O dia em que Bolsonaro decidiu mandar tropas
para o Supremo
MONICA GUGLIANO
piaui.folha.uol.com.br
EDIÇÃO 167 | Agosto_2020.
Bolsonaro, cavalgando em Brasília, nove dias depois
da reunião do golpe: ao explicar como se inicia uma ditadura, Zero Três disse
que é fundamental “dissolver a Suprema Corte” CREDITO: PEDRO LADEIRA_FOLHAPRESS
Atemperatura em
Brasília não passou de 27ºC naquela sexta-feira, mas o ambiente estava tórrido
no gabinete presidencial, no Palácio do Planalto. Ainda pela manhã, Jair
Bolsonaro fora informado que o ministro Celso de Mello, o decano do Supremo
Tribunal Federal, consultara a Procuradoria-Geral da República para saber se
deveria ou não mandar apreender o celular do presidente e do seu filho Carlos
Bolsonaro. Era uma formalidade de rotina, decorrente de uma notícia-crime
apresentada por três partidos, mas a mera possibilidade de que seu celular
viesse a ser apreendido deixou Bolsonaro transtornado. No seu gabinete, a
reunião das 9 horas começou com um pequeno atraso. Estavam presentes dois
generais: o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, e o
ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O terceiro general
a participar do encontro, Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, achando que aquele 22 de maio de 2020 seria um dia
tranquilo, marcara uma consulta médica na parte da manhã. Foi o último a chegar
à reunião. Agitado, entre xingamentos e palavrões, o presidente saiu logo
anunciando sua decisão:
– Vou intervir! – disse.
Bolsonaro queria mandar tropas para o Supremo porque os magistrados, na
sua opinião, estavam passando dos limites em suas decisões e achincalhando sua
autoridade. Na sua cabeça, ao chegar no STF, os militares destituiriam os
atuais onze ministros. Os substitutos, militares ou civis, seriam então
nomeados por ele e ficariam no cargo “até que aquilo esteja em ordem”, segundo
as palavras do presidente. No tumulto da reunião, não ficou claro como as
tropas seriam empregadas, nem se, nos planos de Bolsonaro, os ministros
destituídos do STF voltariam a seus cargos quando “aquilo” estivesse “em
ordem”. A essa altura, ele já tinha decidido também que não entregaria seu
celular sob hipótese alguma, mesmo que tivesse que descumprir uma ordem
judicial. “Só se eu fosse um rato para entregar meu celular para ele”, disse,
fazendo uma comparação que voltaria a usar, em público, no transcorrer do dia.
– Vou intervir! – repetiu.
Apesar da extrema gravidade do anúncio, o general Luiz Eduardo Ramos,
amigo de Bolsonaro há mais de quatro décadas, recebeu bem a intenção do
presidente de partir para um confronto de desfecho catastrófico. Achava que
intervir no Supremo era, de fato, a única forma de restabelecer a autoridade do
presidente, que vinha sendo abertamente vilipendiada pelo tribunal. No seu
raciocínio, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que proibira a posse
de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, já tinha sido um
abuso inaceitável. Braga Netto e Augusto Heleno concordavam que Moraes fora
longe demais. Também achavam que a decisão do ministro fora uma interferência
inadmissível em ato soberano do presidente, mas tinham dúvidas sobre a forma e
as consequências de uma intervenção. A certa altura, o general Heleno tentou
contemporizar e disse ao presidente:
– Não é o momento para isso.
A piauí reconstituiu os detalhes da reunião com quatro
fontes que pediram anonimato para não contrariar o presidente. Duas delas
testemunharam a reunião. O clima era tenso, as pessoas entravam e saíam do
gabinete presidencial, enquanto os garçons, aparentemente alheios ao ambiente carregado,
serviam água e café preto, com as opções de açúcar, adoçante ou leite em pó.
Entre a decisão de Bolsonaro de intervir no STF e o conselho apaziguador de
Heleno, deu-se um debate sobre como a intervenção poderia acontecer legalmente.
Apesar da brutalidade autoritária de uma intervenção, havia a preocupação de
manter as aparências de uma medida dentro da lei.
A reunião prolongou-se e acabou se fundindo com a reunião seguinte,
prevista para as 10 horas na agenda presidencial. Os participantes do compromisso
das 10 horas – os ministros André Mendonça (Justiça) e Fernando Azevedo
(Defesa), além de José Levi, titular da Advocacia-Geral da União – se
incorporaram à discussão de como dar legalidade a uma eventual intervenção. A
conversa girou em torno do artigo 142 da Constituição.
No dia 28 de
maio, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, de 85 anos, publicou um artigo
no Consultor Jurídico, um site de notícias jurídicas. O título do
artigo já mostrava a tese central: Cabe às Forças Armadas Moderar os Conflitos
entre os Poderes. O jurista dizia que o artigo 142 da Constituição permite
que qualquer dos três poderes, caso se sinta “atropelado por outro”, peça que
as Forças Armadas “ajam como poder moderador” com o objetivo de restabelecer “a
lei e a ordem”. A ideia do jurista não era propriamente uma novidade, mas a
publicação do artigo ajudou a dar visibilidade a uma tese que já circulava no
meio militar e, nos últimos tempos, vinha aparecendo nas manifestações que a
militância bolsonarista promove habitualmente contra o Congresso e o Supremo.
A interpretação de que as Forças Armadas têm o papel equivalente ao de
um “poder moderador” encontra terreno nos clubes militares e entre oficiais da
reserva, mas costuma ser rechaçada pelo alto-comando das armas. Em 2016, o
professor Dehon Padilha Figueiredo, do Quadro Complementar de Oficiais do
Exército, e o oficial do Exército Renato Rezende Neto publicaram um estudo
jurídico cujo título é o seguinte: Direito Operacional Militar:
Análise dos Fundamentos Jurídicos do Emprego das Forças Armadas na Garantia da
Lei e da Ordem. O estudo se encarrega de mostrar que o papel moderador da
Forças Armadas está na combinação de quatro artigos da Constituição: 34, 136,
137 e 142. “Fica claro que a função primordial das Forças Armadas é garantir os
poderes constitucionais, inclusive a independência entre eles”, disse
Figueiredo, um dos autores do estudo, em conversa com a piauí. “Se
houver algum risco de quebra dessa ordem, o chefe do poder que se viu atingido
pode requerer uma intervenção.”
O estudo, embora realizado em 2016, só foi publicado em janeiro passado
e, desde então, começou a circular no Palácio do Planalto e nos grupos de
WhatsApp de reservistas que defendem uma saída autoritária. A combinação dos
quatro artigos chegou a ser mencionada na reunião com Bolsonaro, para mostrar
que haveria um respaldo constitucional na intervenção. Nessas franjas
militares, é antiga a tese de que a Constituição submete o poder civil ao poder
militar. Quando ainda era candidato, o vice-presidente, general Hamilton Mourão,
ao responder uma pergunta hipotética, falou sobre o assunto. Disse entender
que, em caso de “anarquia”, a Constituição prevê que o presidente dê um golpe
militar em seu próprio favor. “É um autogolpe, você pode dizer isso.”
No meio jurídico, o estudo dos quatro artigos não é conhecido, mas o
texto de Gandra Martins disseminou-se rapidamente e causou espanto. Em uma
decisão judicial sobre uma ação movida pelo PDT, que pedia um esclarecimento
sobre o papel dos militares, o ministro Luiz Fux, do STF, disse textualmente
que a missão institucional das Forças Armadas “não acomoda o exercício de poder
moderador”. O ministro Gilmar Mendes disse que, para confundir a missão dos
militares com a de poder moderador, é preciso percorrer “uma distância
abissal”. O ministro Luiz Roberto Barroso, em outra decisão, classificou a
interpretação dos defensores da intervenção militar como “terraplanismo
constitucional”. “Esse poder moderador que o presidente confere às Forças
Armadas não existe”, disse um graduado general, que pediu para ficar anônimo
porque os militares da ativa não podem emitir opiniões políticas. “Você não vai
encontrar essa função em nenhum livro ou manual das escolas militares.”
Entre os militares da reserva, estão os saudosos da ditadura militar.
Eles defendem a radicalização do governo, inclusive com a adoção de medidas de
exceção. A situação é outra entre os atuais comandantes, que têm tropa e poder.
Esses querem distância da polarização política e rejeitam qualquer hipótese de
intervenção militar. Nos três últimos meses, enquanto Bolsonaro minimizava a
pandemia e apoiava manifestações radicais na frente de quartéis, as três forças
– Marinha, Exército e Aeronáutica – se encarregaram de adotar um comportamento
oposto, participando das ações de combate à Covid-19. No mesmo dia em que
Bolsonaro fez pronunciamento na tevê dizendo que a pandemia era um problema
sério na Itália, mas não no Brasil, o comandante do Exército, general Edson
Leal Pujol, publicou um vídeo dizendo que a crise sanitária “talvez seja a
missão mais importante de nossa geração”.
Dois argumentos
ajudaram a acalmar Bolsonaro na reunião. O primeiro: não havia ordem para
apreender seu celular, apenas uma consulta do ministro do STF, de modo que
ainda havia a possibilidade de que a apreensão não ocorresse. (De fato, dez
dias depois, Celso de Mello arquivou o pedido de apreensão, mas, em sua
decisão, fez questão de mandar um recado ao presidente, dizendo que o descumprimento
de uma ordem judicial “configuraria gravíssimo comportamento transgressor”.) O
outro argumento: o governo daria uma resposta contundente ao STF na forma de
uma nota pública. Combinou-se na reunião que o general Heleno assinaria a nota.
Além de concordar com a queixa de Bolsonaro segundo a qual a Corte Suprema
estaria ferindo a independência entre os poderes, Heleno é responsável pela
proteção física e pela defesa do presidente. Ficou acertado que a apreensão do
celular do chefe do Executivo poderia ser considerada uma forma de atentado,
não físico, mas contra a sua autoridade.
A Nota à Nação Brasileira, escrita pelo próprio general Heleno e
divulgada no início da tarde daquela sexta-feira, veio em tom pesado. O general
disse que o pedido de apreensão era “inconcebível e, até certo ponto,
inacreditável” e consistia em “uma afronta à autoridade máxima” do presidente.
Encerrava o texto curto com um aviso ameaçador: “O Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas
que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os
poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”
A nota ajudou a serenar os ânimos de Bolsonaro, mas atiçou os ânimos do
país. Seu tom foi duramente criticado por políticos e juristas. Nos dias
seguintes, general Heleno recebeu aplausos de organizações militares e dos seus
colegas de turma da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), que lançaram
uma nota alarmista, alertando para o risco de “guerra civil” e acusando os
ministros do STF de falta de “decência” e de “patriotismo”. Heleno agradeceu a
nota dizendo-se “emocionado”. Dias depois, com a crise do celular já superada
pela decisão de Celso de Mello, o general voltou a falar da nota publicamente.
