Ferreira Gullar, presente.
“Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.”
domingo,
4 de dezembro de 2016
Solidariedade – Ferreira Gullar
-
Folha de S. Paulo
Para que alguém necessita ter a sua
disposição milhões de dólares?
Frequentemente
me pergunto por que certas pessoas indiscutivelmente inteligentes insistem em
manter atitudes políticas indefensáveis, já que, na realidade, não existem
mais.
Estou
evidentemente me referindo aos que adotaram a ideologia marxista, que, de uma
maneira ou de outra, militaram em partidos de esquerda, fosse no Partido
Comunista, fosse em organizações surgidas por inspiração da Revolução Cubana.
Não
tenho dúvida alguma em afirmar que Karl Marx foi uma personalidade excepcional,
tanto por sua inteligência como por sua generosidade, pois dedicou a sua vida à
luta por um mundo menos injusto.
Graças
a homens como ele, as relações de capital e trabalho –que, na época, eram
simplesmente selvagens– mudaram, alcançado as conquistas que as caracterizam
hoje. Marx contribuiu para mudar a sociedade humana, muito embora o seu sonho
da sociedade proletária se tenha frustrado.
Nisso
ele errou, e nós, que acreditávamos em suas ideias, erramos com ele. Isso não
significa, porém, que o sonho da sociedade igualitária tenha que ser sepultado.
Continua vivo e o que importa é encontrar outros meios de torná-lo realidade.
Já alguns países têm avançado nessa direção.
Mas,
para que esse avanço prossiga é necessário reconhecer que o sonho marxista
estava errado, ainda que bem-intencionado. Se insistirmos nos dogmas ditos
revolucionários –como a luta de classes e a demonização da iniciativa privada
–, não sairemos do impasse que inviabilizou o regime comunista onde ele se
implantou.
Há
que reconhecer que, se sem o trabalhador não se produz riqueza, sem o
empreendedor também não. Entregar o destino da economia a meia dúzia de
burocratas foi um dos equívocos que levaram ao fracasso os regimes comunistas
onde ele se implantou.
Tampouco
pode-se negar que o regime capitalista se move essencialmente pela exploração
do trabalho e pela acumulação do lucro. A ambição desvairada pelo lucro é o mal
do capitalismo que deve ser extirpado. E, creio eu, isso talvez possa ser feito
sem violência, uma vez que, de fato, ninguém necessita de acumular fortunas
fantásticas para ser feliz.
A
sociedade também não necessita ser irretorquivelmente igualitária, mesmo porque
as pessoas não são iguais. Um perna de pau não deve ganhar o mesmo que o
Neymar, nem o Bill Gates o mesmo que ganha um chofer de táxi.
E,
por falar nisso, para que alguém necessita ter a sua disposição milhões e
milhões de dólares? Para jantar à tripa fora? Se ele investir esse dinheiro
numa empresa, criando bem e dando emprego às pessoas, tudo bem. Mas ninguém
necessita ter dez automóveis de luxo, vinte casas de campo nem dezenas de
amantes.
Tais
fortunas devem ser divididas com outras classes sociais, investidas na formação
cultural e profissional das pessoas menos favorecidas, usadas para subvencionar
hospitais e instituições para atender pessoas idosas e carentes.
Sucede
que só avançaremos nessa direção se pusermos de lado os preconceitos
esquerdistas e direitistas, que fomentam o ódio entre as pessoas.
Sabem
por que Bill Gates deixou a presidência de sua empresa capitalista para dirigir
a entidade beneficente que criou? Porque isso o faz mais feliz, dá sentido à
sua vida.
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Ferreira Gullar é ensaísta, crítico
de arte, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras.
Ferreira Gullar: Extravio
Onde
começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou
disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou
desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me
no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Estou
disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah,
ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
esta manhã, esta sala.
Ferreira
Gullar
Muitas vozes: poemas
José Olympio Editora – 2ª edição, 1999
Muitas vozes: poemas
José Olympio Editora – 2ª edição, 1999
Ferreira
Gullar (10 de setembro de 1930)
“A
Arte existe, PORQUE a vida não Basta!” Ferreira Gullar
Traduzir-se
Ferreira
Gullar/Fagner
Uma
parte de mim
é
todo mundo:
outra
parte é ninguém:
fundo
sem fundo.
Uma
parte de mim
é
multidão:
outra
parte estranheza
e
solidão.
Uma
parte de mim
pesa,
pondera:
outra
parte
delira.
Uma
parte de mim
almoça
e janta:
outra
parte
se
espanta.
Uma
parte de mim
é
permanente:
outra
parte
se
sabe de repente.
Uma
parte de mim
é
só vertigem:
outra
parte,
linguagem.
Traduzir-se
uma parte
na
outra parte
-
que é uma questão
de
vida ou morte -
será
arte?
Composição: Fagner / Ferreira Gullar
Cordel de Ferreira Gullar -
História de um valente
Valentes, conheci muitos,
E
valentões, muitos mais.
Uns só Valente no nome
uns outros só de cartaz,
uns valentes pela fome,
outros por comer demais,
sem falar dos que são homem
só com capangas atrás.
Ferreira
Gullar
Ferreira Gullar nasceu em São
Luís, em 10 de setembro de 1930, com o nome de José Ribamar Ferreira. É um
dos onze filhos do casal Newton Ferreirae Alzira Ribeiro Goulart.
Ferreira Gullar lê "Poema
Sujo"
Enviado
em 6 de out de 2010
Primeiros
minutos de vídeo do Instituto Moreira Salles com o poeta maranhense Ferreira
Gullar declamando o "Poema Sujo". A gravação aconteceu em outubro de
2005.
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Entretenimento
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