Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
FRANJAS DE ALGODÃO
"Em mantos de veludo há franjas de algodão assim como em capas de algodão há franjas de seda."
...
"A senhora tem toda razão... a senhora tem toda razão. De fato, eu ainda confirmei, essa semana, isso em várias pesquisas. Existe uma franja, bem significativa, na... nos eleitores do Bolsonaro. É uma franja muito mais anti-Lula do que pro-Bolsonaro. E uma franja, talvez um pouquinho maior, votando com Lula que é muito mais anti-Bolsonaro do que pro-Lula."
[9:35-9:57]
"Só que isso já tá aí - e faz tempo. Num tá aparecendo agora. E, a chamada terceira via não consegue pegar ali nada. Então, alguma coisa..."
[9:57-10:37]
...
***
FERNANDO MITRE - Simone Tebet é oficializada como candidata
89 visualizações 28 de jul. de 2022 PRIMEIRA HORA, na Rádio Bandeirantes
*****************************************************************************************
***
Simone Tebet - Entrevista ao Canal Livre - 03/04/2022
8.839 visualizações 5 de abr. de 2022 O Canal Livre deste domingo (03) recebeu a senadora e pré-candidata à presidência da República Simone Tebet (MDB-MS). O programa discute o momento político do país e a disputa pelo planalto. O cenário eleitoral e as dificuldades nas articulações da chamada terceira via. A apresentação é do Rodolfo Schneider. Completam a bancada os jornalistas Fernando Mitre e Eduardo Oinegue.
Canal Livre
“…A Resiliência da Mulher…” Mulher Coragem! Lembrei da também Educadora Emília da Conceição Caputo Mourão, diretora do Grupo Escolar Professor José Eutrópio, em Juiz de Fora, no Bairro Santa Terezinha. Educação, fibra e poesia soldam Simone, Dona Emília e Zé Eutrópio num maciço de esperança e superação.
https://youtu.be/ywpl9a6WAXM
************************************
***
Nas entrelinhas: Dobradinha de mulheres na terceira via
Publicado em 03/08/2022 - 06:24 Luiz Carlos Azedo
Congresso, Eleições, Ética, Governo, Justiça, Memória, Militares, Partidos, Política, Política, São Paulo
A escolha de Gabrilli para vice agrega à candidatura de Simone Tebet mais força em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o que dificulta a sua cristianização pelo PSDB paulista
A chapa Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República, com Mara Gabrilli (PSDB-SP) como sua vice, é alvissareira. Abre espaço para mais mulheres na política, agora com possibilidades financeiras, porque 30% do fundo eleitoral serão destinados a candidaturas de mulheres pelos partidos, que podem ser punidos se não o fizerem. Entretanto, Simone nem de longe tem as mesmas condições oferecidas à ex-presidente Dilma Rousseff, que se elegeu com apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, no auge de sua popularidade, e se reelegeu em 2014, embora com dificuldades e uma oposição que viria apeá-la do poder, com o impeachment.
Mesmo assim, a sobrevivência da candidatura de Simone Tebet no MDB, um partido dominado por velhos caciques políticos regionais, e a indicação de Gabrilli para vice, pelo PSDB, uma senadora de grande prestígio em São Paulo, são obras de grande engenharia política. Nessa construção, destacaram-se a própria candidata, que não esmoreceu diante dos desafios; o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi, que bancou sua candidatura até o fim; o presidente do PSDB, Bruno Araújo, que retirou do caminho o ex-governador de São Paulo João Doria, abdicando da candidatura própria; e o presidente do Cidadania, o veterano Roberto Freire, que apostou na aliança MDB-PSDB-Cidadania, inclusive removendo a candidatura própria do senador Alessandro Vieira (SE), então no Cidadania, quando a aliança com o MDB parecia impensável.
A escolha do nome de Mara Gabrilli para vice foi uma decisão estratégica. O PSDB de São Paulo não estava nem aí para Simone Tebet, mais empenhado na reeleição do governador Rodrigo Garcia, que enfrenta dois adversários poderosos: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos). A decisão foi tomada na cúpula da aliança, num encontro das duas senadoras com Baleia, Araújo e Freire. Segundo Tebet, a conversa entre as duas colegas de Senado foi decisiva:
“Eu tinha dúvida, Mara, se uma chapa 100% feminina seria aceita. Que bom que as [pesquisas] qualitativas mostraram que homens e mulheres estão prontos para votar nessa chapa. E quando fiz o convite para você, esperando que você fosse dizer ‘vou pensar um pouquinho, eu tenho algumas limitações’, Mara disse, na sua generosidade, ‘Simone, que honra. Como vai ser bom falar para o Brasil da nossa causa e da nossa luta'”, relata Tebet.
São Paulo
Psicóloga e publicitária de formação, Mara Gabrilli é tetraplégica. Como mulher, é um exemplo de superação, com atuação política muito focada na inclusão social, em especial dos deficientes físicos. Destacou-se muito como parlamentar combativa e competente, inicialmente na Câmara, onde enfrentou adversários poderosos, como o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), cuja saída do comando da Casa defendeu em plenário.
A escolha de Gabrilli agrega força à candidatura de Simone Tebet em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o que dificulta a sua cristianização pelo PSDB paulista e pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Gabrilli já foi testada em disputa majoritária, em 2018, nadando contra a maré. O governador Rodrigo Garcia, do PSDB, e o prefeito da capital eram vices. A consolidação da candidatura de Simone, porém, enfrenta o desafio de uma eleição muito polarizada, na qual a narrativa do “voto útil” ganha muita força. O fato novo da escolha é a possibilidade de a chapa sair do ponto de inércia em que se encontra nas pesquisas e ganhar mais fôlego com apoio entre as mulheres e no eleitorado paulista. A conferir.
Casa de louças
Em ofício classificado como “urgentíssimo”, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas até 12 de agosto, em caráter de “urgência, urgentíssima”. O ofício é mais uma forma de pressão sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passa a impressão de que a Corte nega acesso aos técnicos das Forças Armadas ao sistema de segurança das urnas eletrônicas, o que não é verdade.
O código-fonte das urnas eletrônicas está à disposição do Ministério da Defesa há um ano. Nesse período, a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF), o Senado e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já tiveram acesso ao mesmo. O PTB, de Roberto Jefferson, o está inspecionando nesta semana. Ainda neste mês está prevista a inspeção da Polícia Federal. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também estão credenciadas para fazê-lo. PL e PV também.
Compartilhe:
****************************
***
Coluna YouTube
Dora Kramer (Política)
https://www.band.uol.com.br/bandnews-fm/colunistas/politica-com-dora-kramer
********************************************************************************
***
"O mais perto que o Brasil esteve do Comunismo foi quando o Brasil enfrentou a União Soviética na Copa de 1958.
O resto, meu anjo, é doidera do seu primo que dirige um Celta e ten medo da taxação de grandes fortunas."
renato_gualberto_s
****************************
***
A ameaça comunista na visão do general Santos Cruz | #MesaDoMeio
1.540 visualizações 2 de ago. de 2022 Em entrevista ao #MesaDoMeio, general Santos Cruz indica se há uma ameaça comunista ou não no Brasil.
