segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Inovação tecnológica de vacinas

 “A inovação tecnológica de vacinas é por definição uma atividade de longa duração e que exige vultosos investimentos de alto risco. A complexidade do processo de DT&I, envolvendo diferentes etapas interdependentes, requer equipes multidisciplinares e diferenciadas e o atendimento aos requerimentos de regulação, que nos últimos tempos têm se tornado mais exigentes.”


 

 

 

 

Ensaio clínico randomizado

 

 

 

 


O que é ensaio clínico randomizado?

 

Vídeo-aula com o médico epidemiologista André Ferreira Azeredo. Ensaios clínicos randomizado são estudos experimentais em que os participantes são aleatoriamente distribuídos em 2 ou mais grupos de intervenções. Ao final, alguns desfechos de interesse são medidos em todos os participantes e pode-se entender qual das intervenções chegou a melhores resultados.

https://www.youtube.com/watch?v=A7n9gqiyJvo

 

 

 

 


Introdução aos Estudos Epidemiológicos - Resumo - Epidemiologia

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=Jl18GmGOyiI

 

 

 

 

Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.10  suppl.2 Rio de Janeiro  2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702003000500011 

ANÁLISE

 

Desenvolvimento tecnológico: elo deficiente na inovação tecnológica de vacinas no Brasil

 

Technological development: a weak link in vaccine innovation in Brazil

 

 

Akira HommaI; Reinaldo Menezes MartinsII; Ellen JessouroumIII; Otavio OlivaIV

IInstituto de Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos/Fiocruz Av. Brasil, 4365 21045-900 Rio de Janeiro — RJ Brasil akira@bio.fiocruz.br
IIDiretor científico da Sociedade Brasileira de Pediatria reinaldomm@ig.com.br
IIIInstituto de Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos/Fiocruz
IVConsultor regional de biológicos, Organização Pan-americana de Saúde olivaota@paho.orfg

 

 


RESUMO

O governo federal, nos anos mais recentes, vem desenvolvendo importantes iniciativas no sentido de fortalecer o sistema de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e, conseqüentemente, de aumentar os resultados da inovação tecnológica em várias áreas importantes da economia do país. Essas iniciativas, no entanto, ainda são insuficientes para diminuir a enorme dependência de insumos e tecnologias vindas de países mais desenvolvidos. Apresenta-se neste trabalho a situação da vacinação, produção e desenvolvimento tecnológico de vacinas no mundo e no Brasil; também são feitas algumas reflexões sobre a complexidade da inovação tecnológica de vacinas e as diversas etapas do processo de desenvolvimento tecnológico requeridas para esse completo desenvolvimento. Descrevem-se as várias etapas envolvidas, com análise dos parâmetros e fatores integrantes em cada etapa, os requisitos técnicos de instalações e equipamentos, as normas de boas práticas de fabricação (BPF), a necessidade organizacional, de infra-estrutura e de gestão, o longo período e o alto custo demandados para essa atividade.

Palavras-chave: vacinas, inovação tecnológica, desenvolvimento tecnológico de vacinas, política de CT&I.


ABSTRACT

In very recent years, the federal government has launched important initiatives meant to strengthen science, technology, and innovation in Brazil and thus enhance the results of technological innovation in key areas of the country's economy. Yet these initiatives have not been enough to reduce Brazil's heavy dependence on goods and technology from more developed nations. The article describes the current state of vaccination, production, and technological development of vaccines both internationally and nationally. Some thoughts are also offered on the complexity of vaccine innovation and the various stages whose completion is essential to the whole process of technological development. An analysis is made of the parameters and factors involved in each stage; technical requirements for facilities and equipment; Good Manufacturing Practice guidelines; organizational, infrastructural, and managerial needs; and the lengthy time periods and high costs entailed in these activities.

Keywords: vaccines, technological innovation, technological development of vaccines, policy in science, technology & innovation.


 

 

"Duas intervenções em saúde que apresentaram o maior impacto na saúde mundial foram a água potável e as vacinas"
(WHO, 2002a)

 

Introdução

A premissa básica para qualquer país desenvolver atividades de inovação tecnológica é possuir uma forte capacitação científica e tecnológica. O Brasil, graças a uma política governamental que vem apoiando sistematicamente, ao longo dos anos, as atividades científicas e a formação de uma massa crítica de cientistas, tem um enorme potencial de inovação tecnológica em múltiplas áreas, desenvolvendo novas metodologias, novos processos e produtos, todos elementos importantes para a economia e a saúde da população, inclusive as vacinas.

O passo fundamental para o fortalecimento das atividades científicas no país ocorreu em 15 de janeiro de 1951, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa. O reconhecimento de que, além da pesquisa científica, também era necessário apoiar a atividade tecnológica ocorreu com a transformação dessa entidade, quase 25 anos depois, em Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq).

Essa importante base científica é representada pelos vários institutos de pesquisa e pelas universidades – que formam milhares de mestres e doutores a cada ano –, e a proficiência científica do Brasil é amplamente reconhecida. O número de artigos indexados pelo Institute for Scientific Information, um dos indicadores que mede o desempenho das atividades científicas dos países, mostra um crescimento extraordinário —em 1981 e 1999 foram 2.609 e 12.015 publicações, respectivamente, em todas áreas do conhecimento (São Paulo, 2001a), o que representou 0,28% e 1,02% do total da literatura mundial, tendo significado, em 2000, 40% do total de publicações científicas da América Latina (São Paulo, 2001b).

Embora exista um arcabouço científico muito importante para que a inovação tecnológica aconteça, é necessário existir uma política específica que contemple a atividade, pois se trata de procedimentos, processos, parâmetros específicos, diferentes daqueles envolvidos propriamente na pesquisa científica. Esses aspectos inerentes à inovação tecnológica não estão ainda disseminados de forma adequada no meio acadêmico, nas instituições de pesquisa, nem nas indústrias brasileiras, mais acostumadas a receber tecnologias prontas.

A problemática é explicitada no Livro Branco – Ciência, Tecnologia e Inovação da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia:

A inovação é um fenômeno complexo, multidimensional, que pressupõe a presença e articulação de número elevado de agentes e instituições de natureza diversa, com lógicas e procedimentos distintos; objetivos de curto e longo prazos diferenciados; potencialidades e restrições específicas e motivações variadas. Esse reconhecimento é importante para indicar as dificuldades que se colocam aos atores públicos e privados na busca da inovação e, também, para compreender a razão de persistir um quadro de baixa propensão à inovação na empresa brasileira (Brasil, 2002a).

A inovação tecnológica de importantes vacinas para o país também oferece enormes desafios para ser concretizada, face à complexificação das atividades de desenvolvimento tecnológico – o elo deficiente para a inovação tecnológica de vacinas no país. Neste trabalho é abordado esse tema, contextualizando-se a problemática no cenário mundial e nacional que afeta diretamente essas atividades.

 

As atividades de vacinação

No mundo

A maior conquista da saúde pública mundial, a erradicação da varíola despertou os sanitaristas para a possibilidade de controlar e erradicar outras doenças imunopreveníveis; no rastro dessa conquista, a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou o Programa Ampliado de Imunização (PAI), expandindo as atividades de imunização para outras doenças, como poliomielite, sarampo, tuberculose, difteria, tétano e coqueluche, em vários países do mundo.

