terça-feira, 14 de maio de 2019

21. O CUSTO DE JUSTIÇA


“(...) Por sorte, não cometeu ele seu crime num país no qual não se resmunga contra as despesas para cortar a cabeça de um homem, ou para mantê-lo na prisão pelo resto da vida. (...)”

LEON TOLSTOI (1828-1910 | Rússia)

Gigante da literatura russa e universal (como classificar um autor de obras como Guerra e Paz e Ana Karenina ?), Tolstoi, criador de "grandes sinfonias" literárias, também soube compor peças curtas e sensíveis para um quarteto de cordas ou solo de piano ou um violino tocando em surdina, como esta (paródia? Sátira? libelo?) que descobrimos e resgatamos aqui, em homenagem a ele e para o prazer de nós todos, leitores.

Perto da fronteira da França e da Itália, às margens do Mediterrâneo, existe um minúsculo reinado chamado - bem, vamos batizá-lo de Monado. Inúmeras cidadezinhas do interior podem se orgulhar de possuírem mais habitantes do que esse reino, que tem apenas sete mil súditos ao todo, e se as terras do reino fossem divididas, não caberia a eles um acre por cabeça. Mas neste reino de brinquedo existe um reizinho de verdade, que tem um palácio, corte, ministros, generais e um exército.

O exército não é grande - apenas sessenta pessoas - mas, ainda assim, é um exército. Neste reino, como em toda a parte, cobram-se impostos sobre o tabaco, sobre o vinho e sobre o álcool. E embora as pessoas por lá fumem e bebam como acontece em qualquer país, são tão poucas que o Rei ver-se-ia em maus lençóis para alimentar seus cortesãos e oficiais, e a si mesmo se manter, caso não tivesse encontrado uma fonte de renda.

Esta renda especial provém de um cassino onde o povo se distrai com a roleta. O povo joga e, ganhe ou perca, sempre cabe à casa uma percentagem. E dessa percentagem é paga uma larga soma ao Rei. A razão de assim tanto pagarem, na ocasião de nossa história, é ser aquele o único estabelecimento de jogo que restava na Europa.

Esta renda especial provém de um cassino onde o povo se distrai com a roleta. O povo joga e, ganhe ou perca, sempre cabe à casa uma percentagem. E dessa percentagem é paga uma larga soma ao Rei. A razão de assim tanto pagarem, na ocasião de nossa história, é ser aquele o único estabelecimento de jogo que restava na Europa.

E assim reina ele, e vive, recolhe o dinheiro e mantém na sua corte o cerimonial de um verdadeiro rei. Tem a sua coroação, os seus duques; ele premia, condena e perdoa; e também seus conselheiros, leis e tribunais de justiça - como os outros reis, só que em menor escala.

Acontece que, há alguns anos, um crime de morte foi cometido nos domínios do Rei. O povo daquele reino é pacífico e tal fato jamais acontecera antes.

Os juízes se reuniram com grande cerimonial e julgaram o caso de forma judiciosa. Eram juízes e promotores, jurados e advogados de defesa. Discutiram, julgaram e finalmente, conforme a lei, condenaram o criminoso a ser decapitado. Até aí tudo bem. Submeteram a sentença ao Rei, que a confirmou: "Se o homem tem de ser executado, executem-no."

Havia apenas um ponto duvidoso em questão: Monado não possuía guilhotina nem carrasco para cortar cabeças.

Os ministros estudaram o assunto e resolveram endereçar uma petição ao governo francês, perguntando se não poderiam lhes emprestar uma guilhotina e um especialista em decapitar criminosos; em caso afirmativo, que o governo francês respondesse dizendo quanto isto custaria. A carta foi remetida.

Uma semana depois chegou a resposta: uma guilhotina e um carrasco poderiam ser fornecidos pelo preço de dezesseis mil francos. Levaram o assunto ao Rei, que analisou a proposta. Dezesseis mil francos!

- Este infeliz não vale esse dinheiro todo - disse ele. - Não poderiam fazer por menos? Dezesseis mil francos é mais do que dois francos por cabeça, contando toda a nossa população. O povo não agüentará tanta despesa e pode haver até uma revolta contra isso!

Um Conselho, portanto, foi convocado para decidir o que fazer; e ficou resolvido que se enviasse petição idêntica ao rei da Itália. Carta escrita, a resposta não se fez esperar.

O governo italiano informou que forneceria com prazer a máquina e o carrasco pelo preço de doze mil francos, incluindo despesas de viagem. Era mais barato, mas ainda parecia alto. O infeliz realmente não merecia tanto dinheiro gasto. Continuava representando quase dois francos por cabeça no recolhimento de impostos.

Convocaram um outro Conselho. Discutiram e pensaram como baratear a execução. Um dos soldados, por exemplo, não poderia se encarregar da tarefa de uma maneira mais simples e crua? O General foi chamado e consultado:

- Consentiria o senhor em indicar um soldado que cortasse a cabeça do criminoso? O exército nunca se incomoda de matar durante uma guerra. Na verdade, para tal os soldados são preparados.

O General discutiu o assunto com seus homens para ver se algum deles se incumbiria do caso. Mas nenhum deles aceitou.

- Não - disseram eles. - Não sabemos como fazer isso; não é nada do que tenhamos aprendido.

Os ministros voltaram a pensar em repensar. Nomearam uma Comissão e um Comitê e um Subcomitê, e acabaram por concluir que o melhor seria transformar a sentença de morte em prisão perpétua. O que permitira ao Rei demonstrar a sua misericórdia, além de sair muito mais barato.