___
MEIO
O Meio é uma newsletter gratuita de notícias, sai de segunda a sexta-feira e chega de manhã cedo ao seu e-mail.
**********************
***
Simone Tebet confirma chapa feminina à Presidência com Mara Gabrilli, do PSDB, como vice
Anúncio desta terça (2) acontece após conversas entre as candidatas e os presidentes dos três partidos da aliança (MDB, PSDB e Cidadania), em São Paulo. Tetraplégica, Gabrilli é senadora desde 2018. Antes disso havia sido deputada federal e vereadora na capital paulista.
Por g1 SP e TV Globo — São Paulo
02/08/2022 11h23 Atualizado há 8 horas
***
A senadora Simone Tebet (MDB) anuncia Mara Gabrilli (PSDB) como vice da chapa que concorrerá à Presidência da República em outubro. — Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
***
A senadora Simone Tebet (MDB) anuncia Mara Gabrilli (PSDB) como vice da chapa que concorrerá à Presidência da República em outubro. — Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
***
A senadora Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República, confirmou na manhã desta terça-feira (2) a também senadora Mara Gabrilli (PSDB) como sua vice na chapa que disputará a eleição de outubro.
O anúncio foi feito na cidade de São Paulo, após conversas entre as duas candidatas e os presidentes dos três partidos da aliança - Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Roberto Freire (Cidadania) - e o senador Tasso Jereissati (PSDB).
“Eu tinha dúvida, Mara, se uma chapa 100% feminina seria aceita. Que bom que as [pesquisas] qualitativas mostraram que homens e mulheres estão prontos para votar nessa chapa. E quando fiz o convite para você, esperando que você fosse dizer ‘vou pensar um pouquinho, eu tenho algumas limitações’, Mara disse, na sua generosidade, ‘Simone, que honra. Como vai ser bom falar para o Brasil da nossa causa e da nossa luta'”, afirmou Tebet.
Deficiente física, Mara Cristina Gabrilli é psicóloga e publicitária de formação, e foi eleita senadora por São Paulo em 2018. Antes disso, havia sido deputada federal e vereadora na capital paulista.
Eleições 2022: quem são os candidatos à Presidência da República
***
***
Painel de coletiva do PSDB anuncia a senadora Mara Gabrilli como vice de Simone Tebet (MDB) na chapa que concorre à Presidência da República. — Foto: Phillipe Guedes/TV Globo
***
A informação da indicação da tucana na chapa de Tebet havia sido antecipada pelo repórter Ricardo Abreu no blog do Camarotti na segunda (1º). Pouco depois, em evento na Fiesp com presidenciáveis, Tebet disse que teria uma chapa puramente feminina, mas não mencionou quem seria a candidata.
"É por isso que eu quero aqui anunciar para as senhoras e aos senhores, que pela vez, provavelmente a primeira vez na história da República do Brasil, nós teremos uma chapa pura para candidato à Presidência da República. A minha vice será mulher", disse.
Apesar de Tebet falar em ineditismo em uma chama puramente formada por mulheres, o PSTU anunciou no sábado (30) uma candidatura exclusivamente feminina para a Presidência, com Vera Lúcia como cabeça de chapa e a indígena Kunã Yporã no posto de vice.
A senadora Mara Gabrilli (PSDB) discurso no evento que foi indicada vice na chapa de Simone Tebet (MDB). — Foto: Reprodução/TV Globo
***
A senadora Mara Gabrilli (PSDB) discurso no evento que foi indicada vice na chapa de Simone Tebet (MDB). — Foto: Reprodução/TV Globo
***
Tetraplégica desde 1994 após quebrar o pescoço em um acidente de carro, Mara Gabrilli destacou a representatividade das pessoas com deficiência na disputa presidencial deste ano, algo inédito após redemocratização do País.
“A riqueza do Brasil é a diversidade da população. E quem desdenha isso não merece ir adiante. (...) Um estado ou um país que é bom para a pessoa com deficiência, ele é maravilhoso para as pessoas normais. Sou uma pessoa que tem compromisso com a justiça social, com o combate à fome. Conte comigo e com a minha devoção para mudar o país”, disse Mara Gabrilli nesta terça (2).
A senadora tucana também criticou indiretamente o presidente Jair Bolsonaro (PL), adversário da chapa na eleição de outubro, a quem chamou de alguém que “desdenha do próprio país”.
“Fico muito arrasada, triste, de ver um governo desdenhando a população negra, as mulheres, as meninas, a população indígena, a população LGBTQIA+. Desdenhando aquele que tem uma deficiência ou doença rara, desdenhando idosos. É impossível de conviver com uma situação dessas. Desdenhar do nosso próprio país”, declarou.
Caciques justificam escolha
As lideranças dos partidos que formam a coligação de Simone Tebet justificaram a escolha de duas mulheres para a chapa como uma forma de “devolver ao Brasil a alegria da vida pública” após os episódios de violência que têm sido registrados na atual disputa ao Planalto.
“O Brasil vive talvez o momento mais difícil da sua história. Nós temos o Brasil dividido e a eleição deixou de ser uma festa e virou uma guerra de ódio, com ameaças constantes à nossa democracia e às nossas instituições. Nós não podemos aceitar isso como nosso destino. Reunimos aqui [nessa chapa] o que temos de melhor para devolver ao Brasil a alegria da vida pública”, disse o senador Tasso Jereissati (PSDB) ao falar da união das duas colegas nesta terça (2).
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, participa do anúncio de Mara Gabrilli como vice de Simone Tebet, em São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo
***
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, participa do anúncio de Mara Gabrilli como vice de Simone Tebet, em São Paulo. — Foto: Reprodução/TV Globo
***
O nome de Gabrilli vem à tona após o próprio Jereissati desistir de integrar a composição. O martelo sobre a nova vice foi batido na segunda à noite, em reunião entre os caciques da coligação, que avaliavam também os nomes de outras duas mulheres: a senadora Eliziane Gama (Cidadania) e a candidata tucana ao governo de Pernambuco, Raquel Lyra.
“Nós estamos com duas mulheres que não estão para compor cenário, mas para mudar a história”, disse o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire.
O presidente nacional do MDB afirmou que a escolha de duas mulheres da aliança é para "pacificar o país" e acabar com a “política de ódio que domina atualmente a eleição”.
“Quanto a gente escolhe um presidente porque não gosta do outro, a gente não tem perspectiva de vida melhor. É muito ruim para o país. Por isso que trabalhamos incansavelmente para chegar no dia de hoje para apresentar uma chapa completa e inclusiva, que respeita a todos e que vai mostrar que a educação é a característica dos brasileiros. Com amor, a Simone e a Mara vão devolver ao Brasil a esperança de um futuro melhor”, declarou Baleia Rossi.