Na década de 1980, o grande sucesso alcançado pelos países desenvolvidos no controle de doenças imunopreveníveis trouxe o reconhecimento de que ainda milhões de crianças de países em desenvolvimento – e sobretudo dos países mais pobres – poderiam ser salvas. O fato mobilizou os organismos internacionais, como o Fundo Mundial para Educação e Infância (Unicef), a OMS, a Fundação Rockefeller e o Banco Mundial, no sentido de criar, em 1991, a Iniciativa de Vacinas para Infância (Children Vaccine Initiative, 1993). Esse ato aumentou de forma substantiva a demanda de vacinas. Para atender à nova situação, os laboratórios produtores tiveram de realizar novos investimentos e aumentar sua capacidade de produção.

O conjunto de ações muito bem concatenadas, lideradas, nas Américas, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) – vacinas de boa qualidade, estratégias corretas de vacinação, apoio governamental contínuo e sustentado –, permitiu que fosse eliminada a poliomielite na região há mais de dez anos, e o objetivo da OMS é eliminá-la globalmente até 2005; o sarampo não ocorre há mais de três meses, e outras doenças imunopreveníveis têm a notificação mais baixa na história de saúde pública para essa região (Quadros, 1999; WHO, 2002b).

Infelizmente esse cenário ainda está longe de acontecer nos países mais pobres do mundo. Mais recentemente foi criada a Global Alliance for Vaccine and Immunization (Gavi, 1999), com recursos que atingem 1.200 milhões de dólares —oriundos de doações da Fundação Bill e Melinda Gates, do Banco Mundial e dos países nórdicos —, buscando corrigir a situação. O programa seleciona os países mais pobres do mundo segundo critério econômico,1 com o compromisso do país no sentido de fortalecer a infra-estrutura de vacinação e aumentar a cobertura das vacinas básicas. Setenta e quatro países foram pré-selecionados, e muitos já receberam os benefícios.

No Brasil

No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) criado em 1973, também no rastro do sucesso da erradicação da varíola, vem obtendo resultados expressivos no controle de doenças imunopreveníveis. Nas últimas duas décadas, organizou e implementou os dias nacionais de vacinação, desenvolveu estratégias específicas para alcançar altas coberturas de forma homogênea em todos os municípios brasileiros, desenvolvendo as atividades de imunização de modo altamente competente e eficaz. O PNI já incorporou na rotina de imunização as vacinas contra hepatite B, tríplice viral —sarampo, caxumba e rubéola —, influenza para idosos, tetravalente (DTP+Hib), somando 12 diferentes antígenos vacinais (Brasil, 2001a), fazendo de seu programa de imunização o mais completo entre os países em desenvolvimento.

O PNI disponibiliza ainda, nos centros de referência de vacinas especiais (Brasil, 2001b), outras vacinas para uso em situações específicas, como a inativada contra a poliomielite, contra raiva produzida em cultura de tecidos, contra pneumococos com 23 sorotipos e imunoglobulinas especiais. Nos últimos seis anos, além de incorporar inúmeras novas vacinas, aumentou significativamente o número de doses demandadas —de sessenta milhões, no início da década de 1990, para 180 milhões de doses no ano 2002 —, ampliando as taxas de cobertura vacinal em todo país.

Como resultado desse programa, o Brasil tem o menor número de notificação de doenças imunopreveníveis na história da saúde pública (Barbosa, 1999) e não registra nenhum caso autóctone de sarampo há dois anos, o que demonstra de forma indubitável a extraordinária importância do trinômio vacinas, vacinação e serviços de imunização.

 

A produção de vacinas

Cenário internacional

Globalmente, em decorrência do advento de novas tecnologias de produção e das atuais exigências de regulação e qualidade, a área de produção de vacinas tem sofrido transformações rápidas e profundas. A competitividade tecnológica —a oferta de novas vacinas de outra geração tecnológica —e as novas exigências, junto com as estratégias agressivas implementadas pelas grandes multinacionais, têm obrigado os laboratórios e empresas do setor a se voltarem para o atendimento das recentes demandas. Por não conseguirem se adequar aos tempos, inúmeros laboratórios públicos e privados tiveram de encerrar suas atividades de produção de vacinas.

Os novos produtos, com alto valor agregado, propiciam preços elevados e, em conseqüência, lucros também ampliados, despertando a atenção de grandes transnacionais, que estão se organizando em poucos conglomerados, o que torna o mercado de vacinas altamente oligopolizado. Cinco grandes multinacionais —Glaxo, Simith & Kline, Aventis Pasteur, Chiron, Merck Sharp & Dohme e Whyeth Lederley —dominam 80% do mercado mundial de vacinas de nova geração, como aquelas contra a hepatite B; DTPa com componente coqueluche acelular; Haemophilus influenzae, tipo b, conjugada (Hib); meningite meningocócica, sorogrupo C, conjugada; pentavalente DTPa/HBV+Hib; poliomielite inativada; tetravalente viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), entre outras.

Hoje em dia, na América Latina (Homma et al., 1995; Homma et al., 1997), apenas Brasil e Cuba possuem laboratórios com produção regular de vacinas.2 Esses laboratórios têm a responsabilidade de produzir vacinas de baixo valor agregado, como a tríplice bacteriana (DTP), a BCG e sarampo, e estão buscando parcerias para incorporar novas tecnologias de produção e outras vacinas de maior valor agregado (como os laboratórios de Brasil, Indonésia, Índia e China).3

 

Cenário nacional de produção de vacinas

O Brasil tem longa tradição de produção pública de vacinas.4 O Instituto Butantan, em São Paulo, e o Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, criados no início do século XX, tinham a função de desenvolver e produzir soros e vacinas para combater as epidemias que ocorriam no país e desenvolveram atividades fundamentais na área de saúde pública. No entanto, ao longo dos anos, por vários motivos, essas instituições entraram em decadência e não conseguiram desenvolver novas tecnologias. Foram então perdendo a competitividade tecnológica e ficaram praticamente inoperantes.

Somente em meados da década de 1980 — quando um grande laboratório multinacional que detinha 80% do mercado de soros e vacinas do país abandonou de forma repentina essa linha de produção, porque o Ministério da Saúde solicitara o fortalecimento das atividades de controle de qualidade —o governo federal resolveu intervir na área. A abrupta retirada das atividades produtivas pela multinacional causou grande comoção no país, pois, a partir de então, nem se podiam importar insumos tão importantes, como os soros antiofídicos, pela especificidade dos venenos.

Para enfrentar o problema, em 1986 o Ministério da Saúde criou o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI), que, em pouco mais de dez anos, investiu aproximadamente 150 milhões de dólares na modernização das instalações e equipamentos dos laboratórios públicos produtores de soros e vacinas. O investimento possibilitou a auto-suficiência do país na produção de soros antiofídicos, antipeçonhentos, antitóxicos para uso terapêutico e de oito vacinas: BCG; poliomielite,5 hepatite B recombinante; difteria, tétano, coqueluche (DTP); febre amarela; Haemophilus influenzae tipo b (Hib), apresentada combinada com DTP; influenza (para idosos).

Mais recentemente, de forma similar à estratégia das transnacionais, os laboratórios brasileiros também passaram a buscar alianças táticas e vêm produzindo novas vacinas de forma conjunta, como é o caso da vacina tetravalente DTP+Hib, sendo a primeira produzida pelo Instituto Butantan e apresentada com a vacina Hib de Bio-Manguinhos. Ao se iniciar a produção local, essa vacina irá conjugar os polissacarídeos do Hib com o toxóide tetânico produzido pelo Tecpar ou pelo Instituto Butantan. Tais iniciativas demonstram a preocupação dos laboratórios em buscar a utilização plena de suas capacidades e potencialidades, aumentando a eficácia de suas ações e diminuindo o custo operacional.

No entanto, pelos motivos detalhados a seguir, é essencial que as atividades de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação Tecnológica (DT&I) de vacinas sejam apoiadas de forma consistente pelo governo federal, de modo a possibilitar a competitividade tecnológica dos laboratórios produtores e permitir a inovação tecnológica, com o desenvolvimento de novas vacinas importantes para a saúde pública do país.

