“No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar
levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”. Com essa frase, Gabriel García Márquez inicia aquele que, sem
dúvida, se constitui num dos seus maiores clássicos literários, Crônica
de uma Morte Anunciada.
sábado, 8 de agosto de 2020
A construção de uma tragédia – Editorial | O Estado
de S. Paulo
Os graves desdobramentos da pandemia no Brasil são frutos de uma
metódica construção por ações e omissões
Há cerca de um mês e meio, este jornal lamentava
nesta página o fato de o País ter atingido a marca de 50 mil mortes por
covid-19 (ver editorial Lições de
uma tragédia, publicado em 21/6/2020). Pior do que a dor causada
por tantas perdas de vidas, histórias e possibilidades, um prejuízo
incalculável para o Brasil, era a constatação, já àquela altura, de que um novo
marco lúgubre era questão de tempo, só não se sabia quanto. Pois agora passamos
das 100 mil mortes ocasionadas pelo novo coronavírus e, mais uma vez, nada
assegura que outras 50 mil vidas, ou mais, não serão perdidas em um futuro
próximo.
Não se trata de um exercício de futurologia macabra, mas sim da constatação
de um fato: os graves desdobramentos da pandemia no Brasil são frutos de uma
metódica construção por ações e omissões. Não há como imaginar que melhores
resultados hão de vir à frente quando comportamentos que os ensejariam não se
mostram presentes, tanto no governo como na sociedade.
Construiu-se essa tragédia porque desde a eclosão da pandemia no País o
presidente Jair Bolsonaro adotou um comportamento aviltante diante da maior dor
sofrida pelos brasileiros em mais de um século. Por tudo o que se viu e ouviu,
infortúnio maior não houve para a Nação do que ter na Presidência um líder tão
incapaz e indiferente em momento tão grave da história nacional. Não se sabe se
Jair Bolsonaro um dia sofrerá sanções políticas ou jurídicas por
seu descaso. Mas ele deveria temer pelo que pode vir a sofrer se acaso
experimentar um despertar de consciência adiante.
Construiu-se essa tragédia porque a todo tempo Bolsonaro se mostrou
preocupado exclusivamente com seus interesses particulares, em especial seu
inoportuno projeto de reeleição, pondo-se a afrontar as orientações das
autoridades sanitárias por temer que reveses econômicos ocasionados por medidas
protetivas, como o isolamento social, pudessem afetar a sua popularidade. Ao
presidente da República cabia coordenar os esforços nacionais para o
enfrentamento da crise.
Construiu-se essa tragédia porque o governo não soube aproveitar a
janela de cerca de um mês para aprender com a experiência de outros países que
já enfrentavam a covid-19 e, assim, preparar o Brasil para o que estava por
vir. O Brasil é referência em planejamento e ação diante de emergências
epidemiológicas, como H1N1, dengue e zica vírus, mas não se coordenou de pronto
todo esse cabedal de conhecimento para preparar o SUS para lidar com a nova
emergência.
Construiu-se essa tragédia porque, pelo mau exemplo dado pelo chefe do
Executivo, milhões de brasileiros se sentiram seguros para furar a quarentena e
provocar aglomerações porque, acreditando nele, não acreditaram na gravidade da
doença ou confiaram no curandeirismo presidencial. O que dizer de um presidente
que demitiu dois ministros da Saúde em meio à pandemia apenas porque ambos
tiveram a ousadia de contrariar suas perigosas posições por prescrições com
argumentos baseados na melhor ciência? O que dizer de um presidente que anda
com uma caixa de cloroquina a tiracolo – medicamento ineficaz contra a covid-19
– ofertando-a até para uma ema como a panaceia de todos os males? Jair
Bolsonaro pôde contar com o apoio do STF e do Congresso Nacional para adotar as
melhores medidas de combate à pandemia, mas não o fez por cálculo político,
frieza ou birra. Ou tudo isso junto.