Durante sua fala na Fiesp na segunda (1), Simone Tebet disse que teve de "enfrentar caciques do nosso partido" para confirmar sua candidatura. Ela criticou um grupo de lideranças do MDB que declarou apoio ainda no 1º turno ao ex-presidente Lula, candidato do PT.
"Não é fácil para uma mulher enfrentar o meu partido, o maior partido do Brasil, quando outros candidatos querem nos puxar o tapete. 'Vamos tirar Simone porque queremos ganhar no primeiro turno', 'Vamos tirar Simone porque ela pode ser competitiva'", afirmou Tebet.
As senadoras Simone Tebet e Mara Gabrilli participam de evento em SP para anúncio da vice na chapa da aliança MDB, PSDB e Cidadania. — Foto: Reprodução/TV Globo
***
As senadoras Simone Tebet e Mara Gabrilli participam de evento em SP para anúncio da vice na chapa da aliança MDB, PSDB e Cidadania. — Foto: Reprodução/TV Globo
***
***
O Assunto
ESPECIAL: Renata Lo Prete entrevista Simone TebetESPECIAL: Renata Lo Prete entrevista Simone Tebet
00:00 / 01:33:24
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2022/noticia/2022/08/02/simone-tebet-e-mara-gabrilli-participam-de-evento-para-anunciar-chapa-presidencial-em-sp.ghtml
**********************************************************************
***
“FRANJAS DE ALGODÃO EM MANTOS DE VELUDO” – AS IDEIAS, E O DIABO,
FORA DO LUGAR NUM CONTO DE MACHADO DE ASSIS
“FRANJAS DE ALGODÃO EM MANTOS DE VELUDO” -
THE IDEAS, AND THE DEVIL, OUTSIDE THE PLACE IN A TALE OF MACHADO
DE ASSIS
Tiago Ferreira da Silva*
RESUMO
Procura-se analisar o conto “A igreja do diabo”, de Machado de Assis, à luz do pensamento
desenvolvido por Roberto Schwarz em seu famoso artigo “As ideias fora do lugar” (2005). O que se
pretende discutir é como o texto machadiano reflete não somente sobre aspectos religiosos ou sobre
o desejo do ser humano de estar desvinculado de normas religiosas, mas também como representa,
literariamente, a estrutura social brasileira da época, travestida “em capas de veludo com franjas
de algodão”, ou seja, revestida da ideologia liberal europeia, mas alicerçada no atraso do regime
escravo e no regime do favor.
PALAVRAS-CHAVE: Machado-de-Assis; Deus; diabo; Roberto-Schwarz; ideias-fora-do-lugar;
ABSTRACT: The story of “A igreja do diabo”, by Machado de Assis, is analyzed in the light of
the thinking developed by Roberto Schwarz in his famous article “As ideias for a do lugar” (2005).
What we want to discuss is how the Machadian text reflects not only on religious aspects or on
the human being’s desire to be detached from religious norms, but also how he literally represents
the Brazilian social structure of the time, dressed in “velvet cloaks with fringes of cotton”, that is,
clothed with European liberal ideology, but based on the backwardness of the slave regime and the
regime of favor.
KEYWORDS: Machado-de-Assis; God; devil; Roberto-Schwarz; ideas-out-of-place.
Um dos pontos mais instigantes acerca do tema religião na obra machadiana é a presença
recorrente das figuras de Deus e o diabo. Os polos opostos da tradição cristã surgem como elementos
de análise de comportamentos e posturas contraditórios – e por vezes complementares -, presentes
na sociedade de modo geral. O conto “A igreja do diabo”2 será um dos mais bem acabados exemplos
do trabalho de apropriação das figuras divina e diabólica na obra de Machado de Assis.
A narrativa do conto se inicia com as considerações do diabo sobre sua vida, segundo conta um
“velho manuscrito beneditino” (p. 369). A citação do referido manuscrito, feita pelo narrador, funciona
como artifício para que a história ali narrada pareça algo grave e sério, porém o que se vê é a marca
da ironia machadiana logo nas primeiras linhas da narrativa. O diabo, não satisfeito em viver “dos
remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos” (p. 369), decide fundar uma igreja.
Note-se mais uma vez a presença da ironia machadiana no momento em que o narrador nos
diz que diabo vive exatamente do crédito que lhe dá a “igreja de Deus”, porém “sentia-se humilhado
com o papel avulso que exercia desde séculos”, mesmo que “seus lucros fossem contínuos e grandes”
(p. 369). É importante ressaltar que, ao cogitar a criação de sua igreja, o diabo seguirá a mesma
organização e os mesmos padrões da Igreja Católica:
Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o
demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal e a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será
única; não acharei diante de mim nem Maomé nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há um
só de negar tudo (p. 369).
Assim se manifesta o diabo sobre sua futura instituição e decide, então, comunicar seu propósito a
Deus. O caráter ambicioso da aspiração diabólica é relevante, pois busca um meio de se afirmar com base
nas contradições das demais religiões, conforme se vê nas referências a Maomé e a Lutero. A afirmação
de que há um só modo de negar tudo deixa claro que, da parte do diabo, há um plano sistematicamente
elaborado, e com bastante lógica, que o leva a apresentar seu propósito ao Criador.
A segunda parte do conto, “Entre Deus e o diabo”, centra-se no diálogo entre a figura divina
e a diabólica; O último se mostra agitado, enquanto o primeiro é descrito como sempre tranquilo
e doce. O diabo reafirma sua inferioridade ao chamar, mesmo que ironicamente, Deus de mestre,
acaba por trair a si mesmo com a intenção de honestidade em sua argumentação:
Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou
edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha
desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E
então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que não me acuseis de dissimulação (p. 370).
Após ouvir atentamente a exposição, Deus atribui ao diabo o discurso dos moralistas do
mundo, pois tudo o que é dito pelo anjo caído “é assunto gasto”:
Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor.
Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens
força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires (p. 371).
A retórica divina se mostra impositiva e autoritária, afinal, como o todo-poderoso, Deus
precisa conservar sua posição, o que se faz, nesse momento, por meio do discurso. O diabo, em
vão, tenta proferir mais algumas palavras. O Senhor lhe impõe silêncio, restando ao visitante apenas
resignar-se:
Debalde o diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um
sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O diabo sentiu, de repente, que se
achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.
Em “A boa nova aos homens”, terceira parte do conto, o diabo veste a “cogula beneditina,
como hábito de boa fama” (p. 371) e sai a espalhar a sua doutrina, a qual atrai uma imensidão de
fiéis. Pregando todas as más qualidades e vícios, pretende “[...] substituir a vinha do Senhor [...] pela
vinha do diabo [..] pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo” (p.
372).
O “espírito que nega” perverte a ordem e cria um mundo às avessas, totalmente contrário ao
que era conhecido. Chega até a citar um padre, para falar contra o amor ao próximo:
[...] citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das
marquesas do antigo regime: “Leve a breca o próximo! Não há próximo!” A única hipótese em que ele
permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor
tinha a particularidade de não ser outra cousa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo” (p. 373).
