“Rio abaixo, rio a fora, rio a dentro.”
DIREITO CONSTITUCIONAL / DIREITO
ADMINISTRATIVO
A terceira margem
As orações tão eivadas de vírgulas parecem
embaladas por elas, tal como a canoa do enigmático pai segue impulsionada pelas
águas.
Ao se aproximar do desfecho de A
Terceira Margem do Rio, é possível concluir que esse não é um texto dado a
justificativas.
“Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”.
Título:
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Princípios constitucionais de direito
administrativo sancionador
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Autor:
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Mello, Rafael Munhoz de
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Primeiro orientador:
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Mello, Celso Antonio Bandeira de
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Resumo:
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A Administração Pública exerce
parcela do poder punitivo estatal, impondo sanção administrativa aos sujeitos
que praticam infração administrativa, tal qual definido em lei formal. A
atuação punitiva da Administração Pública é cada vez mais intensa, tanto no
que diz respeito à frequência como no que diz respeito à gravidade das
medidas adoradas. As sanções administrativas, de falo, são aplicadas com
maior frequência do que as sanções penais, e não é raro que representem
medida mais gravosa do que estas últimas. Em tal quadro, é relevante estudar
os princípios constitucionais que informam e limitam o exercício do poder
punitivo estatal pela Administração Pública. É certo que não há na
Constituição Federal de 1988 princípios jurídicos que expressamente
disciplinem a atividade punitiva desenvolvida pelos órgãos administrativos,
mas é possível extraí-los de um princípio fundamental da Carta de 1988,
estampado já em seu art. 1°: o princípio do Estado de Direito. Num Estado de
Direito não é admissível que o exercício de qualquer atividade estatal seja
arbitrário, o que torna necessária a observância de diversos corolários do
referido princípio fundamental do texto constitucional pátrio, como o
princípio da legalidade da Administração, o princípio da segurança jurídica,
o princípio da proibição do excesso ou proporcionalidade e o princípio da
proteção jurídica e das garantias processuais. Tais princípios têm evidente
aplicação no campo do direito administrativo sancionados, no qual dão origem
a um regime jurídico mínimo que deve ser observado pela Administração Pública
no exercício da atividade punitiva. Integram esse regime jurídico os
princípios da legalidade, tipicidade, irretroatividade, culpabilidade, non
bis in idem e devido processo legal
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Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(Redação da EC 19/1998)
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Súmula Vinculante
A nomeação de cônjuge, companheiro,
ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive,
da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em
cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em
comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração
pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas, viola a CF.
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Súmulas
Não cabe recurso extraordinário por
contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua
verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais
pela decisão recorrida.
[Súmula 636.]
A administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles
não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial.
[Súmula 473.]
A administração pública pode
declarar a nulidade dos seus próprios atos.
[Súmula 346.]
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CF/88 - Art. 37, Caput - Parte II (Princípio
da Legalidade)
SUMÁRIO
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Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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Súmulas Vinculantes
Não cabe ao Poder Judiciário, que
não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o
fundamento de isonomia.
Não viola a Constituição o
estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças
prestadoras de serviço militar inicial.
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Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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Súmulas Vinculantes
Não cabe ao Poder Judiciário, que
não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o
fundamento de isonomia.
Não viola a Constituição o
estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças
prestadoras de serviço militar inicial.
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Controle concentrado de
constitucionalidade
NOVO: A necessidade de formação e o
aprimoramento profissional no âmbito da Administração Pública (art. 39, § 2º,
da CF) permite o exercício de atividades de docência por parte dos próprios
agentes públicos, os quais passam a desempenhar funções diversas para as
quais foram investidos. No caso, a compensação pelo exercício voluntário de
função de magistério policial, em Academia de Polícia ou em outra área da
segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, busca indenizar o
exercício de atividade que, em rigor, não está incluída nas atribuições
legais do cargo titularizado pelo docente, seja de Delegado ou outro
pertencente à Polícia Judiciária Mato-grossense. A norma impugnada cria
inconstitucional diferenciação no cálculo da retribuição pelo exercício das
mesmas atividades, mediante a fixação de tetos diferenciados, que acabam
gerando pagamentos da retribuição em patamares distintos para servidores que
desempenham idêntico magistério, em flagrante ofensa à isonomia (CF, art.
