sexta-feira, 17 de maio de 2019

Cotovia


Com a chegada do modernismo, Manuel Bandeira, poeta antenado com seu tempo, foi obrigado a mudar o tom de sua poesia melancólica, pois não havia mais espaço, na nova escola poética, para os versos desesperançosos de A cinza das horas. 

Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.



O canto da Cotovia

“A cotovia é tida como "anjo da primavera que voa alto nos céus, desperta a esperança onde quer que vá com seu canto belo e inigualável.” Nana Pereira




- Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?
- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
- Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .

- E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

- Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.

- Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!

- Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.



Cotovia (Manuel Bandeira)
“Cotovia”

Alô, cotovia !
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixastes ?

- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento.
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe ...
Voltei, te trouxe a alegria.

- Muito contas, cotovia !
E que outras terras distantes
Visitastes ? Dize ao triste.

- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, bahia ...

- Voei ao Recife, no cais
Pousei na rua da Aurora.

- Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais !

Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo :
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.


Análise do poema :

Cotovia contagia-se deste mundo imaginado, surreal, que não existe. Da esperança deste encontro por trazer novas notícias, de lugares desconhecidos. Tem a melancolia e a tristeza de anos passados que não voltam mais. Este pássaro europeu que viaja por países e continentes, indo parar na terra natal de Bandeira. Logo, existe um retrocesso a sua infância, exibindo cenários conhecidos desta sua época. A busca por notícias, por acontecimentos, dá a impressão de que existe esperança. Por um outro lado, temos a marca desta alegria perdida, que não volta mais. Então, existe esta crença ou acomodação de que o mundo adulto torna-se por vezes sem graça, triste, melancólico e que não valeria a pena. São as marcas de tristeza que estão no cotidiano da obra de Bandeira. Agora, vemos também em Cotovia uma alegoria desta ave trazendo notícias de outros continentes, indo para o Recife. Novidades, ares novos, sair da mesmice. Ela nos dá esta sensação, de resgatar os sentimentos tão caros ao homem como a alegria e a tradição.

_umberto.alitto



A FRUSTRAÇÃO NA POESIA DE MANUEL BANDEIRA
Máxima de Oliveira Gonçalves - Colégio Pedro II /CPII
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é mostrar como o poeta Manuel Bandeira abordou o tema da frustração em sua obra. Indiscutivelmente, esse sentimento de fracasso está associado a um fato marcante em sua vida pessoal: ter adoecido de tuberculose ainda muito jovem. Assim, a distância entre o que o poeta aspirava a alcançar e o que de fato consegue realizar, mediante o recolhimento forçado pela doença, desencadeia um sentimento de frustração que permeará toda sua poesia.
Como a morte tardasse a chegar, Bandeira busca novas saídas para sua existência, e, por conseqüência, para a sua poesia. A partir daí, desvincula-se dessa vertente romântica e passa a ver a vida não só como sofrimento, mas também como alegria.
Para tanto, Bandeira procura compensações para sua vida tão limitada pela doença, e a primeira grande compensação será a própria poesia. Ela se tornará veículo de sua realização.
Com efeito, essa poesia com poder de preencher sua existência esvaziada ganhará nova roupagem, e passará a tratar o tema da frustração com ironia. Esse tratamento irônico do trágico será uma segunda compensação.
A terceira e última compensação abordada será a tentativa de evasão, de recuperar o tempo da vida plena, a infância. E será por meio da poesia que Bandeira irá resgatar esse tempo de criança.

(...)

5. A INFÂNCIA: EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO
O resgate da infância foi mais uma das tendências que a poesia bandeiriana seguiu após a tomada de consciência de que a morte, esperada desde os dezoitos anos estava tardando demais a chegar e que, por causa disso, era preciso encontrar saídas para sua existência. Essa volta ao passado só foi possível através da poesia:
Ao evocar as cenas e as personagens que estruturam vida e obra do poeta, a poesia reconstrói epifanicamente a infância enquanto fenômeno iluminado. A memória se abre para o que há de mais recôndito na esfera íntima e reacende cantos biográficos escuros, mas nunca esquecidos. São mais do que lembranças. Elas parecem pertencer tanto a um universo mágico, quase mítico, quanto à dimensão do que há de mais real em Bandeira. A vida adulta, então, torna-se um constante aceno ao passado, a esse passado que hoje está desaparecido na realidade, vívido no imaginário e reatualizado enquanto ausência que se materializa na poesia.( ROSENBAUM, 1993:42)
Desse modo, a infância não é retomada de uma forma idealizada, mas representa um tempo concreto vivido plenamente pelo poeta:a infância é o lugar da felicidade. Na busca de compensações para sua vida permeada de perdas e frustrações, Bandeira se volta para a sua meninice e transforma em matéria artística toda a magia desse tempo. É o que se percebe em “Cotovia”, de Opus 10:

? Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixaste?
? Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento.
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe...
Voltei, te trouxe a alegria.
? Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
? Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia...
? E esqueceste Pernambuco,
Distraída?
?Voei ao Recife, no Cais
Pousei da Rua Aurora.
? Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais!
? Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
? Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.

