“A inovação tecnológica de vacinas é por definição uma atividade de longa duração e que exige vultosos investimentos de alto risco. A complexidade do processo de DT&I, envolvendo diferentes etapas interdependentes, requer equipes multidisciplinares e diferenciadas e o atendimento aos requerimentos de regulação, que nos últimos tempos têm se tornado mais exigentes.”
Ensaio clínico randomizado
O que é ensaio clínico randomizado?
Vídeo-aula com o médico epidemiologista André
Ferreira Azeredo. Ensaios clínicos randomizado são estudos experimentais em que
os participantes são aleatoriamente distribuídos em 2 ou mais grupos de
intervenções. Ao final, alguns desfechos de interesse são medidos em todos os
participantes e pode-se entender qual das intervenções chegou a melhores
resultados.
https://www.youtube.com/watch?v=A7n9gqiyJvo
Introdução aos Estudos Epidemiológicos - Resumo - Epidemiologia
https://www.youtube.com/watch?v=Jl18GmGOyiI
Hist. cienc.
saude-Manguinhos vol.10 suppl.2 Rio de Janeiro 2003
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702003000500011
ANÁLISE
Desenvolvimento tecnológico: elo deficiente na
inovação tecnológica de vacinas no Brasil
Technological development: a weak link in
vaccine innovation in Brazil
Akira HommaI; Reinaldo Menezes MartinsII; Ellen
JessouroumIII; Otavio OlivaIV
IInstituto de Tecnologia de Imunobiológicos
Bio-Manguinhos/Fiocruz Av. Brasil, 4365 21045-900
Rio de Janeiro — RJ Brasil akira@bio.fiocruz.br
IIDiretor científico da Sociedade Brasileira de Pediatria reinaldomm@ig.com.br
IIIInstituto de Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos/Fiocruz
IVConsultor regional de biológicos, Organização Pan-americana de Saúde olivaota@paho.orfg
RESUMO
O governo federal, nos anos mais recentes, vem
desenvolvendo importantes iniciativas no sentido de fortalecer o sistema de
ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e, conseqüentemente, de aumentar os
resultados da inovação tecnológica em várias áreas importantes da economia do
país. Essas iniciativas, no entanto, ainda são insuficientes para diminuir a
enorme dependência de insumos e tecnologias vindas de países mais
desenvolvidos. Apresenta-se neste trabalho a situação da vacinação, produção e
desenvolvimento tecnológico de vacinas no mundo e no Brasil; também são feitas
algumas reflexões sobre a complexidade da inovação tecnológica de vacinas e as
diversas etapas do processo de desenvolvimento tecnológico requeridas para esse
completo desenvolvimento. Descrevem-se as várias etapas envolvidas, com análise
dos parâmetros e fatores integrantes em cada etapa, os requisitos técnicos de
instalações e equipamentos, as normas de boas práticas de fabricação (BPF), a
necessidade organizacional, de infra-estrutura e de gestão, o longo período e o
alto custo demandados para essa atividade.
Palavras-chave: vacinas, inovação tecnológica,
desenvolvimento tecnológico de vacinas, política de CT&I.
ABSTRACT
In very recent years, the federal government has launched
important initiatives meant to strengthen science, technology, and innovation
in Brazil and thus enhance the results of technological innovation in key areas
of the country's economy. Yet these initiatives have not been enough to reduce
Brazil's heavy dependence on goods and technology from more developed nations.
The article describes the current state of vaccination, production, and
technological development of vaccines both internationally and nationally. Some
thoughts are also offered on the complexity of vaccine innovation and the
various stages whose completion is essential to the whole process of
technological development. An analysis is made of the parameters and factors
involved in each stage; technical requirements for facilities and equipment;
Good Manufacturing Practice guidelines; organizational, infrastructural, and
managerial needs; and the lengthy time periods and high costs entailed in these
activities.
Keywords: vaccines, technological innovation,
technological development of vaccines, policy in science, technology &
innovation.
"Duas intervenções em saúde que apresentaram o maior
impacto na saúde mundial foram a água potável e as vacinas"
(WHO, 2002a)
Introdução
A premissa básica para qualquer país desenvolver atividades
de inovação tecnológica é possuir uma forte capacitação científica e
tecnológica. O Brasil, graças a uma política governamental que vem apoiando
sistematicamente, ao longo dos anos, as atividades científicas e a formação de
uma massa crítica de cientistas, tem um enorme potencial de inovação
tecnológica em múltiplas áreas, desenvolvendo novas metodologias, novos
processos e produtos, todos elementos importantes para a economia e a saúde da
população, inclusive as vacinas.
O passo fundamental para o fortalecimento das atividades
científicas no país ocorreu em 15 de janeiro de 1951, com a criação do Conselho
Nacional de Pesquisa. O reconhecimento de que, além da pesquisa científica,
também era necessário apoiar a atividade tecnológica ocorreu com a
transformação dessa entidade, quase 25 anos depois, em Conselho Nacional de
Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq).
Essa importante base científica é representada pelos vários
institutos de pesquisa e pelas universidades – que formam milhares de mestres e
doutores a cada ano –, e a proficiência científica do Brasil é amplamente
reconhecida. O número de artigos indexados pelo Institute for Scientific
Information, um dos indicadores que mede o desempenho das atividades
científicas dos países, mostra um crescimento extraordinário —em 1981 e 1999
foram 2.609 e 12.015 publicações, respectivamente, em todas áreas do
conhecimento (São Paulo, 2001a), o que representou 0,28% e 1,02% do total da
literatura mundial, tendo significado, em 2000, 40% do total de publicações
científicas da América Latina (São Paulo, 2001b).
Embora exista um arcabouço científico muito importante para
que a inovação tecnológica aconteça, é necessário existir uma política
específica que contemple a atividade, pois se trata de procedimentos,
processos, parâmetros específicos, diferentes daqueles envolvidos propriamente
na pesquisa científica. Esses aspectos inerentes à inovação tecnológica não
estão ainda disseminados de forma adequada no meio acadêmico, nas instituições
de pesquisa, nem nas indústrias brasileiras, mais acostumadas a receber
tecnologias prontas.
A problemática é explicitada no Livro Branco –
Ciência, Tecnologia e Inovação da Conferência Nacional de Ciência e
Tecnologia:
A inovação é um fenômeno complexo, multidimensional, que
pressupõe a presença e articulação de número elevado de agentes e instituições
de natureza diversa, com lógicas e procedimentos distintos; objetivos de curto
e longo prazos diferenciados; potencialidades e restrições específicas e
motivações variadas. Esse reconhecimento é importante para indicar as
dificuldades que se colocam aos atores públicos e privados na busca da inovação
e, também, para compreender a razão de persistir um quadro de baixa propensão à
inovação na empresa brasileira (Brasil, 2002a).
A inovação tecnológica de importantes vacinas para o país
também oferece enormes desafios para ser concretizada, face à complexificação
das atividades de desenvolvimento tecnológico – o elo deficiente para a
inovação tecnológica de vacinas no país. Neste trabalho é abordado esse tema,
contextualizando-se a problemática no cenário mundial e nacional que afeta
diretamente essas atividades.
As atividades de vacinação
No mundo
A maior conquista da saúde pública mundial, a erradicação
da varíola despertou os sanitaristas para a possibilidade de controlar e
erradicar outras doenças imunopreveníveis; no rastro dessa conquista, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) criou o Programa Ampliado de Imunização
(PAI), expandindo as atividades de imunização para outras doenças, como
poliomielite, sarampo, tuberculose, difteria, tétano e coqueluche, em vários
países do mundo.
Na década de 1980, o grande sucesso alcançado pelos países
desenvolvidos no controle de doenças imunopreveníveis trouxe o reconhecimento
de que ainda milhões de crianças de países em desenvolvimento – e sobretudo dos
países mais pobres – poderiam ser salvas. O fato mobilizou os organismos
internacionais, como o Fundo Mundial para Educação e Infância (Unicef), a OMS, a
Fundação Rockefeller e o Banco Mundial, no sentido de criar, em 1991, a
Iniciativa de Vacinas para Infância (Children Vaccine Initiative, 1993). Esse
ato aumentou de forma substantiva a demanda de vacinas. Para atender à nova
situação, os laboratórios produtores tiveram de realizar novos investimentos e
aumentar sua capacidade de produção.
O conjunto de ações muito bem concatenadas, lideradas, nas
Américas, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) – vacinas de boa
qualidade, estratégias corretas de vacinação, apoio governamental contínuo e
sustentado –, permitiu que fosse eliminada a poliomielite na região há mais de
dez anos, e o objetivo da OMS é eliminá-la globalmente até 2005; o sarampo não
ocorre há mais de três meses, e outras doenças imunopreveníveis têm a
notificação mais baixa na história de saúde pública para essa região (Quadros,
1999; WHO, 2002b).