O Rei concordou e o problema ficou resolvido. O único inconveniente então era que não existia prisão apropriada para um homem condenado para o resto da vida. Havia um pequeno presídio onde as pessoas às vezes ficavam detidas temporariamente, mas não uma prisão forte e de uso permanente.

Apesar disso, conseguiram encontrar um lugar que servisse e lá colocaram o rapaz com um guarda de plantão. O guarda tinha de vigiar o criminoso e apanhar a comida na cozinha do palácio.

O prisioneiro lá ficou mês após mês até completar um ano. Mas quando o ano passou, o reizinho, verificando sua renda, reparou num novo item nas suas despesas. Era, claro, a manutenção do criminoso e não era pouca coisa.

Havia um guarda especial para dele cuidar e ainda havia a alimentação do homem. E o pior é que o sujeito era jovem e saudável, podendo viver uns cinqüenta anos ou mais. Pensou bem no assunto e concluiu que aquela solução não daria certo.

O Rei então mandou reunir seus ministros e disse-lhes:

- É preciso encontrar uma maneira mais barata de se lidar com esse infeliz. A maneira atual é cara demais.

Os ministros pensaram, até que um deles concluiu:

- Cavalheiros, na minha opinião precisamos despedir o guarda.

- Mas assim é lógico que o prisioneiro irá fugir - retorquiu um outro.

- Bem - disse o primeiro -, que fuja e que o diabo o carregue.

Levaram o resultado da deliberação ao reizinho, que com eles concordou. O guarda foi despedido e eles aguardaram para ver o que iria acontecer. Aconteceu apenas que, chegando a hora da refeição, o criminoso saiu à procura do guarda e, não o encontrando, foi até a cozinha real buscar sua própria comida. Recebeu o que lhe deram, voltou à prisão, fechou a porta da cela e continuou lá dentro.

No dia seguinte aconteceu a mesma coisa: foi buscar a sua comida na hora indicada; mas quanto a fugir, não demonstrou ele a menor intenção.

Que fazer? Voltaram as autoridades a estudar o assunto.

- Precisamos dizer a ele claramente que não queremos mantê-lo na prisão - concluíram.

E o ministro da Justiça mandou que o trouxessem à sua presença.

- Por que você não foge? - perguntou o ministro. - Não há nenhum guarda a impedi-lo. Pode ir embora quando quiser que o Rei não se importa.

- O Rei talvez não se importe - disse o homem -, mas eu não tenho para onde ir. Vou fazer o quê? Os senhores arruinaram meu caráter com a sentença a que me condenaram e todos me darão as costas daqui em diante. Além do mais, perdi o hábito de trabalhar. Os senhores me trataram muito mal. Não é justo. Em primeiro lugar, quando me sentenciaram à morte, deviam ter me executado. Mas, não. Depois me condenaram à prisão perpétua e escalaram um guarda para me trazer a comida; algum tempo depois, tiraram o guarda e obrigaram que eu mesmo fosse buscar a comida. Mais uma vez não me queixei. Agora, porém, querem que eu fuja! Não posso concordar com isso. Façam o que bem quiserem; eu não fugirei!

Mais uma vez o Conselho se reuniu. Que atitude adotar? O homem se negava a sair. Refletiram e voltaram a refletir. O único meio de se livrarem dele era oferecer-lhe uma pensão. E foi isso que disseram ao Rei.

Mais uma vez o Conselho se reuniu. Que atitude adotar? O homem se negava a sair. Refletiram e voltaram a refletir. O único meio de se livrarem dele era oferecer-lhe uma pensão. E foi isso que disseram ao Rei.

Mais uma vez o Conselho se reuniu. Que atitude adotar? O homem se negava a sair. Refletiram e voltaram a refletir. O único meio de se livrarem dele era oferecer-lhe uma pensão. E foi isso que disseram ao Rei.

- Não há outra saída - falaram. - Precisamos nos desembaraçar dele de qualquer maneira.

Fixaram uma quantia e anunciaram a conclusão ao prisioneiro.

- Bem - concordou ele -, eu não me importo, desde que se comprometam a pagar sempre em dia. Sob esta condição, consinto em ir embora.

E assim o assunto foi encerrado.

Ele recebeu um terço da sua anuidade adiantado, deixou os domínios do Rei e instalou-se do outro lado da fronteira, onde comprou um pedacinho de terra, pôsse a plantar legumes para vender no mercado e assim vivia ele confortavelmente.

Sempre na data exata, ele recebe a pensão. Assim que a recebe, corre para as mesas de jogo, aposta dois ou três francos, às vezes ganha, às vezes perde, e logo volta para casa. Vive tranqüilamente, e muito bem.

Por sorte, não cometeu ele seu crime num país no qual não se resmunga contra as despesas para cortar a cabeça de um homem, ou para mantê-lo na prisão pelo resto da vida.

Tradução de Flávio Moreira da Costa



O QUE É ARTE? POR LEON TOLSTÓI


“Em 1898 Leon Tolstói, o escritor russo dos célebres Guerra e Paz e Anna Karenina, publicou um livro em que reflete o que é arte. Ele levou 15 anos para concluir a obra, que traz questionamentos interessantes.”

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."

Referências

https://youtu.be/o9-tSRlrDnc
https://www.youtube.com/watch?v=o9-tSRlrDnc

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