Construiu-se essa tragédia porque muitos governadores e prefeitos
sucumbiram às pressões de toda sorte para reabrir o comércio e espaços públicos
antes que houvesse segurança para isso. Uns por negarem a gravidade da
pandemia, como o presidente. Outros pelo receio das implicações eleitorais da
manutenção das restrições.
Por fim, construiu-se essa tragédia porque falta a
muitos cidadãos um espírito de coletividade, o reconhecimento do passado
formador comum e a comunhão de aspirações ao futuro. Com tristeza, viu-se que
não raras vezes a fruição imediata de alguns se sobrepôs ao recolhimento
exigido para o bem de todos. Aí está o resultado.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/a-construcao-de-uma-tragedia-editorial.html
sábado, 8 de agosto de 2020
100 mil mortos, uma tragédia do tamanho do Brasil – Editorial | O Globo
Nenhum deles pode ‘tocar a
vida’; nem Bolsonaro pode ‘se safar’ da responsabilidade pela vergonha nacional
Em 17 de março, quando o Brasil registrava 290
casos e apenas uma morte pelo novo coronavírus, o então ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, previu que os números cresceriam exponencialmente até o fim
de junho. Em julho estabilizariam e, em agosto, começariam a cair. Num cenário
em que os fatos correm mais que o tempo, quase cinco meses depois, não há mais
Mandetta, exonerado pelo presidente Jair Bolsonaro em 16 de abril. Agosto está
aí — e o panorama é um país ainda perdido em meio ao avanço da Covid-19. Os
infectados passam de 2,9 milhões, e os mortos chegam à marca macabra de 100
mil. Para ter ideia da dimensão da catástrofe, o contingente supera a soma de
duas conhecidas tragédias nacionais: todos os óbitos no trânsito (40.721) e
todos os assassinatos (41.635) em 2019.
Não se chegou a tal número por acaso. Ele foi
construído cotidianamente, por erros e omissões de um governo que trocou a
Ciência pelo obscurantismo. Claro que governadores e prefeitos — com autonomia
dada pelo STF para impor medidas de restrição e liberdade para fazer compras
emergenciais (muitas das quais viraram caso de polícia) — também deixaram suas
digitais na hecatombe. Mas é inequívoca a responsabilidade do presidente Jair
Bolsonaro, a quem cabia, por meio do Ministério da Saúde, coordenar o combate à
mais letal pandemia em cem anos.
Bolsonaro começou minimizando a pandemia. Tratou a
doença como “gripezinha” e, questionado sobre os mortos, soltou um revoltante
“E daí?”. Mais preocupado com seu projeto de reeleição, atacou o isolamento
social decretado por governadores e prefeitos — eficaz para impedir o avanço da
doença na falta de vacinas ou remédios — e pregou a reabertura imediata das
atividades. Alegou que a população não morreria de Covid, mas de fome. Simulou
um falso dilema, já que, quanto antes a epidemia estiver controlada, mais
rapidamente a economia voltará a girar.
O Ministério da Saúde é o melhor exemplo do pouco
caso com a epidemia. Em menos de quatro meses, foram três ministros. Mandetta e
seu substituto, Nelson Teich, saíram por discordar de Bolsonaro. O general
Eduardo Pazuello permaneceu por concordar, no melhor estilo “missão dada é
missão cumprida”. Está há mais de dois meses no cargo como interino, prova do
esvaziamento da pasta em plena pandemia. Uma de suas primeiras decisões foi
liberar a cloroquina para qualquer fase do tratamento, ignorando evidências
científicas de que ela não tem eficácia contra o coronavírus e pode causar
sérios efeitos colaterais. O país produziu comprimidos de cloroquina aos
milhões, sabe-se lá para quê. Estima-se que haja estoque para abastecer por 38
anos o mercado nacional.
