaro. – 5. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016.
Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). Rogério Sanches Cunha- 8. ed.rev., ampl. e atual. - Salvador, JusPODIVM, 2016.


NOTAS
[1] Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade de Uberaba, MG. Licenciada em Letras pela Universidade de Uberlandia, MG (2008).
[2] Segundo lima (2017), a partir da topoánalise, se analisam as representações especiais do texto literário, seja ele em verso ou em prosa, buscando inferências sociológicas, filosóficas, estruturais para o desvelamento da composição narrativa.
[3] Cumpre ressaltar que o texto base do Código de Processo Penal (Decreto Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941) fora elaborado e promulgado quando o Brasil encontrava-se sob o período ditatorial do Estado Novo (1937-1945), dentro do contexto mundial da Segunda Guerra Mundial.
[4] Para Engels, (MASCARO apud ENGELS, 2016, p. 268) : “o jurista acredita manejar normas estabelecidas a priori, sem se dar conta de que essas normas nada mais são que simples reflexos econômicos: vê assim as coisas sob uma forma invertida. Enquanto não a percebemos, essa inversão constitui o que chamamos concepção ideológica e repercute sobre a base econômica, podendo mesmo modificá-la dentro de certos limites”
[5] Para Rudolf von Ihering, o direito é construído a partir da luta: dos povos, das nações, do Estado, das classes e dos indivíduos.
[6] Como acontece em muitos casos, por exemplo, como em crimes de violência doméstica, onde muitas pessoas deixam de ajudar a vítima motivados no senso comum de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”
[7] Nas palavras de Rogério Sanches (2016, p. 62): “Emboscada pressupõe ocultamento do agente, que ataca a vítima com surpresa. Denota essa circunstância maior covardia e perversidade por parte do delinquente”











AUGUST 20, 2009 · 11:13 AM

um dia na (in)justiça brasileira
Quando se “vive” Kafka

New York– Há uns 9 anos eu devo ter cometido um enorme ERRO: falei a verdade.
E me “pegaram”. Logo eu que posso dizer absurdos no palco, onde não existem limites verbais ou visuais, fui “pego” numa entrevista coletiva em Curitiba. Mais especificamente: numa entrevista ligada ao Festival de Teatro de Curitiba, no ano 2000, quando o mundo ainda era outro e brincávamos de brincar. Já haviam se passado décadas desde a minha “Trilogia Kafka” (que viajou o mundo). Já haviam se passado mundos desde o meu encantamento por esse autor que transcendeu a figura humana logo na primeira página e, assim, Gregor Samsa, acorda um inseto.
Mas em Curitiba foi assim: cheguei, como sempre chego, daqui de NY, exausto, depois de baldeações, conexões em aeroportos e vôos atrasados. “Eu queria subir pro quarto e tomar um banho rápido, trocar de roupa, já que estou em transito faz umas 16 horas”.
Cheguei lá em cima e não tinha água quente. A cidade estava fria. A janela não fechava. E não tinha papel higiênico. Deixei a água do chuveiro (na verdade, uma jacuzzi), correr por algum tempo… e nada. Caguei, literalmente, sem papel, e fui me lavar na água gélida do tal hotel. Morri de frio, especialmente ao sair. Batendo os dentes, percebi que as antigas janelas não fechavam.
Bem, desci pra coletiva (uns 20 ou 25 jornalistas me esperavam) e alguém passava o aspirador de pó bem ao lado dessa sala. Além do mais, as janelas dessa sala também não fechavam.
Bem, eu não estava de bom humor.
Um jornal local noticiou passo a passo do meu mau humor e relatou as minhas reclamações, uma a uma.
Meses depois, no Rio, uma oficial de Justiça veio ao Sesc- Copacabana entregar uma intimação, ou sei lá como chama isso.
Liguei pra amigos (já que, na época, eu não tinha advogado no Brasil), e me indicaram alguém. Bem, relaxei.
Anos se passam e nada ouço. Nada.
Assim como no Processo de Kafka, durmo um sono tranquilo do Joseph K. quando sou acordado, em 2007, por uma voz alarmante dizendo que “minha conta havia sido bloqueada pela JUSTIÇA BRASILEIRA”.
Como?
Fomos falar com o gerente do banco, que, mexendo no seu computador, descobriu se tratar de um processo que “perdi” em Curitiba. Um hotel havia me processado. E havia processado o jornal que havia publicado que “não havia papel higiênico, as janelas não fechavam e não havia água quente”. Tudo isso num caderno cultural e não turístico, ou seja: ninguém iria deixar de ir ao maldito hotel por causa das minhas declarações.
Ah sim. O tal advogado que me indicaram. Um alcoólatra que perdeu todas as datas. Não foi a audiência nos dias certos e não isso e aquilo e.. portanto, perdi.
O resultado por me expressar? Algo em torno de 83 mil reais. Como não tenho esse dinheiro, coloquei um outro advogado atrás do erro do primeiro. Dias atrás, descobri que em TODAS as instâncias, não tem jeito mesmo. Nao poderei pagar e jamais poderei ter conta no Brasil.
Surreal? Kafkiano?
Tenham todos um bom dia Sarney Brasileiro!

Gerald Thomas






VI. O PODER DAS HABILIDADES
“Não é necessário que saias de casa. Permanece à mesa e escuta. Nem sequer escutes, aguarda apenas. Nem sequer aguardes, sê absolutamente silencioso e solitário. O mundo apresentar-se-á perante ti para ser desmascarado, não poderá fazer outra coisa, contorcer-se-á, em êxtase, aos teus pés.” (CA 27)




V. A HABILIDADE DO DISFARCE
“A ocultação tem sido a vocação da minha vida” (L 387)




IV. UMA JAULA APERTADA
“Ter o sentimento de estar preso e ao mesmo tempo o outro, o de que, se estivesse solto, seria pior.” (D 32)




III. UM COVIL LABIRÍNTICO
“Todo o homem é, na verdade, um labirinto.” (J 97)




II. O ABISMO DO CELIBATO
“O desejo de renunciar à maior felicidade humana por causa da escrita continua a cortar todos os músculos do meu corpo.” (F 355)




I. UM NOVELO EMBRULHADO PARA O LADO DE DENTRO “A minha felicidade, as minhas capacidades e todas as possibilidades de ser útil de alguma maneira residiram sempre no campo literário.” (D 48)






Referências


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/2d/Cain_kills_Abel.png/330px-Cain_kills_Abel.png
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fratric%C3%ADdio
http://ultimas-ideias.blogspot.com/2008/05/um-fratricdio.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fratric%C3%ADdio
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/448/1/17421_Kafkaumahabildade.pdf
https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/images/993b0f9cb2dd87c0abf60931a6f1cdee
https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/710145646/a-ciencia-juridica-e-a-tessitura-narrativa-em-tres-contos-de-kafka
https://geraldthomasblog.wordpress.com/2009/08/20/um-dia-na-injustica-brasileira/
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/448/1/17421_Kafkaumahabildade.pdf

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