Como previra o diabo, sua igreja se tornara popular e “o tempo abençoou a instituição” (p.
373). De modo semelhante ao catolicismo, “a igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia
uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse” (p. 373).
Mas o homem, ser contraditório, cansa-se das normas vigentes e, aos poucos, volta à prática
das antigas virtudes. O diabo assusta-se e, imediatamente, voa ao céu para ter com Deus e tomar
conhecimento da “causa secreta de tão singular fenômeno” (p. 374). Deus, valendo-se do mesmo
discurso que o diabo usara anteriormente, “pôs os olhos nele” e diz, fechando a narrativa: “Que
queres tu, meu pobre diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo
tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana” (p. 375).
Diante do enredo e da temática do conto, à primeira vista, parece que se trata de uma crítica
à religião e à maneira como as instituições religiosas se valem da fé para venderem uma ideologia
e manipularem a vida humana. O fato de, mesmo na igreja do diabo, em que o pecado é a regra, o
homem não se encontrar satisfeito e, por isso, retornar às práticas anteriores mostra-nos, de certa
forma, o conflito do ser humano por não aceitar um mundo mecanicista regido por um Deus - ou
um diabo - que tudo controla, e no qual a individualidade humana é nula. Haverá sempre uma
insatisfação, um desejo de libertar-se dos sistemas de regras que objetivam limitar e manipular o
livre arbítrio.
Entretanto, embora tais aspectos sejam importantes, o que há de mais significativo nesse
conto não são as ideias apreendidas de forma mais evidente por uma leitura inicial. Quando se
volta para uma leitura mais reflexiva, centrada não só no conteúdo explícito, mas na forma como
é construída essa pequena narrativa, é possível ir mais longe e compreender como a genialidade e
a visão crítica de Machado se fazem perceptíveis, uma vez que a forma do conto nos remeterá a
problemas sociais, históricos e literários que nem sempre são captados à primeira vista. Captar a
estrutura mais profunda do conto, ou seja, procurar decifrar a história oculta que se esconde por trás
da mais evidente deve ser o caminho para a construção de uma interpretação mais consistente dessa
pequena narrativa.
O ponto central da análise vem a ser justamente este: como Machado diz uma coisa querendo
dizer outra? O escritor não se preocupou em tratar, de forma abstrata, a contradição humana, a
qual, inicialmente, parece ser o tema central do conto; quis levar o seu leitor a entender como essa
contradição pode ser, e é, construída historicamente, além de mostrar como a literatura servirá de
meio para assinalar e iluminar o processo de construção de tal contradição (BASTOS, 2011, p. 12).
O tom universalizante que o tema central possui não exclui a possibilidade desse conto voltar-se
também para um problema local: a sociedade brasileira do século XIX e suas inúmeras contradições.
A narrativa de “A Igreja do diabo” nos revela um protagonista que se autoengana, pois se
julga superior ao Criador e pretende, por meio de uma doutrina extremamente racional, ornamental e
instrumentalizada, estabelecer um novo reino, que seria diferente e melhor que o anterior (o reinado
de Deus) e conferiria a ele um domínio total da humanidade. Sintetizando: o diabo objetiva assumirse como o deus todo-poderoso e atrair todos para si, a fim de construir um reinado alicerçado na
liberalidade do pecado e de todas as práticas antes condenáveis. O problema é que estrutura sua igreja
nos moldes da tradicional igreja cristã e se vale dos mesmos artifícios utilizados pelo cristianismo
anteriormente para tentar solidificar sua instituição. Que se pode depreender de tudo isso?
Voltando-se mais uma vez para a forma da narrativa - dizer uma coisa querendo dizer outra
- surge o ponto principal/ mote do conto, argumento central utilizado pelo diabo para justificar seu
intento: “em mantos de veludo há franjas de algodão assim como em capas de algodão há franjas de
seda” (p. 370). A compreensão dessa metáfora contribuirá de modo significativo para a leitura que
se pretende construir de tudo o que é tratado em “A igreja do diabo”.
O diabo ampara-se no argumento de que “as virtudes, filhas do céu, são em grande número
comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão” (p. 370). Ou seja,
ao lado das belas e puras virtudes, representadas pelo “manto de veludo”, emergem, no tempo e no
espaço, fortes e imaculados pecados, manifestados pelas “franjas de algodão”. É a partir dessa ideia
central que se fundará a igreja, a qual objetivará desmascarar o que se tinha por bom e recriar as
virtudes invertendo-lhes o sentido.
Esta comparação constitui o modelo teórico e prático de toda a empresa diabólica.As virtudes não são puras e absolutas. Em termos relativos, podem ter aspectos de maldade como as capas de
seda podem ter franjas de algodão. O diabo propõe explorar esta relatividade, puxar as franjas, para
obter uma vitória absoluta, trazendo “todas” as franjas, e com elas a seda pura, para a sua igreja. Em
outras palavras, propõe criar um tecido de algodão único e contínuo (DIXON, 1992, p. 83).
Tomando-se por base as reflexões de Roberto Schwarz (2005), conclui-se que o diabo consegue
fundar a sua igreja a partir da adequação de determinadas ideias a um contexto que não lhes é próprio e é
daí que surge uma possível correlação do conto com a realidade histórica do Brasil, à época de Machado
de Assis. A forma como é organizada a nova igreja, com a importação e adaptação de ideias que não lhes
são próprias para um contexto específico, pode sugerir algo bem próprio da estrutura social brasileira,
na qual dominava o fato “impolítico e abominável” da escravidão que excluía o Brasil da realidade da
ciência e de seus princípios (SCHWARZ, 2005, p. 59).
Havia, no Brasil da segunda metade do século XIX, a presença de ideias do liberalismo
europeu que estavam em total discordância com a nossa realidade, alicerçada ainda no trabalho
escravo, porém insistindo em assemelhar-se às sociedades europeias, em pleno “progresso”.
Machado será aquele que, realisticamente, penetra os meandros da sociedade fluminense, ou seja, o
presente, já urbanizado e até certo ponto modernizado, na medida em que guardava em seu bojo a
decomposição do sistema escravista e da hegemonia imperial. (BOSI, 2007, p. 151).
Aassimetria e antinomia advindas dessa situação peculiar de um Brasil cuja elite não dispunha
de outra retórica senão a do progresso linear constituem um dos pilares do modo machadiano de
análise do país. As ideias advindas da Europa eram “travestidas” em terras brasileiras, ou seja,
mudavam de roupa para que pudessem ser melhor absorvidas pelos que aqui viviam. Não havia
correspondência entre umas e outras. As ideias não eram válidas à realidade do país, eram pura
ideologia por estarem distantes da realidade material, embora dessem, mesmo assim, sentido a ela.
É claro que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo geral, o universalismo
eram ideologia na Europa também; mas lá correspondiam às aparências, encobrindo o essencial
– a exploração do trabalho. Entre nós, as mesmas ideias seriam falsas num sentido diverso, por
assim dizer original (SCHWARZ, 2005, p. 60).
