terça-feira, 17 de maio de 2016

De heróis e anti-heróis

Edição do dia 15/05/2016
15/05/2016 23h01 - Atualizado em 16/05/2016 19h40
Presidente em exercício recebe Sônia Bridi, no Palácio do Jaburu. Ele diz que Brasil precisa de pacificação nacional e reitera apoio à Lava Jato.



Quatro mil metros quadrados, com uma imensa varanda, em frente a uma lagoa e muito verde. O Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República, é uma obra prima de Oscar Niemeyer e outros artistas que deixaram sua marca na construção de Brasília.
Neste jardim, o agora presidente em exercício caminha de manhã. É o único exercício que faz. A piscina até está vazia. Muitas garças no jardim, mas nem sinal dos jaburus, as aves que deram nome ao lugar.

Sônia Bridi: Teve um momento no discurso que o senhor perdeu a voz..
Michel Temer:  Foi interessante.
Sônia Bridi: O que aconteceu ali? Porque do jeito que ela foi, ela voltou.

Michel Temer: Deu um engasgo lá, e eu tomei um copo d'água e não resolveu.

Sônia Bridi: Foi secura ou foi mais emoção?

Michel Temer: Talvez secura, viu?

As poucas coisas que ele mudou no palácio foram os sofás da sala, e os livros da biblioteca.

Michel Temer se descreve como leitor voraz. Nas prateleiras, livros de economia,tratados de direito, romances e poesia. Só não tem nenhum exemplar dos livros que Michel Temer escreveu: três sobre direito e Constituição, e um de poesias.

Mesmo ocupando a residência oficial por mais de cinco anos, nunca foi o lar de Michel Temer. A mesa de jantar é usada para refeições de trabalho. A mulher Marcela, e o filho Michel, de 7 anos, vivem em São Paulo e a família só se encontra nos fins de semana.

Sônia Bridi: O senhor pretende trazer a família para cá agora?
Michel Temer: Efetivamente eu ainda estou ocupando interinamente. Não sei o que vai acontecer. Vou aguardar respeitosamente a decisão do Senado Federal. Se algum dia surgir a possibilidade de ocupar em definitivo, mas essa é uma decisão do Senado Federal, é que eu vou cogitar trazer a família para cá. Aí não dá para viajar no sábado e domingo, né?

O presidente em exercício tem também três filhas adultas do primeiro casamento, Luciana, Maristela e Clarissa, e um filho adolescente de um relacionamento nos anos 1990. O casamento com Marcela foi em 2003. Quando o casal se conheceu, ela tinha 19 anos; ele, 62.

Durante a entrevista, no fim da tarde de sexta-feira (13), a mulher e Michelzinho estavam no palácio, mas não saíram da área íntima.

Michel Temer: Se acontecer alguma coisa que leve a, digamos, ocupar a Presidência das República, ela virá para desenvolver toda a área social. Ela vai trabalhar intensamente.
Sônia Bridi: Ela vai assumir funções na área social?
Michel Temer: Seguramente, já conversamos sobre isso.
Sônia Bridi: Ela tem formação nessa área?
Michel Temer: Tem. Ela é advogada, né, e tem muita preocupação com as questões sociais.

Sônia Bridi: Antes de começar a entrevista, quero mostrar uma coisa para o senhor.

São as imagens da reportagem do Fantástico. Na vila libanesa onde nasceram os pais e três irmãos do presidente em exercício, os parentes comemoram sua posse.

Michel Temer: Ficaram felizes.

Sônia Bridi: Esse o senhor reconheceu, o seu primo?

Michel Temer: Reconheci. Eu estive lá. Meus pais nasceram lá, casaram-se lá. E meus três primeiros irmãos nasceram lá.

Michel Temer: Este moço morava em Tietê. Ele foi pro Líbano jovem ainda e ficou lá. A rua, olha aí… Michel Temer. É isso aí. É, mas eu não sou, eu sou presidente interino ainda. Ficam, naturalmente, orgulhosos.

Sônia Bridi: O senhor tomou posse esta semana e, entre todos esses desafios que o senhor tem pela frente, qual é o desafio que lhe tira o sono?

Michel Temer: Olha é fazer com que o Brasil se equilibre, em primeiro lugar; se equilibre economicamente, politicamente, eticamente, e que possamos ter um país pacificado. Não é de hoje que eu tenho dito que o Brasil precisa de uma pacificação, de uma unidade nacional, e por isso eu tenho pregado a necessidade da unificação do país. E a unificação do país significa a unificação dos partidos políticos, dos empregadores com os trabalhadores, enfim, um esforço conjunto da sociedade brasileira para que nós possamos sair da crise em que nós nos achamos.

