Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 13 de maio de 2023
Paladinos e Arautos
"A nossa gente, que dali veio, tem de receber a mesma repreensão de pena; governa-se pelo presente, tem o porvir em pouco, o passado em nada ou quase nada. Eu creio que os ingleses resumem as outras três nações."
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28 de setembro de 1871 - Promulgada a Lei do Ventre Livre
A Lei do Ventre Livre (LEI Nº 2.040, DE 28 DE SETEMBRO DE 1871) foi assinada pela Princesa Isabel e promulgada em 28 de setembro de 1871, considerando livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir de então.
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A escravidão nos escritos de Machado de Assis
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"A ausência do sol coincidia com a do povo? O espírito público tornaria à sanidade habitual?"
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Antonio Luiz Ferreira. Assinatura da Lei Áurea no Paço Imperial, 13 de maio de 1888. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS
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sábado, 13 de maio de 2023
Dora Kramer - Vanguarda do atraso
Folha de S. Paulo
Lula deve mirar Boric: direita já percebeu a avenida aberta adiante
O chileno Gabriel Boric errou ao embarcar na canoa do entusiasmo esquerdista de tentar impor suas pautas na proposta de nova Constituição. O presidente foi derrotado no referendo de setembro passado, e oito meses depois a extrema direita ganhou maioria e poder de veto no conselho constituinte.
O que isso tem a ver com a política brasileira na forma como vem andando nossa claudicante carruagem? Pode vir a ter muito se o governo insistir em manter o pisca-pisca ligado à esquerda. Mas a referência pode se mostrar indevida caso Luiz Inácio da Silva se renda às evidências.
A principal delas é que o presidente está conseguindo, como Boric, o efeito contrário. Faz de Arthur Lira porta-voz do avanço enquanto se coloca involuntariamente no contraponto como arauto do atraso. A cena está fora de esquadro.
Político de identificação conservadora no comando de um colegiado do mesmo perfil, o presidente da Câmara se posta na condição de barreira a "retrocessos". Um progressista, pois. Já Lula se ocupa de uma agenda regressiva ao tentar desconstruir o que foi bem construído.
No lugar de andar para a frente, Lula prefere olhar para trás. Por que perder tempo em espremer até o bagaço a laranja de Bolsonaro que, sozinha, vai cair do galho? Por que rever atos legalmente perfeitos do Parlamento? Por que atuar contra normas de boas condutas nas estatais?
Lula radicaliza de um lado, afasta o centro essencial na eleição dele e dá espaço para que os tipos desmoralizados no 8 de janeiro radicalizem de outro.
A direita civilizada, por assim dizer, já percebeu a avenida aberta adiante e se anima a transitar por ela, desistindo de aderir ao presidente como ocorrido nos mandatos anteriores do petista.
Sem correção no rumo não há distribuição de emendas nem boa vontade do Supremo que dê jeito. Disso darão notícia as urnas de 2024.
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Antônio Luiz Ferreira. Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da Escravatura no Brasil, 1888. São Cristóvão, Rio de Janeiro. / Acervo IMS
https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=missa-campal
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Templo Cultural Delfos: Machado de Assis - o bruxo do Cosme Velho
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A Semana
Machado de Assis
Gazeta de Notícias
14/05/1893
ONTEM DE MANHÃ, descendo ao jardim, achei a grama, as flores e as folhagens transidas de frio e pingando. Chovera a noite inteira; o chão estava molhado, o céu feio e triste, e o Corcovado de carapuça. Eram seis horas; as fortalezas e os navios começaram a salvar pelo quinto aniversário do Treze de Maio. Não havia esperanças de sol; e eu perguntei a mim mesmo se o não teríamos nesse grande aniversário. É tão bom poder exclamar: "Soldados, é o sol de Austerlitz!" O sol é, na verdade, o sócio natural das alegrias públicas; e ainda as domésticas, sem ele, parecem minguadas.
Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto. Essas memórias atravessaram-me o espírito, enquanto os pássaros treinavam os nomes dos grandes batalhadores e vencedores, que receberam ontem nesta mesma coluna da Gazeta a merecida glorificação. No meio de tudo, porém, uma tristeza indefinível. A ausência do sol coincidia com a do povo? O espírito público tornaria à sanidade habitual?