Afirmou que, naquele dia, não quis ameaçar ninguém e lembrou que não citara o
nome de nenhuma autoridade. No Planalto, assessores disseram que a expressão
“consequências imprevisíveis” devia ser interpretada nos seguintes termos: “Tudo
pode acontecer, inclusive nada.”
Na tarde daquela mesma sexta-feira, o ministro Celso de Mello autorizou
a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual Bolsonaro
claramente reclama que suas tentativas de interferir na Polícia Federal para
proteger familiares e amigos não vinham obtendo sucesso. A repercussão do vídeo
– com seu linguajar rasteiro, os palavrões, as ameaças vulgares – ajudou a
elevar a temperatura. A divulgação do vídeo, no entanto, não transtornou
Bolsonaro, que já esperava que o sigilo fosse levantado e apostava que, no fim
das contas, seu eleitorado até ficaria satisfeito com o conteúdo.
Aintervenção
foi descartada naquele dia, mas não morreu. Seis dias depois da reunião do
golpe, quando Gandra Martins publicou seu artigo, o presidente divulgou uma
entrevista do jurista em uma de suas redes sociais. No mesmo dia, inconformado
com a operação policial contra seus aliados realizada na véspera, disse:
“Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais
atitudes de certas pessoas individuais.” E prometeu: “Não teremos outro dia
igual a ontem. Chega. Chegamos ao limite.” Um dia antes, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro também abordara o assunto em um vídeo que se encontra no
YouTube. Disse que era “inadmissível” o que os ministros Alexandre de Moraes e
Celso de Mello estavam fazendo “com a democracia brasileira” e afirmou que já
não havia mais dúvida de que haverá uma “ruptura”. Disse ele: “Não é mais uma
opinião de ‘se’ mas ‘quando’ isso vai ocorrer.” Eduardo Bolsonaro é aquele que,
antes da eleição do pai, disse que bastavam um cabo e um soldado para fechar o
STF.
No dia 12 de junho, duas semanas depois do “Acabou, porra”, o próprio
presidente retomou, agora em público, a ideia de que as Forças Armadas são
superiores ao poder civil. Em resposta à decisão de Fux que esclareceu que os
militares não formam um “poder moderador”, Bolsonaro divulgou uma nota dizendo
que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas” e não aceitam “tentativas
de tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por
conta de julgamentos políticos”. O vice-presidente e o ministro da Defesa
assinaram a nota com o presidente. Naquele mesmo dia, veio a público o conteúdo
de uma entrevista à revista Veja na qual o general Ramos, da
Secretaria de Governo, disse que era “ultrajante” a ideia de que militares
estão pensando em golpe e, em seguida, completou com o mais explícito golpismo
já externado por um militar no governo: “O próprio presidente nunca pregou o
golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a
corda.”
Em 16 de junho, dia em que o Supremo quebrou o sigilo bancário de onze
parlamentares bolsonaristas e a Polícia Federal fez uma operação de busca e
apreensão contra suspeitos de financiarem ilegalmente atos antidemocráticos,
Bolsonaro publicou uma série de dez mensagens numa rede social. Disse que não
podia “assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são
perseguidas”, e argumentou que sua luta destinava-se a defender “a Constituição
e a liberdade dos brasileiros”.
Com notas ambíguas ou claras, declarações dúbias ou ameaçadoras, o
fantasma de uma intervenção militar não se dissipa. Em maio, o próprio general
Heleno teve que mandar um áudio no WhatsApp para desmentir uma versão atribuída
a um capitão da reserva, Durval Ferreira, segundo a qual o general vinha
defendendo um golpe militar. “Boa noite a todos os amigos do Rio Grande Sul.
Quem está falando é o general Heleno, daqui de Brasília”, começa o áudio. Na
mensagem, que dura 1 minuto e 50 segundos, o general admite que conhece Durval
Ferreira – “conheço, mas não é meu amigo” –, mas diz que o capitão não tem
autorização para falar em seu nome. “Não penso como ele”, diz o general. “Não
acho que haja clima para uma intervenção militar, muito menos para um golpe de
Estado.” Heleno afirma que “medidas graves foram tomadas em discordância da
Constituição”, mas que, nessa hora crítica, “temos que ter muito juízo”, e
encerra pedindo “muita, mas muita prudência”. Durval Ferreira afirma que nunca
disse que Heleno pregava um golpe militar.
A decisão do presidente de intervir no STF pode ser vista como
intempestiva, tomada no calor da hora, mas é relevante que os anais da história
registrem que o presidente do Brasil, numa reunião no palácio na manhã de 22 de
maio de 2020, decidiu ocupar o Supremo com tropas – e foi persuadido a desistir
da quartelada. Curiosamente, naquele mesmo vídeo no YouTube em que diz que a
“ruptura” é só uma questão de tempo, Eduardo Bolsonaro afirma para sua
audiência que o Brasil está no caminho de uma ditadura, orquestrada pelo STF, e
explica que um regime autoritário não se materializa de um dia para o outro.
Constrói-se aos poucos. Para elucidar seu ponto, Eduardo cita então o exemplo
da Venezuela e dá a receita: “[Você] dissolve a Suprema Corte, bota
todos bolivarianos indicados pelo Hugo Chávez.”
Ditadura, está claro, é só
quando o outro dissolve a Suprema Corte.
MONICA GUGLIANO
É jornalista e colaboradora do Valor
Econômico
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/vou-intervir/
Na
piauí_167: a capa e os destaques da revista de agosto
piaui.folha.uol.com.br ›
na-piaui_167
- Em Vou intervir!, a repórter Monica
Gugliano escreve sobre o dia em que Bolsonaro decidiu
mandar tropas para o Supremo. Coube a Renato ...
Três perguntas sobre os depósitos de Fabrício
Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro
7 agosto 2020
Direito de imagemREUTERS/ADRIANO MACHADOImage caption
Reportagens na revista Crusoé, jornal Folha de
S.Paulo e o portal G1 mostram um total de R$ 89 mil recebidos pela atual
primeira-dama entre 2011 e 2016
A mulher do presidente Jair Bolsonaro, a
primeira-dama Michelle Bolsonaro, recebeu 27 depósitos que totalizam R$ 89 mil
de Fabrício Queiroz e da esposa dele, Marcia Aguiar, entre 2011 e 2016.
A informação foi revelada a partir da quebra de sigilo fiscal do casal,
investigado por integrar um suposto esquema de desvio de dinheiro do antigo
gabinete de deputado estadual do hoje senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente.
Segundo reportagem da revista Crusoé, a quebra de sigilo mostrou que
Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$
72 mil. O jornal Folha de S.Paulo e o portal G1, por sua vez, descobriram
também que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais
seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de
2011, no valor total de R$ 17 mil.
Antes da quebra de sigilo do casal, sabia-se que Michelle tinha recebido
R$ 24 mil de Queiroz. As novas informações contrariam versão do presidente
sobre essa operação — Bolsonaro havia dito que o valor foi depositado para sua
mulher como pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a
Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não
mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que
tiveram acesso à quebra de sigilo.
Confira a seguir 3 perguntas para entender melhor o impacto das novas
revelações e o andamento das investigações.
Talvez também te interesse
O que se
sabe sobre a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro
·
Não é só
Flávio Bolsonaro: MP investiga em sigilo dezenas de deputados após rachadinhas
no RJ
1. Qual o impacto das novas revelações para
Bolsonaro e Michelle?
Bolsonaro e sua mulher não apresentaram ainda
explicação sobre os novos depósitos revelados na sexta-feira (07/08).
O artigo 86 da Constituição Federal estabelece que o "Presidente da
República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções". Juristas divergem sobre se esse artigo
impede totalmente o presidente de ser investigado por eventuais crimes anteriores
à sua posse, ou se permite que ele seja alvo de uma investigação, mas o mantém
protegido de ser processado e condenado.
Dessa forma, mesmo que Bolsonaro tenha relação com os valores
depositados para Michelle, é possível que o Procurador-Geral da República,
Augusto Aras, não inicie uma investigação criminal, já que as transações
suspeitas são anteriores à sua posse, em janeiro de 2019.
A primeira-dama, porém, não possui imunidade constitucional e pode se
tornar alvo da investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura o
suposto esquema de "rachadinha" (desvio da verba pública destinada a
salário de funcionários) no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Como Michelle não era funcionária do
gabinete de Flávio, ela não foi incluída como investigada e não teve seu sigilo
fiscal quebrado até o momento.
Além disso, a revelação dos depósitos gera constrangimento e pode criar
desgaste político para o presidente, eleito com a bandeira da anticorrupção. Deputados
federais do PSOL começaram a recolher assinaturas para tentar criar uma uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com objetivo de investigar se Michelle
seria "laranja" de Bolsonaro para receber recursos desviados.
"URGENTE! Eu e os demais deputados do PSOL queremos criar uma CPI
para investigar os depósitos que Queiroz fez na conta da primeira-dama, que somam
R$ 72 mil. Vamos desmascarar a farra da família Bolsonaro com dinheiro
público", postou no Twitter o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Outro elemento que aproxima o caso do presidente é
o fato de uma das filhas de Queiroz, Nathália Queiroz, ter sido funcionária do
gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados de 2016 a 2018, quando o
presidente era ainda deputado federal. Há suspeitas de que Nathália era
funcionária fantasma, já que atuava como personal trainer no
Rio de Janeiro no mesmo período.
2. Qual foi a versão inicial de Bolsonaro para os
depósitos?
As primeiras informações sobre depósito de Queiroz na conta de Michelle
estão em um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)
produzido em desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Esse
documento — revelado no final de 2018, logo após a eleição presidencial —
apontou uma série de movimentações bancárias suspeitas de Queiroz entre janeiro
de 2016 e janeiro de 2017, somando R$ 1,2 milhão.
Umas das transações era o depósito de R$ 24 mil em cheque na conta da
mulher de Bolsonaro. Naquele momento, o presidente disse que seria o pagamento
por uma dívida que Queiroz tinha com ele. Afirmou também que o dinheiro foi
depositado para Michelle porque ele não tem "tempo de sair".
"Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades.
Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele
tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf
quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil", disse
Bolsonaro em dezembro de 2018.
Queiroz, por sua vez, disse inicialmente que a movimentação na sua conta
vinha de negócios que ele fazia, como compra e venda de carros usados. Depois,
ele admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de
Flávio Bolsonaro, mas afirmou que usava esse dinheiro para contratar outras
pessoas, ampliando a equipe a serviço do mandato. Segundo Queiroz, o então
deputado estadual não tinha conhecimento disso.
3. Quais os próximos passos da investigação contra
Queiroz e Flávio?