Infelizmente esse cenário ainda está longe de acontecer nos
países mais pobres do mundo. Mais recentemente foi criada a Global Alliance for
Vaccine and Immunization (Gavi, 1999), com recursos que atingem 1.200 milhões
de dólares —oriundos de doações da Fundação Bill e Melinda Gates, do Banco
Mundial e dos países nórdicos —, buscando corrigir a situação. O programa
seleciona os países mais pobres do mundo segundo critério econômico,1 com o compromisso do país no sentido
de fortalecer a infra-estrutura de vacinação e aumentar a cobertura das vacinas
básicas. Setenta e quatro países foram pré-selecionados, e muitos já receberam
os benefícios.
No Brasil
No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) criado
em 1973, também no rastro do sucesso da erradicação da varíola, vem obtendo
resultados expressivos no controle de doenças imunopreveníveis. Nas últimas
duas décadas, organizou e implementou os dias nacionais de vacinação,
desenvolveu estratégias específicas para alcançar altas coberturas de forma
homogênea em todos os municípios brasileiros, desenvolvendo as atividades de
imunização de modo altamente competente e eficaz. O PNI já incorporou na rotina
de imunização as vacinas contra hepatite B, tríplice viral —sarampo, caxumba e
rubéola —, influenza para idosos, tetravalente (DTP+Hib), somando 12 diferentes
antígenos vacinais (Brasil, 2001a), fazendo de seu programa de imunização o
mais completo entre os países em desenvolvimento.
O PNI disponibiliza ainda, nos centros de referência de
vacinas especiais (Brasil, 2001b), outras vacinas para uso em situações
específicas, como a inativada contra a poliomielite, contra raiva produzida em
cultura de tecidos, contra pneumococos com 23 sorotipos e imunoglobulinas
especiais. Nos últimos seis anos, além de incorporar inúmeras novas vacinas, aumentou
significativamente o número de doses demandadas —de sessenta milhões, no início
da década de 1990, para 180 milhões de doses no ano 2002 —, ampliando as taxas
de cobertura vacinal em todo país.
Como resultado desse programa, o Brasil tem o menor número
de notificação de doenças imunopreveníveis na história da saúde pública
(Barbosa, 1999) e não registra nenhum caso autóctone de sarampo há dois anos, o
que demonstra de forma indubitável a extraordinária importância do trinômio
vacinas, vacinação e serviços de imunização.
A produção de vacinas
Cenário internacional
Globalmente, em decorrência do advento de novas tecnologias
de produção e das atuais exigências de regulação e qualidade, a área de
produção de vacinas tem sofrido transformações rápidas e profundas. A competitividade
tecnológica —a oferta de novas vacinas de outra geração tecnológica —e as novas
exigências, junto com as estratégias agressivas implementadas pelas grandes
multinacionais, têm obrigado os laboratórios e empresas do setor a se voltarem
para o atendimento das recentes demandas. Por não conseguirem se adequar aos
tempos, inúmeros laboratórios públicos e privados tiveram de encerrar suas
atividades de produção de vacinas.
Os novos produtos, com alto valor agregado, propiciam preços
elevados e, em conseqüência, lucros também ampliados, despertando a atenção de
grandes transnacionais, que estão se organizando em poucos conglomerados, o que
torna o mercado de vacinas altamente oligopolizado. Cinco grandes
multinacionais —Glaxo, Simith & Kline, Aventis Pasteur, Chiron, Merck Sharp
& Dohme e Whyeth Lederley —dominam 80% do mercado mundial de vacinas de
nova geração, como aquelas contra a hepatite B; DTPa com componente coqueluche
acelular; Haemophilus influenzae, tipo b, conjugada (Hib); meningite meningocócica,
sorogrupo C, conjugada; pentavalente DTPa/HBV+Hib; poliomielite inativada;
tetravalente viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), entre outras.
Hoje em dia, na América Latina (Homma et al., 1995;
Homma et al., 1997), apenas Brasil e Cuba possuem laboratórios com
produção regular de vacinas.2 Esses laboratórios têm a
responsabilidade de produzir vacinas de baixo valor agregado, como a tríplice
bacteriana (DTP), a BCG e sarampo, e estão buscando parcerias para incorporar
novas tecnologias de produção e outras vacinas de maior valor agregado (como os
laboratórios de Brasil, Indonésia, Índia e China).3
Cenário nacional de produção de vacinas
O Brasil tem longa tradição de produção pública de vacinas.4 O Instituto Butantan, em São Paulo,
e o Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de
Janeiro, criados no início do século XX, tinham a função de desenvolver e
produzir soros e vacinas para combater as epidemias que ocorriam no país e
desenvolveram atividades fundamentais na área de saúde pública. No entanto, ao
longo dos anos, por vários motivos, essas instituições entraram em decadência e
não conseguiram desenvolver novas tecnologias. Foram então perdendo a competitividade
tecnológica e ficaram praticamente inoperantes.
Somente em meados da década de 1980 — quando um grande
laboratório multinacional que detinha 80% do mercado de soros e vacinas do país
abandonou de forma repentina essa linha de produção, porque o Ministério da
Saúde solicitara o fortalecimento das atividades de controle de qualidade —o
governo federal resolveu intervir na área. A abrupta retirada das atividades
produtivas pela multinacional causou grande comoção no país, pois, a partir de
então, nem se podiam importar insumos tão importantes, como os soros
antiofídicos, pela especificidade dos venenos.
Para enfrentar o problema, em 1986 o Ministério da Saúde
criou o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI), que,
em pouco mais de dez anos, investiu aproximadamente 150 milhões de dólares na
modernização das instalações e equipamentos dos laboratórios públicos
produtores de soros e vacinas. O investimento possibilitou a auto-suficiência
do país na produção de soros antiofídicos, antipeçonhentos, antitóxicos para
uso terapêutico e de oito vacinas: BCG; poliomielite,5 hepatite B recombinante; difteria,
tétano, coqueluche (DTP); febre amarela; Haemophilus influenzae tipo
b (Hib), apresentada combinada com DTP; influenza (para idosos).
Mais recentemente, de forma similar à estratégia das transnacionais,
os laboratórios brasileiros também passaram a buscar alianças táticas e vêm
produzindo novas vacinas de forma conjunta, como é o caso da vacina
tetravalente DTP+Hib, sendo a primeira produzida pelo Instituto Butantan e
apresentada com a vacina Hib de Bio-Manguinhos. Ao se iniciar a produção local,
essa vacina irá conjugar os polissacarídeos do Hib com o toxóide tetânico
produzido pelo Tecpar ou pelo Instituto Butantan. Tais iniciativas demonstram a
preocupação dos laboratórios em buscar a utilização plena de suas capacidades e
potencialidades, aumentando a eficácia de suas ações e diminuindo o custo
operacional.
No entanto, pelos motivos detalhados a seguir, é essencial
que as atividades de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação Tecnológica
(DT&I) de vacinas sejam apoiadas de forma consistente pelo governo federal,
de modo a possibilitar a competitividade tecnológica dos laboratórios
produtores e permitir a inovação tecnológica, com o desenvolvimento de novas
vacinas importantes para a saúde pública do país.
Desenvolvimento tecnológico e inovação
No mundo
A partir da década de 1980, a produção intensiva de
conhecimentos científicos, o advento da moderna biotecnologia, os vultosos
investimentos realizados pelos governos dos países desenvolvidos e os
laboratórios transnacionais vêm propiciando a produção de novas vacinas mais
complexas tecnologicamente, com alto valor agregado. Essas vacinas são mais
eficazes, menos reatogênicas, mas também muito mais caras. Alguns estudos
mostram que os preços podem, nas próximas duas décadas, mais do que triplicar
(Davis et al., 2002). Em conseqüência disso, a produção de vacinas
tornou-se uma atividade que traz grandes retornos econômicos para as grandes
transnacionais.
A primeira vacina de tecnologia DNA recombinante contra
hepatite B foi registrada no início da década de 1980; a vacina contra
coqueluche de segunda geração, acelular, foi incorporada ao programa de
imunização do Japão no início de 1980, nos Estados Unidos, na década de 1990;
as vacinas polissacarídicas de segunda geração, muito mais eficazes, conjugadas
quimicamente a uma proteína, surgiram em meados de 1990, com a vacina
contra Haemophilus influenzae, tipo b (Hib); mais recentemente ainda,
surgiu a vacina contra pneumococos, com sete sorotipos, e a vacina contra
meningite meningocócica, sorogrupo C.
As tecnologias de DNA recombinante, de vacinas DNA,
vetorizadas, peptídeos sintéticos, plantas transgênicas —aos quais se agregam a
genômica, a proteômica, a bioinformática, que vêm favorecendo o surgimento da
tecnologia reversa6 —estão sendo utilizadas no
desenvolvimento de imunizações contra doenças importantes e para as quais ainda
não existem vacina, como a malária, o HIV/Aids e a leishmaniose, além de uma mais
eficaz contra a tuberculose.