A cloroquina virou obsessão de Bolsonaro,
transformado em garoto-propaganda do medicamento. Ele próprio, quando contraiu
o vírus, apareceu numa transmissão ao vivo com uma caixa em mãos. Numa cena
bizarra que decerto ilustrará os futuros livros de história, foi flagrado
exibindo uma caixa de cloroquina às emas do Palácio da Alvorada. Até elas
pareciam ter consciência do ridículo. A insistência na cloroquina não foi a
única ofensa à Ciência. Bolsonaro se especializou em quebrar os protocolos
sanitários mais básicos para a prevenção da Covid-19. Em lugares públicos,
cumprimentou transeuntes, tossiu, falou alto, desprezou o uso da máscara —
chegou a ser obrigado pela Justiça a usá-la — e frequentou aglomerações.
O que o governo deveria fazer não fez: estabelecer
protocolos nacionais, lançar uma campanha para incentivar o distanciamento,
testar a população para identificar os infectados, isolá-los e rastrear seus
contatos, seguindo exemplos de países que controlaram a epidemia, como Coreia
do Sul, Austrália ou Alemanha. O Brasil testa pouquíssimo, caminha às cegas no
combate à doença. Escolhe sempre o caminho errado. Em meio ao desgoverno, a epidemia
avança e escancara as desigualdades gritantes do país. Um estudo do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, na cidade do Rio de Janeiro,
dos 6.735 óbitos até 13 de junho, 79,6% ocorreram nos bairros de menor Índice
de Desenvolvimento Social (IDS). Nas áreas mais pobres, a taxa de letalidade
chega a ser o dobro da de regiões ricas (20% contra 10%). Na capital paulista,
não é diferente. Os 25 distritos com maior número de mortes por Covid-19 estão
na periferia. Juntos, concentram 42,1% dos óbitos.
Números superlativos não devem servir para
banalizar a tragédia. Por trás deles, há 100 mil histórias de brasileiros que
perderam a vida para o coronavírus. Tal contingente ainda cresce ao ritmo de
mais de mil mortes por dia, quase uma por minuto. Produzimos sepultamentos em
escala industrial, que nos humilham perante o mundo. O Brasil de Bolsonaro fica
atrás apenas dos Estados Unidos de Donald Trump no campeonato macabro da
Covid-19.
Em vez de impedir a tragédia, o governo tentou
escondê-la. No início de junho, quando a escalada já era desenfreada, decidiu
omitir o total de mortos do boletim diário do ministério. Iniciativa inócua,
pois um consórcio da imprensa profissional passou a apurar os dados, e o
Supremo obrigou o governo a recuar. Bolsonaro deveria saber que não é
torturando números que se muda a realidade. Ela está aí, para quem quiser ver.
Na quinta-feira, ele disse lamentar a iminência das 100 mil mortes: “Mas vamos
tocar a vida, tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”.
Obviamente, nenhum dos mortos terá como tocar vida nenhuma. Nem Bolsonaro tem
como se safar da responsabilidade pela tragédia e pela vergonha nacional.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/100-mil-mortos-uma-tragedia-do-tamanho.html
sábado, 8 de agosto de 2020
Demétrio Magnoli* - O vírus governa o Brasil
- Folha de S. Paulo
Negacionismo impediu a
coordenação das iniciativas de controle da pandemia
Há consenso, fora malucos
incorrigíveis, de que o Brasil fracassou diante do desafio da Covid-19. Mas
deve-se qualificar o fracasso: a régua para medi-lo não é
o número de óbitos.
A taxa de óbitos no país
(48 por 100 mil) é, no momento, menor que as registradas na Bélgica (86), Reino
Unido (70), Peru (64), Espanha (61), Itália (58) ou Suécia (57). Na faixa
brasileira estão o Chile (53), os EUA (49) e o México (40). Na Europa, teme-se
uma retomada de contágios no outono e inverno. Não há prova de que ficaremos
fora da curva das nações mais atingidas.
Fracasso de todas elas?
Difícil afirmar, pois são fortes os indícios de que o resultado, em óbitos, é
largamente determinado pelo ponto de partida.