Tais ideias poderiam ser mudadas por uma estratégia de retórica para passarem a dar sentido
ao que não possuía sentido anteriormente - ou era ilógico - e para justificar o injustificável. Da
mesma maneira como, no conto, o diabo cria um mundo às avessas no qual o pecado é a virtude
e esta é o vício, na sociedade brasileira da época buscava-se o modo de vida nos valores e ideais
europeus a fim de criar a maneira para se viver no país, que estava completamente distante do que
era a existência na sociedade brasileira de fato. Sérgio Buarque de Holanda observa: “Trazendo de
países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo, e timbrando em
manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa
terra” (HOLANDA, 2008, p.15).
Havia uma impropriedade de pensamento, presente na vida ideológica durante todo o
Segundo Reinado, que é tratada com propriedade na prosa de Machado de Assis, escritor que soube
captar, como nenhum outro, a realidade de ideias alheias entremeadas à nossa realidade, procurando
determinar-lhe o rumo. Pela estrutura que o país apresentava – país agrário, dependente, dividido
em latifúndios, cuja produção era sustentada, por um lado, pelo trabalho escravo e, por outro, pelo
mercado externo – era inevitável “a presença do raciocínio econômico burguês [...] uma vez que
dominava no comércio internacional, para onde nossa economia era voltada” (SCHWARZ, 2005, p.
62). A independência, há pouco conquistada, tornara-se realidade alicerçada em princípios e ideias
que não nos pertenciam – eram francesas, inglesas e americanas – mas que se uniram à nossa
identidade. Todo esse conjunto ideológico impróprio aos brasileiros irá se chocar, e conviver, com a
escravidão e os que a defendiam.
Há uma incompatibilidade evidente aí que também pode ser percebida no conto. O diabo
adota as mesmas formas e rituais da igreja divina, entretanto inverte o rumo da ideologia sem,
contudo, abandonar a forma tradicional, agora permeada de um novo conteúdo. No Brasil, a lógica
importada da Europa assumia feição diversa e deixava mais claras suas “franjas de algodão”, pois enquanto lá havia, por exemplo, a especialização da mão-de-obra para economizá-la, aqui tal fato
não se dava, pois o trabalho era feito, intencionalmente, num maior espaço de tempo, para que toda
a atenção do escravo estivesse voltada para as suas tarefas.
O país estava numa situação contraditória, pois a simples presença da escravidão dava
impropriedade às ideias liberais, embora não lhes impedisse o movimento. Como no conto, as
ideias simplesmente mudam de roupa para justificar o injustificável, porém acabam deixando à
mostra as mazelas da sociedade brasileira, as quais possuíam como mecanismo ideológico o favor
(SCHWARZ, 2005, p. 65). O mecanismo do favor aqui estruturado será o regente da vida ideológica,
envolvendo as classes produzidas pelo processo de colonização – senhor, escravo e “homem livre”-,
contudo se tornando verdadeiramente efetivo entre senhores e “homens livres”. Era por meio de um
favor de um grande que se criava a possibilidade de um “homem livre”, não senhor e não escravo,
ter acesso à vida social e aos bens provenientes dela. Esteve esse mecanismo presente em vários
ramos da sociedade, e era por meio dele que se praticava “[...] a dependência da pessoa, a exceção
à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços pessoais” (SCHWARZ, 2005, p. 66). Esse
mecanismo acentuava a contradição existente no país e dava mostras mais claras de como as ideias
assumidas estavam deslocadas e fora de contexto.
Como observa Schwarz: “adotadas as ideias e razões europeias, elas podiam servir e muitas
vezes serviram de justificação, nominalmente ‘objetiva’, para o momento de arbítrio que é da
natureza do favor” (2005, p. 67). Essa ideia de favorecimento para engrandecimento, legitimada por
meio de algum princípio racional, era, na verdade, o verdadeiro mecanismo ideológico brasileiro,
mesmo que se insistisse em buscar fora as mais modernas ideias e trazê-las à realidade do país.
Contudo, as mais belas e notórias ideias do liberalismo europeu serviram de “mantos de
veludo” às pessoas e à sociedade, apesar de possuírem, também, as suas “franjas de algodão”. “Nesse
contexto, portanto, as ideologias não descrevem sequer falsamente a realidade, e não gravitam
segundo uma lei que lhes seja própria” (SCHWARZ, p. 68). O ornato ideológico existe e, para se
manter, necessita da cumplicidade, que a prática do favor lhe garante. Não é interessante a nenhuma
das partes envolvidas denunciar a outra, porém os elementos necessários para fazê-lo aparecem a
todo momento. É essa cumplicidade que assegurará, no Brasil, que nenhuma das classes – nem a do
senhor e nem a do “homem livre” – era escrava. Mesmo o mais miserável dos favorecidos poderia
reconhecer, no jogo do favorecimento, a sua livre pessoa.
Num período de grande desenvolvimento artístico e científico no continente europeu, era
necessário ao Brasil também buscar o progresso e mostrar que estava à altura das grandes nações
do velho continente. Hábitos, vestimentas, construções e outros aspectos da vida europeia foram
trazidos para a realidade nacional e contribuíram para o autoengano do brasileiro. Procurávamos
ignorar a escravidão, que tanto nos acompanhou, e a estrutura do favor, sempre presente, e levar
uma vida nos moldes europeus, vivenciando um total desacordo entre a representação e o seu real
contexto:
Em resumo, as ideias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis.
Foram postas numa constelação especial, uma constelação prática, a qual formou sistema e não
deixaria de afetá-las. Por isso, pouco ajuda insistir na sua clara falsidade. Mais interessante
é acompanhar-lhes o movimento, de que ela, a falsidade, é parte verdadeira. Vimos o Brasil,
bastião da escravatura, envergonhado diante delas – as ideias mais adiantadas do planeta [...]
e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma
ornamental, como prova de modernidade e distinção (SCHWARZ, 2005, p. 77).
Essa constatação nos permite perceber familiaridades entre o que se via na sociedade
brasileira e o modo de agir do personagem diabo no conto machadiano. Ambos, cansados de sua
desorganização, querem mostrar-se avançados, organizados e metódicos, por isso buscam ideias que
não lhes são próprias para se autoafirmarem e provarem que podem ser semelhantes, ou melhores, que
aqueles que imitam. A construção irônica do conto parece, como uma das principais características
da produção machadiana, dar conta de aspectos de nossa sociedade, mesmo que, aparentemente, a
narrativa de “A igreja do diabo” em nada remeta aos aspectos da realidade brasileira.