 

Desenvolvimento tecnológico e inovação

No mundo

A partir da década de 1980, a produção intensiva de conhecimentos científicos, o advento da moderna biotecnologia, os vultosos investimentos realizados pelos governos dos países desenvolvidos e os laboratórios transnacionais vêm propiciando a produção de novas vacinas mais complexas tecnologicamente, com alto valor agregado. Essas vacinas são mais eficazes, menos reatogênicas, mas também muito mais caras. Alguns estudos mostram que os preços podem, nas próximas duas décadas, mais do que triplicar (Davis et al., 2002). Em conseqüência disso, a produção de vacinas tornou-se uma atividade que traz grandes retornos econômicos para as grandes transnacionais.

A primeira vacina de tecnologia DNA recombinante contra hepatite B foi registrada no início da década de 1980; a vacina contra coqueluche de segunda geração, acelular, foi incorporada ao programa de imunização do Japão no início de 1980, nos Estados Unidos, na década de 1990; as vacinas polissacarídicas de segunda geração, muito mais eficazes, conjugadas quimicamente a uma proteína, surgiram em meados de 1990, com a vacina contra Haemophilus influenzae, tipo b (Hib); mais recentemente ainda, surgiu a vacina contra pneumococos, com sete sorotipos, e a vacina contra meningite meningocócica, sorogrupo C.

As tecnologias de DNA recombinante, de vacinas DNA, vetorizadas, peptídeos sintéticos, plantas transgênicas —aos quais se agregam a genômica, a proteômica, a bioinformática, que vêm favorecendo o surgimento da tecnologia reversa6 —estão sendo utilizadas no desenvolvimento de imunizações contra doenças importantes e para as quais ainda não existem vacina, como a malária, o HIV/Aids e a leishmaniose, além de uma mais eficaz contra a tuberculose.

Formas alternativas de aplicação, como a via mucosa e a transcutânea, estão sendo investigadas para vacinas contra sarampo e influenza (Woodrow, 1997; Ellis, 1999). Atualmente desenvolvem-se adjuvantes fundamentais para as novas vacinas, como HIV/Aids —que utilizam componentes virais e que podem exigir adjuvantes mais potentes para produzir resposta celular (Edelman, 1997; Vogel et al., 2002).

Somente nos Estados Unidos há centenas de projetos de DT&I em andamento. O The Jordan Report 2002 informa que, naquele ano, 351 projetos estavam no estágio inicial; na fase de estudos pré-clínicos havia 331 projetos; em estudos clínicos fase I (de segurança), eram 155; na fase II (imunogenicidade e reatogenicidade), 106; na fase III (eficácia), 48 projetos.

Estimativas de custo DT&I de uma vacina indicam os valores extraordinários de cem a duzentos milhões de dólares (custo médio, incluindo custos de projetos sem sucesso) num período de dez a 15 anos, até que ela se transforme em produto e seja utilizada de forma rotineira. Calcula-se que o investimento global anual em DT&I, incluindo os realizados por governos e transnacionais, esteja em torno de dois bilhões de dólares (Milstien et al., 2002).

Nos países ricos, inclusive os Estados Unidos, o governo apóia de forma direta e sistemática os projetos de desenvolvimento tecnológico, tanto nos institutos governamentais de pesquisa —como o National Institute of Health (NIH), Walter Reed Army Institute of Research, as universidades governamentais —como em universidades e laboratórios privados (Foulkes et al., 2002; EUA, 2002).

Além disso, nesses países existem milhares de empresas de biotecnologia voltadas para a saúde humana e animal e agricultura que investigam novas moléculas, fazem clonagem e expressão de antígenos de interesse, estudam novos adjuvantes, formulações, formas de aplicação e desenhos de vacinas. Esses laboratórios constituem hoje a base de alimentação e sustentação tecnológica das grandes multinacionais.

Em 2002, somente nos Estados Unidos, existiam 1.457 laboratórios biotecnológicos, os quais produziram mais de 130 produtos derivados de biotecnologia, dos quais mais de 70% foram licenciados para uso nos últimos seis anos. Estima-se que eles propiciaram um faturamento de 47 bilhões de dólares (Ernst & Young, 2000; Bio, 2002).

É fundamental o estabelecimento de prioridades para orientação e definição das atividades de desenvolvimento tecnológico (IOM, 1986; OPAS, 1991; TDR, 2002). Um estudo das dez prioridades em biotecnologia para a melhoria da saúde nos países em desenvolvimento (Daar, 2002) aponta em segundo e terceiro lugares o desenvolvimento de vacinas.

O cenário internacional possibilita antever o desenvolvimento de novas vacinas, tanto para substituir as atuais que apresentam problemas de reatogenicidade ou eficácia reduzida, como de outras hoje inexistentes. Isso representa um enorme desafio para os gestores de CT&I do país, no sentido de atender à pressão da demanda por novos insumos e serviços, que serão gerados nos países centrais, e evitar uma dependência ainda maior no futuro próximo de importação de tecnologias e insumos importantes para a saúde, como as vacinas.

 

Desenvolvimento tecnológico e inovação no Brasil

Historicamente, várias agências de fomento de P&D do país, como o CNPq, a Finep, a Fundação Banco do Brasil, os fundos estaduais de fomento à pesquisa, o Programa de Apoio do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT I/PADCT II/PADCT III), têm apoiado projetos de desenvolvimento de vacinas, ainda que de forma dispersa e incipiente. Sem uma coordenação nacional, e sem definição dos temas prioritários, os projetos apoiados receberam financiamentos em sua maioria insuficientes e que não tiveram continuidade, dificultando o desenvolvimento completo de uma vacina.

Com honrosas exceções, somam-se a esse fato as falhas no desenho dos projetos, que não contemplam todas as etapas de desenvolvimento, nem previam todas as necessidades de material, equipamentos e recursos humanos. Assim, os resultados obtidos no desenvolvimento de vacinas ficaram muito aquém do esperado.

Seria importante a avaliação técnica de todos os projetos apoiados pelas diferentes fontes de financiamento, analisando-se: estruturas, propostas técnicas, viabilidade científica e tecnológica, solicitação de equipamentos, insumos e pessoal, bem como sua gestão administrativa, tanto em relação à execução propriamente dita como à liberação oportuna de recursos financiados. Existe a possibilidade de essa análise apontar falhas que podem e devem ser corrigidas e evitadas, permitindo o aperfeiçoamento da gestão de projetos tecnológicos —atividade também reconhecida como um dos pontos fracos no processo de DT&I (Homma, 1999).

Sendo a pesquisa e a produção de vacinas uma atividade complexa, que requer longo período de maturação e altos investimentos de risco —por essa razão a iniciativa privada não está presente em DT&I —, o governo tem necessariamente de apoiá-las total ou complementarmente. Elas exigem instalações laboratoriais diferenciadas e grupos multidisciplinares e possuem parâmetros específicos nas metodologias e no volume dos estudo (Gregersen, 1997).