Hoje sabemos que o vírus
espalhou-se, silenciosamente, nos primeiros dois meses do ano. Por razões
aleatórias, algumas áreas de elevada urbanização, na Espanha, na Itália, na
França, na Bélgica, na Suécia e nos EUA, sofreram extensivos contágios na etapa
oculta da pandemia. No Brasil, isso parece ter ocorrido com São Paulo, Rio,
Fortaleza, Recife e Manaus. Depois desse impacto, com lockdown (Itália,
Espanha, França) ou sem ele (Suécia), o gráfico de óbitos já estava traçado, ao menos em linhas gerais.
O Brasil, ao contrário da
Itália ou do Equador, não fracassou no atendimento aos doentes. À exceção de
alguns lugares (Manaus, por exemplo), os hospitais regulares e os
de campanha deram conta da pressão. O SUS, com todas as suas
conhecidas carências, salvou-nos da tragédia de contar mortes evitáveis. É uma
lição prática sobre saúde pública que não temos o direito de esquecer.
Fracassamos por não fazer
um lockdown geral? O diagnóstico, tão comum entre acadêmicos e na esquerda,
ignora os limites impostos pela falta de um mínimo consenso político nacional e
pelas profundas desigualdades sociais do país.
O Brasil elegeu um
presidente negacionista —e isso tem consequências. Um lockdown no estilo
italiano exigiria a ocupação das periferias e favelas por forças policiais sem
compromissos com direitos (e vidas) dos cidadãos. O acadêmico que clama pelo
lockdown evidencia desconhecer o país. O líder político de esquerda que faz o
mesmo está investindo no impossível para colher o possível, na forma de votos.
O fracasso deve ser
creditado, quase exclusivamente, ao governo federal. O negacionismo
persistente, inabalável, impediu a coordenação das iniciativas de controle. A
Constituição define a saúde como competência conjunta da União, dos estados e
municípios.
Diante da criminosa
negligência de Bolsonaro, o STF produziu interpretação criativa do texto
constitucional, vetando a interferência
federal nas decisões sanitárias estaduais. Daí, decorreram os planos incongruentes das quarentenas e
flexibilizações em curso.
Os EUA de Trump, outro
negacionista, vivem cenário similar. Contudo, a culpa não é do sistema
federativo. Na Alemanha federal, um consenso político propiciou a cooperação
entre o governo central e os estados que, mesmo pontilhada por atritos,
conduziu a um planejamento eficaz. Pagamos o preço de uma opção eleitoral, com
juros e multa.
No pacote do fracasso está
o atraso na testagem em massa. Bombardeado pelas falanges bolsonaristas, o
Ministério da Saúde ficou acéfalo no auge da crise, com a demissão de Mandetta,
e converteu-se em acampamento de militares que, de costas para a epidemiologia,
batem continência a um presidente inepto, irresponsável e amoral. Cinco meses
depois do início das quarentenas, não temos um mapa dos caminhos de contágio. O
governo federal escolheu, tacitamente, dirigir a nação para a longa tempestade
da imunidade coletiva forçada.
Quando desceremos a curva?
A resposta não depende de nós, mas dos anticorpos e células T. O vírus governa
o Brasil.
*Demétrio Magnoli, sociólogo,
autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em
geografia humana pela USP.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/demetrio-magnoli-o-virus-governa-o.html
Decisão
do STF sobre isolamento de estados e municípios repercute no Senado
Anderson Vieira | 16/04/2020,
13h38
Um dos pontos mais movimentados de São Paulo, o Viaduto do Chá deixou de
receber milhares de pedestre diariamente por determinação do governo e da
prefeitura
Rovena Rosa/Agência Brasil
Saiba mais
00:0002:29
Proposições legislativas
A decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que garante autonomia a prefeitos e governadores determinarem medidas
para o enfrentamento ao coronavírus repercutiu entre os senadores. Os ministros
chegaram à conclusão de que estados e municípios podem regulamentar medidas de
isolamento social, fechamento de comércio e outras restrições, diferentemente
do entendimento do presidente Jair Bolsonaro, segundo o qual cabe ao governo
federal definir quais serviços devem ser mantidos ou não.