5º, caput e inciso I). Interpretação conforme a constituição, no
sentido de que a expressão ‘seu subsídio’, definidora do teto indenizatório
pelo exercício da função de magistério, constante do § 1º ao art. 167 do
Decreto 12.118/2006, diz respeito ao subsídio de Delegado de Polícia (inciso
IV do dispositivo), independentemente da carreira originária daquele que
exercer a função de magistério. Definição de único e idêntico limite máximo
mensal para a percepção da vantagem, aplicável a todos os profissionais de
polícia que desempenhem atividades de ensino na Academia de Polícia,
independentemente do cargo que ocupam.
[ADI 6.012, rel.
min. Alexandre de Moraes, j. 27-9-2019, P, DJE de 15-10-2019.]
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NOVO: Lei federal que disciplina o
uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança
pública e que visa proteger o direito à vida não ofende a autonomia estadual.
A proporcionalidade no uso da força por parte dos agentes de segurança
decorre diretamente do texto constitucional e dos tratados de direitos
humanos que a República Federal do Brasil aderiu. Nenhuma pessoa pode ser
arbitrariamente privada de sua vida. A arbitrariedade é aferida de forma
objetiva, por meio de padrões mínimos de razoabilidade e proporcionalidade,
como os estabelecidos pelos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas
de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados em 7
de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre
a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes. A Lei Federal
13.060/2014 dá respaldo aos Princípios Básicos, adotando critérios mínimos de
razoabilidade e objetividade, e, como tal, nada mais faz do que concretizar o
direito à vida.
[ADI 5.243, rel. p/
o ac. min. Edson Fachin, j. 11-4-2019, P, DJE de 5-8-2019
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NOVO: Conforme a Jurisprudência
desta Suprema Corte, a adoção de requisitos de capacidade física para o
acesso a cargos públicos deve observar critérios idôneos e proporcionais de
seleção, que guardem correlação com as atividades a serem desempenhadas pelo
servidor. A norma contida no § 2º do art. 11 da Lei Federal 7.479/1986, no
que se refere aos médicos e aos capelães, é incompatível com a Constituição
Federal. Com relação ao restante da carreira de bombeiro-militar, não há
ofensa aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da
eficiência ou da proporcionalidade. Os limites de estatura estabelecidos pela
norma impugnada, que reproduzem a mesma exigência imposta aos militares das
Forças Armadas (1,60m para homens e 1,55m para mulheres), mostram-se
razoáveis.
[ADI 5.044, rel.
min. Alexandre de Moraes, j. 11-10-2018, P, DJE de 27-6-2019.]
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|||||
NOVO: O princípio da igualdade
material é prestigiados por ações afirmativas. No entanto, utilizar, para
qualquer outro fim, a diferença estabelecida com o objetivo de superar a
discriminação ofende o mesmo princípio da igualdade, que veda tratamento
discriminatório fundado em circunstâncias que estão fora do controle das
pessoas, como a raça, o sexo, a cor da pele ou qualquer outra diferenciação
arbitrariamente considerada. Precedente do CEDAW.
[ADI 5.617, rel.
min. Edson Fachin, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]
(...)
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TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
SUMÁRIO
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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
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NOVO: Art. 28, §12, da Lei
Federal 9.504/1997 (Lei das Eleições). Prestação de Contas das doações de
partidos para candidatos. Necessidade de identificação dos particulares
responsáveis pela doação ao partido. Exigência republicana de transparência.