O Brasil, no fim das contas, quer ser como a Europa, partilhar das mesmas ideias e costumes
para dar mostras de progresso. O diabo, por julgar-se superior, procura assumir o lugar de Deus no
domínio do mundo, mas assume a mesma estrutura e os mesmos mecanismos da igreja divina para
alicerçar a sua. Enfim, ambos se valem de ideias alheias que aparecerão deslocadas e desconexas
com a realidade de cada um. O diabo do conto serve como metáfora da realidade brasileira, a qual
se vale de uma ideologia de segundo grau (SCHWARZ, 2005, p.68) para fundamentar um modo
de vida contrário aos princípios da mesma ideologia assumida. Desse modo, a obra machadiana se
mostra esteticamente eficaz como meio para revelar de que modo as ideias no Brasil estavam fora
de centro, vestidas em roupas diferentes na tentativa de dar à sociedade brasileira uma feição mais
próxima ao padrão exterior, embora só consiga mostrar que o mecanismo que rege as coisas por aqui
é o mesmo de lá, porém com as devidas particularidades.
Em meio a toda a abordagem histórica presente no conto, e em toda a obra machadiana, faz-se
necessário, também, explorar os mecanismos dos quais se vale o escritor para dar a ver as contradições
existentes na sociedade de sua época. O pano de fundo histórico surge como matéria de sua literatura e
as expressões de seu grande entendimento dos meios que determinavam o rumo do país surgem como
expressão estética, como processo formal, em que se pode destacar a ironia, marca de sua visão crítica, e
a volubilidade da classe dominante expressa na figura do narrador, cujo auge se encontra em Memórias
Póstumas de Brás Cubas e em Dom Casmurro (SCHWARZ, 2001, p. 29).
A fina ironia machadiana, aguda e penetrante, (CANDIDO, 2004, p. 18) serve como meio
eficaz de revelar a sua atitude questionadora frente à vida. Seu modo peculiar e realista de observar
a realidade à sua volta levou o escritor a uma posição de descrença na melhora da sociedade e da
humanidade, cabendo a ele a função de mostrar, de maneira profunda, as mazelas presentes na alma
humana e os reflexos delas na vida social.
O conto “A igreja do diabo” deixa bem clara, também, a atitude negativa de Machado frente
à ideia de salvação humana. A figura do diabo, representado de forma prepotente e irônica, consegue
estabelecer a sua igreja com a permissão divina e propaga a sua doutrina valendo-se de exemplos
voltados para a desconstrução do que se tinha por verdade e por princípios a se seguir. A liberalização
do pecado como eixo condutor da vida humana nada mais mostra que a hipocrisia que já existia na
conduta do homem, mas que agora se torna norma a ser cumprida. Sensível a esse fato, Machado
nos apresenta exemplos históricos e literários utilizados pelo diabo para justificar sua doutrina e
incentivar a prática do pecado. Homero, Rabelais, Antônio Dinis da Cruz e Silva, autor do poema
Hissope, e Luculo materializam os pecados capitais, os quais se justificam justamente por terem
servido de matéria a grandes obras da humanidade:
A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou
não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma
esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não
haveria a Ilíada: “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu...” O mesmo disse da gula,
que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos de Hissope; virtude tão
superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que
realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica,
para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir
na boca e no ventre os bons manjares,em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do
jejum? (p. 372)
Conforme se vê na citação, a inversão de valores proposta pelo diabo alcança êxito especialmente
porque ele cria justificativas mais do que convincentes para afirmar sua ideologia, embora a explicação
coerente para a prevalência dos pecados no mundo não constitua motivo justificável para a sua existência.
Assim, a lógica diabólica criava mecanismos para justificar o injustificável.
Em outro momento, o diabo, propagando a sua doutrina, profere o seguinte apólogo: “Cem
pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida
realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no
livro da sabedoria” (p. 373). Por este apólogo, que reduz o homem ao acionista, entra-se no campo
da vida moderna, devorada e esterilizada pela economia. O homem religioso, o cristão, o católico, são extravagâncias e inutilidades na máquina do mundo (FAORO, 2001, p. 433). O católico perdeu
as raízes cristãs que o alimentaram e lhe insuflaram o sentimento de divindade. Sua existência
social se determina pela qualidade de burguês, cujo último estágio é o acionista, e não de membro
da cristandade, da igreja. O mundo se estreita na caça do dinheiro, o cristão se anula no burguês, na
imensa paisagem desolada e perdida do Diabo. Mas nem tudo é permitido: mortos os mandamentos,
ainda vigoram as convenções e a polícia, que vigiam as ruas, os bancos, as assembleias de acionistas.
Certo, há a consciência que rói surdamente, mas o brilho do vil metal a pacifica, como outrora a
prece (FAORO, 2001, p. 436).
Além desses aspectos, nota-se que a ironia encontra seu ponto mais alto no fato de Deus
abandonar o mundo nas mãos de seu maior inimigo. O homem é lançado à sorte e terá sua vida
regrada por quem sempre negara. Contudo, basta que o diabo apresente a sua doutrina para que as
multidões se juntem a ele e se esqueçam das práticas antigas. No fim do conto, quando voltam a
praticar as antigas virtudes, fica clara a insatisfação com a estrutura religiosa de modo geral e mais
ainda: fica clara a visão cética e questionadora machadiana ao não ver um caminho de salvação
para o homem nas mãos divinas ou diabólicas. A contradição humana serve como explicação de
Deus para a inconsistência das atitudes do homem, porém tal contradição é fruto de processos
complexos, determinantes do rumo que levará a humanidade. A posição de Machado diante dos
rumos reservados ao homem e, particularmente, ao Brasil, será de questionamento e descrença,
tendo em vista a impossibilidade da bondade inata do ser humano e a mescla de modernidade e
barbárie que reinava na sociedade brasileira do século XIX.
Esse modo, por vezes cético e pessimista, de examinar a realidade é uma atitude intelectual
do autor, um modo de encarar a vida, uma insistente preocupação em ridicularizar os sistemas
filosóficos, de satirizar a cega confiança dos autores nas próprias filosofias, e de modo geral, a
confiança na ciência, nas instituições e na razão humana. Portanto, não se esgota como uma mera
opinião, mas sim como um questionamento radical dos fatos e das verdades refletidos no fazer
literário do autor.
O humor, como meio de expressar sua atitude crítica diante do que narra, funciona como
mecanismo para revelar que a ironia estava não só na contradição humana, residia na própria
estrutura da sociedade brasileira, alicerçada na crueldade do trabalho escravo e no regime do favor,
porém importando, ao mesmo tempo, a ideologia liberal europeia, numa tentativa de se assemelhar
ao que havia de mais avançado no mundo, confiante de que os progressos científicos e tecnológicos
serviriam como a grande solução de todos os problemas. Captando essas contradições, o escritor
produz narrativas calcadas em sua atitude negativa frente aos rumos do Brasil e do restante do
mundo.
Talvez aí resida o problema maior, a “causa secreta” das ações humanas, nessas franjas de
algodão em mantos de seda. As virtudes têm sua ponta inicial em algum motivo inconfessável,
na maioria das vezes inspirado no egoísmo, na sensualidade, no amor-próprio. Em toda a obra
machadiana aparecem fatos e situações que traduzem essa concepção.