O posicionamento agradou
principalmente senadores de oposição. O líder do PDT, senador Weverton (MA),
por exemplo, disse que foi uma vitória dos entes federados, que precisam ter
segurança jurídica para tomar as providências necessárias ao combate à
pandemia.
— Havia um atrito de
competências, que era muito ruim, porque nesse momento todas as forças têm que
ser unificadas. O Supremo atendeu nossa ação, que foi proposta pelo PDT, e deu
autoridade aos governadores, confirmando que eles têm, sim, plenas condições de
tratar esse assunto como deve ser tratado. É uma crise na saúde pública e, como
tal, precisa de todas as providências — afirmou.
Segundo o parlamentar, a
Constituição é clara ao permitir que União, estados e municípios tratem de
forma conjunta de assuntos relacionadas à saúde pública e, numa situação grave
como essa, é preciso que todos se mobilizem.
— Quem está lá no dia a dia, como
deputados estaduais, vereadores, governadores e prefeitos, é que conhece os
problemas locais. Cada região tem sua especificidade, sua estratégia e a forma
de lidar com a crise. Cabe à União convergir forças e criar condições,
principalmente econômicas, para dar suporte aos estados enfrentarem de forma
efetiva e eficaz essa crise — avaliou.
Pelas redes sociais, o senador
Humberto Costa (PT-PE) mostrou-se a favor da decisão do STF e destacou o fato
de ter sido uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro:
— O Supremo Tribunal Federal
decidiu, por unanimidade, que estados e municípios têm autonomia para
regulamentar as medidas de isolamento. Bolsonaro, que limpa o nariz e
cumprimenta as pessoas nas ruas, sai derrotado. Ele não poderá acabar com a
quarentena — publicou.
Federação em risco
Senadores da base de apoio ao
governo pensam de forma diferente. O senador Márcio Bittar (MDB-AC) considerou
equivocada a decisão do Supremo.
— Acho que o STF, mais uma
vez, ajuda a passar a impressão de que não somos uma Federação. Governadores
e prefeitos podem fechar suas atividades econômicas e depois pedir para o
presidente Bolsonaro pagar a conta — avaliou.
O senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ) também discorda do entendimento
dos ministros do STF:
— Acho que a decisão não foi sábia. Ao invés de botar ordem,
vai gerar mais confusão — opinou.
Medida Provisória
O assunto foi parar na Suprema
Corte depois que o PDT questionou a validade da Medida Provisória 926/2020, editada pelo presidente Jair
Bolsonaro, por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 6.341. Entre outras providências, a MP restringe a liberdade de prefeitos e
governadores na tomada de ações contra a pandemia.
Para os ministros do STF, o
governo federal somente pode definir sobre serviços e atividades de interesse
nacional. Fora disso, cabe aos prefeitos e governadores regulamentarem a
situação em seus respectivos territórios.
A decisão foi tomada na
quarta-feira (15), em sessão realizada por videoconferência. Em março, o
ministro Marco Aurélio já tinha deferido uma medida cautelar, acolhendo o questionamento
do PDT, com o argumento de que havia a violação da autonomia dos entes
federados.
Outros pontos da medida
provisória continuam valendo, visto que os ministros não viram irregularidade
no restante do texto.