Sônia Bridi: O senhor vê a possibilidade de pacificação no caso com a presidente afastada Dilma Rousseff e o PT?

Michel Temer: Vejo. Eu sou muito atento à institucionalidade do país. Ainda no meu discurso, eu disse: 'eu quero prestar uma homenagem institucional à senhora presidente da República, e faço questão que todos façam o mesmo'. Uma coisa é o impedimento, as razões que levaram ao afastamento. Outra coisa é o não reconhecimento de alguém que presidiu o país.

Sônia Bridi: Um outro desafio grande que o senhor tem pela frente é o apoio da população. Porque o apoio ao impeachment não significa necessariamente o apoio ao presidente interino Michel Temer. Como é que o senhor pretende reverter isso?

Michel Temer: Olha, eu tenho uma legitimidade constitucional. Porque constitucionalmente, se a presidente se afasta, quem assume é o vice-presidente. Graças a Deus, eu tenho uma longa história pública, você sabe que eu fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados. Fui secretário de Segurança duas vezes de São Paulo, procurador-geral do estado. Agora, fui eleito juntamente com a senhora presidente. Os votos que ela recebeu, eu também os recebi. Aliás, no painel da votação, estava a foto da senhora candidata a presidente e do candidato a vice-presidente, especialmente porque, quando nós fizemos aliança, evidentemente que o PMDB trouxe muitos votos a nossa chapa. Mas eu reconheço que não tenho esta inserção popular que só ganharei ou só terei, se legítimo como é o nosso governo, ainda que interinamente, eu produzir efeito benéfico para o país. Eu acredito, tenho a esperança, que nós conseguiremos.

Sônia Bridi: O senhor já garantiu a manutenção dos programas sociais: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Prouni, Pronatec. Ao mesmo tempo, é preciso fazer um corte de gastos drástico no governo para garantir um equilíbrio das contas sem precisar aumentar impostos. Como é possível equacionar isso?

Michel Temer: É precisamente estabelecendo prioridades, e uma das minhas prioridades, ou das nossas prioridades, é exatamente a atenção com os mais carentes, com os mais pobres. Nós não podemos abandonar aqueles que têm dificuldade de vivência e sobrevivência. Então, quando eu disse: 'olhe, eu vou manter o Bolsa Família e outros tantos programas sociais', é na concepção mais absoluta de que há que haver uma certa proteção àqueles que não têm, por conta própria, a possibilidade de sobrevivência.

Sônia Bridi: Dá para equacionar isso? Dá para manter os investimentos sociais?

Michel Temer: Dá. Se for necessário, cortarei de outros setores, não cortarei daqueles mais carentes no país.

Sônia Bridi: A educação no país está em uma situação muito difícil. A qualidade é tão baixa que compromete a nossa capacidade de crescimento econômico, porque a produtividade do trabalhador brasileiro, por causa da baixa educação, é muito baixa. Como o senhor pretende equacionar isso?

Michel Temer: Os estudos estão sendo feitos. A intenção de resolver esse tema já está posta sobre a mesa. Eu devo até dizer que, em matéria educacional, as escolas são federais, estaduais, municipais. O que deve haver é um conjunto, um esforço federativo para que nós venhamos a resolver esse problema. E nós vamos resolvê-lo. Tenho absoluta convicção de que, somando todos os esforços, é possível equacioná-los melhor. De fato, na educação, não é possível que as pessoas supostamente tenham aprendido a escrever e não sabem escrever. Supostamente, tenham aprendido a multiplicar ou a dividir, e não consigam multiplicar e dividir. Esta é uma nova visão da educação que é preciso implantar, e esperamos fazê-lo no nosso período governamental.

Sônia Bridi: O governo federal vai também trabalhar a questão da segurança pública?

Michel Temer: Vai coordenar o serviço de segurança pública. Aqui no área federal, nós temos a Polícia Federal que cuida dos crimes chamados federais. Já nesta reunião do secretariado, deliberamos que o ministro da Justiça convidaria os secretários da segurança para um primeiro encontro e reiteraria muitos encontros para uma ação coordenada da união federal com os estados federados. Me recordo quando secretário da Segurança, os problemas eram, naturalmente, em menor escala. E me recordo também - se me permite relembrar – que, na época, nós criamos alguns instrumentos que simbolicamente produziram efeitos. Vou dar exemplos a você. Havia muita agressão e mau atendimento às mulheres nas delegacias. Nós criamos a Delegacia da Mulher, pronto, o atendimento melhorou porque colocamos uma delegada mulher, duas escrivãs, 15 investigadoras e o atendimento melhorou sensivelmente. Hoje tem mais de cem Delegacias da Mulher no país.