O grande desafio da democracia representativa é fortalecer os mecanismos de
controle em relação aos diversos grupos de pressão, não autorizando o
fortalecimento dos ‘atores invisíveis de poder’, que tenham condições
econômicas de desequilibrar o resultado das eleições e da gestão
governamental. Os princípios democrático e republicano repelem a manutenção
de expedientes ocultos no que concerne ao funcionamento da máquina estatal em
suas mais diversas facetas. É essencial ao fortalecimento da democracia que o
seu financiamento seja feito em bases essencialmente republicanas e
absolutamente transparentes. Prejudica-se o aprimoramento da democracia
brasileira quando um dos aspectos do princípio democrático — a democracia
representativa — se desenvolve em bases materiais encobertas por métodos
obscuros de doação eleitoral. Sem as informações necessárias, entre elas a
identificação dos particulares que contribuíram originariamente para legendas
e para candidatos, com a explicitação também destes, o processo de prestação
de contas perde em efetividade, obstruindo o cumprimento, pela justiça
eleitoral, da relevantíssima competência estabelecida no art. 17, III, da CF.
[ADI 5.394, rel.
min. Alexandre de Moraes, j. 22-3-2018, P, DJE de 18-2-2019.]
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Ofensa
aos princípios fundamentais democrático e da igualdade política. Premissas
teóricas. Postura particularista e expansiva da Suprema Corte na salvaguarda
dos pressupostos democráticos. Sensibilidade da matéria, afeta que é ao
processo político-eleitoral. Autointeresse dos agentes políticos. Ausência de
modelo constitucional cerrado de financiamento de campanhas.
Constituição-moldura. Normas fundamentais limitadoras da discricionariedade
legislativa. Pronunciamento do STF que não encerra o debate constitucional em
sentido amplo. Diálogos institucionais. Última palavra provisória. Mérito.
Doação por pessoas jurídicas. Inconstitucionalidade dos limites previstos na
legislação (2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição). (...) Captura
do processo político pelo poder econômico. "Plutocratização" do
prélio eleitoral. Limites de doação por naturais e uso de recursos próprios
pelos candidatos. Compatibilidade material com os cânones democrático,
republicano e da igualdade política. (...) Ação direta de
inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para assentar apenas e
tão somente a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 31
da Lei 9.096/1995, na parte em que autoriza, contrario sensu, a
realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos, e pela
declaração de inconstitucionalidade das expressões "ou pessoa
jurídica", constante no art. 38, III; e "e jurídicas", inserta
no art. 39, caput e § 5º, todos os preceitos da
Lei 9.096/1995.
[ADI 4.650, rel.
min. Luiz Fux, j. 17-9-2015, P, DJE de 24-2-2016.]
|
Lei
6.683/1979, a chamada "Lei de Anistia". (...) princípio democrático
e princípio republicano: não violação. (...) No Estado Democrático de
Direito, o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra
redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele,
produzir distintas normas. Mas nem mesmo o STF está autorizado a rescrever
leis de anistia. Revisão de lei de anistia, se mudanças do tempo e da
sociedade a impuserem, haverá – ou não – de ser feita pelo Poder Legislativo,
não pelo Poder Judiciário.
[ADPF 153, rel. min.
Eros Grau, j. 29-4-2010, P, DJE de 6-8-2010.]
|
O pacto
federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações
institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal,
legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos
Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de
exoneração tributária pertinente ao ICMS.
[ADI 1.247 MC, rel.
min. Celso de Mello, j. 17-8-1995, P, DJ de 8-9-1995.]
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(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
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A aplicação retroativa das novas
regras que ampliaram o número de vereadores nos Municípios brasileiros para
alcançar o processo eleitoral concluído em 2008, tal como prevista no inciso
I do art. 3º da EC 58/2009, contraria inarredavelmente os princípios
constitucionais (...). (...) O art. 1º, parágrafo único, da Constituição
brasileira é taxativo ao dispor que "todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos". Apenas titularizam essa
condição aqueles que foram assim proclamados pela Justiça Eleitoral, nos
termos das normas constitucionais e legais que vigiam no momento das
eleições. Os suplentes de vereadores, aqueles que não lograram se eleger, não
podem ser alçados à condição de eleitos por força de emenda à Constituição,
por ato de representante do poder soberano. Admitir o contrário consagraria
espécie de eleição indireta, contrastando com a previsão contida na parte
final do art. 29, I, da Constituição da República.