Chegaram-me os jornais. Deles vi que uma comissão da sociedade que tem o nome de Rio Branco, iria levar à sepultura deste homem de Estado uma coroa de louros e amores-perfeitos. Compreendi a filosofia do ato; era relembrar o primeiro tiro vibrado na escravidão. Não me dissipou a melancolia. Imaginei ver a comissão entrar modestamente pelo cemitério, desviar-se de um enterro obscuro, quase anônimo, e ir depor piedosamente a coroa na sepultura do vencedor de 1871. Uma comissão, uma grinalda. Então lembraram-me outras flores. Quando o Senado acabou de votar a lei de 28 de setembro, caíram punhados de flores das galerias e das tribunas sobre a cabeça do vencedor e dos seus pares. E ainda me lembraram outras flores...
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Estas eram de climas alheias. Primrose day!
Oh! se pudéssemos tem um primrose day! Esse dia de primavera é consagrado à memória de Disraeli pela idealista e poética Inglaterra. É o da sua morte, há treze anos. Nesse dia, o pedestal da estátua do homem de Estado e romancista é forrado de seda e coberto de infinitas grinaldas e ramalhetes. Dizem que a primavera era a flor da sua predileção. Daí o nome do dia. Aqui estão jornais que contam a festa de 19 do mês passado. Primrose day! Oh! quem nos dera um primrose day! Começaríamos, é certo, por ter os pedestais.
Um velho autor da nossa língua, — creio que João de Barros; não posso ir verificá-lo agora; ponhamos João de Barros. Este velho autor fala de um provérbio que dizia: "os italianos governam-se pelo passado, os espanhóis pelo presente e os franceses pelo que há de vir." E em seguida dava "uma repreensão de pena à nossa Espanha", considerando que Espanha é toda a península, e só Castela é Castela. A nossa gente, que dali veio, tem de receber a mesma repreensão de pena; governa-se pelo presente, tem o porvir em pouco, o passado em nada ou quase nada. Eu creio que os ingleses resumem as outras três nações.
Temo que o nosso regozijo vá morrendo, e a lembrança do passado com ele, e tudo se acabe naquela frase estereotipada da imprensa nos dias da minha primeira juventude. Que eram afinal as festas da independência? Uma parada, um cortejo, um espetáculo de gala. Tudo isso ocupava duas linhas, e mais estas duas: as fortalezas e os navios de guerra nacionais e estrangeiros surtos no porto deram as salvas de estilo. Com este pouco, e certo, estava comemorado o grande ato da nossa separação da metrópole.
Em menino, conheci de vista o Major Valadares; morava na Rua Sete de Setembro, que ainda não tinha este título, mas o vulgar nome de Rua do Cano. Todos os anos, no dia 7 de setembro, armava a porta da rua com cetim verde e amarelo, espalhava na calçada e no corredor da casa folhas da Independência, reunia amigos, não sei se também música, e comemorava assim o dia nacional. Foi o último abencerragem. Depois ficaram as salvas do estilo.
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Detalhe ampliado do pico do Corcovado, com a cabana de “telegrafia” (sinalização ótica) e pontilhão de acesso ao mirante, cercado por um parapeito
(Debret, vol. III, prancha 54, aquarela nº 7, abaixo)
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Todas essas minhas ideias melancólicas bateram as asas à entrada do sol, que afinal rompeu as nuvens, e às três horas governava o céu, salvo alguns trechos onde as nuvens teimavam em ficar. O Corcovado desbarretou-se, mas com tal fastio, que se via bem ser obrigação de vassalo, não amor da cortesia, menos ainda amizade pessoal ou admiração. Quando tornei ao jardim, achei as flores enxutas e lépidas. Vivam as flores! Gladstone não fala na Câmara dos Comuns sem levar alguma na sobrecasaca; o seu grande rival morto tinha o mesmo vício. Imaginai o efeito que nos faria Rio Branco ou Itaboraí com uma rosa ao peito, discutindo o orçamento, e dizei-me se não somos um povo triste.
Não, não. O triste sou eu. Provavelmente má digestão. Comi favas, e as favas não se dão comigo. Comerei rosas ou primaveras, e pedir-vos-ei uma estátua e uma festa que dure, pelo menos, dois aniversários. Já é demais para um homem modesto.
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Óleo sobre tela de François Gerard: A Batalha de Austerlitz, em 2 de dezembro de 1805
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Machado de Assis vai à missa
machadode assis
Machado de Assis fotografado por Joaquim Insley Pacheco, em 1884, no Rio de Janeiro. Cópia fotográfica de Marc Ferrez.
José Murilo de Carvalho*
Bendito o olhar de lince de Andrea Wanderley, que identificou o rosto de Machado de Assis na foto de Antônio Luís Ferreira da missa celebrada em 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, em ação de graças pela passagem da lei do dia 13 desse mês que abolira a escravidão no Brasil.