Para Gadelha (2002), existe uma enorme desarticulação entre pesquisa e produção também no campo da política de saúde. A estratégia de desenvolvimento tecnológico deveria levar em conta um apoio maior às experiências bem-sucedidas e à formação de redes científicas e tecnológicas assentadas em 'âncoras'7 que tenham a função de desenvolver tecnologias. Por essas peculiaridades, é essencial que haja uma definição do governo quanto às vacinas prioritárias para desenvolvimento. Nesse sentido, entre outros, alguns aspectos deveriam ser levados em consideração:

—impacto epidemiológico determinado pela doença e sua tendência;
—existência de alternativas para controle e/ou tratamento da doença;
—estudos de custo/benefício com relação a alternativas existentes; em casos de doenças órfãs, as questões econômicas não devem dominar a decisão;
—estágio do conhecimento científico tecnológico da doença selecionada;
—análise da complexidade científica e tecnológica do tema selecionado, identificando-se as lacunas para desenvolvimento de vacinas;
—existência de pesquisadores, grupos e instituições nacionais desenvolvendo atividades de P&D especificamente nos temas relacionados às lacunas identificadas;
—existência de laboratórios para realização de estudos pré-clínicos e de outros que atendam às normas de BPF (Brasil, 2001) para produção de vacinas experimentais para estudo clínico;
—existência de grupos com experiência em estudos clínicos (fase I, fase II, fase III);
—existência de peritos para elaboração de documentações necessárias ao registro da vacina junto à Anvisa;
—identificação de fontes de financiamento;
—análise da organização e de sua capacidade gerencial e administrativa.

Outros aspectos, como a formação de pessoal e de equipe e a viabilidade econômica do projeto, podem se refletir de forma direta no desenvolvimento das atividades laboratoriais a serem executadas.

A Fundação Oswaldo Cruz, reconhecida por sua qualidade científica na área biomédica, busca também fortalecer as atividades de desenvolvimento tecnológico. Atualmente está organizando programas de inovação tecnológica, adotando uma estratégia de indução, como é o caso do Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Insumos em Saúde (PDTIS), que pretende apoiar, utilizando tecnologias de DNA recombinante, o desenvolvimento de insumos estratégicos para a saúde, como vacinas, kits e reativos para diagnóstico, fármacos e medicamentos e produtos para controle de vetores (Sarno, 2002).

No entanto, por questões de necessidade, são os laboratórios produtores que vêm liderando as atividades de DT&I em vacinas no país. Ao longo dos anos foram desenvolvidos inúmeros projetos de DT&I, direcionados para o aperfeiçoamento de processos de produção, tais como escalonamento, busca de melhores rendimentos, novos métodos de purificação, novas apresentações, melhor termoestabilidade, metodologias de controle, entre outros. Essas melhorias tecnológicas têm assegurado a produção de vacinas de alta qualidade por parte dos laboratórios nacionais. Foi inclusive Bio-Manguinhos que desenvolveu uma nova formulação da vacina contra a poliomielite, a qual vem sendo adotada em todos os países tropicais do mundo, contribuindo para a erradicação global dessa virose. Outro exemplo da capacidade tecnológica nacional é a vacina contra hepatite B, de tecnologia DNA recombinante, desenvolvida recentemente pelo Instituto Butantan.

A carência de recursos para apoio específico às atividades de outros importantes projetos de DT&I impossibilitou que os laboratórios produtores investissem mais, especialmente no desenvolvimento de tecnologias de produção de novas vacinas demandadas pelo PNI. As seguintes estratégias são adotadas pelos laboratórios produtores para incorporar novas tecnologias de produção:

a curto prazo, investir naquelas vacinas disponibilizadas no mercado internacional já incorporadas no PNI e em torno das quais existe interesse e capacitação tecnológica para produção. Nesse caso, em que se procura incorporar a tecnologia o mais rapidamente possível, a solução tem sido buscar transferência tecnológica. Bio-Manguinhos incorporou dessa forma a tecnologia de produção das vacinas contra: meningite meningocócica, sorogrupo A e C, do então Instituto Mérieux, em 1976; sarampo e poliomielite, do Biken da Universidade de Osaka, em 1980-87; Haemophilus influenzae, tipo b, conjugada (Hib) da SmithKline & Beecham, em acordo firmado em 1998, com previsão de se cumprir toda a etapa de transferência tecnológica em 2004. Ainda se investiga a tecnologia para produção da vacina tríplice viral – sarampo-caxumba-rubéola. A produção da vacina contra influenza (gripe) é objeto de um acordo de transferência de tecnologia para o Instituto Butantan pelo Aventis/Pasteur. O processo de transferência de tecnologia demanda um período médio de cinco anos para incorporação total da tecnologia e desenvolvimento de todo ciclo de produção local da vacina (Homma, 1994).

A médio prazo, incluir vacinas de sabida necessidade e cuja tecnologia é conhecida. Alguns dos projetos estão há mais de cinco anos em processo de desenvolvimento e encontram-se já em estágio avançado. Recebendo apoio financeiro adequado, eles têm chances de chegar a um produto num prazo de três a cinco anos. Alguns exemplos são:

– vacina contra meningite meningocócica, sorogrupo B, utilizando proteínas de vesículas da membrana externa de cepas mais prevalentes no Brasil, e do sorogrupo C, conjugada. Desse projeto participam os institutos Adolfo Lutz, Butantan e Bio-Manguinhos. O estudo clínico de fase I está sendo organizado para o segundo semestre de 2003;
– vacina contra leishmaniose humana, utilizando antígenos recombinantes. Estima-se que ainda no final de 2003 deverá ter início o estudo de proteção de uma vacina para uso canino; na segunda etapa será desenvolvida a vacina para uso humano.

Esse projeto, embora não prioritário em termos epidemiológicos, vem sendo apoiado graças à oportunidade apresentada pela existência, no país, de vários grupos de pesquisa envolvidos e tem grande chance de sucesso. Bio-Manguinhos participa de um projeto conjunto com o Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz/Fiocruz, de Salvador;

– vacina contra raiva, purificada e produzida em cultura de tecidos, em desenvolvimento nos institutos de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e Butantan;
– vacina contra pneumococos, cuja definição de rota tecnológica está sendo amadurecida. Existem mais de oitenta sorotipos, dos quais se selecionam as cepas mais prevalentes (entre sete a onze cepas), para desenvolver uma vacina conjugada ou combinada com algumas proteínas comuns da bactéria, como a pneumolisina,8 PspA e PsaA; essas proteínas não apresentariam especificidade de sorotipo e teriam proteção cruzada; o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Butantan e Bio-Manguinhos estão envolvidos no DT&I dessa vacina.

A longo prazo —em dez anos ou mais — está planejada a produção de vacinas contra rotavírus, malária, dengue, tuberculose (aperfeiçoada), HIV/Aids e esquistossomose, utilizando tecnologias de DNA recombinante, vacinas DNA ou vacinas vetorizadas; o Instituto Butantan, Bio-Manguinhos e outros institutos de pesquisa estão envolvidos no desenvolvimento desses projetos que estão em fase inicial e não possuem ainda financiamento adequado.

Por outro lado, existem várias outras demandas do PNI que ainda não estão sendo equacionadas, como a necessidade de substituição de algumas vacinas utilizadas atualmente nos programas de imunização, pela ocorrência de reações adversas importantes. Este é o caso da vacina DTP com o componente pertussis de bactéria inativada —que provoca reação hipotônica hipo-responsiva em algumas crianças que se recuperam rapidamente, mas causa receio às mães. Nos países desenvolvidos a vacina vem sendo substituída por outras, elaboradas de componentes da bactéria, que apresentam menor reação adversa. A vacina de vírus vivos atenuados contra a poliomielite determina alguns casos de reação (1:1,5 milhões vacinados) e, nos países desenvolvidos, está sendo substituída por uma outra, de vírus inativados.

As atividades de DT&I relacionadas anteriormente demonstram claramente a preocupação dos laboratórios produtores nacionais em buscar inovações tecnológicas autóctones. Sem isso, eles estariam fadados à perda de competitividade tecnológica e mesmo do mercado cativo nacional.