Em “A igreja do diabo”, a inversão de valores e a não permanência do homem junto ao
proposto pela nova doutrina, mais liberal, mostram como é difícil para o homem se encontrar e
definir sua atitude perante a vida. A natureza humana é ambígua e é essa ambiguidade que permite
ao diabo fundar a sua igreja. O homem é um ser de idas e vindas, não se encontra em Deus nem
se encontrará no diabo porque, de acordo com o enredo do conto, não existe meio, religioso,
científico ou tecnológico que sirva como tábua de salvação. Machado estava ciente disso e faz da
literatura um elemento que revela a impropriedade das ideias presentes aqui, que são representadas
metaforicamente na doutrina e organização da igreja do diabo.
A ironia, expressão artística da visão crítica do autor, da sua não confiança no homem
e descrença na grandeza humana - vide Brás Cubas e sua trajetória de insucessos - possui um
fundamento importante que é a volubilidade narrativa (SCHWARZ, 2001). O narrador machadiano,
sobretudo o das Memórias Póstumas, transforma-se constantemente. Essa mudança funciona como
um golpe no leitor, desidentificando o personagem anterior com o novo. A ruptura com os padrões,
expressa na volubilidade, é um ato desleal do narrador que lhe proporciona um certo prazer, uma vez que confere a ele uma pequena superioridade sobre o leitor e sobre a convenção em geral, que insiste
em permanecer igual ao que era antes. A cada frase o narrador busca uma supremacia qualquer, a
qual ele pode obter tanto sendo o melhor como sendo mais canalha que o leitor. Há um desrespeito
em permanência, o qual não leva em consideração/ obedece a ordem que determina que as coisas
devem começar pelo início e terminar pelo fim, que desconsidera a conveniência de tratar o leitor
como uma pessoa à qual se deve certa distância.
A volubilidade é um princípio formal assumido pelo escritor que serve para retratar a classe
dominante (SCHWARZ, 2001, p. 31). Esse aspecto que era simplesmente tema nas produções da
primeira fase de sua obra torna-se agora elemento estético nas da segunda, servindo como meio de
representação da postura da classe dominante brasileira, inconstante, levada a qualquer lugar por
qualquer vento e autoiludida, por ter se apropriado de ideias que não lhe pertenciam e acabar presa
a um engodo, de modo semelhante ao que aconteceu com o diabo que, julgando-se à frente de seu
Criador por perceber a inconstância na postura do homem, crê que a igreja que irá fundar será mais
eficiente que as outras, pois terá um condutor mais sábio e conhecedor da natureza humana.
Entretanto, após um rápido momento de regozijo, depara-se o diabo com a inconstância
humana, que leva as pessoas a negarem as novas virtudes e retornarem às antigas, o que serve como
um verdadeiro golpe no diabo, que se enganara o tempo todo ao se julgar o grande conhecedor da
humanidade. Tem seus planos frustrados justamente porque a lógica que regia sua igreja não lhe
pertencia, não possuía nada de novo em relação à antiga e por isso serve como engano a ele mesmo,
grande retórico e prepotente.
Neste ponto também é permitido pensar com Schwarz quando utiliza a ideia de
“universalização da volubilidade” (2001, p. 61). A volubilidade não está apenas na esfera social, mas
também na humana, na pessoal. No caso de Memórias póstumas, além da narrativa de Brás Cubas
ser volúvel e “escorregadia”, também o é o ser humano em geral. O que inicialmente era possível
perceber apenas no narrador e no personagem foi sendo aprofundado: a volubilidade “é o pendor
permanente de todos; designaria, neste caso, uma insuficiência metafísica do ser humano. Por outro
lado, não lhe faltam também as conotações de cor local, mais genéricas do que uma propensão de
fulano ou beltrano, mas nem por isso universais; nesta acepção, ela seria o indício distintivo de um
sociedade entre outras.” (SCHWARZ, 2001, p. 62). A volubilidade é condição humana, é feição
pessoal e é característica brasileira.
Isso posto, constata-se, também, que nos contos de Machado, o princípio fundamental é a
relativização textual, que lhe vai propiciar uma ampla e inusitada fonte de expressividade. Ao tornar
relativa toda a exterioridade, comportamento e, aos poucos, a própria essência do mundo, questiona
o pré-estabelecimento, a permanência imutável dos conceitos e valores (DIXON, 1992, p. 89).
Esse raciocínio encontra grande correspondência no conto “A igreja do diabo”, já que a
narrativa mostra com grande eficiência que, no mundo de tantos absolutismos pretensiosos, o
relativo não deixa de vigorar, e a “eterna contradição humana”, mencionada por Deus ao final do
conto, seria a confirmação disso.
“A igreja do diabo” leva-nos a apreender de forma mais completa a grande “comédia
ideológica” existente na sociedade brasileira, contraditória e autoenganada, apropriada do que não
era seu na tentativa de se mostrar avançada, assim como o protagonista do conto procurou superar
a Deus com a mesma estrutura que deveria negar. A ironia desta situação serviu como instrumento
formal para que Machado revelasse as mais profundas mazelas de seu tempo valendo-se de uma
alegoria, brincando, aparentemente, com um tema religioso, porém demonstrando como a utilização
de metáforas pode servir, e de modo extremamente eficaz, à retratação do real, de certa forma óbvio,
mas que insistia em ser ignorado.
Referências
ASSIS, Machado de. “A igreja do diabo”. In: Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, vol. 2, p. 369-380.
BOSI, Alfredo. Machado de Assis: o enigma do olhar. 4ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
CANDIDO, Antonio. “Esquema de Machado de Assis”. In: Vários Escritos. São Paulo, Rio de
Janeiro: Duas Cidades, Ouro sobre Azul, 2004, p. 15-32.
DIXON, Paul. Os contos de Machado de Assis: mais do que sonha a filosofia. Porto Alegre:
Movimento. 1992.
FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do Capitalismo. São Paulo: Duas Cidades, 2001.
. “As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 2005, p.
11-31.
Recebido em: 17/09/2017
Aceito para publicação em: 14/12/2017
* Doutorando em Literatura Brasileira no Póslit/UnB e professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Universidade de Brasília
Revista Cerrados, nº 45, ano 26
******************************************
***
Detalhe do altar-mor da Igreja de São Bento em Olinda
***
***
Audiobook | A Igreja do Diabo - Machado de Assis | Audiobook Completo em Português
191 visualizações 26 de jul. de 2021 #audiobooksbrasil #aigrejadodiabo #machadodeassis
***
https://www.youtube.com/watch?v=3TXyGv8j6iM
**************************************************
***
CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA
Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 188/2013 - Processo: 4170-00 2002
JUSTIFICATIVA
O Projeto de Lei que ora apresenta-se, tem por objetivo homenagear uma cidadã a quem o Bairro Santa Terezinha muito se
orgulha.
Emília da Conceição Caputo Mourão, nascida no dia 22 de março de 1907, natural da cidade de São Geraldo - MG, filha de
Caetano Caputo e de Maria Luiza Caputo. Casou-se em 1931 com Carlos Antônio Mourão Neto e desta união nasceram cinco filhos e dos filhos nasceram dez netos.