A foto está disponível no portal Brasiliana Fotográfica, fantástica iniciativa da Biblioteca Nacional em parceria com o Instituto Moreira Salles. Outras figuras são identificáveis, além, naturalmente, da princesa Isabel e do conde d’Eu. O presidente do Conselho de Ministros do Gabinete conservador que fez passar a lei, João Alfredo Correia de Oliveira, está à direita de Isabel, um pouco abaixo.
Os responsáveis pelo portal veem José do Patrocínio à frente do grupo, segurando a mão do filho. Ampliando o foco, deverão aparecer outros políticos e outros militantes da causa abolicionista. Nabuco não foi à missa, mas André Rebouças, quase íntimo da família imperial, estava lá. Também certamente estavam seus companheiros da Confederação Abolicionista, com quem se fizera fotografar na véspera, acompanhados de Ângelo Agostini, João Clapp, presidente da Confederação, Taunay, grande amigo de Rebouças, Silveira da Mota, filho, Quintino Bocaiúva… Dezenas de outros certamente também estavam presentes e podem ser, eventualmente, identificados.
A escravidão no Brasil foi bastante fotografada, mas a abolição, sobretudo a semana de 13 a 20 de maio, nem tanto, mesmo na capital onde havia muitos fotógrafos. A razão disso não sei. É quase total a ausência de fotos fora da Corte (há apenas duas), quando se sabe que as festividades ganharam todo o país. Mas a consequência disso é que os poucos registros até agora descobertos, umas 25 fotos, ganham extraordinária importância. E o destaque vai todo para Antônio Luiz Ferreira, autor das 15 fotos com que presenteou Isabel. Sua foto mais espetacular é, sem dúvida, a da sessão da Câmara do dia 10 de maio, quando foi aprovado o projeto da abolição. A foto mais curiosa é a de Luís Stigaard, tirada na colônia Isabel, no Rio Grande do Sul. Retrata dezenas de colonos, imigrantes europeus, disciplinadamente organizados em filas, comemorando a abolição, em contraste com a exuberância das celebrações na capital do Império.
Mas o registro importante hoje é a descoberta de que Machado foi à missa. Não era pessoa de frequentar igrejas. Também não apreciava manifestações multitudinárias. Mas a essa missa, a esse ajuntamento de milhares de pessoas, ele compareceu e fica claro na foto seu esforço para aparecer, prensado entre duas robustas figuras uniformizadas. Anos depois, em crônica (Gazeta de Notícias, 14/5/1893), ele anotou sobre o 13 de maio, “Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto”. A missa foi continuação do delírio e é muito bom saber que o tímido, circunspecto e cético Machado estava lá.
[Ver sobre o assunto, Pedro e Bia Corrêa do Lago, Coleção Princesa Isabel. Fotografia do Século XIX. Rio de Janeiro: Capivara, 2008.]
Explore os detalhes da foto da Missa Campal
*Natural de Minas Gerais, José Murilo de Carvalho é bacharel em Sociologia e Política (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutor em Ciência Política (Stanford University). Foi professor na UFMG e na Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor visitante nas universidades de Stanford, California-Irvine, Notre Dame (Estados Unidos), Leiden (Holanda), London e Oxford (Inglaterra) e maître de conférence na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Foi pesquisador visitante do Institute for Advanced Study de Princeton. É professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Em 2015 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. É autor de vários livros, entre os quais A construção da ordem e Teatro de sombras (Civilização Brasileira, 2003); Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (Cia. das Letras, 1987); A formação das almas: o imaginário da República (Cia. das Letras, 1990); Cidadania no Brasil: o longo caminho (Civilização Brasileira, 2001, 2013) e D. Pedro II, ser ou não ser (Cia. das Letras, 2oo7).
4 pensamentos sobre “Machado de Assis vai à missa”
Eduardo
1 de junho de 2015 em 20:46
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Johnny Depp atrás de José do Patrocínio.
Responder
Juarez Silveira Sant'Anna
3 de junho de 2015 em 19:24
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Parabéns pela descoberta. Realmente é necessário o olhar atento para enxergar o que ninguém havia visto antes. Entretanto, custa acreditar que Machado de Assis tenha ido na missa de comemoração ao 13 de maio. Primeiro que ele era avesso à religiões formais e segundo que ele “fugia” do tema abolição, como o diabo foge da cruz. Espero, sinceramente, estar enganado ou terei que reler todos os 472 textos (inclusive romances) que tenho em meu iPad.
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Renata Gonçalves
28 de dezembro de 2016 em 19:24
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acho que terá (teremos) de reler! E procurar por mais textos de Machado de Assis. Ele estava além da abolição! A história do Brasil terá de ser recontada!
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