No entanto, a grande lacuna de DT&I existente no país em relação aos países mais desenvolvidos indica claramente que a dependência tecnológica do Brasil deve aumentar ainda mais. Além disso, ela coloca no centro da questão o papel do Estado na correção dessa situação. Sem dúvida, entre os vários instrumentos disponíveis para corrigir essa dependência está o uso do poder de compra do Estado (Gadelha, 2002), compreendendo a licença de patentes, a propriedade intelectual, a transferência de tecnologia e outras ferramentas para a internalização das tecnologias de ponta no país.

 

O processo de desenvolvimento tecnológico de vacinas

A primeira vacina do mundo foi descoberta por Edward Jenner em 1796, observando que os ordenhadores de leite não contraíam varíola. Jenner sistematizou os conhecimentos empíricos e criou a vacina, de forma a prevenir a doença contra a varíola,9 a partir da pústula formada pelo vírus vaccinia nas tetas das vacas.

Com o decorrer do tempo, com o avanço científico e tecnológico, os requisitos técnicos para o registro de uma vacina para uso humano tornaram-se mais minuciosos e muito mais complexos. De forma quase contínua, foram criados ou modificados regulamentos, normas e procedimentos, e passou-se a exigir uma enorme quantidade de dados laboratoriais, estudos pré-clínicos e clínicos, com o objetivo de obter maior segurança em termos de inocuidade/reatogenicidade, eficácia/efetividade, antes que a nova vacina seja utilizada rotineiramente em seres humanos. As exigências incluem a adoção de normas de Boas Práticas de Laboratório (BPL) (Brasil, 1995), Boas Práticas de Fabricação (BPF) (WHO, 1992; Brasil, 2001). Essas normas incluem procedimentos, protocolos, documentação e exigências relacionadas às instalações e equipamentos laboratoriais e de infra-estrutura.

O tempo médio de desenvolvimento de uma vacina varia entre dez a 15 anos ou mais. São várias as etapas, e cada uma delas exige parâmetros e condições técnicas específicas. Muitas vezes é necessário voltar à etapa anterior para realizar novos estudos, que, portanto, não configuram um processo linear, direto e simples. Existe a possibilidade —e não pequena —de se chegar a resultados não satisfatórios quando se aumenta a escala do experimento, ou mesmo de se identificar a necessidade de realizar estudos adicionais. Essa operação deve-se repetir tantas vezes quantas forem necessárias, até a obtenção de resultados satisfatórios e a demonstração da potencialidade de transformação do experimento em produto.

Descreve-se a seguir o processo de DT&I de vacinas, com as etapas em seqüência e as informações mais relevantes de cada etapa, de modo que o leitor faça uma idéia mais aproximada da complexidade dessa atividade —, sem se pretender contudo esgotar o tema.

 

Primeira etapa: descoberta/invenção

A inovação tecnológica pressupõe a existência de uma capacitação científica de alto nível em diferentes áreas do conhecimento, com destacada participação das ciências básicas, aliando os campos mais avançados da ciência biológica, como biologia molecular, genética molecular, imunologia molecular, genômica, proteômica, bioinformática, engenharia genética e biotecnologia em geral. Deve-se dispor de laboratórios dotados de infra-estrutura adequada, com equipamentos modernos, e que atendam às normas de BPL e biossegurança.

Com exceção da vacina contra a varíola de Jenner, as demais foram descobertas pela persistente busca de um produto específico. Foi Louis Pasteur, em 1885, quem estabeleceu esse paradigma, desenvolvendo a vacina contra a raiva, com o estabelecimento do chamado vírus "fixo", obtido após sucessivas passagens em tecido nervoso de coelhos e com a ação dissecadora do hidróxido de potássio. Procedimentos similares foram adotados no desenvolvimento de diversas vacinas de vírus vivos atenuados. Outras foram obtidas por inativação de bactérias, como é o caso da vacina contra a coqueluche, e os toxóides obtidos pela inativação das toxinas bacterianas.

Nos dias atuais, a biologia e a genética molecular têm propiciado um grande avanço na vacinologia moderna. São utilizados a tecnologia de DNA recombinante, a vacina genética e os peptídeos sintéticos. A pesquisa de novos adjuvantes forma um capítulo especial da vacinologia, na intensa procura por uma nova substância que seja melhor do que o tradicional gel de hidróxido de alumínio.

A invenção é planejada, e o conhecimento científico do pesquisador, bem como seu espírito aguçado de percepção, são essenciais para a descoberta. Mais recentemente, a genômica e a bioinformática têm sido utilizadas para a identificação de epitopos de vírus, componentes de bactérias ou produtos de expressão, antígenos de parasitos. Com o auxílio de computadores, buscam-se identificar as moléculas e seqüências de aminoácidos com potencial para servir como vacina. São as chamadas vacinologia reversa (Poolman, 2002) e análise in silico (Adu-Bobie, 2003). Nessa etapa, os volumes e/ou a massa com que se trabalha são mínimos.

A descoberta com dados científicos de bancada é o primeiro passo de um longo processo de desenvolvimento de uma vacina.

 

Segunda etapa: estudos de pré-desenvolvimento

Uma vez descoberto o antígeno não só cabe padronizar a metodologia de produção, como também especificar todos os insumos necessários, visando já a posterior avaliação da possibilidade de reprodução do processo. A mesma abordagem deve ser adotada para o adjuvante, que eventualmente deve ser testado de forma completa, incluindo as provas de toxicidade.

Nessa etapa de pré-desenvolvimento, cumpre estudar alguns procedimentos laboratoriais que incluem o aumento da escala de cultura do agente e estudos dos parâmetros para o escalonamento da cultura, de rendimento de produção em novas condições de cultura, procedimentos de purificação em volumes maiores, com o objetivo de verificar o potencial para transformar a descoberta em produto.

Os testes laboratoriais devem ser repetidos inúmeras vezes, nas mesmas condições adotadas no procedimento original, para verificar a possibilidade de se repetirem os resultados. É importante que se demonstre a reprodutibilidade em outros laboratórios.

A caracterização físico-química e biológica do antígeno em questão é fundamental para comparação posterior do antígeno obtido nas etapas seguintes, em escala piloto e na produção propriamente dita. Um cuidado adicional é submeter o antígeno descoberto às condições diferentes da original, para verificar e analisar sua estabilidade e outras propriedades. Alguns aspectos levados em consideração especificamente em referência ao antígeno são, se o antígeno for vivo: meios de cultura e/ou substrato celular utilizados; estudo do metabolismo do microorganismo; estabilidade genética do antígeno. Se o antígeno for clonado: estabilidade da construção; análise da seqüência de aminoácidos, quando couber; estabilidade térmica do antígeno; análise bioquímica, físico-química, química; análise imunológica, imunoquímica, imunoenzimáticos e cromatográficos; estudos iniciais de imunogenicidade em animais de experimentação.

Alguns aspectos levados em consideração no estudo de escalonamento de volumes são: reprodutibilidade dos resultados da experimentação em escala maior; caracterização do antígeno obtido em escala maior; estudo da estabilidade do antígeno —genética, química, bioquímica, molecular, quando submetido a temperaturas diferentes; estudo da termoestabilidade acelerada: temperatura ambiente, 37ºC, 45ºC e estabilidade em tempo real; estudo do rendimento de produção; estudo dos procedimentos de purificação. Se os antígenos forem produzidos em cultura de células, estudo do DNA celular residual; estudo dos procedimentos de formulação com e sem adjuvantes. Se liofilizado, estudos de adjuvantes de liofilização.