Houve uma época que houve agressão de natureza racial no Centro de Tradições Nordestinas, nas sinagogas. Eu criei uma Delegacia de Apuração de Crimes Raciais. E veja o que é a simbologia. Acabamos de criar, acabaram os atentados. Havia o problema da pirataria. Em 84, eu criei a primeira Delegacia de Proteção aos Direitos Autorais. Ou seja, há coisas simbólicas, que não demandam orçamento, não demandam dinheiro, e produzem efeito.

Eu estou dando esses exemplos para dizer que, nessa conjunção que se fará desta reunião do ministro da Justiça com os secretários de Segurança, é muito provável que surjam as mais variadas ideias dessa natureza. De fora à parte, naturalmente, o instrumental necessário, isso demanda recursos, que os estados terão.
Sônia Bridi: Existe alguma área no seu governo que não vai ter corte de recursos?

Michel Temer: Nós temos hoje as chamadas vinculações constitucionais, são despesas obrigatórias. Aí, em princípio, não pode haver corte. Nós podemos cortar nas chamadas despesas discricionárias. Onde for necessário cortar nós vamos cortar. Veja que nós já eliminamos vários ministérios e agora estamos levantando, o ministro do Planejamento está levantando todo o panorama administrativo da União para eliminar vários cargos comissionados. Eu penso entre 4 mil a 5 mil cargos comissionados. Isso significa redução de despesas. Nós vamos conseguir atingir.

Sônia Bridi: O senhor disse no seu discurso de posse que fará as reformas respeitando os direitos adquiridos. Já o ministro da Economia, da Fazenda, o Meirelles, disse que vai haver um período de transição, uma regra de transição, defendendo a idade mínima para a aposentadoria. Regras de transição, elas não ferem o princípio do direito adquirido?

Michel Temer: Nós não examinamos esse assunto ainda, Sônia, você sabe que eu prezo muito o texto constitucional e direito adquirido está previsto no texto constitucional. Se vulnerar direito adquirido, não faremos. As chamadas regras de transição, muitas vezes não ferem o direito adquirido porque apanham aqueles que ainda estão para aposentar-se. Essa matéria não está definida. O que não é possível é não fazer nada em matéria de previdência por uma razão singela. Daqui alguns anos, quem sofrerá as consequências serão exatamente os aposentados. Veja que nos estados federados já há um grande problema para pagar aposentadoria e até para pagar salário.

Sônia Bridi: O senhor falou em formar um ministério de notáveis, mas as suas escolhas têm sido bastante criticadas porque elas teriam seguido o critério de outros governos, que é o apoio dos partidos, o loteamento dos ministérios entre as legendas.

Michel Temer: Você sabe que eu fiz dois jogos. Um primeiro falando com a sociedade; quando nós eliminamos os vários ministérios, nós falamos com a sociedade. Mas, depois, eu tive que fazer uma composição de natureza política, ela é inevitável. Porque na democracia é assim, você só não homenageia o Legislativo e não homenageia o Judiciário em sistemas autoritários, nas ditaduras. Mas no sistema democrático, você há de conviver com o Legislativo e o Judiciário. Os partidos trouxeram vários nomes. Eu penso - posso ter me equivocado, creio que não - mas eu penso que escolhi os melhores nomes nesse sentido. Se são notáveis ou não, são notáveis politicamente. São notáveis administrativamente. Porque, senão, nós ficamos com um preconceito que notável e só aquele que está fora da classe política. E não é assim. Se um ou outro ministro não proceder adequadamente, fiz até este alerta na reunião do ministério, é claro que ele estará fora da equipe ministerial.

Sônia Bridi: Como é que foi esse alerta, presidente?

Michel Temer: Se houver um equívoco, ou equívocos administrativos, e no particular, se houver irregularidades administrativas, eu demito o ministro.

Sônia Bridi: O senhor lembrou aqui que o senhor montou a primeira Delegacia da Mulher. No entanto, no seu ministério, pela primeira vez desde a redemocratização não há uma só mulher. Como o senhor vê as críticas de que a composição do seu ministério é um retrocesso na questão de diversidade de representação do povo brasileiro?