Formas alternativas de aplicação, como a via mucosa e a
transcutânea, estão sendo investigadas para vacinas contra sarampo e influenza
(Woodrow, 1997; Ellis, 1999). Atualmente desenvolvem-se adjuvantes fundamentais
para as novas vacinas, como HIV/Aids —que utilizam componentes virais e que
podem exigir adjuvantes mais potentes para produzir resposta celular (Edelman,
1997; Vogel et al., 2002).
Somente nos Estados Unidos há centenas de projetos de
DT&I em andamento. O The Jordan Report 2002 informa que, naquele
ano, 351 projetos estavam no estágio inicial; na fase de estudos pré-clínicos
havia 331 projetos; em estudos clínicos fase I (de segurança), eram 155; na
fase II (imunogenicidade e reatogenicidade), 106; na fase III (eficácia), 48
projetos.
Estimativas de custo DT&I de uma vacina indicam os
valores extraordinários de cem a duzentos milhões de dólares (custo médio,
incluindo custos de projetos sem sucesso) num período de dez a 15 anos, até que
ela se transforme em produto e seja utilizada de forma rotineira. Calcula-se
que o investimento global anual em DT&I, incluindo os realizados por
governos e transnacionais, esteja em torno de dois bilhões de dólares
(Milstien et al., 2002).
Nos países ricos, inclusive os Estados Unidos, o governo
apóia de forma direta e sistemática os projetos de desenvolvimento tecnológico,
tanto nos institutos governamentais de pesquisa —como o National Institute of
Health (NIH), Walter Reed Army Institute of Research, as universidades
governamentais —como em universidades e laboratórios privados (Foulkes et
al., 2002; EUA, 2002).
Além disso, nesses países existem milhares de empresas de
biotecnologia voltadas para a saúde humana e animal e agricultura que
investigam novas moléculas, fazem clonagem e expressão de antígenos de interesse,
estudam novos adjuvantes, formulações, formas de aplicação e desenhos de
vacinas. Esses laboratórios constituem hoje a base de alimentação e sustentação
tecnológica das grandes multinacionais.
Em 2002, somente nos Estados Unidos, existiam 1.457 laboratórios
biotecnológicos, os quais produziram mais de 130 produtos derivados de
biotecnologia, dos quais mais de 70% foram licenciados para uso nos últimos
seis anos. Estima-se que eles propiciaram um faturamento de 47 bilhões de
dólares (Ernst & Young, 2000; Bio, 2002).
É fundamental o estabelecimento de prioridades para
orientação e definição das atividades de desenvolvimento tecnológico (IOM,
1986; OPAS, 1991; TDR, 2002). Um estudo das dez prioridades em biotecnologia
para a melhoria da saúde nos países em desenvolvimento (Daar, 2002) aponta em
segundo e terceiro lugares o desenvolvimento de vacinas.
O cenário internacional possibilita antever o
desenvolvimento de novas vacinas, tanto para substituir as atuais que
apresentam problemas de reatogenicidade ou eficácia reduzida, como de outras
hoje inexistentes. Isso representa um enorme desafio para os gestores de
CT&I do país, no sentido de atender à pressão da demanda por novos insumos
e serviços, que serão gerados nos países centrais, e evitar uma dependência
ainda maior no futuro próximo de importação de tecnologias e insumos
importantes para a saúde, como as vacinas.
Desenvolvimento tecnológico e inovação no Brasil
Historicamente, várias agências de fomento de P&D do
país, como o CNPq, a Finep, a Fundação Banco do Brasil, os fundos estaduais de
fomento à pesquisa, o Programa de Apoio do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (PADCT I/PADCT II/PADCT III), têm apoiado projetos de
desenvolvimento de vacinas, ainda que de forma dispersa e incipiente. Sem uma
coordenação nacional, e sem definição dos temas prioritários, os projetos
apoiados receberam financiamentos em sua maioria insuficientes e que não
tiveram continuidade, dificultando o desenvolvimento completo de uma vacina.
Com honrosas exceções, somam-se a esse fato as falhas no
desenho dos projetos, que não contemplam todas as etapas de desenvolvimento,
nem previam todas as necessidades de material, equipamentos e recursos humanos.
Assim, os resultados obtidos no desenvolvimento de vacinas ficaram muito aquém
do esperado.
Seria importante a avaliação técnica de todos os projetos
apoiados pelas diferentes fontes de financiamento, analisando-se: estruturas,
propostas técnicas, viabilidade científica e tecnológica, solicitação de
equipamentos, insumos e pessoal, bem como sua gestão administrativa, tanto em
relação à execução propriamente dita como à liberação oportuna de recursos
financiados. Existe a possibilidade de essa análise apontar falhas que podem e
devem ser corrigidas e evitadas, permitindo o aperfeiçoamento da gestão de
projetos tecnológicos —atividade também reconhecida como um dos pontos fracos
no processo de DT&I (Homma, 1999).
Sendo a pesquisa e a produção de vacinas uma atividade
complexa, que requer longo período de maturação e altos investimentos de risco —por
essa razão a iniciativa privada não está presente em DT&I —, o governo tem
necessariamente de apoiá-las total ou complementarmente. Elas exigem instalações
laboratoriais diferenciadas e grupos multidisciplinares e possuem parâmetros específicos
nas metodologias e no volume dos estudo (Gregersen, 1997).
Para Gadelha (2002), existe uma enorme desarticulação entre
pesquisa e produção também no campo da política de saúde. A estratégia de
desenvolvimento tecnológico deveria levar em conta um apoio maior às
experiências bem-sucedidas e à formação de redes científicas e tecnológicas
assentadas em 'âncoras'7 que tenham a função de desenvolver
tecnologias. Por essas peculiaridades, é essencial que haja uma definição do
governo quanto às vacinas prioritárias para desenvolvimento. Nesse sentido,
entre outros, alguns aspectos deveriam ser levados em consideração:
—impacto epidemiológico determinado pela doença e sua
tendência;
—existência de alternativas para controle e/ou tratamento da doença;
—estudos de custo/benefício com relação a alternativas existentes; em casos de
doenças órfãs, as questões econômicas não devem dominar a decisão;
—estágio do conhecimento científico tecnológico da doença selecionada;
—análise da complexidade científica e tecnológica do tema selecionado,
identificando-se as lacunas para desenvolvimento de vacinas;
—existência de pesquisadores, grupos e instituições nacionais desenvolvendo
atividades de P&D especificamente nos temas relacionados às lacunas
identificadas;
—existência de laboratórios para realização de estudos pré-clínicos e de outros
que atendam às normas de BPF (Brasil, 2001) para produção de vacinas experimentais
para estudo clínico;
—existência de grupos com experiência em estudos clínicos (fase I, fase II,
fase III);
—existência de peritos para elaboração de documentações necessárias ao registro
da vacina junto à Anvisa;
—identificação de fontes de financiamento;
—análise da organização e de sua capacidade gerencial e administrativa.
Outros aspectos, como a formação de pessoal e de equipe e a
viabilidade econômica do projeto, podem se refletir de forma direta no
desenvolvimento das atividades laboratoriais a serem executadas.
A Fundação Oswaldo Cruz, reconhecida por sua qualidade
científica na área biomédica, busca também fortalecer as atividades de
desenvolvimento tecnológico. Atualmente está organizando programas de inovação
tecnológica, adotando uma estratégia de indução, como é o caso do Programa de
Desenvolvimento Tecnológico de Insumos em Saúde (PDTIS), que pretende apoiar,
utilizando tecnologias de DNA recombinante, o desenvolvimento de insumos
estratégicos para a saúde, como vacinas, kits e reativos para diagnóstico,
fármacos e medicamentos e produtos para controle de vetores (Sarno, 2002).
No entanto, por questões de necessidade, são os
laboratórios produtores que vêm liderando as atividades de DT&I em vacinas
no país. Ao longo dos anos foram desenvolvidos inúmeros projetos de DT&I,
direcionados para o aperfeiçoamento de processos de produção, tais como
escalonamento, busca de melhores rendimentos, novos métodos de purificação,
novas apresentações, melhor termoestabilidade, metodologias de controle, entre
outros. Essas melhorias tecnológicas têm assegurado a produção de vacinas de
alta qualidade por parte dos laboratórios nacionais. Foi inclusive
Bio-Manguinhos que desenvolveu uma nova formulação da vacina contra a
poliomielite, a qual vem sendo adotada em todos os países tropicais do mundo,
contribuindo para a erradicação global dessa virose. Outro exemplo da
capacidade tecnológica nacional é a vacina contra hepatite B, de tecnologia DNA
recombinante, desenvolvida recentemente pelo Instituto Butantan.
A carência de recursos para apoio específico às atividades
de outros importantes projetos de DT&I impossibilitou que os laboratórios
produtores investissem mais, especialmente no desenvolvimento de tecnologias de
produção de novas vacinas demandadas pelo PNI. As seguintes estratégias são
adotadas pelos laboratórios produtores para incorporar novas tecnologias de
produção:
a curto prazo, investir naquelas vacinas disponibilizadas
no mercado internacional já incorporadas no PNI e em torno das quais existe
interesse e capacitação tecnológica para produção. Nesse caso, em que se
procura incorporar a tecnologia o mais rapidamente possível, a solução tem sido
buscar transferência tecnológica. Bio-Manguinhos incorporou dessa forma a
tecnologia de produção das vacinas contra: meningite meningocócica, sorogrupo A
e C, do então Instituto Mérieux, em 1976; sarampo e poliomielite, do Biken da
Universidade de Osaka, em 1980-87; Haemophilus influenzae, tipo b, conjugada
(Hib) da SmithKline & Beecham, em acordo firmado em 1998, com previsão de
se cumprir toda a etapa de transferência tecnológica em 2004. Ainda se
investiga a tecnologia para produção da vacina tríplice viral –
sarampo-caxumba-rubéola. A produção da vacina contra influenza (gripe) é objeto
de um acordo de transferência de tecnologia para o Instituto Butantan pelo
Aventis/Pasteur. O processo de transferência de tecnologia demanda um período
médio de cinco anos para incorporação total da tecnologia e desenvolvimento de
todo ciclo de produção local da vacina (Homma, 1994).
A médio prazo, incluir vacinas de sabida necessidade e cuja
tecnologia é conhecida. Alguns dos projetos estão há mais de cinco anos em
processo de desenvolvimento e encontram-se já em estágio avançado. Recebendo
apoio financeiro adequado, eles têm chances de chegar a um produto num prazo de
três a cinco anos. Alguns exemplos são:
– vacina contra meningite meningocócica, sorogrupo B,
utilizando proteínas de vesículas da membrana externa de cepas mais prevalentes
no Brasil, e do sorogrupo C, conjugada. Desse projeto participam os institutos
Adolfo Lutz, Butantan e Bio-Manguinhos. O estudo clínico de fase I está sendo
organizado para o segundo semestre de 2003;
– vacina contra leishmaniose humana, utilizando antígenos recombinantes.
Estima-se que ainda no final de 2003 deverá ter início o estudo de proteção de
uma vacina para uso canino; na segunda etapa será desenvolvida a vacina para
uso humano.
Esse projeto, embora não prioritário em termos
epidemiológicos, vem sendo apoiado graças à oportunidade apresentada pela
existência, no país, de vários grupos de pesquisa envolvidos e tem grande
chance de sucesso. Bio-Manguinhos participa de um projeto conjunto com o Centro
de Pesquisas Gonçalo Muniz/Fiocruz, de Salvador;
– vacina contra raiva, purificada e produzida em cultura de
tecidos, em desenvolvimento nos institutos de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e
Butantan;
– vacina contra pneumococos, cuja definição de rota tecnológica está sendo
amadurecida. Existem mais de oitenta sorotipos, dos quais se selecionam as cepas
mais prevalentes (entre sete a onze cepas), para desenvolver uma vacina conjugada
ou combinada com algumas proteínas comuns da bactéria, como a pneumolisina,8 PspA e PsaA; essas proteínas não
apresentariam especificidade de sorotipo e teriam proteção cruzada; o Instituto
Adolfo Lutz, o Instituto Butantan e Bio-Manguinhos estão envolvidos no DT&I
dessa vacina.
A longo prazo —em dez anos ou mais — está planejada a produção
de vacinas contra rotavírus, malária, dengue, tuberculose (aperfeiçoada),
HIV/Aids e esquistossomose, utilizando tecnologias de DNA recombinante, vacinas
DNA ou vacinas vetorizadas; o Instituto Butantan, Bio-Manguinhos e outros institutos
de pesquisa estão envolvidos no desenvolvimento desses projetos que estão em
fase inicial e não possuem ainda financiamento adequado.
Por outro lado, existem várias outras demandas do PNI que
ainda não estão sendo equacionadas, como a necessidade de substituição de
algumas vacinas utilizadas atualmente nos programas de imunização, pela
ocorrência de reações adversas importantes. Este é o caso da vacina DTP com o
componente pertussis de bactéria inativada —que provoca reação hipotônica
hipo-responsiva em algumas crianças que se recuperam rapidamente, mas causa
receio às mães. Nos países desenvolvidos a vacina vem sendo substituída por
outras, elaboradas de componentes da bactéria, que apresentam menor reação
adversa. A vacina de vírus vivos atenuados contra a poliomielite determina
alguns casos de reação (1:1,5 milhões vacinados) e, nos países desenvolvidos,
está sendo substituída por uma outra, de vírus inativados.
As atividades de DT&I relacionadas anteriormente
demonstram claramente a preocupação dos laboratórios produtores nacionais em
buscar inovações tecnológicas autóctones. Sem isso, eles estariam fadados à
perda de competitividade tecnológica e mesmo do mercado cativo nacional.
No entanto, a grande lacuna de DT&I existente no país
em relação aos países mais desenvolvidos indica claramente que a dependência
tecnológica do Brasil deve aumentar ainda mais. Além disso, ela coloca no
centro da questão o papel do Estado na correção dessa situação. Sem dúvida,
entre os vários instrumentos disponíveis para corrigir essa dependência está o
uso do poder de compra do Estado (Gadelha, 2002), compreendendo a licença de
patentes, a propriedade intelectual, a transferência de tecnologia e outras
ferramentas para a internalização das tecnologias de ponta no país.
O processo de desenvolvimento tecnológico de vacinas
A primeira vacina do mundo foi descoberta por Edward Jenner
em 1796, observando que os ordenhadores de leite não contraíam varíola. Jenner
sistematizou os conhecimentos empíricos e criou a vacina, de forma a prevenir a
doença contra a varíola,9 a partir da pústula formada pelo
vírus vaccinia nas tetas das vacas.
Com o decorrer do tempo, com o avanço científico e
tecnológico, os requisitos técnicos para o registro de uma vacina para uso
humano tornaram-se mais minuciosos e muito mais complexos. De forma quase
contínua, foram criados ou modificados regulamentos, normas e procedimentos, e
passou-se a exigir uma enorme quantidade de dados laboratoriais, estudos
pré-clínicos e clínicos, com o objetivo de obter maior segurança em termos de
inocuidade/reatogenicidade, eficácia/efetividade, antes que a nova vacina seja
utilizada rotineiramente em seres humanos. As exigências incluem a adoção de
normas de Boas Práticas de Laboratório (BPL) (Brasil, 1995), Boas Práticas de
Fabricação (BPF) (WHO, 1992; Brasil, 2001). Essas normas incluem procedimentos,
protocolos, documentação e exigências relacionadas às instalações e
equipamentos laboratoriais e de infra-estrutura.
O tempo médio de desenvolvimento de uma vacina varia entre
dez a 15 anos ou mais. São várias as etapas, e cada uma delas exige parâmetros
e condições técnicas específicas. Muitas vezes é necessário voltar à etapa
anterior para realizar novos estudos, que, portanto, não configuram um processo
linear, direto e simples. Existe a possibilidade —e não pequena —de se chegar a
resultados não satisfatórios quando se aumenta a escala do experimento, ou
mesmo de se identificar a necessidade de realizar estudos adicionais. Essa
operação deve-se repetir tantas vezes quantas forem necessárias, até a obtenção
de resultados satisfatórios e a demonstração da potencialidade de transformação
do experimento em produto.
Descreve-se a seguir o processo de DT&I de vacinas, com
as etapas em seqüência e as informações mais relevantes de cada etapa, de modo
que o leitor faça uma idéia mais aproximada da complexidade dessa atividade —,
sem se pretender contudo esgotar o tema.
Primeira etapa: descoberta/invenção
A inovação tecnológica pressupõe a existência de uma
capacitação científica de alto nível em diferentes áreas do conhecimento, com
destacada participação das ciências básicas, aliando os campos mais avançados
da ciência biológica, como biologia molecular, genética molecular, imunologia
molecular, genômica, proteômica, bioinformática, engenharia genética e
biotecnologia em geral. Deve-se dispor de laboratórios dotados de
infra-estrutura adequada, com equipamentos modernos, e que atendam às normas de
BPL e biossegurança.
Com exceção da vacina contra a varíola de Jenner, as demais
foram descobertas pela persistente busca de um produto específico. Foi Louis
Pasteur, em 1885, quem estabeleceu esse paradigma, desenvolvendo a vacina
contra a raiva, com o estabelecimento do chamado vírus "fixo", obtido
após sucessivas passagens em tecido nervoso de coelhos e com a ação dissecadora
do hidróxido de potássio. Procedimentos similares foram adotados no
desenvolvimento de diversas vacinas de vírus vivos atenuados. Outras foram
obtidas por inativação de bactérias, como é o caso da vacina contra a
coqueluche, e os toxóides obtidos pela inativação das toxinas bacterianas.
Nos dias atuais, a biologia e a genética molecular têm
propiciado um grande avanço na vacinologia moderna. São utilizados a tecnologia
de DNA recombinante, a vacina genética e os peptídeos sintéticos. A pesquisa de
novos adjuvantes forma um capítulo especial da vacinologia, na intensa procura
por uma nova substância que seja melhor do que o tradicional gel de hidróxido
de alumínio.
A invenção é planejada, e o conhecimento científico do
pesquisador, bem como seu espírito aguçado de percepção, são essenciais para a
descoberta. Mais recentemente, a genômica e a bioinformática têm sido
utilizadas para a identificação de epitopos de vírus, componentes de bactérias
ou produtos de expressão, antígenos de parasitos. Com o auxílio de
computadores, buscam-se identificar as moléculas e seqüências de aminoácidos
com potencial para servir como vacina. São as chamadas vacinologia reversa
(Poolman, 2002) e análise in silico (Adu-Bobie, 2003). Nessa etapa,
os volumes e/ou a massa com que se trabalha são mínimos.
A descoberta com dados científicos de bancada é o primeiro
passo de um longo processo de desenvolvimento de uma vacina.
Segunda etapa: estudos de pré-desenvolvimento
Uma vez descoberto o antígeno não só cabe padronizar a
metodologia de produção, como também especificar todos os insumos necessários,
visando já a posterior avaliação da possibilidade de reprodução do processo. A
mesma abordagem deve ser adotada para o adjuvante, que eventualmente deve ser
testado de forma completa, incluindo as provas de toxicidade.
Nessa etapa de pré-desenvolvimento, cumpre estudar alguns
procedimentos laboratoriais que incluem o aumento da escala de cultura do
agente e estudos dos parâmetros para o escalonamento da cultura, de rendimento
de produção em novas condições de cultura, procedimentos de purificação em
volumes maiores, com o objetivo de verificar o potencial para transformar a
descoberta em produto.
Os testes laboratoriais devem ser repetidos inúmeras vezes,
nas mesmas condições adotadas no procedimento original, para verificar a
possibilidade de se repetirem os resultados. É importante que se demonstre a
reprodutibilidade em outros laboratórios.
A caracterização físico-química e biológica do antígeno em
questão é fundamental para comparação posterior do antígeno obtido nas etapas
seguintes, em escala piloto e na produção propriamente dita. Um cuidado
adicional é submeter o antígeno descoberto às condições diferentes da original,
para verificar e analisar sua estabilidade e outras propriedades. Alguns
aspectos levados em consideração especificamente em referência ao antígeno são,
se o antígeno for vivo: meios de cultura e/ou substrato celular utilizados;
estudo do metabolismo do microorganismo; estabilidade genética do antígeno. Se
o antígeno for clonado: estabilidade da construção; análise da seqüência de
aminoácidos, quando couber; estabilidade térmica do antígeno; análise
bioquímica, físico-química, química; análise imunológica, imunoquímica,
imunoenzimáticos e cromatográficos; estudos iniciais de imunogenicidade em
animais de experimentação.
Alguns aspectos levados em consideração no estudo de escalonamento
de volumes são: reprodutibilidade dos resultados da experimentação em escala
maior; caracterização do antígeno obtido em escala maior; estudo da
estabilidade do antígeno —genética, química, bioquímica, molecular, quando
submetido a temperaturas diferentes; estudo da termoestabilidade acelerada:
temperatura ambiente, 37ºC, 45ºC e estabilidade em tempo real; estudo do
rendimento de produção; estudo dos procedimentos de purificação. Se os
antígenos forem produzidos em cultura de células, estudo do DNA celular
residual; estudo dos procedimentos de formulação com e sem adjuvantes. Se liofilizado,
estudos de adjuvantes de liofilização.
Para cada abordagem tecnológica empregada, são necessários
dados específicos, tais como: se forem antígenos virais ou bacterianos vivos
atenuados, estabelecimento dos limites de passagens para produção da vacina;
possibilidade de eliminação no meio ambiente; ação sobre os contactos. Se forem
vetorizados, testes específicos da estabilidade da construção. Se forem vacinas
combinadas, estudo de compatibilidade entre os antígenos.
Não há exigência para que os estudos da descoberta sejam
pautados segundo normas de BPL, ainda que normalmente os laboratórios de
pesquisa as adotem. As BPLs preconizam a existência de organização e instalação
laboratorial para que as atividades de pesquisa possam ser realizadas de forma
adequada: equipamentos e instrumentos de trabalho validados e calibrados,
utilização de sais, reagentes, meios de cultura e outros insumos certificados,
animais de laboratório de sanidade reconhecida e cumprimento das normas de
biossegurança.
Deve-se fazer um protocolo de estudo bem detalhado, com a
descrição de metodologia, insumos, condições de trabalho, resultados e outras
informações. Cumpre conservar e manter o protocolo com muito cuidado, pois ele
pode ser necessário para a revisão dos dados e das outras informações sobre os
estudos realizados.
Terceira etapa: estudos pré-clínicos
O objetivo dessa fase é verificar se a descoberta —cujo
potencial para transformação em produto foi demonstrado na fase anterior —poderá
ser aplicada em seres humanos. Essa resposta é obtida nos chamados estudos
pré-clínicos, realizados em animais de laboratório, buscando responder às
questões relacionadas com toxicidade geral e específica do antígeno. Nessa fase
deve-se obter o máximo de dados quanto à segurança clínica antes da aplicação
do produto em seres humanos e informações complementares sobre imunogenicidade
do antígeno.
Cabe obter dados que demonstrem um risco mínimo, quando o produto
for aplicado em seres humanos, e contribuir para o desenho do protocolo do subseqüente
estudo clínico, no qual a segurança e a imunogenicidade da vacina é estudada
(Brussiere, et alii, 1995). Geralmente utilizam-se cobaias
(porquinhos-da-índia), ratos e camundongos. Nos estudos de toxicidade é
preconizada a utilização de três espécies animais, de ambos os sexos, das quais
uma deverá ser de mamíferos não roedores (por exemplo, ratos, cobaias e coelhos
(Brasil, 1997). É importante a identificação de animal(is) relevante(s) para o
estudo, ou seja, animal ou animais sensíveis ao antígeno.
Essa fase é realizada em laboratórios especializados em
atividades de desenvolvimento tecnológico, com pessoal especializado e
instalações específicas para essa finalidade. Cumpre observar nos procedimentos
as normas de BPL, e deve haver preocupação no preparo das informações para
compor a monografia10 do produto e o respectivo dossiê
com os dados, as metodologias de produção, o controle de qualidade, os
resultados experimentais de laboratório e testes pré-clínicos.
Devem-se levar em conta alguns aspectos nessa fase:
desenvolvimento de um protocolo específico; existência de biotério de
experimentação em condições adequadas; existência de pessoal treinado em manejo
e experimentação animal; utilização de animais com qualidade sanitária
certificada; existência de quantidade suficiente de animais na idade desejada
e, conforme o caso, o sexo selecionado; geralmente utilização da dose máxima
preconizada para uso humano; realização de múltiplas aplicações, sobretudo se o
estudo for para uso humano; se o produto for para uso em mulheres em idade
fértil, realização de estudos para verificar a possível ação sobre o feto;
testagem de várias formas de injeção (muscular, subcutânea, intradérmica,
intraperitonial); testagem de várias formas de e vias (oral, nasal, ocular,
retal, vaginal), quando indicado o uso; estudo da teratogenicidade, isolada ou
de forma combinada com o produto, de qualquer nova substância química utilizada
no preparo do antígeno ou na formulação da vacina; monitoramento clínico dos
animais durante o estudo e análise de qualquer anormalidade, em busca do efeito
causal; coleta de amostras de sangue para análise bioquímica dos elementos
figurados e estudos enzimáticos, quando for o caso; estudo anatomopatológico
após a finalização do estudo.
Também cabe realizar estudos pré-clínicos quando se fizer
qualquer alteração de monta no processo produtivo – por exemplo, mudança do
termoestabilizador, mudança de um insumo básico –, ou quando se introduzir um
novo adjuvante.
Se os resultados de estudos pré-clínicos forem
satisfatórios, a etapa seguinte é produzir lotes de vacinas experimentais para
estudos clínicos.
Quarta etapa: vacina experimental para estudos clínicos
A vacina destinada aos estudos clínicos deve ser produzida
em instalações que atendam aos procedimentos e normas de BPF, as chamadas
plantas pilotos. Essas normas preconizam um padrão de qualidade das instalações
envolvidas na atividade, o controle e a validação de todas as operações
envolvidas, a utilização de insumos com certificado de qualidade, a validação
de equipamentos e instalações, a calibração de instrumentos de medição, os
Procedimentos Operacionais Padrão (POP). O objetivo é ter ao final do processo
um produto de alta qualidade. Assim, o obrigatório controle de qualidade do
produto final seria apenas uma formalidade, tal a segurança garantida pelas normas
de BPF, quando plenamente desenvolvidas e incorporadas.
Um laboratório que possua essas características também é
utilizado para realizar parâmetros de produção, escalonamento, rendimento e
outros estudos que definem a viabilidade tecnológica da produção do que estiver
sendo testado.
A carência de um laboratório piloto com as características
mencionadas tem sido um dos pontos de estrangulamento no processo de inovação.
Para se ter uma idéia das exigências das normas de BPF em uma planta piloto de
produção de material para uso clínico, listam-se a seguir alguns aspectos
relativos às instalações e equipamentos laboratoriais:
o material utilizado na instalação deve ser aprovado para a
finalidade; as paredes, os pisos e o teto devem ter textura sólida e contínua,
sem rugosidade, lavável;
deve existir um andar técnico onde são instalados os sistemas
de ar-condicionado, água corrente, água quente, ar, vapor limpo, energia
elétrica; as luzes devem ser embutidas no teto, e a manutenção deve ser
realizada pelo piso técnico;
deve-se coletar água tipo injetável em tanques de aço
inoxidável tipo 316l, cuja distribuição será feita num sistema fechado, com a
água circulando de forma contínua, a uma temperatura de 80ºC; os pontos de
coleta não devem ter pontos cegos;
todo material utilizado na construção e na instalação deve
ter certificado em relação às especificações técnicas;
as instalações e os equipamentos devem ser validados;
os instrumentos de medida, como termômetros, manômetros,
pHmetros, devem ser calibrados;
os ambientes controlados devem ter filtros de ar especiais,
e o ar deve ser controlado com pressão negativa, no caso de trabalho com
agentes infecciosos, e pressão positiva, em ambientes de trabalho com agentes
não-infecciosos;
o ar expelido de ambientes de trabalho com agentes
infecciosos deve ser descontaminado, assim como todos os fômites e utensílios
utilizados na operação;
deve-se dispor de área biolimpa (100 partículas/m3) para as
atividades com trabalho estéril, como são aquelas de filtração de meio de
cultura ou de antígenos utilizados na formulação da vacina; as áreas de
formulação, envasamento e do liofilizador devem ser classificadas como
biolimpas;
o fluxo do material estéril deve ser unidirecional,
evitando cruzamentos com material sujo e sobretudo contaminado;
a entrada de pessoal deve ser controlada, havendo troca de
roupas de serviço; na operação estéril deve ser utilizada roupa tipo escafandro
estéril, apropriada para a operação controlada; o fluxo também deve ser
unidirecional;
todo material de dejeto de laboratório deve ser descartado
de forma apropriada.
O laboratório deve dispor de equipamentos para estudos em
pequenos volumes (10-20 litros) e outros que permitam fazer estudo de
escalonamento (50-100 litros). Cumpre ter laboratórios de apoio, permitindo os
estudos de metabolismo, cinética de crescimento bacteriano, vetores de
expressão de antígenos, proteínas de interesse, cultura de células para
produção de vírus, estudos de rendimentos de produção, estudos de purificação,
estabilidade, formulação, envase e liofilização. As atividades de uma planta
piloto se iniciam depois que se demonstrar que há potencial para
antígenos/proteínas se transformarem em vacina.
A vacina experimental produzida nessa planta de protótipos
terá características de material clínico, para permitir sua utilização em
estudos médicos.
Quinta etapa: estudos clínicos – segurança,
imunogenicidade, eficácia
Os estudos clínicos são muito complexos, delicados e
difíceis de serem organizados. Sua implementação também é complicada, pela
própria natureza de uma atividade que envolve experimentação em seres humanos.
Mas esses estudos são essenciais para a inovação tecnológica (Tacket et
alii, 1997; Foulker et al., 1999). Deve-se observar a estrita aplicação de
Boas Praticas de Estudo Clínico (WHO, 1999a; WHO, 1999b) e da legislação
nacional (CNS, 1996).
No Brasil, são poucos os grupos com experiência nessa área.
Isso exige uma atenção especial na organização dos estudos, sobretudo na
identificação e formação de equipes multidisciplinares. Algumas investigações,
pela exigência de amostra e/ou de parâmetros muito específicos, exigem a
organização de estudos multicêntricos, aumentando a complexidade da pesquisa.
Quando se tratar de uma vacina aperfeiçoada, a já existente
deve ser utilizada como referência, o que não elimina a inclusão de placebo.
A preparação do protocolo de estudo, a organização do grupo
e a subseqüente implementação obrigam a formação de um conjunto de peritos. A
coordenação da pesquisa deve ter controle sobre todas as atividades, de forma a
não haver descontinuidade do processo.
Estudos clínicos de fase I : segurança
A primeira fase das investigações clínicas tem como
objetivo primário o estudo da segurança; e como objetivo secundário, a resposta
imunológica. Em geral, a fase I é realizada primeiramente entre um pequeno
número de jovens adultos (de vinte a trinta pessoas); obtendo-se resultados
satisfatórios, as vacinas que têm indicação para crianças são estudadas na
faixa de idade indicada para sua utilização.
Ao mesmo tempo que se busca determinar a segurança da
vacina, também é realizado o estudo da imunogenicidade, que, pelo pequeno
número de pessoas envolvidas, serve apenas como orientação da capacidade de
resposta do produto e para buscar a melhoria da formulação.
Um protocolo de estudo de fase I deve contemplar os
seguintes aspectos:
descrição detalhada do objetivo, com dados epidemiológicos
e impacto da doença que se pretende prevenir e tratar; taxas de morbidade,
mortalidade, formas de transmissão, dados clínicos e outras informações
relevantes que justifiquem a criação de uma nova vacina, tais como custo do
tratamento a curto, médio e longo prazos;
especificação da vacina, com os métodos de produção,
controle de qualidade e outras características do produto;
descrição da população a ser estudada. Os seguintes
aspectos principais devem ser abordados: descrição dos voluntários que
participarão do estudo, com idade, sexo e outras informações relevantes;
critérios de inclusão e exclusão;
descrição dos procedimentos de vacinação (se injetável,
oral ou outra forma); se houver mais de uma aplicação, especificação do número
de aplicações e intervalos desejáveis (máximo e mínimo);
padronização dos procedimentos laboratoriais segundo os
tempos de coleta de soros para análise, devendo-se estabelecer prazo desejável,
máximo e mínimo;
padronização de procedimentos tais como medição de
temperatura (oral, axilar ou retal), definindo o que se considera febre;
aplicação das vacinas (tamanho das agulhas, via e local de aplicação);
especificação de tubos de coleta e para conservação dos soros; temperatura de
manutenção das vacinas e dos soros coletados; normas para transporte etc.;
especificação de equipamentos adequados para conservação e
transporte de vacinas e dos soros;
formulação de procedimentos com relação aos grupos
vacinados, com definição de formas de coleta e informações sobre eventos
adversos;
indicação de procedimentos para atendimento imediato do
paciente vacinado, no caso de ocorrer algum evento adverso, inclusive necessidade
de hospitalização;
vacinação por etapas do grupo de voluntários. Por exemplo,
vacina-se primeiro um grupo de dez voluntários; se nenhum deles apresentar
evento adverso além do esperado, prossegue-se a vacinação de outro grupo;
organização de um comitê técnico formado por clínicos
especializados para analisar e definir o encaminhamento de um evento adverso de
maior severidade, inclusive decidir o encerramento do estudo.
Deve-se incluir no conjunto do protocolo do estudo clínico
o termo 'consentimento livre e esclarecido', cujo espírito é a adesão
voluntária e esclarecida ao estudo. Além disso, devem-se incluir também
informações detalhadas sobre os objetivos do estudo, esclarecimentos sobre os
tipos de possíveis eventos adversos e suas conseqüências, as sangrias
previstas, o acompanhamento e monitoramento após a vacinação e outros dados
relevantes. O protocolo conterá as informações essenciais de forma objetiva e
simples, de tal modo que seja compreendido por uma pessoa que não seja da área.
O termo deve ser assinado pelo voluntário; no caso de crianças, deve ser
firmado pelos pais ou responsáveis; no de adolescentes, tanto eles quanto os
responsáveis devem assinar.
O protocolo será submetido ao Comitê de Ética Institucional
para o qual o estudo será encaminhado. Quando se trata de um novo produto, deve
ser examinado também pelo Comitê Nacional de Ética (Conep) do Conselho Nacional
de Saúde (CNS, 1996).
Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) também está se preparando para participar da fase inicial dos estudos
clínicos, o que certamente viria a facilitar o processo do registro da vacina,
pela possibilidade de corrigir, responder, ampliar ou modificar o protocolo, de
modo a atender plenamente as exigências desta agência reguladora.
Estudos clínicos de fase II: imunogenicidade e
reactogenicidade
O objetivo dessa etapa é a busca de dados de
imunogenicidade do novo produto e a continuidade dos estudos de eventos
adversos.
Os resultados obtidos na fase I e os procedimentos seguidos
durante sua realização acrescentam-se à documentação necessária. A população
voluntária a ser incluída no estudo é ampliada, de forma a se produzirem dados
estatisticamente significativos tanto para os estudos de imunogenicidade como
para os eventos adversos.
A pesquisa deve, na medida do possível, ser desenhada como
duplo-cego, 'randomizado', com utilização de placebo. O número de voluntários
há de ser de tal magnitude que possibilite a aplicação de testes de
significância. Nessa etapa, é necessária a participação de estatístico e
epidemiologista, para a definição do tamanho e de outras características das
amostras.
Cabe dar especial atenção ao procedimento de cegamento do
estudo, que inclui vacinas e placebo, o qual deve se estender à operação de
vacinação, seguimento para monitoração e coleta de dados de eventos adversos. O
cegamento precisa incluir os exames laboratoriais, codificando-se os tubos de
soros. O produto a ser estudado, deve ser o mesmo utilizado na fase anterior. A
existência no mercado de produto similar obriga a sua utilização como
referência.
Nessa fase, a idade da população voluntária é
gradativamente diminuída, para incluir os mais jovens. Se a população-alvo do
novo produto são crianças lactentes e abaixo de dois anos de idade, a investigação
deve incluir voluntários nessa faixa etária; a inclusão deve ser feita de forma
gradual —jovens adultos, adolescentes, crianças e finalmente lactentes e crianças
de até dois anos de idade.
O tempo de duração do estudo também é mais demorado, tanto
pelo aumento da amostragem como pela complexidade que pode envolver essa fase,
quando se estudam alguns novos parâmetros, tais como: diferentes dosagens do
agente imunizante, vias de aplicação, número e intervalos entre as vacinações e
outros aspectos relevantes para o melhor conhecimento do novo produto.
Estudos clínicos de fase III: eficácia
Essa fase é dedicada ao estudo da eficácia da vacina e
classicamente é desenhada como duplo-cego, com placebo e 'randomizado'. A
eficácia é avaliada pela diferença na incidência da doença entre os vacinados e
os não vacinados, medida como percentagem (Clemens, et al., 1997). O
tamanho da população de voluntários depende da taxa de incidência da
enfermidade, do nível de proteção e do respectivo limite de confiabilidade que
se deseja obter. Doenças com baixa prevalência exigem uma população de estudo
muito maior do que aquelas com maior prevalência.
Aos documentos e procedimentos estabelecidos para essa fase
devem ser adicionados os resultados dos estudos obtidos na fase anterior de
imunogenicidade e reatogenicidade, com a definição da melhor formulação da
vacina, a via, o número de aplicações e outros aspectos relevantes.
No caso de algumas vacinas que possuem produto similar
registrado, e em que já se conhecem os níveis de anticorpos que conferem
proteção ('surrogate' ou marcador sorológico de proteção), não é necessário
realizar as investigações da fase III. Basta ampliar os estudos da fase II e
estabelecer a taxa de soroproteção, incluindo ou não o nível (título ou concentração)
de anticorpos obtido. Nesse estudo, é recomendável incluir-se a vacina
registrada existente como forma de controle.
O processo de desenvolvimento de um produto não é linear.
Os resultados, nessa etapa, bem como nas anteriores, também podem indicar a
necessidade de novos dados básicos para se poder prosseguir. Deve-se então
voltar à etapa anterior, ou mesmo ao laboratório de pesquisa básica, para novas
investigações.
Sexta etapa: registro da vacina
Com a obtenção de resultados satisfatórios na fase III,
prepara-se a documentação a ser submetida à Anvisa para o registro da vacina.
Essa documentação deve conter basicamente:
monografia do produto, com descrição detalhada,
caracterização do antígeno, formulação e especificação da vacina, metodologias
de produção e controle de qualidade e os resultados obtidos nos estudos
pré-clínicos, das fases I, II e III de estudos clínicos;
informação sobre a termoestabilidade da vacina, com
resultados de termoestabilidade acelerada – 15 dias a 37ºC, como a estabilidade
em tempo real;
prazo de validade da vacina;
bula com todas as informações pertinentes;
responsável técnico pela vacina;
outras informações pertinentes.
Sétima etapa: estudos da fase IV (pós-comercialização)
Essa fase é organizada para acompanhar e monitorar os
efeitos da vacinação com o novo produto, especialmente os eventos adversos
raros e os que podem acontecer depois de algum tempo de aplicação da vacina
(que podem não ter sido detectados nos estudos das fases I, II e III). Nessa
etapa também busca-se estabelecer a efetividade da vacina, ou seja, o impacto
determinado pelo seu uso sobre a morbidade da doença.
As várias questões que podem surgir nessa área envolvem os
pediatras clínicos, mas também profissionais de neurologia, imunologia,
imunopatologia, virologia, microbiologia e outros. Pela complexidade dos
problemas – e para respaldar o produto cientificamente, além de permitir a
manutenção da confiança da população no PNI –, é importante que se organizem
grupos dedicados a esses estudos.
Nos últimos anos, o PNI vem fazendo um grande esforço para
melhorar a vigilância dos eventos adversos após a vacinação, por meio do
Sistema de Vigilância de Eventos Adversos Pós-Vacinação. Isso propicia o melhor
conhecimento dos problemas envolvidos com diferentes vacinas incorporadas ao
PNI (Brasi, 1988).
Conclusão
A inovação tecnológica de vacinas é por definição uma
atividade de longa duração e que exige vultosos investimentos de alto risco. A
complexidade do processo de DT&I, envolvendo diferentes etapas interdependentes,
requer equipes multidisciplinares e diferenciadas e o atendimento aos
requerimentos de regulação, que nos últimos tempos têm se tornado mais
exigentes.
A análise da situação de DT&I mundial indica que haverá
ainda rápidas transformações tecnológicas no setor e que novas vacinas serão
desenvolvidas a curto e médio prazos. Elas serão mais complexas
tecnologicamente, de maior valor agregado e apresentarão menor reatogenicidade,
maior eficácia e efetividade. Serão também muito mais caras que as atuais,
dificultando sua incorporação ao PNI.
Os grandes problemas de saúde pública nessa área no Brasil,
como DT&I de vacinas contra malária, leishmaniose e dengue, não receberão
prioridade de desenvolvimento por parte dos países centrais e multinacionais. O
enorme potencial científico e tecnológico, os inúmeros grupos de pesquisadores
em universidades e instituições de pesquisa, uma moderna infra-estrutura de
produção —que confere competitividade à área —, tudo isso configura uma situação
muito favorável para o desenvolvimento de iniciativas concretas em DT&I de
vacinas prioritárias para o país.
É portanto prioritária e urgente a definição de um programa
de desenvolvimento tecnológico de vacinas por parte do governo central, com
definição de prioridades e financiamento específico, de forma a diminuir a
enorme lacuna existente no processo de DT&I de vacinas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adu-Bobie, Jeannette; Capecchi, Barbara; Serruto, Davide;
Rappuoli, Rino e Pizza, Mariagrazia 2003 'Two years into reverse vaccinology'. Vaccine,
21, pp. 605-10. [ Links ]
Barbosa, J. 1999 'Epidemiological situation of vaccine
preventable diseases. Situation in Brazil'. Em A. Homma (org.), Vaccine
development: new challenges. The Intl workshop on vaccine development and
production. Rio de Janeiro,
Fiocruz. [ Links ]
Biotechnology Industry Organization (BIO) 2002 Biotechnology
industry statistics. Guide to biotechnolgy. http://www.bio.org. [ Links ]
Brasil 2002a Livro branco: ciência e tecnologia e
inovação. Brasília, Ministério de Ciência e
Tecnologia. [ Links ]
Brasil 2001a 'Manual de normas de vacinação'. 3ª ed.,
Brasília, Fundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. http://www.funasa.gov. [ Links ]
Brasil 2001b 'Manual dos Centros de Referência de
Imunobiológicos Especiais'. 2ª ed., Brasília, Ministério da Saúde, Fundação
Nacional de Saúde. http:/www.funasa.gov. [ Links ]
Brasil 13. 7. 2001 Resolução RDC mp. 134, Anvisa,
Ministério da Saúde, http://www.anvisa.gov. [ Links ]
Brasil 1997 Normas de pesquisa envolvendo seres
humanos para a área temática de pesquisa com novos fármacos, medicamentos,
vacinas e testes diagnósticos. Resolução nº 251, de 7.8.1997 (DOU de
23.9.1997). Conselho Nacional de Saúde, Ministério da
Saúde. [ Links ]
Brasil 1995 'Princípios de Boas Práticas de Laboratórios'. Documentos
sobre Princípios das Boas Práticas de Laboratório e Credenciamento de
Laboratório. Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade
Industrial, Brasília, vol.
1. [ Links ]
Brasil 1988 'Manual de vigilância epidemiológica dos
eventos adversos após vacinação'. Brasília, Ministério da Saúde, Fundação
Nacional de Saúde. http://funasa.gov. [ Links ]
Brussiere, Jeanine L; MacCormick, George C. Green, James D.
1995 'Preclinical safety assessment. Considerations in vaccine development'. Em
Powell; Newman et al. (eds.), Vaccine design. The subunit and
adjuvant e approach. Neva York/Londres. Plenum Press, pp.
61-75. [ Links ]
Clemens, John D.; Naficy, A. e Rao, Malla R. 1997
'Long-term evaluation of vaccine protection: methodological issues for Phase
III and Phase IV studies'. Em M. M. Levine; G. Woodrow; J. B. Kaper; G. S.
Cobon (eds.), New generation vaccines. 2ª ed., Nova York/Basel/Hong
Kong, Marcel Dekker, Inc., pp.
47-67. [ Links ]
Daar, A. S. 2002 'Top ten biotechnologies for improving
health in developing countries'. Nature Genetics, nº 32, pp.
229-32. [ Links ]
Davis, Matthew M. Zimmerman, Jessica L. Wheeler, John R. C.
e Freed, Gary L. 2002 'Childhood vaccine purchase costs in the public sector:
past trends, future expectations'. Am. Journ. Public Health, nº 92, pp.
1982-7. [ Links ]
Edelman, Robert 1997 'Adjuvants of the future'. Em M. M.
Levine; G. Woodrow; J. B. Kaper e G. S. Cobon (eds.), New generation
vaccines. Nova York, Basel/Hong Kong, Marcel Dekker, Inc., 2ª ed., pp.
173-92. [ Links ]
Edelman, Robert 1997 'Adjuvants of the future'. Em M. M.
Levine; G. Woodrow; J. B. Kaper e G. S. Cobon (eds.) New generation
vaccines. Nova York, Basel/Hong Kong, Marcel Dekker, Inc., 2ª ed., pp.
173-92. [ Links ]
Ellis, Ronald W. 1999 'New technologies for making
vaccines'. Em S. A. Plotkin e W. A. Orenstein (eds.), Vaccines. W. B.
Saunders Co., 3ª ed., Filadélfia/Londres/Nova York/St. Louis/Sydney/Toronto.
pp. 881-901. [ Links ]
Ernst & Young Economics Consulting and Quantitative
Analysis 2000 'The economic contributions of the biotechnology industry to the
US economy'. Economics consulting and quantitative analysis. http://www.ernstyoung.org. [ Links ]
FAPESP 2001a 'Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação
e Produção Científica'. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo. http://www.fapesp.br,
pp. 3-6. [ Links ]
FAPESP 2001b 'Indicadores de Ciência, Tecnologia e
Inovação'. Pesquisa Científica e Inovação Tecnológica: Avanços e
Desafios . Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. http://www.fapesp.br,
pp. 1-4. [ Links ]
Foulkers, Gregory K. e Fauci Anthony, S. 2002 'Vaccine
research and development: the key roles of the National Institutes of Health
and others United States government agencies'. The Jordan Report 20th Anniversary.
Accelerated Development of Vaccines. NIH, NIAID, US Department of Health and
Human Services, pp. 97-102. [ Links ]
Foulkes, Mary A. e Ellenberg, Susan S. 2002 'Vaccine
efficacy and safety evaluation'. The Jordan Report 20th Anniversary.
Accelerated Development of Vaccines. NIH, NIAID, US Department of Health and
Human Services, pp
63-8. [ Links ]
Gadelha, Carlos G. 2002 Cadeia: complexo da saúde.
Estudo da competitividade de cadeias integradas no Brasil: impacto das zonas de
livre comércio. Campinas, NEIT-IE-Unicamp, 150p. [ Links ]
Gregersen, Jens-Peter 1997 'Vaccine development. The long
road form initial idea to product licensure'. Em M. M. Levine et alii (eds.), New
generation vaccines. Nova York/Basel/Hong Kong, Marcel Dekker, Inc. 2ª ed., pp.
1165-94. [ Links ]
Homma, Akira 1999 'Gestão de projetos biotecnológicos'. Em
Emerick e Valle (orgs.), Gestão de projetos biotecnológicos: alguns
tópicos. Rio de Janeiro,
Interciência. [ Links ]
Homma, Akira; Di Fabio, José e De Cuadros, Ciro 1997
'Producción de vacunas para la prevención de las IRA: panorama regional'.
Organización Panamericana de la Salud/Organización Mundial de Salud. Serie
HCT/AIEPI-1:143-163. [ Links ]
Homma, Akira; Di Fabio, José; Miranda, Dario P. e Oliva,
Otavio P. 1995 'Producción de vacuna DTP en las Américas'. Boletín de la
Oficina Sanitaria Panamericana, nº 118, vol. 1, pp. 24-40. [ Links ]
Homma, Akira e Knouss, Robert 1994 'The transfer of vaccine
technology to developing countries: the Latin American experience. Vaccines and
Public Health, Assessing Technologies and Public Policies'. Intl. J. Tech.
Ass. Health Care, 10(1):47-54, Cambridge University
Press. [ Links ]
IOM 1986 'New vaccine development. Establishing
priorities. Disease of importance in developing countries. Washington,
D.C., Institute of Medicine, National Academy Press, vol.
II. [ Links ]
Liu, Margareth A.; Ulmer, Jeffrey B. e O'Hagan, Dereck 2002
'Vaccine tecnologies'. The Jordan Report 20th Anniversary.
Accelerated Development of Vaccines. NIH, NIAID, US Department of Health and
Human Services, pp.
39-44. [ Links ]
Poolman, Jan. Berthet F.-X. 2002 'Altenative vaccine
strategies to prevent serogroup B meningococcal diseases'. Vaccine, nº 20,
supl., pp. 24-6. [ Links ]
Vogel, Frederick R. e Alving, Carl R. 2002 'Progress in Immunologic
Adjuvant Development 1982-2002'. The Jordan Report 20th Anniversary.
Accelerated Development of Vaccines. NIH, NIAID, US Department of Health and
Human Services, pp.
47-51. [ Links ]
Recebido para publicação em abril de 2003
Arprovado para publicação em julho de 2003
1 Produto Interno Bruto inferior a cem
mil dólares.
2 O México está negociando a venda do
laboratório público produtor de vacinas Birmex, inserido na estrutura do
Ministério da Saúde, para uma grande multinacional.
3 Uma análise detalhada sobre a situação
mundial e nacional da produção de vacinas está em Temporão, (2002).
4 Laboratórios produtores de vacinas:
Instituto Butantan – DTP, DT, TT, influenza, hepatite B, BCG, raiva humana;
Bio-Manguinhos/Fiocruz – febre amarela, sarampo, poliomielite, meningite meningocócica,
soro-grupos A e C e tetravalente DTP+Hib; Fundação Ataulfo de Paiva (FAP) –
BCG; Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) – raiva para uso canino.
5 Vacina contra poliomielite, de vírus
vivos atenuados, a partir de concentrados virais importados.
6 A seqüência genética do antígeno é
definida; são analisadas as seqüências protéicas de interesse, estudando-se
suas propriedades imunológicas e biológicas; ou seja, ao contrário da
metodologia clássica, que parte de vírus ou bactérias inteiras submetidos a
passagens sucessivas para atenuação, a tecnologia reversa parte de seqüência de
genes de proteínas de interesse.
7 Âncoras são instituições com
reconhecida capacidade de produção e inovação tecnológica.
8 Pneumolisina é uma proteína
citolítica produzida por todos os pneumococos; PspA é a proteína A de
superfície presente nos isolados de pacientes; PasA é a proteína de superfície
adesina, relacionada à toxicidade da bactéria.
9 Varíola, doença provocada pelo vírus
do gênero Orthopoxvirus, família Poxviridae, que inclui agentes
da varíola, monkeypox, cowpox, camelpox e ectromelia. O
vírus cowpox da mesma família da varíola deu origem à vacina.
10 Monografia do produto são todas as
informações relativas à doença para a qual a vacina está sendo desenvolvida,
incluindo a documentação laboratorial sobre caracterização do antígeno,
formulação da vacina, dados pré-clínicos e clínicos. É o documento básico para
o registro da vacina.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702003000500011&script=sci_arttext
Referências
https://youtu.be/A7n9gqiyJvo
https://www.youtube.com/watch?v=A7n9gqiyJvo
https://www.youtube.com/watch?v=Jl18GmGOyiI
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702003000500011&script=sci_arttext
Nenhum comentário:
Postar um comentário