Para cada abordagem tecnológica empregada, são necessários dados específicos, tais como: se forem antígenos virais ou bacterianos vivos atenuados, estabelecimento dos limites de passagens para produção da vacina; possibilidade de eliminação no meio ambiente; ação sobre os contactos. Se forem vetorizados, testes específicos da estabilidade da construção. Se forem vacinas combinadas, estudo de compatibilidade entre os antígenos.

Não há exigência para que os estudos da descoberta sejam pautados segundo normas de BPL, ainda que normalmente os laboratórios de pesquisa as adotem. As BPLs preconizam a existência de organização e instalação laboratorial para que as atividades de pesquisa possam ser realizadas de forma adequada: equipamentos e instrumentos de trabalho validados e calibrados, utilização de sais, reagentes, meios de cultura e outros insumos certificados, animais de laboratório de sanidade reconhecida e cumprimento das normas de biossegurança.

Deve-se fazer um protocolo de estudo bem detalhado, com a descrição de metodologia, insumos, condições de trabalho, resultados e outras informações. Cumpre conservar e manter o protocolo com muito cuidado, pois ele pode ser necessário para a revisão dos dados e das outras informações sobre os estudos realizados.

 

Terceira etapa: estudos pré-clínicos

O objetivo dessa fase é verificar se a descoberta —cujo potencial para transformação em produto foi demonstrado na fase anterior —poderá ser aplicada em seres humanos. Essa resposta é obtida nos chamados estudos pré-clínicos, realizados em animais de laboratório, buscando responder às questões relacionadas com toxicidade geral e específica do antígeno. Nessa fase deve-se obter o máximo de dados quanto à segurança clínica antes da aplicação do produto em seres humanos e informações complementares sobre imunogenicidade do antígeno.

Cabe obter dados que demonstrem um risco mínimo, quando o produto for aplicado em seres humanos, e contribuir para o desenho do protocolo do subseqüente estudo clínico, no qual a segurança e a imunogenicidade da vacina é estudada (Brussiere, et alii, 1995). Geralmente utilizam-se cobaias (porquinhos-da-índia), ratos e camundongos. Nos estudos de toxicidade é preconizada a utilização de três espécies animais, de ambos os sexos, das quais uma deverá ser de mamíferos não roedores (por exemplo, ratos, cobaias e coelhos (Brasil, 1997). É importante a identificação de animal(is) relevante(s) para o estudo, ou seja, animal ou animais sensíveis ao antígeno.

Essa fase é realizada em laboratórios especializados em atividades de desenvolvimento tecnológico, com pessoal especializado e instalações específicas para essa finalidade. Cumpre observar nos procedimentos as normas de BPL, e deve haver preocupação no preparo das informações para compor a monografia10 do produto e o respectivo dossiê com os dados, as metodologias de produção, o controle de qualidade, os resultados experimentais de laboratório e testes pré-clínicos.

Devem-se levar em conta alguns aspectos nessa fase: desenvolvimento de um protocolo específico; existência de biotério de experimentação em condições adequadas; existência de pessoal treinado em manejo e experimentação animal; utilização de animais com qualidade sanitária certificada; existência de quantidade suficiente de animais na idade desejada e, conforme o caso, o sexo selecionado; geralmente utilização da dose máxima preconizada para uso humano; realização de múltiplas aplicações, sobretudo se o estudo for para uso humano; se o produto for para uso em mulheres em idade fértil, realização de estudos para verificar a possível ação sobre o feto; testagem de várias formas de injeção (muscular, subcutânea, intradérmica, intraperitonial); testagem de várias formas de e vias (oral, nasal, ocular, retal, vaginal), quando indicado o uso; estudo da teratogenicidade, isolada ou de forma combinada com o produto, de qualquer nova substância química utilizada no preparo do antígeno ou na formulação da vacina; monitoramento clínico dos animais durante o estudo e análise de qualquer anormalidade, em busca do efeito causal; coleta de amostras de sangue para análise bioquímica dos elementos figurados e estudos enzimáticos, quando for o caso; estudo anatomopatológico após a finalização do estudo.

Também cabe realizar estudos pré-clínicos quando se fizer qualquer alteração de monta no processo produtivo – por exemplo, mudança do termoestabilizador, mudança de um insumo básico –, ou quando se introduzir um novo adjuvante.

Se os resultados de estudos pré-clínicos forem satisfatórios, a etapa seguinte é produzir lotes de vacinas experimentais para estudos clínicos.

 

Quarta etapa: vacina experimental para estudos clínicos

A vacina destinada aos estudos clínicos deve ser produzida em instalações que atendam aos procedimentos e normas de BPF, as chamadas plantas pilotos. Essas normas preconizam um padrão de qualidade das instalações envolvidas na atividade, o controle e a validação de todas as operações envolvidas, a utilização de insumos com certificado de qualidade, a validação de equipamentos e instalações, a calibração de instrumentos de medição, os Procedimentos Operacionais Padrão (POP). O objetivo é ter ao final do processo um produto de alta qualidade. Assim, o obrigatório controle de qualidade do produto final seria apenas uma formalidade, tal a segurança garantida pelas normas de BPF, quando plenamente desenvolvidas e incorporadas.

Um laboratório que possua essas características também é utilizado para realizar parâmetros de produção, escalonamento, rendimento e outros estudos que definem a viabilidade tecnológica da produção do que estiver sendo testado.

A carência de um laboratório piloto com as características mencionadas tem sido um dos pontos de estrangulamento no processo de inovação. Para se ter uma idéia das exigências das normas de BPF em uma planta piloto de produção de material para uso clínico, listam-se a seguir alguns aspectos relativos às instalações e equipamentos laboratoriais:

o material utilizado na instalação deve ser aprovado para a finalidade; as paredes, os pisos e o teto devem ter textura sólida e contínua, sem rugosidade, lavável;

deve existir um andar técnico onde são instalados os sistemas de ar-condicionado, água corrente, água quente, ar, vapor limpo, energia elétrica; as luzes devem ser embutidas no teto, e a manutenção deve ser realizada pelo piso técnico;

deve-se coletar água tipo injetável em tanques de aço inoxidável tipo 316l, cuja distribuição será feita num sistema fechado, com a água circulando de forma contínua, a uma temperatura de 80ºC; os pontos de coleta não devem ter pontos cegos;

todo material utilizado na construção e na instalação deve ter certificado em relação às especificações técnicas;

as instalações e os equipamentos devem ser validados;

os instrumentos de medida, como termômetros, manômetros, pHmetros, devem ser calibrados;

os ambientes controlados devem ter filtros de ar especiais, e o ar deve ser controlado com pressão negativa, no caso de trabalho com agentes infecciosos, e pressão positiva, em ambientes de trabalho com agentes não-infecciosos;

o ar expelido de ambientes de trabalho com agentes infecciosos deve ser descontaminado, assim como todos os fômites e utensílios utilizados na operação;

deve-se dispor de área biolimpa (100 partículas/m3) para as atividades com trabalho estéril, como são aquelas de filtração de meio de cultura ou de antígenos utilizados na formulação da vacina; as áreas de formulação, envasamento e do liofilizador devem ser classificadas como biolimpas;

o fluxo do material estéril deve ser unidirecional, evitando cruzamentos com material sujo e sobretudo contaminado;

a entrada de pessoal deve ser controlada, havendo troca de roupas de serviço; na operação estéril deve ser utilizada roupa tipo escafandro estéril, apropriada para a operação controlada; o fluxo também deve ser unidirecional;

todo material de dejeto de laboratório deve ser descartado de forma apropriada.