Direito de imagemREPRODUÇÃO/INSTAGRAMImage caption
MP investiga indícios de que Queiroz (à dir.) seria
operador de esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do
presidente
A apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro indica que Queiroz
seria o operador de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e
aponta que ele teria feito até 2018 diversos pagamentos em dinheiro vivo de
contas do então deputado estadual, como boletos de plano de saúde da família e
mensalidades escolares de suas duas filhas. Em entrevista ao jornal O Globo
publicada na quarta-feira (05/08), Flávio reconheceu pela primeira vez que
Queiroz pagava contas suas, mas negou ilegalidades.
"Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar
uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga
para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o
Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão
no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?",
justificou o senador.
Ao término da investigação, Queiroz e Flávio podem vir a ser denunciados
pelos crimes de peculato (desvio de recurso público), lavagem de dinheiro e organização
criminosa. No momento, porém, o caso está em suspenso à espera de uma definição
do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre se Flávio tem ou não direito a foro
privilegiado.
Inicialmente, a investigação contra o hoje senador correu na primeira
instância da Justiça do Rio, já que o STF decidiu em 2018 restringir o foro
privilegiado aos casos de crimes relacionados com o exercício do atual mandato
político da pessoa investigada. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJ-RJ) decidiu em junho que o hoje senador teria direito nesta
investigação ao foro de deputado estadual, levando o caso para a segunda
instância judicial.
O Ministério Público, então, recorreu da decisão do TJ-RJ ao STF e o
caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele aguarda a manifestação
da PGR sobre o recurso para pautar seu julgamento na Segunda Turma do Supremo.
Decisões anteriores do STF sobre foro privilegiado indicam que a Corte deve
derrubar a decisão do TJ-RJ e retornar o caso para a primeira instância, abrindo
caminho para uma denúncia do MP contra Queiroz e Flávio Bolsonaro.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53703685
Flávio Bolsonaro admite que
Queiroz pagava suas contas, critica Lava-Jato e defende atuação de Augusto Aras
Posted on 5 de agosto de
2020, 10:00 by Tribuna
da Internet
Flávio
defende-se e afirma que dinheiro tinha origem lícita
Paulo
Cappelli e Thiago Prado
O Globo
Pela
primeira vez, Flávio Bolsonaro admite que seu ex-assessor Fabrício Queiroz
pagava suas contas pessoais — na sua versão, com recursos do próprio senador e
sem ligação com os depósitos de outros assessores do gabinete na Alerj na conta
de Queiroz. Flávio diz que esses depósitos destinavam-se a contratar
informalmente mais funcionários, o que teria acontecido sem seu conhecimento.
O
filho do presidente defendeu ainda um aumento dos gastos do governo, a criação
de um novo “imposto digital” e a nomeação de indicados do centrão para cargos
na administração federal — desde que não tenham condenações em segunda
instância. Ele fez críticas a Sergio Moro e à Lava-Jato: afirmou que a operação
tenta fazer “gol de mão” nas investigações e que a PF tem sido mais produtiva
após o ex-ministro da Justiça deixar o governo.
O
senhor é investigado em um inquérito sobre “rachadinha” na Assembleia
Legislativa do Rio, e o Ministério Público (MP) descobriu que Fabrício Queiroz,
que foi seu assessor parlamentar, pagou despesas suas com plano de saúde e
mensalidades escolares de filhas. Como explicar isso?
Pode ser que, porventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar
uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga
para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o
Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão
no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?
Mais
de R$ 100 mil para o plano de saúde não é muito dinheiro vivo para dar para
ele?
Em 12 anos? Você acha isso muito dinheiro em 12 anos? Minhas
contas são investigadas desde 2007. Se você pegar esse dinheiro, R$ 120 mil, e
diluir em 12 anos, vai dar R$ 1.000 por mês. Isso é muito? Não é muito. Qualquer
plano familiar baratinho é mais do que isso. Não tem ilegalidade. A origem dos
recursos é toda lícita. Tenho uma vida simples para caramba. Não esbanjo nada.
Meu modo de vida passa longe de uma pessoa rica. Tenho meu conforto e sempre
trabalhei muito para isso. Sou deputado estadual desde os 20 anos. Quando ainda
era deputado, morava com a minha mãe. Consegui fazer uma economia e construí
meu patrimônio. Tudo o que faço e o que tenho é declarado. O problema não sou
eu que declaro o que tenho. O problema é quem não declara o que tem, bota em
nome de amante, de laranja. O que não é o meu caso.
As
investigações também mostram que o policial militar Diego Sodré de Castro
Ambrósio quitou um boleto de um apartamento comprado pela sua mulher. O que tem
a dizer sobre isso?
É a maior injustiça que fazem com o PM (policial militar) que
pagou para mim no aplicativo do telefone dele. A gente estava no churrasco de
comemoração da minha eleição. A conta estava para vencer e, para eu não sair do
evento e ir ao banco pagar, porque eu não tinha aplicativo no telefone, ele
falou: “Deixa que eu pago aqui para você e depois você me dá o dinheiro”. Foi
isso o que aconteceu. Fizeram até busca e apreensão no escritório dele, uma
baita injustiça. Um cara que nem vive do salário da Polícia Militar, que é
empresário, rala para caramba e tem dezenas de funcionários. Expõe ele e a
empresa dele.
O
senhor tem uma franquia da Kopenhagen que também é alvo de investigação. O
Ministério Público (MP) encontrou muita circulação de dinheiro vivo nas contas
e, em uma das peças da investigação, ironizou que a loja movimenta mais
dinheiro fora da Páscoa…
É um comércio. Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, não
vou aceitar? Se eu fosse fazer uma besteira, seria numa franquia, que tem
monitoramento da matriz? Se quisesse fazer coisa errada, ia para qualquer outro
ramo que é muito mais fácil. Sempre tive preocupação de ter algo no setor
privado, porque sei que o mandato eletivo não é permanente. É desproporcional o
que o MP quer fazer comigo e a projeção que isso tem na imprensa, pelo simples
fato de eu ser filho do presidente (Jair Bolsonaro). Se não fosse isso, se
bobear, já tinham arquivado (a investigação) pelo princípio da insignificância.
Mas
por que tantos assessores do seu gabinete deram dinheiro para o Queiroz durante
anos?
Ele fez um posicionamento junto ao MP esclarecendo essas questões.
Disse que as pessoas que faziam os depósitos na conta dele eram da chamada
equipe de rua. Queiroz afirma que pegava o dinheiro para fazer a subcontratação
de outras pessoas para trabalharem em redutos onde ele tinha força. Sempre fui
bem votado nesses locais. Talvez tenha sido um pouco relaxado de não olhar isso
mais de perto, deixei muito a cargo dele. Mas é obvio que, se soubesse que ele
fazia isso, jamais concordaria. Até porque não precisava, meu gabinete sempre
foi muito enxuto, e na Assembleia existia a possibilidade de desmembrar cargos.
Outra coisa importante: mais de 80% dos recursos que passaram pelo Queiroz são
de familiares dele. Então, qual o crime que tem de o cara ter um acordo com a
mulher, com a filha, para administrar o dinheiro?
Como
acreditar que o senhor e o presidente Jair Bolsonaro não sabiam que Queiroz
estava escondido em uma propriedade do advogado Frederick Wassef?
Óbvio que não sabíamos. Por precaução, nunca mais falei com o
Queiroz, nem por telefone, para não insinuarem que eu estava combinando alguma
coisa com ele. O Fred (Wassef) teve quatro cânceres, né? O Queiroz estava
tratando de um câncer também. Se ele (Wassef) se sensibilizou e deixou o imóvel
para ele (Queiroz) usar, não tem crime nenhum nisso, nada de errado. Agora, é
óbvio que isso não podia ter acontecido nunca. Foi um erro. Se (Wassef) tivesse
comentado comigo, diria que ele estava sendo imprudente. Dá margem para as
pessoas pensarem que a gente estava ali escondendo o Queiroz. Agora, cabe
lembrar: escondendo de quê? Queiroz nunca foi procurado pela policia.
O
Globo mostrou no ano passado que o Queiroz pagou mais de R$ 120 mil pela
estadia dele no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com dinheiro próprio e
vivo. Isso surpreendeu o senhor?
Pagar cerca de R$ 100 mil em “cash”, obviamente, não é algo
normal, né… A origem do dinheiro, eu não sei qual é. Ele é um cara que tinha os
rolos dele, mas, obviamente, não fui eu que internei ele lá e não fui eu que
paguei a despesa. Não sei de onde veio esse dinheiro. Tem que perguntar para
ele.
O
senhor, que é investigado pelo Ministério Público, acha que quem tem razão no
embate entre Augusto Aras e os procuradores da Lava-Jato?
Qualquer investigação tem que acontecer dentro da lei e os
excessos precisam ser investigados. Não dá para a gente jogar uma partida de
futebol, um time fazer gol de mão e o outro aceitar. Pelo que acompanho, há
suspeitas de que pessoas com foro por prerrogativa de função estavam sendo
investigadas por procuradores de 1ª instância, inclusive alterando os nomes dos
investigados para não ficar claro que se tratava de um senador ou de um
deputado (o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre,
foram citados em investigações da Lava-Jato de Curitiba, mas com outros
sobrenomes).
Os
Bolsonaro se elegeram com um discurso alinhado ao da Lava-Jato. Agora a
operação reclama que está sendo alvo de um desmonte não é mais uma contradição?
Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para
todos. Embora não ache que a Lava-Jato seja esse corpo homogêneo, considero que
pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se
tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa
quantidade toda de operações. Inclusive com a saída de (Sergio) Moro, a
produção do Ministério da Justiça subiu demais. O (Sergio) Moro na verdade saiu
do governo porque percebeu que não havia um alinhamento ideológico, no tocante
às armas, por exemplo.
Não
foi por interferência na Polícia Federal que Moro deixou o governo?
É uma crítica completamente infundada. A competência para nomear
diretor-geral da PF é do presidente. Se o presidente não pode falar onde está
satisfeito ou insatisfeito dentro de um ministério, ou se troca o presidente ou
se troca o ministro. Então, nesse caso, teve que trocar o ministro.
Uma
ala do governo, representada pelo ministro Rogério Marinho, defende expansão de
gastos, enquanto o ministro Paulo Guedes prega austeridade. De que lado o
senhor está?
É uma equação em que não dá para fazer mágica. Por um lado, se o
Paulo Guedes segura e não faz loucuras, é porque já foram R$ 700 bilhões gastos
no combate à pandemia, justamente o que estimávamos economizar em dez anos com
a Reforma da Previdência. Por outro lado, acho que tem de haver uma certa
flexibilização. Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos. Acredito que o
Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a
gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na
infraestrutura.
Os
militares demandam aumento do orçamento da Defesa de 50% para 2021. O senhor é
favorável?