[ADI 4.307, voto da
rel. min. Cármen Lúcia, j. 11-4-2013, P, DJE de 1º-10-2013.]
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Dormi Na Praça
Bruno e Marrone
Caminhei sozinho pela rua
Falei com as estrelas e com a Lua
Deitei no banco da praça, tentando te
esquecer
Adormeci e sonhei com você
No sonho, você veio provocante
Me deu um beijo doce e me abraçou
E bem na hora H, no ponto alto do amor
Já era dia, o guarda me acordou
Seu guarda, eu não sou vagabundo
Eu não sou delinquente
Sou um cara carente
Eu dormi na praça pensando nela
Seu guarda, seja meu amigo
Me bata, me prenda
Faça tudo comigo
Mas não me deixe ficar sem ela
No sonho você veio provocante
Me deu um beijo doce e me abraçou
E bem na hora H, no ponto alto do amor
Já era dia, o guarda me acordou
Seu guarda, eu não sou vagabundo
Eu não sou delinquente
Sou um cara carente
Eu dormi na praça pensando nela
Seu guarda, seja meu amigo
Me bata, me prenda
Faça tudo comigo
Mas não me deixe ficar sem ela
Composição: Elias Muniz / Fátima Leão
A terceira margem
“Rio abaixo, rio a fora, rio a
dentro.”
O PRINCÍPIO DA LIBERDADE
Segundo
Perelman:
A idéia de
que os homens são livres e iguais em direitos, e que constituem o único
fundamento da ordem política, em virtude de um contrato social, se desenvolve a
partir de meados do século XVII, nutre o pensamento do Século das Luzes e
culmina nas proclamações e nas declarações americanas e francesas do século
XVIII, que caracterizam a ideologia individualista e burguesa dos direitos do
homem e do cidadão.15
15Ética e Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p.220.
Nos termos
de Kelly Cristine Baião Sampaio em REFLEXÕES ACERCA DA INCIDÊNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA LIBERDADE INDIVIDUAL E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL NAS RELAÇÕES
FAMILIARES.
GUIMARÃES ROSA: A TERCEIRA MARGEM DO RIO |
YUDITH ROSENBAUM
Crítica | A Terceira Margem do Rio (Primeiras Estórias),
de João Guimarães Rosa
por Marcelo Sobrinho em 26
de novembro de 2018@planocritico
De todos os contos que o Modernismo
brasileiro produziu, talvez o que mais tenha se notabilizado por seus signos
abertos e desafiadores à interpretação seja A Terceira Margem do Rio –
possivelmente também o mais famoso de Guimarães Rosa. O escritor mineiro é sempre
lembrado pelo estilo calcado nos neologismos e na oralidade do sertanejo, não
só capturando as tipicidades de sua fala, mas colocando suas inovações
sintáticas a serviço dos temas que aborda. Sentimos isso rapidamente em seu célebre
conto. O rio é um elemento que ressurge em sua obra (lembrando que o
protagonista de Grande Sertão: Veredas recebe o nada gratuito nome de
Riobaldo) e, dessa vez, sente-se a ideia de fluxo, de corrente, de escoamento,
na própria construção linguística do conto. A narração acontece ao sabor da
consciência do narrador (o filho do homem que se lança ao rio com sua canoa).
As orações tão eivadas de vírgulas parecem embaladas por elas, tal como a canoa
do enigmático pai segue impulsionada pelas águas.
No terceiro parágrafo, Guimarães Rosa
usa outro artifício linguístico para dar conta da ideia de distanciamento e de
partida de um ente querido para muito longe. A mãe diz ao pai na
despedida: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!”. A dilatação do
pronome “você” diz respeito à ampliação da distância para aquele que
se vai. Uma engenhosidade que não deve ser perdida. A narração do menino
saudoso do pai, repleta de regionalismos e de forte oralidade, torna todo o
relato extremamente subjetivo. Não é possível separar os fatos das lembranças
contaminadas por seu sentimento de orfandade. E quando uso o termo “orfandade”,
não intenciono induzir à ideia de que a famigerada “terceira margem” signifique
a morte física da figura paterna. Parece-me claro, dentro escopo do conto, que
o filho passa por um processo de luto. Mas o grande mérito de A Terceira
Margem do Rio é não permitir, em nenhum momento, que se defina a real
natureza dessa separação. O curioso título da obra é exatamente o que ela se
nega a revelar. E assim precisa ser.