Agência Senado (Reprodução
autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado
Maninha (dueto com Chico
Buarque)
Miúcha
Se lembra da
fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal
Feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha
Falava de amor
Pois nunca mais cantei ó maninha
Depois que ele chegou
Se lembra da
jaqueira
A fruta no capim
O sonho que você contou pra mim
Os passos no porão
Lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim ó maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
Se lembra do
futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar
Que o dia vai raia
Só porque uma cantiga anunciou
Mas não me deixe assim tão sozinho
A me torturar
que um dia ele vai embora maninha
Pra nunca mais
Composição: Chico
Buarque.
https://www.letras.mus.br/miucha/924959/
CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA, GARCÍA MÁRQUEZ
(#116)
https://www.youtube.com/watch?v=yTwHSOLPao4
Sexta-feira, 26 de
abril de 2019
Crônica de uma morte anunciada
O destino
fatal do personagem, embora conhecido de antemão por todos, não desperta a
indignação alheia e muito menos o desejo de mudança dos fatos. O egoísmo e a
indiferença acabam regendo todo processo que culmina na morte da vítima
Imagem: reprodução da capa da edição espanhola do livro Crônica de
uma Morte Anunciada, de Gabriel García Márquez, publicada pela
editora Debolsillo (Punto de Lectura). Arte: Daniel Caseiro.
Por Douglas
Rodrigues da Silva
“No dia em
que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o
barco em que chegava o bispo”. Com essa frase, Gabriel García Márquez
inicia aquele que, sem dúvida, se constitui num dos seus maiores clássicos
literários, Crônica de uma Morte Anunciada. Nesse eletrizante
romance, o magistral autor colombiano narra, a partir da constatação prévia de
que o protagonista seria assassinado, uma série de acontecimentos que se
sucederam após a notícia do infortúnio ter sido espalhada a quase todos os
moradores da pequena comunidade em que a história se passa.
A morte
anunciada – o que justifica, desde logo o nome do romance – desperta nos
habitantes da pequena vila sentimentos diversos e conflitantes. Parcela dos
ouvintes da trágica anunciação se colocam em posição de descrença, acreditando
piamente que os executores não levariam seu plano homicida adiante. Para outra
parte, o ódio nutrido pela vítima resulta numa posição de indiferença ao
resultado provável, a sua morte. De toda sorte, o que se observa, em quase
todas as reações transcritas na obra, é que, a despeito da trágica notícia da
morte ser por todos previamente conhecida, ninguém age no sentido de evitar o
resultado final.
O destino fatal de Santiago Nasar, embora conhecido de antemão por todos
– exceto pelo protagonista –, não desperta a indignação alheia e muito menos
incute nos ouvintes da notícia qualquer desejo de mudança no panorama dos
fatos. O egoísmo e a indiferença acabam regendo todo o plexo de fatos que
culminam na morte da vítima. Morte, aliás, também derivada de um preconceito (“dai-me
um preconceito e moverei o mundo”).
E, se
observarmos bem, em tempos atuais, os destinos do processo penal não se
diferenciam em nada daquele reservado a Santigo Nasar. E, ademais, as reações
dos “personagens principais” do nosso mundo jurídico, ante a anunciação prévia
da “morte do processo penal”, em muito pouco se distingue àquela
observada nos personagens singulares derivados da imaginação de Gabo [1].
O estado atual
das coisas não deixa espaço para dúvidas.
Desde as
primeiras decisões proferidas no âmbito das famigeradas “operações”, em que a
tecnicidade e o respeito à lei processual penal perderam espaço ao manejo
estratégico do processo penal como forma de espetacularização e palanque de
discursos políticos e maniqueístas, estava anunciada, a todos nós, a “morte
do processo penal”.
Mesmo assim,
movidos por sentimentos egoístas e odiosos, sedentos pela sangria dos “inimigos”,
os personagens dessa história se mantiveram distantes, indiferentes. Sabedores
dos destinos indignos que algumas vozes emudecidas vaticinavam ao processo, a
reação de cada um – por canalhice ou oportunismo – se limitou, no mínimo, à
descrença daquilo que se avizinhava.
Leia também:
Ativismo Judicial, Liberdades Públicas e a
Desconstrução do Devido Processo Legal
Mas o pior veio. E, ainda assim, a indiferença foi a regra estabelecida.