Os governos de esquerda sucatearam as Forças Armadas, achataram os
salários dos militares. Hoje, um general com 40 anos de trabalho ganha igual a
um delegado federal em início de carreira. Os militares sempre ficaram para
trás em praticamente tudo, só são lembrados quando é necessária uma intervenção
na segurança pública ou no combate às queimadas. Conseguir igualar a situação
dos militares à de outros servidores públicos é uma promessa de campanha.
O
presidente Jair Bolsonaro admite que está discutindo a criação de um novo
imposto, batizado no mundo político de “nova CPMF”. Como explicar que um
governo que se elegeu com um discurso liberal fale em aumento de gastos e
criação de imposto?
Não tem contradição nisso. Temos que tirar o peso tributário de
setores importantes para geração de empregos e substituir por esse imposto
digital, que não será uma CPMF. O Paulo Guedes ainda não apresentou o texto
final, mas já falou em redução da carga tributária sobre folha de pagamento e
de aumentar o limite de isenção de imposto de renda. Acho o imposto digital
atrativo, porque tira carga de quem gera emprego e dos mais pobres e aumenta a
base de contribuintes e diminui a sonegação.
Bolsonaro
sempre criticou o Bolsa Família, mas agora fala em prorrogar o auxílio de R$
600 e criar o Renda Brasil. Isso está sendo feito para avançar numa base eleitoral
lulista?
Tem diferenças grandes. Não nos orgulhamos de falar que aumentou o
número de pessoas que dependem do Bolsa Família. A gente vai se orgulhar de falar
um dia sobre quantos milhões de pessoas deixaram de precisar do Bolsa Família.
É uma outra visão. A gente não quer manter esse pessoal na dependência eterna,
sem criar nenhuma expectativa, em troca de voto.
O
governo atraiu o centrão em meio à distribuição de cargos no segundo escalão.
Não vai contra o discurso de campanha?
Não. Qual foi o ministro que esses partidos políticos indicaram?
Nenhum. O presidente não fez o toma lá dá cá. Esses partidos que são
pejorativamente chamados de centrão já votaram, por exemplo, a reforma da
Previdência, além de matérias que estão alinhadas com as bandeiras vencedoras
da campanha. Não houve troca de cargos por votos.
Na
campanha, o ministro Augusto Heleno chegou a gritar “se gritar pega centrão,
não fica um meu irmão”…
Hoje é diferente do que acontecia. Tanto que não tem escândalo de
compra de votos em um ano e sete meses de governo. Se tem denúncia, a gente
toma providências.
Ciro
Nogueira emplacou no comando da Codevasf um nome investigado na Lava-Jato. Qual
deve ser a régua para uma nomeação?
Se não tem condenação em segunda instância, por que não vai
aproveitar? A máquina pública é gigantesca, não conhecemos pessoas para
ocuparem todos os postos do governo federal. Então, se tenho dificuldade para
um determinado órgão no Maranhão ou no Rio Grande do Sul, nada mais natural do
que pedir a referência de um parlamentar. Se tiver um currículo bom,
qualificado, sem capivara (jargão para ficha policial), então por que não dar o
voto de confiança? Também se faz política assim.
As
investigações mostraram que um assessor lotado no Palácio do Planalto, Tércio
Arnaud, atacava adversários e espalhava desinformação. Isso é legítimo?
Acho completamente legítimo. Campanha eleitoral é uma guerra
política. Nós fomos alvos de ataques de adversários, então é natural que
houvesse pessoas voluntárias, como era o caso dele e de vários outros, para
defender e atacar o outro lado. Agora, se teve crime de ofensa a honra, tem que
responder por isso. Não dá é para criar uma narrativa de que há uma
coordenação, por parte nossa, de ataques a adversários. Hoje, com rede social,
ninguém controla isso. Nesse projeto de lei das fake news que tramita no
Congresso, está claro que quem está a favor, na grande maioria, é quem quer
calar os conservadores e os perfis de direita.Quem decide o que é fake news? Se
eu falar que a cloroquina, em muitos casos, salvou vidas, estaria propagando
fake news?
Sim,
há estudos que mostram que a cloroquina não é eficaz no combate ao coronavírus.
Não dá para dizer que ela é eficaz nem ineficaz. Se você tem esse
instrumento na sua mão, você vai abrir mão dele? Tem estudo da França que fala
o contrário, que a hidroxicloroquina é eficaz. Qual a comprovação científica de
que usar máscara ajuda? De que tem que fechar praia? O debate é direcionado.
Vamos
chegar em breve a 100 mil mortos no Brasil. Não acha que seu pai deu mau exemplo
ao dizer que a Covid-19 era uma “gripezinha” e ao ir às ruas incentivando a
aglomeração de pessoas?
Isso foi distorcido pela imprensa. Ele falou que, no caso dele, se
ele pegasse, seria só uma gripezinha. E ele estava certo. Foi realmente só uma
gripezinha para ele. Ele não faltou com sua parte de financiar e intermediar o
envio de um monte de respiradores e equipamentos de proteção para estados e
municípios. Isso não é minimizar. Mas o presidente também não se curva ao
politicamente correto.
O
senhor é a favor de mudanças que possibilitem a reeleição de Rodrigo Maia e
Davi Alcolumbre na Câmara e no Senado?
Entendo que, pela proporcionalidade, comparado com a Câmara, Davi
(Alcolumbre) poderia ficar mais dois anos, já que o mandato de senador tem oito
anos (os deputados têm mandatos de quatro anos, mas os presidentes de ambas as
Casas ficam dois anos no comando). Ele tem sido muito colaborativo com o governo.
Já o Rodrigo Maia não acho que possa se reeleger mais. Ele embarreira algumas
pautas que, no meu ponto de vista, são desnecessárias. Ele acaba se arvorando
de, na qualidade de presidente da Câmara, falar pelo plenário, o que não é
democrático. Tem Medidas Provisórias que ele deixou caducar e projetos de lei
que ele não pauta. Mas são agendas vitoriosas nas urnas, como a das armas.
A
família Bolsonaro está torcendo pelo impeachment do governador Wilson Witzel?
Não tenho direito de ter preferência, mas conversas no meio
político dão conta de que os desvios na Saúde aconteciam de uma forma
desenfreada. Ele (Witzel) me usou para ser governador e depois virou as costas.
Me senti traído quando ele, logo depois de eleito, já falava que seria o próximo
presidente da República em 2022. Enganou, inclusive, os eleitores do Rio que
acreditaram que teriam um governo 100% alinhado com Bolsonaro. Tenho certeza de
que grande parte da população está arrependida. Sem dúvida, se o
(vice-governador) Cláudio Castro assumir, o diálogo vai ser muito mais leve.
Até porque hoje existe o não-diálogo com o governador Wilson Witzel.
Quem
o senhor vai apoiar para prefeito do Rio?
Minha postura vai ser a que o presidente Bolsonaro mandar. Como o
governo federal ajudou muito o Rio na pandemia, pode ser que o prefeito Marcelo
Crivella explore essa proximidade e capitalize isso politicamente. Mas o
presidente já falou que a postura dele vai ser se manter neutro no primeiro
turno do Rio.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Flávio
repete o discurso do político acuado e incerto no que diz. Afirma que não sabia
de nada, que o seu assessor e o seu advogado, mesmo com “boas intenções”,
agiram pelas suas costas e ele, ao que parece, é vítima de uma grande
conspiração de opositores que se pegam em detalhes. Rachadinha, esconderijo em
Atibaia, subcontratações, pagamentos em dinheiro, nada disso passava pelo seu
radar. Na próxima eleição, Flávio pode vir com o codinome “pescador”. É cada
“história” ! (Marcelo Copelli)
http://www.tribunadainternet.com.br/flavio-bolsonaro-admite-que-queiroz-pagava-suas-contas-critica-lava-jato-e-defende-atuacao-de-augusto-aras/
Chefe de gabinete de Flávio
Bolsonaro nega ter sido avisado sobre Furna da Onça
Posted on 5 de agosto
de 2020, 12:00 by Tribuna
da Internet
FacebookTwitterWhatsAppPrint
Com
memória seletiva, Braga lembrou apenas o que foi combinado
Camila
Bomfim e Gabriel Palma
G1
O
chefe de gabinete do senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Miguel Angelo
Braga Grillo, negou em depoimento ter recebido informação prévia sobre a Operação
Furna da Onça, da Polícia Federal, que revelou suspeitas sobre Fabrício
Queiroz, ex-assessor de Flavio.
Conhecido
como Coronel Braga, o chefe de gabinete do senador prestou depoimento no
inquérito que apura se a operação vazou. A denúncia de que informações vazaram
foi feita pelo empresário Paulo Marinho, suplente de Flavio Bolsonaro e
ex-aliado da família Bolsonaro. O senador nega a versão de Marinho.
CONHECIMENTO
PRÉVIO –
Marinho disse que três pessoas souberam previamente da operação, entre as quais
Miguel Angelo Braga Grillo. Segundo Marinho, Grillo participou de uma conversa
na porta da Polícia Federal, com mais duas pessoas, para obter informações
sobre a Furna da Onça. O empresário diz que soube disso por meio de Victor
Granado, amigo de Flavio Bolsonaro e que, segundo Marinho, também teria ido ao
encontro no qual teria havido o vazamento.
No
depoimento prestado no dia 10 de junho ao procurador Eduardo Benones, do
Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ), coronel Braga relatou
que ele e Flavio costumavam ir a Polícia Federal do Rio para visitas
institucionais, quando Flavio Bolsonaro era deputado estadual. E que se lembra
de pelo menos três visitas.
Numa
dessas visitas, ele e Flávio atenderam a um pedido de ajuda da chefe da
segurança da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para conseguir
porte de arma na PF. “Ela pleiteou o porte de arma e ela pediu se poderíamos já
que da primeira vez que ela pediu foi negado, fomos até aí. Obtivemos uma
orientação de como deveria ser feito o requerimento dela, que ela usasse esse
ou aquele argumento, que ela apresentasse esse ou aquele documento”, afirmou o
Coronel Braga.
“ESQUECIDO” – Apesar de narrar o episódio com
detalhes, o chefe de gabinete de Flávio disse não se lembrar o mês nem o ano
dessa visita. Coronel Braga também disse que não se lembra de ter estado na
sede da Polícia Federal no Rio em outro período importante para a investigação:
a primeira quinzena de outubro de 2018.