Ocorre, ao longo do texto, todo tipo
de tentativa de se definir essa nova margem em que o pai está. Recorre-se às
mais variadas hipóteses. Estaria o homem pagando alguma promessa? Estaria ele
padecendo de alguma doença contagiosa, como a lepra, o que exigiria a sua
completa reclusão? Teria ele simplesmente enlouquecido? Nenhuma delas parece
satisfazer. O filho, determinado a obter respostas (ou mesmo vestígios delas),
passa a levar roupas, comida e todo tipo de utensílio para o pai, deixando-os
nas conhecidas margens do rio. A imagem criada (Guimarães Rosa mais uma vez
revela sua expertise com elas) é bastante clara – nada que pertencesse ao mundo
conhecido e, por metáfora, fosse depositado nas margens visíveis do rio, seria
recolhido pelo homem que deixara há tantos anos de pisar em terra firme.
Novamente, a “terceira margem” permaneceria incógnita. A prosa coloquial mas
sofisticada do escritor brasileiro estabelece uma cumplicidade entre o filho e
o leitor. Ambos aguardam por respostas, que nunca chegam.
Penso que o que torna este conto tão
especial seja justamente o trabalho com essa inversão de expectativas. Ao longo
da obra, o leitor se vê tentado a procurar por razões compreensíveis e a
decifrar a exatidão da alegoria que Guimarães Rosa propõe. Ao se aproximar do
desfecho de A Terceira Margem do Rio, é possível concluir que esse não é
um texto dado a justificativas. Na realidade, sua beleza não sobreviveria a
elas. O intrigante conto me parece propor muito mais uma experiência. Um
contato com algo que vai além do desconhecido. Além do sigiloso, pois o que
está oculto ainda pode se revelar – o que jamais acontece no conto rosiano. Ao
que tudo indica, a jornada do pai ruma para outro lugar. Lugar sem margens nem
nome. Lugar que sequer precisa de um. Ruma ao intangível.
A Terceira Margem do Rio (Brasil,
1962)
Em: Primeiras Estórias
Autor: João Guimarães Rosa
Editora original: José Olympio
Outras editoras: Nova Fronteira
Arte da capa original: Luís Jardim
Em: Primeiras Estórias
Autor: João Guimarães Rosa
Editora original: José Olympio
Outras editoras: Nova Fronteira
Arte da capa original: Luís Jardim
MARCELO SOBRINHO. . . .Médico e
cinéfilo por paixão. Descobri com Hamlet a chave para o mundo das artes e dele
nunca saí. De Chaplin e Buster Keaton a Iñarritu e Lars von Trier, adoro
compartilhar minha interpretação de obras abertas e com múltiplos significados.
Sempre em busca de perguntas e não de suas respostas.
Referências
https://www.planocritico.com/wp-content/uploads/2018/11/Winslow-Homer-o-menino-no-barco-.jpg
https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/5416
http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=503
https://youtu.be/K1Ot7-z-ap0
https://www.youtube.com/watch?v=K1Ot7-z-ap0&feature=youtu.be
http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=31
http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp
https://youtu.be/TfJsiSMC0U8
https://www.letras.mus.br/bruno-e-marrone/44670/
http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/11/11_2_kelly.pdf
https://www.youtube.com/watch?v=82IAeFHc9Pc
https://www.planocritico.com/wp-content/uploads/2018/11/Winslow-Homer-o-menino-no-barco-.jpg
https://www.planocritico.com/critica-a-terceira-margem-do-rio-de-joao-guimaraes-rosa/
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