A estrutura de “Cotovia” é composta de um diálogo em que as estrofes alternam as falas entre o poeta e uma ave migratória, a cotovia. Durante esse diálogo, o poeta interroga cotovia sobre os lugares visitados ? “Por onde andaste,/Que tantas saudades me deixaste?”, e ela, por sua vez, responde que andou por terras distantes. Ao listar esses lugares — “— Líbia ardente, Cítia fria,/Europa, França, Bahia...” —, Bandeira apropria-se do texto alheio, pois “? Líbia ardente, Cítia fria,” refere-se a Camões:
Põe-me em perpétuo e mísero desterro
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente (CAMÕES, 1988:87)
e “Europa, França e Bahia” a Carlos Drummond de Andrade, pois esse verso é título de um de seus poemas. Mais adiante incorpora em seu poema versos de Casimiro de Abreu: “ ? Aurora da minha vida,/Que os anos não trazem mais.
Ao ouvir da cotovia que ela esteve na rua Aurora ? “Voei ao Recife, no Cais/Pousei na Rua Aurora”—, desencadeia em sua memória a lembrança do tempo feliz de sua meninice “? Aurora da minha vida,/Que os anos não trazem mais!”.
Sendo assim, é possível interpretar a cotovia como a própria poesia, uma vez que foi no plano poético que Manuel Bandeira recuperou a alegria da infância:
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
? Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.
As referências a poetas como Camões, Carlos Drummond de Andrade e Casimiro de Abreu reforçam essa tese de que a poesia fala por meio da cotovia, pois o arcabouço poético de Bandeira se formou a partir da leitura e da apropriação dos textos de grandes mestres. Outro dado deste poema que reitera essa leitura é a possível alusão feita a Pasárgada: “Em sítios, que nunca viste,/De um país que não existe.../Voltei te trouxe a alegria.”