Paulo
Marinho disse que foi nessa época que houve o vazamento da operação, segundo o
amigo de Flavio, Victor Granado. O chefe de gabinete disse: “Eu posso ter
estado, não sei. Eu não tenho memória, mas eu posso ter estado. Posso ter
estado com o Victor em algum lugar, posso ter estado com o Victor. Eu estive,
se aconteceu de eu estar, nunca tratei de nada que dissesse respeito a qualquer
operação da PF, seja com agente, seja com delegado.” O próximo passo da
investigação é ouvir policiais federais sobre a suspeita de vazamento.
http://www.tribunadainternet.com.br/chefe-de-gabinete-de-flavio-bolsonaro-nega-ter-sido-avisado-sobre-furna-da-onca/
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
Ruy Castro* Para ser
bolsonarista, basta ser
- Folha de S. Paulo
Dispensa-se de
pensar, mas exige-se vista grossa à traição das promessas de campanha
A vantagem de ser bolsonarista é a de que não é
preciso pensar. Basta ser. Ser bolsonarista é apoiar um discurso que encolhe a
cada dia de acordo com as conveniências de seu chefe. Como elas não param de
surgir, o dito discurso ameaça chegar à abstração pura, impossível até de ser
entendido, o que não fará diferença para seus adeptos. Se Bolsonaro decretar
que seus seguidores devem usar a cueca por cima das calças, eles obedecerão —o
que facilitará identificá-los e avaliar o seu peso real na população.
Ungido por essa aura de infalibilidade que eles lhe
conferiram, Bolsonaro tem traído uma a uma as promessas de campanha que hipnotizaram seus eleitores.
O discurso anticorrupção, por exemplo, esfarela-se
nas jogadas para silenciar a Lava Jato, cuja defesa foi decisiva para elegê-lo.
Só o abandono dessa bandeira já devia bastar para intrigá-los —mas, como estes
abdicaram de pensar, Bolsonaro segue alegremente no esvaziamento dos órgãos de
investigação, no que é aplaudido em silêncio pelo PT. Pelo visto, essa súbita e
divertida identificação entre Bolsonaro e Lula não abala seus fãs.
Tal esvaziamento, comandado pelo funcionário que
Bolsonaro designou para a tarefa, o procurador-geral Augusto Aras, é necessário para proteger seus novos aliados: os políticos de quem
passou a depender para protegê-lo contra a ameaça de impeachment. O pagamento
desse apoio não se limita aos seus eleitores, mas atinge todo o país, com a
entrega de ministérios, conselhos e estatais à "velha política" que
ele dizia combater.
Outro mistério que passa ao largo de seus
seguidores é que, ao promover o desmatamento da Amazônia, o extermínio dos povos indígenas pela ocupação de suas terras e a
sistemática destruição de áreas protegidas, Bolsonaro está beneficiando uma
categoria bem específica de negocistas. Isso ele não prometeu em campanha.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor
das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/ruy-castro-para-ser-bolsonarista-basta.html
QUARTA,
05/08/2020, 08:10Conversa
de Política - Bernardo Mello Franco
Entrevista de Flávio Bolsonaro tem 'muitas
histórias da carochinha ao mesmo tempo'
Bernardo Mello Franco comenta a entrevista dada
pelo senador ao Jornal O Globo de hoje. Ele diz que Flávio traz uma série de
explicações para episódios embaraçosos "que não convencem nem a velhinha
de taubaté". Comentarista destaca que o político tenta jogar todos os
problemas das denúncias de rachadinhas no colo de Queiroz e Wassef, mas não com
tanta força assim, para que esses dois personagens não tenham incentivo para
fazer uma delação.
·
DURAÇÃO:
00:11:26
·
Copie o código abaixo para usar no seu site:
Código
copiado!
Flávio
Bolsonaro é acusado de comandar esquema de rachadinha na Alerj. Foto: Wilson Dias
/ Agência Brasil
QUARTA, 05/08/2020, 18:39Conversa de Política - Natuza Nery
'Entrevista de Flávio Bolsonaro é síntese do
governo, que tinha um discurso e agora tem outro'
Em entrevista publicada nesta quarta pelo jornal O
Globo, o senador e filho do presidente falou sobre caso das 'rachadinhas', fez
críticas à Lava-jato e defendeu o procurador-geral da República. Para Natuza
Nery, explicações de Flávio são incoerentes. 'O que era dito antes não é
praticado depois', afirma ela.
·
DURAÇÃO: 00:09:51
Flávio Bolsonaro é acusado de comandar esquema
de rachadinha na Alerj. Foto: Wilson Dias / Agência Brasil
https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/310846/entrevista-de-flavio-bolsonaro-e-sintese-do-govern.htm
Estado da Arte
Revista de
cultura, artes e ideias
Machado de Assis rachado, em descontínuo
26/06/2020 Thiago Blumenthal
por Thiago Blumenthal
…
Machado de
Assis c. 1905, pintado por Henrique Bernardelli
…
Credes que se possa dar um regime social às
aranhas, pergunta um sisudo cônego Vargas, logo no início do conto “A
Sereníssima República”, publicado em Papéis Avulsos (1882),
ponderação esta que se desdobra em uma digressão pseudocientífica e
experimentaloide aos aracnídeos. É um truque. Tudo leva a crer que é Vargas
quem narra seu empreendimento, mas não. Só temos aqui um registro, rigoroso, de
um funcionário que tratou de copiar o seu discurso a um grupo de figuras
distintas. Parece-me que há aqui não um epítome do pensamento social em
Machado, mas antes uma observação das mais explícitas do que, no popular,
chamamos de “o sistema”.
A engenhoca narrativa procura valer-se de um gênero
em ascensão na Europa (em especial França e Inglaterra — e o que há mais na Europa
afinal…), a ficção científica, para sublevá-la a outra coisa, em outra fundação
textual e estilística, que é a do relato científico, quase médico-protocolar.
Saímos do confortável e muitas vezes divertido terreno da ficção científica
para adentrar, como em um buraco sem fim, em uma longa e detalhada tese, ou
hipótese, sobre o curioso comportamento de extraordinárias aranhas, quando em
situação de organização social. Mais até: mal percebemos que estamos deixando a
ficção científica, talvez nem nos atentemos que desde as primeiras linhas há
ali um objeto a ser mirado na luneta (ficção científica, em distinção com o
microscópio do experimento médico/biologista).
Estamos na zona cinzenta da hermenêutica literária,
uma das estranhas bases que deixa este artigo em pé, só que os pilares de
sustentação mesmo são do direito. As aranhas estão ali, em Machado, para que o
leitor, ou os distintos senhores da academia, em um relato que lembra certos
momentos de Franz Kafka, se enxergue, na tradução do texto para o inconsciente,
como um serzinho com suas arbitrariedades, seus tiques, seus comportamentos
condicionados a uma sociedade que lhe impõe um conjunto de leis, ordens, e,
principalmente, expectativas. Uma congregação de seres que precisa ser tocada
sozinha, caminhar adiante com fins de manutenção e progressão, com ou sem
interferência daquele que observa, maioral, de fora. Eis o espaço topológico
preciso de “A Sereníssima República”: o quanto de interferência, e,
principalmente, qual tipo de interferência? De um rei, de um príncipe, de um
presidente eleito democraticamente, de um estadista, de um sistema ditatorial
que nos fornece apenas a ilusão de movimento, tão essencial à sensação de prazer.
………
Não bastava associá-las; era preciso dar-lhes um
governo idôneo. Hesitei na escolha; muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns
excelentes, mas todos tinham contra si o existirem. Explico-me. Uma forma
vigente de governo ficava exposta a comparações que poderiam amesquinhá-la.
Era-me preciso, ou achar uma forma nova, ou restaurar alguma outra abandonada.
Naturalmente adotei o segundo alvitre, e nada me pareceu mais acertado do que
uma república, à maneira de Veneza, o mesmo molde, e até o mesmo epíteto.
Obsoleto, sem nenhuma analogia, em suas feições gerais, com qualquer outro
governo vivo, cabia-lhe ainda a vantagem de um mecanismo complicado, — o que
era meter à prova as aptidões políticas da jovem sociedade.
Outro motivo determinou a minha escolha. Entre os
diferentes modos eleitorais da antiga Veneza, figurava o do saco e bolas,
iniciação dos filhos da nobreza no serviço do Estado. Metiam-se as bolas com os
nomes dos candidatos no saco, e extraía-se anualmente um certo número, ficando
os eleitos desde logo aptos para as carreiras públicas. Este sistema fará rir
aos doutores do sufrágio; a mim não. Ele exclui os desvarios da paixão, os
desazos da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça. Mas não foi só por
isso que o aceitei; tratando-se de um povo tão exímio na fiação de suas teias,
o uso do saco eleitoral era de fácil adaptação, quase uma planta indígena.
A proposta foi aceita. Sereníssima República
pareceu-lhes um título magnífico, roçagante, expansivo, próprio a engrandecer a
obra popular. Não direi, senhores, que a obra chegou à perfeição, nem que lá
chegue tão cedo. Os meus pupilos não são os solários de Campanela ou os
utopistas de Morus; formam um povo recente, que não pode trepar de um salto ao
cume das nações seculares. Nem o tempo é operário que ceda a outro a lima ou o
alvião; ele fará mais e melhor do que as teorias do papel, válidas no papel e
mancas na prática. O que posso afirmar-vos é que, não obstante as incertezas da
idade, eles caminham, dispondo de algumas virtudes, que presumo, essenciais à
duração de um Estado.
…..
Se mais contemporaneamente as discussões (e as
conversas de bar) sobre a obra de Machado giram em torno de questões
biográficas, em especial, sobre sua negritude, o que é um campo interessante e
que sinto que deve crescer mais e mais, tenho para mim que esta é uma das
chaves mais complexas na contemplação atenta de seu texto. Figura arredia em
seu próprio meio, de biografia dividida em mil cacos de vidro espalhados pela
ABL, seus textos, ficcionais e não ficcionais, não se resolvem enquanto
resposta, mas como dúvida. É, afinal, sob o signo da dúvida que repousa o drama
machadiano, o que creio que vale para a sua biografia. “Conhecer algo sobre
essas publicações pode explicar até mesmo características aparentemente
desimportantes, como a extensão das histórias, feitas até certo ponto sob medida,
ou nos informar acerca do público a que Machado se dirigia” (GLEDSON, p. 37)
…
Machado de
Assis, o segundo da esquerda para a direita, na fileira de baixo, junto com
intelectuais e colegas — entre eles, Joaquim Nabuco
…
Em termos políticos/ordenação social, José de
Alencar teria aberto as portas de um Machado da segunda fase, quando este
transforma a realidade um tanto grandiloquente (não necessariamente ruim,
ressalte-se) de Alencar em algo de troça, no descompasso de seus narradores e
de seus personagens em constante processo de copo trincado. Se Alencar defendia
um paternalismo esclarecido, interessado em manter seus privilégios de classe
que aliviavam a o modo colonial de exploração e a ideologia liberal (ou
liberalizante) do séc. XIX, Machado parece trabalhar em chave diversa.