Concluiu o Curso Normal em 1924 no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora em Ponte Nova - MG. Sua nomeação ao magistério foi em
1926. E em 1972 recebeu Titulo de Cidadã Honorária de Juiz de Fora.
Foram 62 anos de incansáveis serviços e feitos educacionais que como mestra abnegada prestou ao seu Estado.
O prédio onde funcionava a "Escola da Tapera" Pertencia a Paróquia Nossa Senhora da Glória, como havia dificuldade de repasse
de verbas da atual Secretaria das Finanças (hoje Secretaria da Fazenda) para a Escola, por longos períodos e de seu próprio
vencimento pagava o aluguel do prédio onde funcionava a "Escola da Dona Emília" chamada carinhosamente pela população de Santa
Terezinha.
Naquele tempo, os adultos eram pouco alfabetizados e para trabalharem precisavam de comprovante de alfabetização. Dona
Emília muitas e muitas vezes os acolhia em sua residência, alfabetizava-os e fornecia o documento que precisavam.
Os alunos da escola que não conseguiam acompanhar a série eram levados para casa dela para aulas de reforço. Naquele tempo os
poderes públicos não forneciam merenda. Ela conseguia doações nos antigos armazéns, açougues, verdureiros e pais de alunos e fornecia merenda aos alunos. Também com doações do comércio fornecia uniformes e material escolar aos alunos carentes.
Numa antevisão do antigo "Mobral" e vendo a necessidade de alfabetizar o adulto criou em seu grupo em 1962 o 10 Curso Noturno.
Trabalhou com afinco para funcionamento do "Pré-Escolar" emseu grupo. Incentivou no Bairro, as artes, a religião, a música e a
cidadania. E sua presença, sempre indispensável a atividadescongêneres ligadas ao interesse público.
Por isto, reputamos como justo o reconhecimento que a população do Bairro Santa Terezinha, por nosso intermédio, deseja
fazer a Dona Emília, que fez da humildade e do trabalho, o melhor exemplo a ser seguido, dando seu nome a UAPS do Bairro Santa
Terezinha.
https://www.camarajf.mg.gov.br/sal/textop.php?num=45471&sequencia=2
**************************************************************************
***
30 abril 2012
Escola Estadual Professor José Eutrópio, Av. Rui Barbosa, bairro Santa Terezinha (foto autoria provável, Roberto Dornellas ou Jorge Couri).
https://www.mariadoresguardo.com.br/2012/04/escola-estadual-professor-jose-eutropio.html
*******************************************************************************************
***
A MAIOR RIQUEZA DO BRASIL É SUA DIVERSIDADE - GPS Político com Simone Tebet
142.247 visualizações 28 de ago. de 2021 O nosso GPS Político dessa semana é com Simone Tebet, senadora pelo estado de Mato Grosso do Sul. Ela também é advogada, professora, escritora e política brasileira filiada ao MDB. No nosso papo falamos sobre o papel da mulher na política e entendemos qual o posicionamento da senadora na nossa régua.
Realização: Play9
https://www.youtube.com/watch?v=uDy_uoNaW74
*************************************************
***
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
Roberto DaMatta* - Brasileiros desconfiam de ascensão social
O Globo
Ninguém acredita que não exista algo por trás de um sucesso que ameaça o ideal reacionário de imobilidade
Um amigo ganhou um prêmio de uma sociedade literária. O prêmio inclui uma quantia em dinheiro.
Seus amigos e colegas viram como um reconhecimento, pois o premiado tem uma longa vida profissional como especialista em “ciências ocultas e letras apagadas”, como diz, citando o Millôr, quando se refere às disciplinas humanas.
Alguns mencionaram “a graninha boa”, reduzindo o prêmio ao dinheiro, e não ao reconhecimento de uma obra. Um parvo falou que ele recebia o prêmio porque escreveu sobre temas populares, esquecendo um detalhe capital: nas ciências humanas, o que conta não é bem do que se fala, mas como se fala. Pois o trivial é assumir o senso comum, e o extraordinário é lançar sobre o familiar um olhar que equilibra familiaridade e estranhamento. Falar de futebol como um jogo é uma coisa. Falar dele como um ritual competitivo promotor de uma experiência de igualdade — de respeito a normas impessoais de todos conhecidas — é tentar entendê-lo por meio de uma visão não rotineira.
Um conhecido lembrou a frase atribuída a Tom Jobim:
— No Brasil, o sucesso é uma ofensa pessoal...
Discutir por que vemos o sucesso do outro como ofensa é importante para compreender o Brasil. Pois a reação negativa ao sucesso aponta uma visão em que o êxito é concebido como um bem limitado, tal como assinalou o antropólogo George M. Foster num ensaio nascido de pesquisas sobre as orientações culturais latino-americanas.
Nele, Foster chama a atenção para essa concepção em que o êxito de alguém inibe o dos outros, que deixam de ganhar, pois o bem seria limitado.
Trata-se, diria eu, ampliando o insight de Foster, de um óbvio sintoma de sociedades mais relacionais e hierárquicas que individualistas. Sistemas conservadores e elitistas, que bloqueiam a ascensão social, pois cada qual deve ficar feliz em seu lugar, satisfazendo às diretrizes dos segmentos superiores. Nesses sistemas, há a ideia de que o lugar de cada um é fixo, de modo que os elos de todos com todos confirmam ou causam revolta quando um deles se destaca e, assim, alcança a faixa dos que “nascem feitos” ou dos “grandes” — os que tudo podem...
A ideia oculta de que o poder, o prêmio e a felicidade são limitados contrasta com o “fazer-se a si mesmo” comum e surpreendente em outros sistemas. A busca de construir-se a si mesmo é certamente ofensiva nas sociedades em que “ficar rico”, ou “subir na vida”, é visto como ambição pecaminosa ou esperteza, pois normalmente cada qual deveria contentar-se com seu lugar. Se a ânsia por “subir na vida” é reprimida, o sucesso tem de vir de fora. Do elo com alguém poderoso, por sorte ou milagre.
A ascensão social promove desconfiança mesmo sendo merecida. Em sociedades como a nossa, conservadora e hierarquizada, surgem os malandros e os conspiradores, pois ninguém acredita que não exista algo por trás de um sucesso que ameaça o ideal reacionário de imobilidade.
Donde o populismo e seus irmãos: o salvacionismo e o negacionismo, tão nossos conhecidos. Neles há a suposição de que os integrantes do sistema contam pouco, e a presente crise é uma prova de que cada vez mais sabemos que os “salvadores da pátria” acabam salvando suas famílias e contas bancárias, pois quem pode nos salvar mudando o sistema somos nós mesmos — os cidadãos comuns que começam a deixar de crer que existe um bem limitado para engendrar um sistema aberto, em que todos são premiados por seus talentos.
*Roberto DaMatta, antropólogo e escritor, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário