quarta-feira, 15 de maio de 2019

Muro de Arrimo


Carlos Queiroz Telles
Teatro

Data de nascimento de Carlos Queiroz Telles:09-03-1936 Local de nascimento:(Brasil / São Paulo / São Paulo) |  Data de morte17-02-1993 Local de morte:(Brasil / São Paulo / São Paulo)


Carlos Queiroz Telles , 1979
Registro fotográfico autoria desconhecida


“(...) Tomando uma notícia de jornal como inspiração, o autor enfoca em A Bolsinha Mágica de Marly Emboaba, a vida de uma prostituta de baixa condição, tomando o fato como um pretexto para falar sobre o milagre econômico em curso, levado à cena em 1975. No mesmo ano, tema assemelhado está em Muro de Arrimo - monólogo sobre um operário da construção civil que, enquanto levanta um muro, ouve um jogo de final de campeonato da seleção brasileira de futebol -, agudo contraponto entre suas duras condições de vida e as expectativas de um ilusório futuro de glórias. Alinhada à resistência, a montagem de Antônio Abujamra traz Antonio Fagundes como protagonista, em desempenho elogiado e premiado. (...)”

Em busca de José

Cova 312

Muro de Arrimo”: o primeiro monólogo de Antonio Fagundes
Em 1975, o ator, além de protagonizar, também levantou a produção da peça escrita por Carlos Queiroz Telles
Por Dirceu Alves Jr.
access_time16 fev 2017, 17h16 - Publicado em 16 fev 2017, 17h05


Antonio Fagundes em "Muro de Arrimo": peça de 1975 (Arquivo pessoal/)

Muro de Arrimo não foi apenas o primeiro monólogo protagonizado por Antonio Fagundes. Representou também a estreia do ator como produtor de bem-sucedidos espetáculos. A peça de Carlos Queiroz Telles, dirigida por Antonio Abujamra, ganhou o palco em novembro de 1975 no Teatro Aliança Francesa.

A trama era centrada em um pedreiro que, ao contrário dos engenheiros e do mestre de obras, não foi liberado para torcer pelo Brasil em um jogo decisivo da Copa do Mundo. A temática social levantada por Fagundes despertou polêmica, e o artista caprichou no realismo para impressionar a plateia.


  
O cenógrafo Elifas Andreato criou um muro de 2 metros  por 1,80 metro , que seria erguido pelo personagem gradualmente durante a peça. Fagundes manuseava uma massa – uma mistura de cal, areia e água – para tornar mais verdadeira ainda a ação do pedreiro na construção do muro. Ele mesmo voltou a montar o texto em 1989.

Mais de quatro décadas depois, Fagundes segue exigente na escolha de seu repertório e consagrado também no papel de produtor. A comédia Baixa Terapia, que estreia em 17 de março no Tuca, é o seu próximo espetáculo. O artista também vai ser homenageado na próxima edição do Prêmio Shell, em março, pelo conjunto da obra.



Em busca de José
Muro de Arrimo: a luta por vestígios do pedreiro que morreu de desgosto com a derrota da seleção e virou peça

DANIEL LISBOA COLABORAÇÃO PARA O UOL, EM SÃO PAULO... - Veja mais em https://www.uol/copadomundo/especiais/em-busca-de-jose-a-historia-da-peca-muro-de-arrimo-e-sua-ligacao-com-a-copa.htm#em-busca-de-jose?cmpid=copiaecola

Um pedreiro pobre e anônimo. Uma peça premiada. Cresci escutando a história de um pedreiro que teria se matado porque a seleção brasileira foi eliminada da Copa. Minha mãe namorou um famoso dramaturgo que escreveu uma peça baseada na história desse pedreiro. Isso aconteceu em 1974, e a verdade é que nunca perguntei muito a respeito. O cara se matou mesmo? E por que exatamente? Será que havia uma aposta, tratou-se de uma questão financeira? Afinal, a derrota por 2 a 0 para a Holanda naquele ano não está entre as mais traumáticas da história do nosso futebol. 

O nome da peça é Muro de Arrimo. Um pedreiro vai construindo um muro enquanto conversa com a plateia. O monólogo foi encenado e produzido por Antonio Fagundes e dirigido por Antônio Abujamra. Elifas Andreato criou seu cenário e cartaz. A obra ganhou os prêmios Molière e Anchieta de melhor autor, dezenas de montagens no Brasil e exterior e tradução para pelo menos doze idiomas.

O personagem de carne e osso que o inspirou, porém, permanece desconhecido até hoje.  

Tudo começou com uma nota de jornal. Carlos Queiroz Telles, o autor da peça que por pouco foi meu pai, leu sobre o trágico caso e decidiu adaptá-lo para os palcos.

O nome do pedreiro é José Ribeiro. Ele morava em Guarulhos, na Grande São Paulo. Morreu vinte e três dias depois da desclassificação brasileira: em 26 de julho de 1974.

Eu finalmente tomei vergonha e fiz as tais perguntas. Esta é a história sobre o que eu descobri.

Começa a busca Comecei da maneira mais difícil: pesquisando em arquivos de jornal, sendo que minha mãe tinha em casa o livro com o texto da peça. A edição tem uma reprodução da nota de jornal que inspirou Queiroz Telles.

Pelo menos, acertei o jornal de primeira. Foi “O Estado de S.Paulo” que publicou, em sua página 47 do dia 28 de julho de 1974, uma pequena matéria com o título “O pedreiro morre, de desgosto pela seleção”.

A nota conta que José Ribeiro, de 35 anos, “morreu de desgosto em Guarulhos, deitado em uma bandeira do Brasil salpicada de sangue em volta das palavras ordem e progresso”. Segundo o jornal, o pedreiro "não resistiu à decepção de ver a seleção humilhada na Copa e, já muito fraco, ontem foi vítima de um enfarte”.

A matéria não é assinada, e muita coisa me vem à cabeça quando a leio. Morrer enrolado na bandeira do Brasil? Como tinha sangue se ele morreu de enfarte? Aliás, como é possível cravar que ele morreu de desgosto pela seleção? E como assim a seleção foi humilhada na Copa? Fico imaginando o fim pavoroso de José se ele estivesse vivo em 2014.

Nada do que digo é para criticar a reportagem. Era uma outra época. Mas estes detalhes chamam a atenção de quem, como eu, quer entender o que aconteceu.

Relata ainda a matéria que José tinha oito filhos com sua esposa, Sonia Oliveira Houvatti, cinco meninos e duas meninas, então com idades entre 1 e 11 anos, e um recém-nascido. Sonia, inclusive, ainda estaria no hospital “sem saber de nada” após dar à luz. Os filhos teriam escutado um “estranho ruído” durante a madrugada e, ao olharem para onde dormia o pai, o flagraram sofrendo de “estranhas convulsões”.

A bandeira brasileira estava estendida “sob a cabeça” de José, e foram também as crianças que disseram à polícia que “José Ribeiro era muito patriota e sempre lhes falava do amor que deveriam ter com o país”.

O pedreiro teria se preparado muito para acompanhar a seleção na Copa do Mundo e ficado “cheio de mágoas” e “cada dia mais acabrunhado” quando o time terminou em quarto lugar.

Hoje consigo entender porque Queiroz Telles se inspirou pela história. Tudo o que há de mais brasileiro está contido nela: futebol, decepção, pobreza, morte prematura.

Minha grande chance: os filhos

Além de aumentar minha curiosidade sobre o caso de José, a matéria me forneceu informações preciosas. Agora eu sabia até em que rua ele morava, em qual cemitério foi enterrado e, com o monte de filhos que ele deixou, eram grandes minhas chances de conseguir encontrar pelo menos um deles.

Visualizei esse encontro algumas vezes: eu, cara a cara com os filhos de José, contando que a morte do pai deles originou uma peça famosa e premiadíssima, que inclusive o Antonio Fagundes fez o papel do pedreiro.

Imagino um filho de José, já um adulto envelhecido, se emocionando ao saber disso, talvez até chorando. Então eu o abraçaria, satisfeito e vaidoso em ser a pessoa que, de alguma maneira, levou algum sentido à morte do pedreiro patriota que morreu pobre e anônimo.

Para ser bem sincero, fico imaginando até um encontro entre esses filhos e Antônio Fagundes, uma reunião histórica e cheia de lágrimas 43 anos depois da peça entrar em cartaz.

A primeira pista

Decidi que a primeira tarefa, na verdade a essencial, seria descobrir os nomes dos filhos de José. Cemitério Campo Santo, em Guarulhos, eis onde provavelmente eu os conseguiria. Ligo lá, me apresento, compartilho todas as informações e eles não conseguem ajudar. Confirmam que José de fato foi enterrado lá, mas não há qualquer menção aos filhos nos documentos do cemitério. Afinal, já faz muito tempo, dizem.

Tento então com a assessoria de imprensa dos cartórios em São Paulo. Desta vez, o rapaz que me atende diz que, talvez, conseguirá o que preciso. Faz sentido: teoricamente, ele tem acesso a uma grande base de dados. Os dias passam e nada de resposta. Ligo novamente e ele diz que não, não achou os nomes dos filhos do pedreiro. Me envia o print da tela com os dados referentes a ele. Não tem quase nada, apenas a data da morte e os nomes dos pais de José: Francisca Ribeiro e Allbertina Ribeiro.

Agora, porém, tenho em mãos uma nova informação: o cartório em Guarulhos onde a morte de José foi registrada. 

"Morte indeterminada"

Falo com Sidney, o responsável pelo cartório, e ele explica que a melhor maneira de achar o nome dos filhos de José é pedir uma versão especial da certidão de óbito. É mais completa, mas assim mesmo não tenho garantia nenhuma de que o nome de algum dos oito filhos esteja no documento.

Resolvo arriscar, afinal não tenho muitas opções, Vou até o cartório. Espero alguns dias para a certidão ficar pronta, mas ao final a notícia é boa: o documento tem os nomes dos filhos. Peço para que me enviem por e-mail e lá estão eles: Joilda Holvati Ribeiro, um ano à época, José Carlos Ribeiro, dois anos, Edneia Ribeiro, três anos, Vanda Ribeiro, seis anos, e um “recém-nascido sem nome”.

Provavelmente, você já notou algo estranho: a matéria fala em oito filhos. A certidão de nascimento só traz o nome de cinco.

Talvez os outros três não fossem filhos biológicos, talvez o repórter se confundiu, mas isso não é a única coisa estranha no documento. A certidão menciona “causa da morte indeterminada” e “morte natural”.

Se a seleção causou um enfarte no pedreiro, os médicos responsáveis por seu atestado de óbito não descobriram. José não deixou bens nem testamento.

“Muro de Arrimo é um texto muito importante para mim, histórico. Foi minha primeira produção. Era um personagem maravilhoso. A peça tinha um uma construção em cima do palco, um praticável com uns dois metros de altura, sobre o qual eu ia construindo o muro. Isso dava a impressão de que você realmente estava no último andar de um prédio.”
Antonio Fagundes

“O cenário era uma coisa impactante porque era todo revestido como se estivéssemos mesmo numa obra. E fiz o famoso cartaz do pedreiro morto enrolado com a bandeira do Corinthians. Usamos a do time porque não podíamos usar a do Brasil. Fomos censurados, fui avisado de que sofreríamos punições.” 
Elifas Andreato.

Filhos estão vivos.

Mas não existem Evidentemente, a primeira coisa que fiz foi buscar pelos nomes dos filhos na internet. Grande decepção. Vivemos com essa convicção de que não existe algo ou alguém neste mundo que não é encontrável no mundo virtual, mas isso não é verdade para filhos de um pedreiro que morreu na periferia de Guarulhos em 1974.

A não ser por alguns homônimos que eu descarto por não terem a idade que os filhos teriam hoje, e sites com menções à peça, não encontro vestígio algum dos parentes de José. É como se nunca tivessem existido.

Volto a falar com o assessor dos cartórios, envio a certidão de óbito e pergunto se ele pode ajudar a descobrir pelo menos se os filhos estão vivos.

“Não encontrei mais nada sobre eles. Mas, sim, estão vivos. Pelo menos, não encontrei nenhum atestado de óbito com os nomes.”

Fico um pouco confuso.

Na cova de José

Se eu não conseguiria descobrir mais nada sobre José, ao menos visitaria locais que, de algum modo, estavam vinculados a sua história. O primeiro foi o cemitério Campo Santo em Guarulhos.

Na recepção, esperava que ao menos me dissessem onde estava o túmulo do pedreiro. A reação da atendente me fez acreditar que nem isso eles saberiam. Parecia que eu pedia a localização de uma ossada clandestina. Ao jogar os dados de José no sistema, porém, ela pareceu surpresa em saber que não era uma tarefa impossível.

Fico sabendo que nem túmulo José tem mais: como já estava ali há muito tempo, fora transferido para o ossário. Qual ossário? O cemitério tem quatro. Não sabiam qual era o ossário exatamente. “Provavelmente o mais antigo”, me dizem. E qual é o mais antigo? “Não sei direito, tem que perguntar aí.”

Mas a atendente descobre onde José esteve enterrado antes de ser misturado a outras pilhas de ossos: cova  J-6-3.

Pergunto para um funcionário onde fica esse túmulo e ele, muito gentilmente, desce do trator onde está montado para me levar até lá. Subimos um morrinho cheio de covas recém-preparadas para novos moradores. Terra revolvida, aspecto meio sujo e desolador.

É um cemitério municipal, sem luxos. Muitos dos enterrados ali sequer têm uma lápide, uma florzinha. Mas algo me chama a atenção: muitos túmulos têm símbolos de times de futebol. Especialmente do Corinthians. Talvez eu até já tenha visto isso em outros cemitérios, mas nunca nesta proporção.

O simpático funcionário me deixa diante de onde um dia esteve enterrado o homem que inspirou “Muro de Arrimo”. O aspecto é ainda pior naquele pedaço específico. A cova J-6-3 está uma zona. É difícil saber se a terra foi preparada para um novo enterro ou se tem alguém lá que sequer mereceu uma plaquinha.

A cova ao lado é de uma criança. Chamava-se Lincoln, e os únicos adornos são alguns brinquedos e uma plaquinha de madeira, daquelas que as crianças têm no quarto, com seu nome. E o símbolo do São Paulo.

O cenário todo só reforça minha ideia de como José, o patriota, provavelmente teve uma vida triste e medíocre. Morreu cedo, não tinha nada para deixar para os filhos e a mulher, não sabem nem em qual ossário estão seus restos e, segundo a mulher da recepção, parece que jamais visitaram seu túmulo.

Onde está o número 13?

A última chance de encontrar alguma coisa a mais sobre José, mesmo consciente de que se tratava de uma possibilidade remota, era no endereço em que, de acordo com a certidão de óbito, vivia o pedreiro: rua Antonio Artoni número 13.

A via sai de uma avenida movimentada em direção a um bairro residencial de classe média baixa. Ao chegar, já descubro que o número 13 não existe. Escolho aleatoriamente uma casa para bater. Uma de aparência antiga, afinal vou fazer perguntas sobre alguém que morou no bairro há mais de quatro décadas.

Sai uma senhora que diz que não pode me ajudar, mas que uma outra senhora ali na esquina pode. Vou até lá e me indicam uma outra senhora que, dizem, mora na rua há mais de 50 anos. Nenhuma casa tem campainha, e fico atravessando a rua de lá para cá, batendo palma na frente dos portões.

Mais uma vez, a pessoa indicada nunca ouviu falar de José, mas sou informado de algo importante: a numeração da rua mudou faz tempo e estou do lado errado dela. O antigo número 13 provavelmente está na outra ponta da via.

Sigo a pé pela Antonio Artoni e começo a reparar que algumas casas ainda têm a indicação do número antigo. Me empolgo: quem sabe dou sorte. Teoricamente, estou na altura do que um dia foi o número quarenta. Bato em mais umas três casas, falo com gente que mora na rua desde muito antes de 1974, mas ninguém lembra de um pedreiro com um monte de filhos que morreu enrolado na bandeira do Brasil.

O aeroporto de Cumbica/Guarulhos está ali do lado e o barulho dos aviões decolando me atrapalha. Sou um estranho berrando no portão perguntas sobre um cara que supostamente viveu ali há 44 anos e virou uma peça.

Em um boteco, uma mulher esclarece que as numerações antigas se referem aos números dos lotes adquiridos pelas pessoas que foram morar ali. 7A, 11B, 18, 21. As numerações que ainda resistem, pintadas toscamente em muros e portões, insistem em indicar que estou muito perto de onde morou José.

Mas o 13 não aparece.

Ninguém sabe onde era o 13.



Cova 312



Autora: Daniela Arbex
Gênero: Reportagem
Acabamento: Brochura
Formato:  16 x 23 cm
Págs: 344
Peso: 485g
ISBN: 978-85-8130-273-7
Preço:  R$ 42,00
E-book
ISBN: 978-85-8130-274-4
Preço: 26,50 



Sinopse:
Menos de dois anos depois de seu surpreendente best-seller de estreia, “Holocausto  brasileiro”, Daniela Arbex volta com mais um livro corajoso e revelador. Escrito como um romance, nele se conta a história real de como as Forças Armadas mataram pela tortura um jovem militante político, forjaram seu suicídio e sumiram com seu corpo. Daniela Arbex reconstitui o calvário deste jovem, de seus companheiros e de sua família até sua morte e desaparecimento. E continua investigando até descobrir seu corpo, na anônima Cova 312 que dá título ao livro. No final, uma revelação bombástica muda um capítulo da história do Brasil. Uma história apaixonante, cheia de mistério, poesia, tragédia e sofrimento.
Leia o primeiro capítulo
Book trailer 



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DANIELA ARBEX VOLTA ÀS LIVRARIAS COM MAIS
UM LIVRO CORAJOSO E REVELADOR, COVA 312
• A revelação do ano
• O maior furo jornalístico dos últimos tempos
• Emoção da primeira à última página
• Da mesma autora de Holocausto Brasileiro, com 100 mil exemplares vendidos
• O passo a passo de uma investigação jornalística
• Cara a cara com personagens sombrios da história brasileira
• Um crime forjado pelo Exército Brasileiro
• O fim de um mistério
Daniela Arbex volta às livrarias com este seu segundo livro, Cova 312 – A longa jornada de uma repórter para descobrir o destino de um guerrilheiro, derrubar uma farsa e mudar um capítulo da história do Brasil (344 páginas, R$ 39,90, com prefácio do escritor Laurentino Gomes) – menos de dois anos depois de seu premiado e surpreendente livro de estreia, Holocausto Brasileiro, que chocou e comoveu mais de 100 mil leitores no Brasil e em Portugal. Agora, ela desce ao submundo das prisões da ditadura para revelar um segredo militar: o destino do corpo de um militante político preso em 1967 e nunca mais visto.
Histórias como esta alguém poderia argumentar que existem várias: a ditadura militar prendeu, torturou, matou e desapareceu com muitos corpos até hoje reclamados por seus familiares. Mas como a história é narrada como um romance, misto de poesia e tragédia, por uma das maiores jornalistas investigativas do Brasil, o resultado não poderia mesmo ser comum. Em Holocausto Brasileiro, Daniela revelou o sofrimento dos 60 mil mortos num hospício de Minas Gerais e levou os leitores à revolta e às lágrimas com as tristes, comoventes histórias de uns poucos que sobreviveram e puderam contar suas doloridas experiências.
Em Cova 312, ela vai contar a história de uma só pessoa: o jovem (26 anos) Milton Soares de Castro, integrante do primeiro e frustrado grupo de guerrilha pós golpe de 64. A guerrilha — que jamais aconteceu — teria início na Serra do Caparaó, com apoio de Cuba e do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado do presidente deposto João Goulart. Mas Milton foi preso em 1967 e conduzido para a Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, Minas Gerais, para viver seu horroroso calvário. Ali morreu. Os militares forjaram documentos informando que se suicidara e o corpo desapareceu.
“O tema pode parecer pesado e, como trata de episódio ainda mal resolvido da história recente brasileira, difícil de digerir. Seria assim, não fosse a capacidade prodigiosa de Daniela Arbex de transformar histórias trágicas em uma narrativa fluida, atraente, poética e, em alguns momentos, até divertida…”, escreve no prefácio, o escritor Laurentino Gomes.
Dentro dos muros daquela prisão existia um mundo secreto, estranho e terrível, cheio de opressão, injustiça, desesperança, sofrimento e horror. Daniela Arbex toma todos esses aspectos conflituosos e contraditórios para reconstituir magistralmente a curta vida, a morte e desaparecimento do corpo de Milton. Aos poucos ela vai revelando também a cinzenta rotina da prisão: torturas, resistência, amores, sofrimentos, pequenas e efêmeras alegrias que jamais se completavam. Mais de 20 personagens passam por aqui, entre eles alguns que sobreviveram e se tornaram bem conhecidos, como o ex-ministro Fernando Pimentel, que se elegeu prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais; Gilney Viana, que se elegeu deputado; Fernando Gabeira, ex guerrilheiro, escritor, deputado e jornalista; e Márcio Lacerda, que enriqueceu como empresário e se tornou depois também prefeito de Belo Horizonte.
Uma investigação que poderia ser rigorosamente fria transforma-se, nas mãos de Daniela, numa história cheia de ação e sentimentos. Ela vai longe: primeiro, descobre como Milton foi preso e quem era ele, seus sonhos, suas esperanças; depois, ela entrevista sobreviventes dos dois lados — oprimidos e opressores — e revela como foi a vida na prisão e como os militares montaram uma fraude para esconder seus crimes.
A jornalista cumpre com seu dever e revela como os fatos realmente aconteceram. Finalmente, descobre como Milton foi morto e como seu corpo desapareceu. Mas, não satisfeita com isso, ela passou anos atrás do corpo — 35 anos depois de seu desaparecimento — até encontrá-lo na Cova 312, que dá título ao livro. Ao final, revela — com documentos — a vergonhosa farsa: a ditadura havia mesmo forjado laudos que atestavam o falso suicídio de Milton Soares de Castro para assim ocultar o vergonhoso e cruel assassinato.
Uma história temperada de tragédia e emoção. Durante 35 anos os parentes de Milton ficaram sem notícias dele. Durante 35 anos sua mãe buscou pelo corpo do filho querido nas prisões da ditadura, onde só ouvia “nãos”. E assim, doloridamente, ela morreu. Sem poder se despedir daquele corpo que se encontrava, havia três décadas, na anônima Cova 312.
Sobre a autora
@Fernando Priamo

Daniela Arbex é uma das jornalistas mais premiadas de sua geração. Seu livro, o best-seller Holocausto brasileiro, foi eleito Melhor Livro-Reportagem do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (2013) e segundo melhor Livro-Reportagem no prêmio Jabuti (2014). Com mais de 200 mil exemplares vendidos no Brasil e em Portugal, a obra ganhou as telas da TV em 2016, no documentário produzido com exclusividade para a HBO, com exibição em mais de 40 países. Seu mais recente sucesso, Cova 312, também venceu o prêmio Jabuti em 2016 na categoria livro-reportagem. Daniela tem mais de 20 prêmios nacionais e internacionais no currículo, entre eles três prêmios Esso, o americano Knight International Journalism Award (2010) e o prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina (2009). Há 21 anos trabalha no Jornal Tribuna de Minas, onde é repórter especial.
Leia também:





Referências

http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/013302007669.jpg
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa359444/carlos-queiroz-telles
https://abrilvejasp.files.wordpress.com/2017/02/murodearrimo-e1487272572990.jpg?quality=70&strip=info&resize=680,453
https://youtu.be/GAjVfvKsA_Y
https://vejasp.abril.com.br/blog/dirceu-alves-jr/muro-de-arrimo-antonio-fagundes-teatro-monologo/
 https://www.uol/copadomundo/especiais/em-busca-de-jose-a-historia-da-peca-muro-de-arrimo-e-sua-ligacao-com-a-copa.htm#em-busca-de-jose?cmpid=copiaecola
https://www.uol/copadomundo/especiais/em-busca-de-jose-a-historia-da-peca-muro-de-arrimo-e-sua-ligacao-com-a-copa.htm#onde-esta-o-numero-13
http://geracaoeditorial.com.br/wp-content/uploads/2015/05/Cova312-675x1024.jpg
 http://geracaoeditorial.com.br/wp-content/uploads/2015/05/Selos-Jabuti_premiado-300x225.png 
https://youtu.be/q_8XVsYyuhc
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http://geracaoeditorial.com.br/cova-312/

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