Deste modo, ao adotar uma visão — fiquemos no ficcional
— de um agente que não existe como referente puro, os narradores e os personagens
de Machado, mesmo em seus recortes variados, o que dificulta a síntese em um
único capítulo, ganham sua existência graças a um forte investimento de alusões
culturais dispersas, da influência europeia, em especial, a inglesa, ao chão da
rua do Ouvidor ou na praça da Constituição, com uma inabitual figuração a
debater o seu tempo — tempo este que, na melhor maneira proustiana (ainda que
anterior e sem o mesmo investimento estilístico), não é reencontrado jamais.
São momentos marcados por constante e de certo modo vigilante vacilação; de
novo, o signo da dúvida. Mesmo na aparente elegância de um José Dias, há
vacilação, a insegurança de quem patina em uma sociedade em transformação. O
algo que vai mudar, decerto, só não sabemos quando. Que é o que dá base para
qualquer filosofia mais fundamentada do direito — a mudança demanda uma nova
ordenação social, sob o peso da lei.
Se a cultura bacharelesca, retorcida com força como
em um conto como “Teoria do Medalhão”, encontra-se em xeque, os personagens
buscam afirmar suas personas, em máscaras que forçam por não se derreter a todo
o momento. Nesse tabuleiro, ou melhor, nesse labirinto, os personagens buscam a
vantagem mesmo quando sequer sabem que vantagem será esta na prática. Como
carregar um livro que é proibido na outra margem do rio: posso sofrer uma
punição, ou o ato proibido pode me trazer a consagração.
Machado equaciona suas histórias de modo a dissecar
um momento marcado no tempo, mesmo quando no fôlego do romance. Diferentemente
de um Alencar, que está ali para expor os momentos, ou de Guimarães, que fabula
(ou ainda Carolina, que denuncia, para fechar os quatro autores deste volume).
Se há algo metafísico na narrativa machadiana, ela é dissecada até não sobrar
um fiapo, e por isso não trazer resposta, com certo cinismo quase sensível. No
retalho, no rasgo, a sociedade está desmontada, como desmontada está a camada
psicológica de todo aquele universo íntimo e coletivo.
Vejamos o trecho inicial do conto “Missa do Galo”,
publicado pela primeira vez em forma de folhetim, na revista A Semana, em 12 de maio de 1894:
…..
Nunca pude entender a conversação que tive com uma
senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal.
Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir;
combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão
Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A
segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de
Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia
tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros,
poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher,
a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente
estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e
mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me
levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam
à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte.
Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia
amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por
semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas,
afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
….
De ordem memorialista, o conto se desfaz em múltiplas
camadas com o intuito de recuperar, pela memória de um narrador/protagonista
que retoma uma história acontecida anos antes, em sua juventude, reatualizar o
significado do que afinal lhe havia acontecido. Deste modo, é um olhar para
trás, de um outro tempo para outro tempo, com suas implicações naturalmente
históricas, ainda mais se levarmos em conto o momento da publicação e o próprio
meio utilizado: o folhetim, de circulação semanal ou mensal.
Rio de Janeiro (óbvio). O narrador passa a noite na
casa do casal Conceição e Meneses. Ele aguarda um amigo para comparecem à Missa
do Galo, a que o título se refere. Tudo aqui é memória, a partir de uma
estratégia de recontagem que mais do que recuperar um fato perdido na imensidão
da cabeça, busca encaixá-lo em seu tempo, para localizar-se e encaixar-se em um
novo meio social. Há um visível esforço de verossimilhança, consciente, o que
no campo psicanalítico submerge a narrativa, a ponto de o nosso herói
reconhecer o estado possivelmente confuso dessas lembranças todas.
O que resta são mosaicos de uma atmosfera de tensão
sexual e dissimulação, temas caros a Machado.
…..
A ideia do oratório trouxe-me a da missa,
lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a
boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça,
com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a
igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas
anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de
mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente,
dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas,
antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte
e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e
quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e
entrou a olhar à toa para as paredes.
-— Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a
pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da
espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os
sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar
os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de
parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez
para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer
quanto, — inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de
camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis
falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando.
Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que
bradava: “Missa do galo! missa do galo!”
….
O aspecto memorialista do conto se mostra na
presença de expressões como “lembro que” e também pela atitude do narrador em
relação ao que recorda. Períodos como “há impressões dessa noite, que me
aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me” abundam no texto,
ajudando a criar uma distância segura entre quem conta e aquele que lê (em
especial o leitor daquele período, vivendo aquele tempo — afinal, escreve-se
para o agora, não para o depois). Deste modo o próprio contar fica sob a marca
da desconfiança, traço definidor de Machado, jogando luz ao tema da
infidelidade que paira no ar como qualquer algo sólido a se desmanchar e
revelar-se no fragmento. Lembrando que a palavra-chave para entender Machado é
“dúvida”.
O deter-se que esta narração em primeira pessoa faz
de um acontecimento que soa distante faz com que nós leitores detectemos
algumas características que ampliam um pouco as referências que temos internas
ao próprio conto e àquela própria realidade. Demarcada logo de início pelo
verbo conjugado “pude”, na primeira frase, e colocando de pronto a questão
fundamental do conto “nunca pude entender”, este personagem que narra já se
mostra (muito) distante do objeto que pretende e vai narrar: deixa o benefício
da dúvida ao leitor do que de fato aconteceu naquela determinada noite.
Figura do tipo “forasteiro” que visita a capital
carioca, Nogueira, que é de Mangaratiba, parece passar por um rito de iniciação
que faz um paralelo interessante com o rito da própria Missa do Galo, nome dado
pela tradição católica ao rito celebrado no Natal, com forte simbologia ligada
à anunciação do Messias na Terra, no caso cristão, Jesus Cristo. O cerimonial
do galo que anuncia as primeiras horas do sol na madrugada e o rito de indícios
de certa iniciação sexual (pelo tom do diálogo com Conceição) ajudam a
desdobrar a figura deste narrador que, à época do ocorrido, tinha apenas
dezessete anos, como relata na primeira frase do conto.
A atmosfera, entre o falado e o escrito, no diálogo
entre os dois personagens determina o ritmo e a espontaneidade próprios da
linguagem do jornal, o primeiro meio de divulgação de “Missa do Galo”. Para
John Gledson (1998), é na figura feminina de Conceição que esse efeito se
mostra com mais clareza, em suas falas e em especialmente no que não diz: ela
“não é necessariamente tão passiva e monótona como o narrador imagina; a frase
final do conto (‘ouvi, mais tarde, que casara com o escrevente juramentado do
marido’) está magnificamente colocada para nos fazer perceber o quanto esse
narrador deixa de ver” (GLEDSON, 1998: 46). Para Gledson, aliás, Machado estava
muito ciente de que escrevia para um público majoritariamente feminino, em que
a maioria das mulheres dos contos são como as leitoras do Jornal das Famílias e do A Estação: “ricas, ou pelo menos de classe média,
casadas ou no mercado matrimonial” (GLEDSON, 1998: 45).
Este aspecto da pirâmide clássica entre
meio-autor-leitor pode passar despercebido a uma primeira análise mais rápida
de toda a obra do Machado, mas revela-se de alguma importância para os nossos
fins de perspectiva histórica e, em especial, no que concerne o direito.
Primeiro porque temos aqui o que o autor americano
Oliver Wendell Holmes (1809-94) atribuiria de revanche, no sentido de que a
lei, qualquer sentido de lei, nasce do sentimento de revanche. Embora a paixão
pela revanche pareça a antítese do pensamento racional e instrumental, quando
não há um meio legal para deter um possível agressor, a vítima potencializada
(ou dotada de performance de defesa), o caminho natural não é outro senão a
retaliação contra o agressor que a vitimou.
..
Wendell Holmes
…
O desejo de vingar-se por danos reais ou imaginários,
de acordo com Richard Posner, em seu clássico Law & Literature,
sem calcular ao certo os benefícios da revanche no momento em que a mesma é
realizada, pode fazer parte do complexo tecido social e genético humano. Assim,
a emotividade e a universalidade abrem longa vereda para a especulação na
filosofia do direito clássico e contemporâneo.
Lembrar, relatar, escrever, reproduzir e
imortalizar no papel, sem querer cair na implicação romântica do termo
“imortalizar”, termina por ser um mecanismo funcional de revanche, em que se
busca, além de recuperar o fragmento perdido da memória, principalmente de uma
memória traumática (não entremos na seara da psicanálise), recuperar os fatos,
as falas, as circunstâncias, a seu favor. As artes sempre se valeram dessa estratégia.
E Machado parece usar o registro, ou a tentativa de recompor a memória — terreno
movediço no direito — com o intuito de explorar, ou dissecar, personagens em
profundo conflito com a sociedade vigente, com o sistema de leis que os rege,
e, evidentemente, consigo mesmos. Na falta do racional, território onde o
direito é postulado, na falta da ciência, dos dados e das provas, resta o
relato ficcionalizado em camadas (o “eu conto o que lembro do que supostamente
aconteceu”, o que gera camadas intertextuais infinitas). Resta também a
política, o campo do saber, o campo de atuação do consciente onde o racional
sai do jogo. Já chegamos lá, mais ao fim do capítulo.
Nesse fio, não basta o instinto puro e orgânico
para chegar à revanche, como a empreendida por aquele que está se lembrando
daquela noite em “A Missa do Galo”. Há um senso de honra inescapável. Histórica
e antropologicamente, culturas em que a vingança representa um papel
significativo na regulação de interações sociais dão grande ênfase à honra. A
vergonha, reação imediata a um ato de desonra (ver capítulo sobre Guimarães
Rosa), ajuda a vencer o medo, e assim potencializa a revanche. Fora do jogo de
palavras entre honra, vergonha e vingança surgem a noção de equilíbrio, ordem
restabelecida, reciprocidade, e, nas palavras de Posner, “keeping score” — noções estas abraçadas pelo
direito, inicialmente sob a rubrica de justiça correcional.
Contemporaneamente à publicação do conto, em 1899,
quando Páginas Recolhidas é lançado, José Veríssimo
dedica resenha ao livro. Diz ele:
…
Dos contos coligidos neste livro, Missa do Galo me
parece um dos melhores que haja escrito o autor. A análise de certo sentimento,
ou antes de um desejo, que eu não posso dizer aqui, é feita com uma sutileza,
aguda e delicado a um tempo, raramente vista. E com isto, verdadeiro, humano,
como é, apesar talvez de aparências contrárias, toda a obra do. Sr. Machado de
Assis. Somente humana sem piedade ou sequer simpatia, ou com a piedade ou
simpatia disfarçada, ciosamente ocultas, na ironia, no “humor”, sob que a vela
e resguarda o poeta.
[…]
Creio que o centenário camoneano, sob o aspecto
puramente literário, não produziu nada superior a Tu, Só Tu, Puro Amor… a
comédia do Sr. Machado de Assis. Se a concepção é, como a composição, encantadora,
a peça tem um ar de verossimilhança que lhe sobreleva o mérito. A graciosa
língua que nele se fala não é, certo, a da Corte de D. João III, e fora um erro
reproduzi-la tal e qual. Mas o que é em arte essencial dá a ilusão de ser a
mesma, sem ofender os nossos ouvidos modernos. Só uma expressão encontrei que
talvez não pudesse Camões dizer: “O amor é a alma do universo”. Parece-me um
anacronismo. Ou me engano, ou o conceito é do nosso tempo. Não penso, aliás,
que o escritor não tivesse o direito de atribuí-lo ao poeta. (VERÍSSIMO, 1899: 374)
…..
José Veríssimo, que assina a resenha, é outro dos
fundadores da ABL, junto a Machado e a Valentim Magalhães, diretor e editor da revista
em que “Missa do Galo” foi publicada pela primeira vez. Não somente isso, é a
José Veríssimo que Machado dedica o prefácio de seu Páginas Recolhidas. Há um jogo político, que ultrapassa
a apreciação crítica, e recai no cotidiano de interesses, poderes e status num
regime em transformação.
…
De pé: Rodolfo
Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Bilac, Veríssimo, Bandeira, Filinto de
Almeida, Passos, Magalhães, Bernardelli, Rodrigo Octavio, Peixoto; Sentados:
João Ribeiro, Machado, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.
…
Machado, já bastante inserido no meio editorial e
literário de seu tempo, sabia bem para quem escrevia e o que escrevia, dentro
de uma lógica de mercado com certas regras próprias. O mercado é o direito, ou
por ele se regula.
A verossimilhança que Veríssimo nota em sua resenha
ao livro acaba sendo também um dos motivos do conto, já que a desconfiança do
narrador em relação à Conceição termina por colocá-lo em uma situação de relato
em que ele também desconfia já de sua memória, daqueles longínquos tempos que
“contava dezessete anos”. A desconfiança, o medo, o sentimento de fazer as
pazes com o passado, permeia um sistema de regras sociais, que atormentam e ao
mesmo tempo condicionam as figuras machadianas.
O caráter duplo, em que a verossimilhança do relato
é posta em dúvida (a ficção da memória, afinal, sendo bem proustiano) a partir
de dentro, vincula duas histórias. Uma mais secreta que ameaça colidir com a
história mais visível, do não dito, das palavras que Conceição deixa pela metade,
de seu pensamento fragmentado (SCARPELLI, 2001) a partir das leituras de
Joaquim Manuel de Macedo e outros folhetins. A outra história, visível,
compartimenta a invisível, do mesmo modo em que o teatro era o espaço do
adultério de Meneses. A conversa de Conceição com Nogueira também é por sua vez
teatralizado, porém agora tramado pelos fios não muito confiáveis da memória
deste narrador que está olhando para trás, em busca de, no fundo, justiça.
Conceição emerge da leitura que Nogueira fazia
de Os Três Mosqueteiros: “tinha um ar de visão romântica,
não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro”. Quase como uma
cena típica da Recherche, em que o narrador já não
sabe mais distinguir, no meio da noite e na recuperação de suas memórias, o que
é ficção e o que é realidade, o que o leitor tem em “Missa do Galo” é um clima
de dúvida — sempre ela —, de ambivalência em relação ao que se vê e ao que se
sente. Compactuar com a sedução (possível, em potencialidade) de Conceição ou
ir à Missa do Galo, quando o amigo já lhe chama da janela, ao fim do conto,
resistindo a ela, portanto?
É na discussão dos romances e do que cada um lê que
a insinuação e a sensualidade mais amplificam cada palavra ou meia-palavra.
Além de registrar um período da nossa literatura, e o registro das publicações
de Machado em jornais e revistas, ele mesmo, um escritor maduro já
familiarizado a suas lógicas de mercado, o conto deixa em aberto o não dito
pelo que se é dito. “Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de
tempo. Que romances é que você tem lido?”. Isto é uma declaração de um promotor
em corte: fez isso, porém não o fez. Gosta de romances, mas não o lê.
O passado emerge no presente, no relato, no récit, como reza a tradição da teoria literária. O jogo
de repetições dos mesmos enganos, da lembrança que vem obscurecida como naquela
atmosfera de meia-luz em que se deu o diálogo com Conceição faz titubear a voz,
faz não confirmar a ocorrência, vasculhando o que sobrou daquela ocasião. Uma
ocorrência não confirmada, ou não provada, só se faz possível no campo tautológico
da ficção — e qualquer lembrança é ficção, por excelência.
E é justamente nesta investigação do passado, do
rito da juventude, do choque entre o sagrado (o Natal) e o profano (o
adultério), dos romances que nos punham ideias na cabeça, e das conversas que
tínhamos sobre essas histórias, que se desvela o sentimento que resta firme,
inalterável: que somos todos resultado de nosso passado. E, enquanto
resultantes desse passado, estamos sub aeternum judice.
Sob essa mesma fundamentação em torno da dúvida,
podemos capturar alguns sinais claros em uma obra de maior fôlego, como no
romance Esaú e Jacó (1904), marco de uma escrita madura e
sem os tiques narrativos presentes em obras anteriores. Alguns críticos o
chamam de uma espécie de canto de cisne de Machado, por sintetizar todos os
elementos sobre os quais o autor veio se debruçando em décadas e décadas de
produção.
Sendo ele mesmo um romance sem ação, ou sem nenhum
grande ato, sem nenhum grande acontecimento, ou clímax per se, Esaú e Jacó se sustenta exclusivamente no texto
machadiano, em sua precisão, na direção que ora conduz o leitor ora o engana,
como o ilusionista o faz atraindo a atenção de seu espectador para seu olhar, e
não para suas mãos. De certa maneira, o enredo acontece fora do romance, no
enquadramento, na moldura, que, evidentemente, é feita de uma matéria-prima
social ou sociológica, ou histórica. Costuma não figurar entre os livros
preferidos do autor, talvez por esse motivo, mas temos aqui um exemplar
primordial de como a sinapse de um aparato social se dá de maneira fluida, sem
carregar a mão na pintura.
Um livro de bailes, jantares, discussões, vaivéns
ideológicos. Um romance de tertúlias. Ou mais, um romance de conselhos, em
especial no tocante às conversas individuais dos personagens com o conselheiro
Aires — o que dará material para o último livro de Machado, que não cabe aqui
tratar. É outra coisa ali.
Trabalhemos com alguns eixos de leitura que nos
ajudarão a compreender a matéria do direito no livro. São eles (1) o eixo da
ciência (certeza) X política (incerteza) — algo que mencionamos en passant anteriormente; (2) a tolerância em
tempos de adesão à República; (3) um balanço de toda a trajetória da própria
escrita, o que também retoma um topos aqui já
tratado, que é o da escrita como forma de fazer cumprir-se algo sobre algo com
o qual o sujeito se sente lesado (uma maneira de exercer o direito).
Não é possível falar da obra sem falar do chamado
racismo científico, intenso naquele período de virada de século, e virada de regimes.
O ser humano estaria, por assim dizer, determinado por características natas.
Há material de sobra a respeito desse curioso interesse do fin de siècle, como o estudo abaixo.
A ciência em rota de colisão com o humanismo,
contra crendices (algo que surge em Esaú com
combustível religioso), para quem o criminoso era o sujeito já nato, em geral
doente, e, claro, mestiço e degenerado. Nessa equação, o mestiço encontrava-se
abaixo dos próprios negros, o que nos faz lembrar o eugenismo das leis de
Nuremberg, assim chamadas de “proteção do sangue alemão e da honra alemã”. Era
pior uma alemã casar-se com um homem judeu do que ser uma judia per se. Nisto
se fixava a base para a luta contra o grande mal judaico, o cosmopolitismo
desenraizado.
Voltemos, contudo, à epígrafe do livro, ou melhor,
ao capítulo sobre a suposta epígrafe do livro, que se encontra muito distante
do começo da obra.
….
“Ora, aí está justamente a epígrafe do livro, se eu
lhe quisesse pôr alguma, e não me ocorresse outra. Não é somente um meio de
completar as pessoas da narração com as ideias que deixarem, mas ainda um par
de lunetas para que o leitor do livro penetre o que for menos claro ou
totalmente escuro. Por outro lado, há proveito em irem as pessoas da minha
história colaborando nela, ajudando o autor, por uma lei de solidariedade,
espécie de troca de serviços, entre o enxadrista e os seus trabalhos. Se
aceitas a comparação, distinguirás o rei e a dama, o bispo e o cavalo, sem que
o cavalo possa fazer de torre, nem a torre de peão. Há ainda a diferença da
cor, branca e preta, mas esta não tira o poder da marcha de cada peça, e afinal
umas e outras podem ganhar a partida, e assim vai o mundo.”
….
Eis um parágrafo que funciona como pausa na narração,
uma típica “digressão” (muitas aspas) machadiana, que vale a análise mais
detida para fundamentar a nossa hipótese. Sob o fundo de religiosidade
avariada, entre o imaginário e o simbolismo de fonte africana e o cristianismo
(ligado aos poderes e à regulamentação social), do casal que tem dúvidas quanto
ao futuro de seu legado, essa curiosa “epígrafe” faz com que a narração, e
Machado, se refugie em ideias que não são do seu tempo, como bem afirma Alfredo
Bosi, em seu O Enigma do Olhar. O par de lunetas
é um alô para a ciência, igualmente avariada entre dois mundos em
transformação, cuja lente não dá conta de todas as coisas que há entre o céu e
a terra, observação de Hamlet a Horácio retomada, de modo invertido, no início
de “A Cartomante”. Neste sentido, o leitor (ou a leitora — esta questão de
gênero é importante para Machado, consciente de seu público leitor à época),
também se encontra condicionado às leis máximas e arbitrárias de uma ciência
eugenista e ao mesmo dotado de certo, ainda que limitado, espaço de
movimentação social, afetiva, religiosa. E principalmente: um espaço onde pode
mover as peças do tabuleiro, na imagem do trecho citado, como bem entendê-las.
É um truque, jamais deixará de ser um truque — e a boa literatura é feita de
truques — mas um truque faz o coelho desaparecer e aparecer novamente, um
truque que faz o leitor sentir-se cocriador, ou cúmplice ativo, de tudo o que
lhe é apresentado. Aí entra o direito.
Quem escreve afinal de contas? Afinal há um
narrador? Sempre há. Mas como defini-lo, uma vez que o mesmo envolve o leitor
nesse truque em que a obra parece estar sendo escrita enquanto acontece, mesmo
se ocorrida no passado, e, em especial, sob supervisão quase mandatória de um
leitor. Em um mundo sem narrador, nada a ver com a surrada teoria benjaminiana,
qualquer relação social se vê desgarrada de um imperativo de convivência, de
ordem estabelecida.
A diferença de cor, branca e preta, no xadrez mais
normativo, não é uma mera simbologia das relações em tensão entre as raças no
Brasil, e no mundo. Machado não se valeria de uma técnica narrativa tão
simplória. O branco e o preto marcham adiante, para trás, para os lados, em L,
como cavalos-fantasmas em um mundo já sem um solo em onde se firmar. Não são os
povos, não é o ser humano, é a própria interação leitor-autor, mediada por um
livro (ou jornal, ou o meio que for, via editor/publisher), que
marcha sem um sentido positivo. Como na hipótese de Bernard-Henri Lévy,
resta-nos a redenção via negativo, via a identidade estraçalhada na marca
escrita, que busca reproduzir uma sociedade que não pode mais ser reproduzida
via literatura. Assim, o direito, ou uma equação de ordenação social, entra
rasgando em Machado, buscando a todo tempo regular aquela infinidade de jogos,
máscaras, poder e, talvez, e muito talvez, afetos.
…
Tabuleiro de xadrez que pertenceu a Machado de Assis
..
Levando em conta que temos uma longa transcrição de
cadernos do conselheiro Aires, há em Esaú e Jacó uma
sequência de fatos narrativos, ou não muito narrativos, no sentido de ação, que
foram compilados em uma boneca russa machadiana, técnica muito cara ao autor, e
que se transveste de mil e uma formas desde a antiguidade persa à contemporaneidade:
vou contar sobre algo que achei mas através de algo que já sei e que estou
rearranjando como se eu fosse o verdadeiro autor/agente dessa história.
Assim, as linhas históricas de um Brasil em
transformação são traçadas em forma de uma memória que fica entre o
intermediário (ou intermediador), que as relata em uma terceira via do processo
de lembrança (por outrem), e entre um personagem que se eleva acima de todos os
outros, e acima da própria História, esta com H maiúsculo. Ele observa o que se
passou, o que está se passando, e, o que é fundamental, pondera sobre o que
pode se passar dali em diante, em forma de anestesia social para abrir o corpo
ensanguentado. Ou, para ficar na imagem central do livro, para separar esses
dois irmãos unidos e ao mesmo tempo tão desgarrados — por opinião, por
ideologia, por amores, por falta de amor.
Como se o episódio do Baile da Ilha Fiscal, ocorrido
em novembro de 1899, estivesse sendo (mal) digerido por aquela sociedade e por
aquele que está a nos contar sobre a mesma. A despedida da monarquia, que cede
espaço a um ambiente republicano, não é mais um festejo, mas antes um objeto de
memória, algo quase físico. Como se Machado, nas palavras de Gilberto Freyre,
estivesse o tempo todo vestido com alguma finesse. Qualquer
paisagem um pouco mais brasileira, daquele império sobrecarregado no tom e nas
cores, existe apenas como uma memória a ser manipulada, com as mãos mesmas, e
retocada com um cinza, ou o preto e branco do cinema. “Nada de paisagem, nada
de cor, nada de árvore, nada de sol”. Tudo reside na memória. Mas é uma memória
travestida de memória, uma transcrição de uma terceira voz. Eis o truque.
José Aires, com que tudo concorda faz lembrar uma
certa tipologia do personagem machadiano apadrinhado. Não tinha “aquele triste
pecado dos opiniáticos”. Em suas próprias palavras de um mal desenvolvido
aconselhamento, pede que contemos com as circunstâncias, com o imprevisto ainda
mais, o imprevisto que, para ele, é um “deus avulso” e jamais deve ter voto
decisivo na assembleia dos acontecimentos. Não há síntese melhor deste
sentimento, quase afetivo, quase cínico, da memória que invade os corações e as
mentes.
….
Tenha confiança, baronesa, prosseguiu ele pouco
depois. Conte com as circunstâncias, que também são fadas. Conte mais com o
imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso, ao qual é preciso dar
algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembléia dos
acontecimentos. Suponha um déspota, uma corte, uma mensagem. A corte discute a
mensagem, a mensagem canoniza o déspota. Cada cortesão toma a si definir uma
das virtudes do déspota, a mansidão, a piedade, a justiça, a modéstia… Chega a vez
da grandeza da alma; chega também a notícia de que o déspota morreu de apoplexia,
que um cidadão assumiu o poder e a liberdade foi proclamada do alto do trono. A
mensagem é aprovada e copiada. Um amanuense basta para trocar as mãos à
História; tudo é que o nome do novo chefe seja conhecido, e o contrário é
impossível; ninguém trepa ao sólio sem isso, nem a senhora sabe o que é memória
de amanuense. Como nas missas fúnebres, só se troca o nome do encomendado —
Petrus, Paulus…
…
Quando Machado parece olhar para si mesmo, na
figura de um Aires, ainda que de acordo com uma estratégia de quem tira o
coelho da cartola, não chega a ser difícil como o autor passeou por escolas
literárias distintas, do romantismo a um proto-modernismo muito sofisticado,
seja antevendo algumas obras ou retomando outras, em especial as que lhe eram
caras, como do cânone inglês. O estilo, por exemplo, em Esaú e Jacó, impressionista associativo, pontuado pela
ruptura da linearidade, encontra rastros em Balzac, em Sterne, e abre caminho
para uma nova literatura brasileira, com um novo regime social e, fator que não
podemos ignorar, um novo público leitor, com novas demandas e novos modos de
pensar, especialmente morais e normativos. Aí entra o peso da lei, uma lei que
não é só aquela que busca organizar e criar a manutenção de um sistema social,
mas uma lei quase cósmica, que está a nos regular, como leitor, como autor,
como ficcionista, como contador de história, como ouvinte ou participante ativo
— e principalmente como espelho.
No centésimo capítulo da obra, há um parágrafo em
que podemos distinguir nos desenhos de Flora o olhar para Helena (a estrada da Tijuca), para Iaiá Garcia (o chafariz do encontro entre Jorge e
Iaiá), Dom Casmurro (o princípio de casa, inacabada, em ruínas,
sem história), e até mesmo para Abolição (a
revoada de pássaros). Flora então exibe um desenho de duas cabeças, quase como
uma tarefa de análise, o que para Aires é mais: é um vínculo escondido.
Quando o enredo acontece no enquadramento da
pintura, a História se apresenta com uma força tão potente quanto a história, a
trama de um grupo de pessoas, que ali se narra. A História, esta regida pelo
campo político, é a que renderia as tão esperadas grandezas de Natividade
quanto aos filhos, e o que de certo modo rende inúmeras análises de um ponto de
vista sociológico da fase final de Machado, como em retrospecto ou cirurgia de
toda a sua obra, no canto de cisne, por assim dizer — toda a literatura de um
autor é resultado de um trajeto longo, não apenas de uma única obra, daí a
complexidade ao se debruçar sobre um autor com produção vasta e que vivenciou
momentos distintos. Se os protagonistas são doutores que optam por trocar a
ciência de suas vocações pelo campo movediço da política não é um mero acaso.
….
(Reprodução:
Arquivo Nacional)
…
..
Referências
A SEMANA. Rio de
Janeiro. Tomo V, nº 41, 12/05/1894, pp. 321-328. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=383422&pasta=ano%20189&pesq=maio%20de%201894>.
BOSI, Alfredo. O Enigma do Olhar.
São Paulo: Ática, 2007.
GLEDSON, John. Machado de Assis – Ficção e
História. São Paulo: Paz e Terra, 1986, com 2ª ed. revista e
ampliada de 2003.
__________. Introdução in ASSIS, Machado de.
Contos: uma antologia. (Seleção, introdução e notas de John Gledson). São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, vol. 1.
POSNER, Richard A. Law &
Literature. Boston: Harvard University Press, 2009, terceira edição.
SCARPELLI, Marli Fantini. “Entre ditos e
interditos: ‘Missa do Galo’, de Machado de Assis”. O eixo e a roda, vol. 7, 2001, pp.29-44. Disponível em
<http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Eixo%20e%20a%20Roda%2007/Marli%20Fantini.pdf>.
VERÍSSIMO, José in ASSIS, Machado. Páginas Recolhidas. Rio de Janeiro: Garnier, 1899.
Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=139955&pasta=ano%20189&pesq=P%C3%A1ginas%20recolhidas>.
…
Thiago
Blumenthal
Thiago Blumenthal é fundador da editora Lote 42,
doutor em Literatura e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
https://estadodaarte.estadao.com.br/machado-rachado-descontinuo-blumenthal/
Referências
https://piaui.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2020/08/167_questoesdaultradireita2.jpg
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/vou-intervir/
https://piaui.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2020/07/capa_167_interna.jpg
https://ichef.bbci.co.uk/news/660/cpsprodpb/64A5/production/_113856752_mich.png
https://ichef.bbci.co.uk/news/270/cpsprodpb/3C25/production/_106379351_mediaitem106379347.jpg
https://ichef.bbci.co.uk/news/270/cpsprodpb/7EB8/production/_107904423_a50ded80-8437-410f-8a62-fdc38c76f1c2.jpg
https://ichef.bbci.co.uk/news/270/cpsprodpb/3A70/production/_113106941_3a566545-693d-4ad6-bc06-7c6d4b06068e.jpg
https://ichef.bbci.co.uk/news/270/cpsprodpb/1677D/production/_113092029__110241436_mediaitem110241435.jpg
https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/C4FA/production/_112962405_a50ded80-8437-410f-8a62-fdc38c76f1c2.jpg
https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2020/06/queiroz-flavio-bolsonaro.jpg?quality=70&strip=info&w=750
http://www.tribunadainternet.com.br/flavio-bolsonaro-admite-que-queiroz-pagava-suas-contas-critica-lava-jato-e-defende-atuacao-de-augusto-aras/
http://www.tribunadainternet.com.br/chefe-de-gabinete-de-flavio-bolsonaro-nega-ter-sido-avisado-sobre-furna-da-onca/
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/ruy-castro-para-ser-bolsonarista-basta.html
https://estaticos.globoradio.globo.com/fotos/2020/07/85d9e2d2-28ee-4011-99c9-f10c5bd605d2.jpg.640x360_q75_box-0%2C21%2C1170%2C679_crop_detail.jpg
https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/310751/entrevista-de-flavio-bolsonaro-tem-muitas-historia.htm
https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/310846/entrevista-de-flavio-bolsonaro-e-sintese-do-govern.htm
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/1200px-Machado_de_assis_1905_small-768x998.jpg
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Machado_de_Assis_e_grupo.jpg
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Oliver_Wendell_Holmes_Sr_c1879-768x970.jpg
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/A_Panelinha-1.jpg
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Tabuleiro_de_xadrez_que_pertenceu_a_Machado_de_Assis.png
https://estadodaarte.estadao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/486px-Machado_de_Assis_1904.jpg
https://estadodaarte.estadao.com.br/machado-rachado-descontinuo-blumenthal/
Nenhum comentário:
Postar um comentário