O laboratório deve dispor de equipamentos para estudos em pequenos volumes (10-20 litros) e outros que permitam fazer estudo de escalonamento (50-100 litros). Cumpre ter laboratórios de apoio, permitindo os estudos de metabolismo, cinética de crescimento bacteriano, vetores de expressão de antígenos, proteínas de interesse, cultura de células para produção de vírus, estudos de rendimentos de produção, estudos de purificação, estabilidade, formulação, envase e liofilização. As atividades de uma planta piloto se iniciam depois que se demonstrar que há potencial para antígenos/proteínas se transformarem em vacina.

A vacina experimental produzida nessa planta de protótipos terá características de material clínico, para permitir sua utilização em estudos médicos.

 

Quinta etapa: estudos clínicos – segurança, imunogenicidade, eficácia

Os estudos clínicos são muito complexos, delicados e difíceis de serem organizados. Sua implementação também é complicada, pela própria natureza de uma atividade que envolve experimentação em seres humanos. Mas esses estudos são essenciais para a inovação tecnológica (Tacket et alii, 1997; Foulker et al., 1999). Deve-se observar a estrita aplicação de Boas Praticas de Estudo Clínico (WHO, 1999a; WHO, 1999b) e da legislação nacional (CNS, 1996).

No Brasil, são poucos os grupos com experiência nessa área. Isso exige uma atenção especial na organização dos estudos, sobretudo na identificação e formação de equipes multidisciplinares. Algumas investigações, pela exigência de amostra e/ou de parâmetros muito específicos, exigem a organização de estudos multicêntricos, aumentando a complexidade da pesquisa.

Quando se tratar de uma vacina aperfeiçoada, a já existente deve ser utilizada como referência, o que não elimina a inclusão de placebo.

A preparação do protocolo de estudo, a organização do grupo e a subseqüente implementação obrigam a formação de um conjunto de peritos. A coordenação da pesquisa deve ter controle sobre todas as atividades, de forma a não haver descontinuidade do processo.

 

Estudos clínicos de fase I : segurança

A primeira fase das investigações clínicas tem como objetivo primário o estudo da segurança; e como objetivo secundário, a resposta imunológica. Em geral, a fase I é realizada primeiramente entre um pequeno número de jovens adultos (de vinte a trinta pessoas); obtendo-se resultados satisfatórios, as vacinas que têm indicação para crianças são estudadas na faixa de idade indicada para sua utilização.

Ao mesmo tempo que se busca determinar a segurança da vacina, também é realizado o estudo da imunogenicidade, que, pelo pequeno número de pessoas envolvidas, serve apenas como orientação da capacidade de resposta do produto e para buscar a melhoria da formulação.

Um protocolo de estudo de fase I deve contemplar os seguintes aspectos:

descrição detalhada do objetivo, com dados epidemiológicos e impacto da doença que se pretende prevenir e tratar; taxas de morbidade, mortalidade, formas de transmissão, dados clínicos e outras informações relevantes que justifiquem a criação de uma nova vacina, tais como custo do tratamento a curto, médio e longo prazos;

especificação da vacina, com os métodos de produção, controle de qualidade e outras características do produto;

descrição da população a ser estudada. Os seguintes aspectos principais devem ser abordados: descrição dos voluntários que participarão do estudo, com idade, sexo e outras informações relevantes; critérios de inclusão e exclusão;

descrição dos procedimentos de vacinação (se injetável, oral ou outra forma); se houver mais de uma aplicação, especificação do número de aplicações e intervalos desejáveis (máximo e mínimo);

padronização dos procedimentos laboratoriais segundo os tempos de coleta de soros para análise, devendo-se estabelecer prazo desejável, máximo e mínimo;

padronização de procedimentos tais como medição de temperatura (oral, axilar ou retal), definindo o que se considera febre; aplicação das vacinas (tamanho das agulhas, via e local de aplicação); especificação de tubos de coleta e para conservação dos soros; temperatura de manutenção das vacinas e dos soros coletados; normas para transporte etc.;

especificação de equipamentos adequados para conservação e transporte de vacinas e dos soros;

formulação de procedimentos com relação aos grupos vacinados, com definição de formas de coleta e informações sobre eventos adversos;

indicação de procedimentos para atendimento imediato do paciente vacinado, no caso de ocorrer algum evento adverso, inclusive necessidade de hospitalização;

vacinação por etapas do grupo de voluntários. Por exemplo, vacina-se primeiro um grupo de dez voluntários; se nenhum deles apresentar evento adverso além do esperado, prossegue-se a vacinação de outro grupo;

organização de um comitê técnico formado por clínicos especializados para analisar e definir o encaminhamento de um evento adverso de maior severidade, inclusive decidir o encerramento do estudo.

Deve-se incluir no conjunto do protocolo do estudo clínico o termo 'consentimento livre e esclarecido', cujo espírito é a adesão voluntária e esclarecida ao estudo. Além disso, devem-se incluir também informações detalhadas sobre os objetivos do estudo, esclarecimentos sobre os tipos de possíveis eventos adversos e suas conseqüências, as sangrias previstas, o acompanhamento e monitoramento após a vacinação e outros dados relevantes. O protocolo conterá as informações essenciais de forma objetiva e simples, de tal modo que seja compreendido por uma pessoa que não seja da área. O termo deve ser assinado pelo voluntário; no caso de crianças, deve ser firmado pelos pais ou responsáveis; no de adolescentes, tanto eles quanto os responsáveis devem assinar.

O protocolo será submetido ao Comitê de Ética Institucional para o qual o estudo será encaminhado. Quando se trata de um novo produto, deve ser examinado também pelo Comitê Nacional de Ética (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 1996).

Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também está se preparando para participar da fase inicial dos estudos clínicos, o que certamente viria a facilitar o processo do registro da vacina, pela possibilidade de corrigir, responder, ampliar ou modificar o protocolo, de modo a atender plenamente as exigências desta agência reguladora.

 

Estudos clínicos de fase II: imunogenicidade e reactogenicidade

O objetivo dessa etapa é a busca de dados de imunogenicidade do novo produto e a continuidade dos estudos de eventos adversos.

Os resultados obtidos na fase I e os procedimentos seguidos durante sua realização acrescentam-se à documentação necessária. A população voluntária a ser incluída no estudo é ampliada, de forma a se produzirem dados estatisticamente significativos tanto para os estudos de imunogenicidade como para os eventos adversos.

A pesquisa deve, na medida do possível, ser desenhada como duplo-cego, 'randomizado', com utilização de placebo. O número de voluntários há de ser de tal magnitude que possibilite a aplicação de testes de significância. Nessa etapa, é necessária a participação de estatístico e epidemiologista, para a definição do tamanho e de outras características das amostras.

Cabe dar especial atenção ao procedimento de cegamento do estudo, que inclui vacinas e placebo, o qual deve se estender à operação de vacinação, seguimento para monitoração e coleta de dados de eventos adversos. O cegamento precisa incluir os exames laboratoriais, codificando-se os tubos de soros. O produto a ser estudado, deve ser o mesmo utilizado na fase anterior. A existência no mercado de produto similar obriga a sua utilização como referência.

Nessa fase, a idade da população voluntária é gradativamente diminuída, para incluir os mais jovens. Se a população-alvo do novo produto são crianças lactentes e abaixo de dois anos de idade, a investigação deve incluir voluntários nessa faixa etária; a inclusão deve ser feita de forma gradual —jovens adultos, adolescentes, crianças e finalmente lactentes e crianças de até dois anos de idade.

O tempo de duração do estudo também é mais demorado, tanto pelo aumento da amostragem como pela complexidade que pode envolver essa fase, quando se estudam alguns novos parâmetros, tais como: diferentes dosagens do agente imunizante, vias de aplicação, número e intervalos entre as vacinações e outros aspectos relevantes para o melhor conhecimento do novo produto.