Michel Temer: Primeiro, eu contesto a afirmação de que não há nenhuma mulher. Você sabe que um dos cargos mais importantes da Presidência da República é a chefia de gabinete da Presidência da República, ocupada por uma mulher. Ela hoje, aliás... No dia da reunião ministerial, ela participou da reunião ministerial. É um dos principais cargos, não digo que esteja acima dos ministros, mas evidentemente tem uma prevalência muito grande em relação ao ministério. Primeiro ponto. Segundo ponto. Você sabe que eu fiz a junção de vários ministérios. E agora em pelo menos três deles, a Cultura - Educação e Cultura – mas, para a Cultura, eu quero trazer uma representante do mundo feminino. Para a Ciência e Tecnologia e Comunicações, que quero trazer uma representante do mundo feminino e também na chamada Igualdade Racial, Mulheres etc., que passou a ser Cidadania, eu quero trazer uma mulher. Portanto, eu terei no mínimo quatro mulheres integrantes do ministério.

Sônia Bridi: Mas sem status de ministro.

Michel Temer: Mas olhe, convenhamos, há pessoas que se seduzem com a história de ser ministro ou não. Eu já exerci funções sem ser secretário de estado e, entretanto, desenvolvi trabalhos extraordinários. Quer dizer, o rótulo ministro não é um rótulo que vai, digamos assim, fazer com que a pessoa aja bem, trabalhe bem, ou não. Tenho certeza de que essas figuras que virão para o ministério, assim como a chefe de gabinete, farão um belíssimo trabalho para o país.

Sônia Bridi: Apesar das críticas durante a composição do seu ministério, o senhor também nomeou um ministro investigado na Operação Lava Jato, o ministro Romero Jucá. Se ele se tornar réu, ele não terá uma situação semelhante à do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha? O senhor tomará a atitude de afastá-lo também?
Michel Temer: Você sabe que eu sou muito atento às instituições. E quando você fala em inquérito, você está falando em inquirição, em indagação, em investigação. Portanto, você disse bem, ele ainda não é réu. Primeiro ponto. Segundo ponto. O Jucá é uma figura, permita-me o elogio, ele é uma figura de uma competência administrativa extraordinária. Sobre o foco econômico, penso eu, que ninguém conhece tão bem o orçamento e as razões orçamentárias como ele. Primeiro lugar. Segundo lugar: tem uma capacidade de articulação política que é fundamental numa democracia. Até não é sem razão, já disse a ele, que ele foi líder de governo de três governos. E hoje me ajuda enormemente na tarefa de governar o país. E terceiro, eu espero, pelo menos ele tem me afirmado, com absoluta tranquilidade, que os dados que chegam aos ouvidos dele é de que, quando alguém diz alguma coisa, diz por ouvir dizer. Então nós não temos que pensar porque a pessoa é investigada que ela está, digamos assim, com uma espécie de morte civil. Não pode mais fazer nada no país, não é?

Sônia Bridi: Mas, se ele se tornar réu, qual vai ser a sua atitude?

Michel Temer: Daí eu vou examinar. Vou examinar.

Sônia Bridi: O senhor já reiterou várias vezes o seu apoio à Operação Lava Jato, inclusive no seu discurso na quarta-feira (11). O senhor sabe que declarações geralmente têm que ser confirmadas com ações. O senhor pretende manter o diretor-geral da Polícia Federal, que vem conduzindo essas investigações até agora e sem questionamentos?

Michel Temer: Pretendo. Você sabe que ele sairá quando desejar, e quando houver um ajustamento entre ele e o ministro da Justiça. Agora, eu acho que o Executivo não tem o direito, direito no sentido constitucional, de interferir numa questão que está sendo levada pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pelo Judiciário. Não haverá interferência nenhuma.

Sônia Bridi: Delatores da Lava Jato citaram o seu nome em duas situações. Disseram que o senhor indicou diretores da Petrobras que depois se envolveram em corrupção, e que o senhor recebeu uma doação de R$ 5 milhões de uma das empreiteiras. A Procuradoria da República não viu nisso motivo suficiente para abrir investigação. Mas essas citações constrangem o senhor de algum modo?