6. CONCLUSÃO
Pretendeu-se mostrar neste trabalho que Manuel Bandeira, por conta de sua saúde frágil, foi obrigado a levar uma vida bastante limitada, que o impediu de realizar as coisas mais banais, que toda pessoa é capaz de fazer e que para ele só se tornaram possíveis no mundo sonhado de Pasárgada. A tuberculose não o matou, no entanto sua condição de tísico o impediu de realizar muitos de seus projetos. Em carta a Mário de Andrade, confessa sua frustração diante dessa impossibilidade:
Perguntas pelos meus poemas e pelos meus projetos. Não tem projetos quem vive como eu ao Deus dará do amanhã. Sabes o que me disse o médico de Cladavel quando me auscultou pela última vez em 1914? Que eu tinha lesões teoricamente incompatíveis com a vida . O meu organismo acabou espontaneamente vacinado contra a infecção tuberculosa, mas fiquei um inválido. Sou incapaz de um esforço seguido. Se essa mesma arte fragmentária dos meus poemetos me desnerva? Cada uma dessas pequenas coisas que já fiz representa um momento de paixão. Como eu teria vontade de fazer prosa, de escrever dois ou três romances! Isto então é completamente impossível.(MORAES, 2000:94)
Contudo, as limitações físicas e existenciais impostas pela tuberculose não foram as únicas matrizes de suas frustrações. Seu destino foi mais cruel: a morte levou muito cedo toda sua família, seguidamente morreram sua mãe, sua irmã, seu pai e seu irmão. Essas mortes ficaram registradas em seus poemas, como “A minha irmã”, “Elegia para minha mãe”, “Sonho branco” e “A dama branca”.
Desse modo, Manuel Bandeira foi acumulando ao longo de sua vida uma série de frustrações. A primeira delas foi ter deixado de lado o sonho, tal como desejava seu pai, de ser arquiteto; Bandeira adoece quando inicia seus estudos, em São Paulo, na Escola Politécnica. Por causa da doença é obrigado a abandonar os estudos para se tratar e, a fim de ocupar seu tempo ocioso, resolve dar continuidade a sua antiga e diletante atividade de fazer poemas. Assim, acaba tornando-se poeta acidentalmente, por fatalidade, como ele mesmo afirmou em Itinerário de Pasárgada. De uma certa forma, o arquiteto não morreu de todo, uma vez que passou a criar outras realidades, tornando-se um arquiteto da palavra. A poesia tornou-se, talvez, a mais importante compensação para as frustrações de sua vida.
Manuel Bandeira entra definitivamente para o mundo poético tendo como via de acesso uma contingência de sua vida pessoal; inevitavelmente a frustração foi uma temática recorrente em sua obra, e coube a ela desencadear outros temas.
Num primeiro momento, o da publicação, em 1917, de A cinza das horas, vê-se um poeta profundamente melancólico com o seu destino trágico; seus versos estão impregnados de tristeza. Estabelece-se uma correspondência, em sua obra, entre sua vida e estética literária, uma vez que, nas primeiras décadas do século passado, ainda estava em voga o penumbrismo das tendências parnaso-simbolistas.
Com a chegada do modernismo, Manuel Bandeira, poeta antenado com seu tempo, foi obrigado a mudar o tom de sua poesia melancólica, pois não havia mais espaço, na nova escola poética, para os versos desesperançosos de A cinza das horas.
Como a sua vida, a princípio provisória, foi ficando permanente demais, Bandeira sentiu a necessidade de encontrar uma maneira de viver mais prazerosamente e, para tanto, encontrou na poesia um forte motivo para viver; ela se tornou, talvez, a mais importante compensação para sua vida permeada de ausências.
No entanto, fazer apenas poesias cuja temática fosse sempre a dor, a desesperança, não acrescentou muita coisa à sua vida; só isso não bastava, era preciso se tornar indiferente à presença constante da morte e ao tédio de seus dias; para tanto, buscou várias tendências para sua poesia. Este trabalho incumbiu-se de apenas duas tendências: a presença da ironia compensando as inevitáveis frustrações e o resgate da infância, tentativa de o poeta trazer para o presente um tempo em que foi plenamente feliz.

BIBLIOGRAFIA
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5. ______. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.

6. _____. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

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13. COELHO, Joaquim-Francisco. Biopoética de Manuel Bandeira. Recife: Editora Massangana, 1981.

14. ______. Manuel Bandeira pré-modernista. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.

15. DUARTE, Lélia Parreira. (org.) Ironia e humor na literatura. Cadernos de pesquisa, Belo Horizonte: NAPq/FALE/UFMG, nº 15, fev., 1984.

16. GARBUGLIO, José Carlos. Roteiro de leitura: poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Ática, 1998.

17. GOLDSTEIN, Norma. Do penumbrismo ao modernismo. São Paulo: Ática, 1983.

18. ________. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 1998.

19. JUNQUEIRA, Ivan. Testamento de Pasárgada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

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21. MORAES, Emanuel de. Manuel Bandeira (análise e interpretação). Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.

22. MORAES, Marco Antonio de (org.). Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo: EDUSP/IEB, 2000.

23. MUECK, D. C. Ironia e o irônico. São Paulo: Perspectiva, 1995.

24. OLIVEIRA, Franklin. “O medievalismo de Bandeira: a eterna elegia” In: Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Coleção Fortuna Crítica, v.5.

25. PONTIERO, Giovanni. “A expressão da ironia em Libertinagem, de Manuel Bandeira. In: Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Coleção Fortuna Crítica, v.5.

26. RESENDE, Otto Lara. “O sonhado país de delícias”, Jornal O Globo, 09/04/89.

27. ROSENBAUM, Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: EDUSP/Imago, 1993.

28. SANTOS, Welington de Almeida. Poética e poesia de Manuel Bandeira. Tese de doutorado. Faculdade de Letras, UFRJ, 1987.

29. ______. “Manuel Bandeira e a infância” In: Manuel Bandeira, 1886-1986. (Em comemoração à passagem do centenário do nascimento do poeta). Rio de Janeiro: UFRJ, 1986.

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http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais15/alfabetica/GoncalvesMaximadeOliveira.htm

REFERÊNCIAS

https://youtu.be/KUJxu2k1dao
https://www.youtube.com/watch?v=KUJxu2k1dao
http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/cotovia.htm
http://apodiforme.blogspot.com/2007/09/cotovia-manuel-bandeira.html
http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais15/alfabetica/GoncalvesMaximadeOliveira.htm

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