 

Estudos clínicos de fase III: eficácia

Essa fase é dedicada ao estudo da eficácia da vacina e classicamente é desenhada como duplo-cego, com placebo e 'randomizado'. A eficácia é avaliada pela diferença na incidência da doença entre os vacinados e os não vacinados, medida como percentagem (Clemens, et al., 1997). O tamanho da população de voluntários depende da taxa de incidência da enfermidade, do nível de proteção e do respectivo limite de confiabilidade que se deseja obter. Doenças com baixa prevalência exigem uma população de estudo muito maior do que aquelas com maior prevalência.

Aos documentos e procedimentos estabelecidos para essa fase devem ser adicionados os resultados dos estudos obtidos na fase anterior de imunogenicidade e reatogenicidade, com a definição da melhor formulação da vacina, a via, o número de aplicações e outros aspectos relevantes.

No caso de algumas vacinas que possuem produto similar registrado, e em que já se conhecem os níveis de anticorpos que conferem proteção ('surrogate' ou marcador sorológico de proteção), não é necessário realizar as investigações da fase III. Basta ampliar os estudos da fase II e estabelecer a taxa de soroproteção, incluindo ou não o nível (título ou concentração) de anticorpos obtido. Nesse estudo, é recomendável incluir-se a vacina registrada existente como forma de controle.

O processo de desenvolvimento de um produto não é linear. Os resultados, nessa etapa, bem como nas anteriores, também podem indicar a necessidade de novos dados básicos para se poder prosseguir. Deve-se então voltar à etapa anterior, ou mesmo ao laboratório de pesquisa básica, para novas investigações.

 

Sexta etapa: registro da vacina

Com a obtenção de resultados satisfatórios na fase III, prepara-se a documentação a ser submetida à Anvisa para o registro da vacina. Essa documentação deve conter basicamente:

monografia do produto, com descrição detalhada, caracterização do antígeno, formulação e especificação da vacina, metodologias de produção e controle de qualidade e os resultados obtidos nos estudos pré-clínicos, das fases I, II e III de estudos clínicos;

informação sobre a termoestabilidade da vacina, com resultados de termoestabilidade acelerada – 15 dias a 37ºC, como a estabilidade em tempo real;

prazo de validade da vacina;

bula com todas as informações pertinentes;

responsável técnico pela vacina;

outras informações pertinentes.

 

Sétima etapa: estudos da fase IV (pós-comercialização)

Essa fase é organizada para acompanhar e monitorar os efeitos da vacinação com o novo produto, especialmente os eventos adversos raros e os que podem acontecer depois de algum tempo de aplicação da vacina (que podem não ter sido detectados nos estudos das fases I, II e III). Nessa etapa também busca-se estabelecer a efetividade da vacina, ou seja, o impacto determinado pelo seu uso sobre a morbidade da doença.

As várias questões que podem surgir nessa área envolvem os pediatras clínicos, mas também profissionais de neurologia, imunologia, imunopatologia, virologia, microbiologia e outros. Pela complexidade dos problemas – e para respaldar o produto cientificamente, além de permitir a manutenção da confiança da população no PNI –, é importante que se organizem grupos dedicados a esses estudos.

Nos últimos anos, o PNI vem fazendo um grande esforço para melhorar a vigilância dos eventos adversos após a vacinação, por meio do Sistema de Vigilância de Eventos Adversos Pós-Vacinação. Isso propicia o melhor conhecimento dos problemas envolvidos com diferentes vacinas incorporadas ao PNI (Brasi, 1988).

 

Conclusão

A inovação tecnológica de vacinas é por definição uma atividade de longa duração e que exige vultosos investimentos de alto risco. A complexidade do processo de DT&I, envolvendo diferentes etapas interdependentes, requer equipes multidisciplinares e diferenciadas e o atendimento aos requerimentos de regulação, que nos últimos tempos têm se tornado mais exigentes.

A análise da situação de DT&I mundial indica que haverá ainda rápidas transformações tecnológicas no setor e que novas vacinas serão desenvolvidas a curto e médio prazos. Elas serão mais complexas tecnologicamente, de maior valor agregado e apresentarão menor reatogenicidade, maior eficácia e efetividade. Serão também muito mais caras que as atuais, dificultando sua incorporação ao PNI.

Os grandes problemas de saúde pública nessa área no Brasil, como DT&I de vacinas contra malária, leishmaniose e dengue, não receberão prioridade de desenvolvimento por parte dos países centrais e multinacionais. O enorme potencial científico e tecnológico, os inúmeros grupos de pesquisadores em universidades e instituições de pesquisa, uma moderna infra-estrutura de produção —que confere competitividade à área —, tudo isso configura uma situação muito favorável para o desenvolvimento de iniciativas concretas em DT&I de vacinas prioritárias para o país.

É portanto prioritária e urgente a definição de um programa de desenvolvimento tecnológico de vacinas por parte do governo central, com definição de prioridades e financiamento específico, de forma a diminuir a enorme lacuna existente no processo de DT&I de vacinas.

 

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Vogel, Frederick R. e Alving, Carl R. 2002 'Progress in Immunologic Adjuvant Development 1982-2002'. The Jordan Report 20th Anniversary. Accelerated Development of Vaccines. NIH, NIAID, US Department of Health and Human Services, pp. 47-51.         [ Links ]

 

 

Recebido para publicação em abril de 2003
Arprovado para publicação em julho de 2003

 

 

1 Produto Interno Bruto inferior a cem mil dólares.
2 O México está negociando a venda do laboratório público produtor de vacinas Birmex, inserido na estrutura do Ministério da Saúde, para uma grande multinacional.
3 Uma análise detalhada sobre a situação mundial e nacional da produção de vacinas está em Temporão, (2002).
4 Laboratórios produtores de vacinas: Instituto Butantan – DTP, DT, TT, influenza, hepatite B, BCG, raiva humana; Bio-Manguinhos/Fiocruz – febre amarela, sarampo, poliomielite, meningite meningocócica, soro-grupos A e C e tetravalente DTP+Hib; Fundação Ataulfo de Paiva (FAP) – BCG; Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) – raiva para uso canino.
5 Vacina contra poliomielite, de vírus vivos atenuados, a partir de concentrados virais importados.
6 A seqüência genética do antígeno é definida; são analisadas as seqüências protéicas de interesse, estudando-se suas propriedades imunológicas e biológicas; ou seja, ao contrário da metodologia clássica, que parte de vírus ou bactérias inteiras submetidos a passagens sucessivas para atenuação, a tecnologia reversa parte de seqüência de genes de proteínas de interesse.
7 Âncoras são instituições com reconhecida capacidade de produção e inovação tecnológica.
8 Pneumolisina é uma proteína citolítica produzida por todos os pneumococos; PspA é a proteína A de superfície presente nos isolados de pacientes; PasA é a proteína de superfície adesina, relacionada à toxicidade da bactéria.
9 Varíola, doença provocada pelo vírus do gênero Orthopoxvirus, família Poxviridae, que inclui agentes da varíola, monkeypox, cowpox, camelpox e ectromelia. O vírus cowpox da mesma família da varíola deu origem à vacina.
10 Monografia do produto são todas as informações relativas à doença para a qual a vacina está sendo desenvolvida, incluindo a documentação laboratorial sobre caracterização do antígeno, formulação da vacina, dados pré-clínicos e clínicos. É o documento básico para o registro da vacina.

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702003000500011&script=sci_arttext

 

 

 

 

 

 

 

Referências

 

 

 

 

https://youtu.be/A7n9gqiyJvo

https://www.youtube.com/watch?v=A7n9gqiyJvo

https://www.youtube.com/watch?v=Jl18GmGOyiI

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702003000500011&script=sci_arttext

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