Conduções
coercitivas decretadas com a finalidade de desmerecer a imagem pública de
alguém ou inocular uma ameaça e uma coação disfarçadas de medida legal. Prisões
preventivas orquestradas, sob a firme batuta de regentes arbitrários e
inescrupulosos, com finalidade distante – e muito – do acautelamento do
processo. Espetacularização da prisão. Manejo estratégico do processo para
alteração do quadro eleitoral. Deturpação do limite semântico do texto
constitucional. Incitação da ira pública dirigidas a magistrados das Cortes
Superiores. Criação de questionáveis fundos privados. Abuso de autoridade.
Protestos pela institucionalização da ilicitude como mecanismo de trabalho.
Quebras de sigilo disfarçadas de procedimento fiscal. Vazamentos seletivos de
informação.
Uma morte
lenta, gradativa e cruenta.
Tal qual
Santiago Nasar, em seu suplício “[…] encharcado em sangue e segurando nas
mãos o cacho das suas entranhas”, o processo penal, ao que parece, não terá
melhor sorte e, tão logo, sucumbirá diante de nós (se é que já não está morto).
Novas
investidas mortais ao processo penal virão, assim como se repetiam as
insistentes facadas desferidas contra Santiago Nasar pelos irmãos Vicário, seus
algozes. Os últimos dias têm sido ricos em prenunciar um reaquecimento dos
movimentos de relativização das garantias previstas na Constituição e,
sobretudo, de uso do processo penal como instrumento estratégico de
interferência política. Os fatos que se presenciaram recentemente confirmam –
ou, se muito, merecem despertar severas suspeitas – os tempos sombrios que vivemos.
Projetos açodados e malfeitos de reforma da lei penal. Novas prisões
espetaculosas. O processo como instrumento de pressão parlamentar. As
lâminas ainda irrompem no “corpo” supliciado e gravemente fustigado.
Ao contrário
do destino de Santiago Nasar, ainda há tempo de mudar o rumo da história que se
prenuncia. É possível, com base na consciência prévia da vítima e de seus
ofensores, alterar e anular, mesmo que tardiamente, o destino fatal.
Gostemos ou
não dos vitimados. O ódio não pode suplantar a racionalidade. A barbárie
institucionalizada não pode prevalecer sobre os monumentos de luta por
direitos.
Não sejamos
ingênuos. Todo movimento que se olvida da lei é pernicioso.
Mas ainda que
a morte do processo penal esteja anunciada, há tempo de se evitar o destino
fatal. Abandonemos a indiferença. Salvemos a vítima de seus algozes.
Douglas
Rodrigues da Silva é advogado criminal e especialista em Direito e Processo Penal
Notas:
[1] apelido
carinhoso de Gabriel García Márquez
http://www.justificando.com/2019/04/26/cronica-de-uma-morte-anunciada/
Referências
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/a-construcao-de-uma-tragedia-editorial.html
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/100-mil-mortos-uma-tragedia-do-tamanho.html
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/08/demetrio-magnoli-o-virus-governa-o.html
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado/rovspcoron02.jpg/@@images/image/imagem_materia
https://youtu.be/Si_ugqmpGNE
https://www.letras.mus.br/miucha/924959/
https://youtu.be/yTwHSOLPao4
https://www.youtube.com/watch?v=yTwHSOLPao4
http://www.justificando.com/wp-content/uploads/2019/04/Cronica-de-uma-morte-anunciada-1-1024x599.png
http://www.justificando.com/wp-content/uploads/2019/02/Vamos-levar-a-imparcialidade-judicial-a-se%CC%81rio-1-1024x599.png
http://www.justificando.com/wp-content/uploads/2018/08/Ativismo-Judicial-Liberdades-Pu%CC%81blicas-e-a-Desconstruc%CC%A7a%CC%83o-do-Devido-Processo-Legal-1.png
http://www.justificando.com/wp-content/uploads/2019/02/Crise-ou-projeto-O-sistema-prisional-em-pauta-1-1024x599.png
http://www.justificando.com/2019/04/26/cronica-de-uma-morte-anunciada/
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