Michel Temer: É uma pergunta que comporta uma resposta tão singela, tão fácil, tão tranquila. Em primeiro lugar, quando dizem que eu patrocinei a nomeação de um diretor da Petrobras, eu lhe explico, como já expliquei dezenas de vezes publicado na imprensa brasileira. Eu era presidente do partido e, quando as bancadas iam indicar alguém para um cargo, me apresentavam um cidadão. No caso presente, foi precisamente isso que se deu: apresentaram-me o cidadão, que foi nomeado depois diretor da empresa, primeiro ponto. Segundo ponto: a tal história da doação é interessante. Fala-se como se alguém tivesse chegado perto de mim, aberto o bolso da minha calça e dito: olhe, R$ 5 milhões, abre aí que eu vou colocar no seu bolso. Não foi isso. Tão logo surgiu essa ideia, o meu assessor de imprensa foi ao partido, ao PMDB, e verificou o ingresso dessa quantia, era até um pouco mais, que entrou na campanha, entrou na campanha. E, entrando na campanha, depois prestou-se conta. As contas foram prestadas ao tribunal. Portanto, o senhor procurador-geral, como você disse quando disse que não haveria indícios, não haveria indícios primeiro porque o próprio cidadão que foi nomeado declarou na delação que eu não o indiquei. Quando o procurador-geral agiu dessa maneira foi alicerçado nos próprios depoimentos.
Sônia Bridi: A Câmara dos Deputados hoje vive uma situação anômala com o afastamento do seu presidente e seu aliado, Eduardo Cunha. O senhor concorda com muitos de seus companheiros de que ele deveria renunciar ao cargo para que a Câmara pudesse retomar a normalidade necessária nesse momento tão importante do país?

Michel Temer: Você sabe que, se eu respondesse positivamente a essa pergunta, eu desmentiria tudo que eu disse antes, porque o que eu tenho dito ao longo dessa entrevista, e que eu tenho afirmado e reafirmado, é que um poder não deve se meter em outro poder, e eu não vou entrar nessa história do Legislativo. O Legislativo faz o que quiser.

Sônia Bridi: Mas, mesmo sendo um momento tão importante, e da necessidade de aprovação de medidas na Câmara, mesmo assim o senhor vai se omitir diante dessa decisão?

Michel Temer: Não vou me omitir porque já combinei que, ao mandar as medidas essenciais para a governabilidade, eu mesmo talvez vá pessoalmente ao Congresso, pedirei aos líderes e os líderes levarão adiante.

Sônia Bridi: Vou formular a pergunta diferente: a renúncia de Eduardo Cunha facilitaria as coisas?

Michel Temer: Tanto faz, para mim, isso não altera nada.       

Sônia Bridi: O senhor, junto com a presidente Dilma Rousseff, ainda enfrenta um processo de cassação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral. O senhor já teve como estratégia separar o seu nome, a sua prestação de contas da prestação de contas da presidente Dilma. O senhor não acha contraditório isso, já que o senhor mesmo aqui nessa entrevista afirmou que o senhor foi eleito junto com ela, as duas fotos estavam lá na mesma chapa, que a eleição de um é a eleição do outro?

Michel Temer: Eu devo reconhecer que a posição do Tribunal Superior Eleitoral é nessa direção. Mas é interessante e nós temos... e aqui vai um debate acadêmico e jurídico que vai interessar muito, penso eu, ao Tribunal Superior Eleitoral. Você veja: a regra básica da Constituição é que nenhuma pena passará da pessoa do acusado. Essa é uma regra dos direitos individuais que é utilizada em todos os foros. Bem, quando a acusação se dá pela campanha da senhora presidente, não envolvendo a campanha do vice-presidente, porque o vice-presidente tinha uma contabilidade própria, tinha um comitê financeiro próprio, teve recursos próprios, se não envolve o vice-presidente, não tem sentido, seria a única exceção ao texto constitucional em que a penalidade imposta a um alcança um terceiro. E aí, eu confesso a você, há dezenas de argumentos reveladores que uma coisa é a figura institucional do presidente da República, outra coisa a figura institucional do vice-presidente da República.

Sônia Bridi: Se o senhor for confirmado como presidente ao fim do julgamento no Senado da presidente afastada Dilma Rousseff, que legado o senhor gostaria de deixar no dia 31 de dezembro de 2018?

Michel Temer: Reduzir o desemprego, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ver um país pacificado, em que os brasileiros passem a dar-se as mãos, não haja mais essa divergência que se instalou no Brasil, numa conjugação de esforços dos estados, dos municípios. Aliás, eu pretendo rever um pouco o sistema federativo, de modo a fortalecer os estados e municípios, portanto, a pacificação do país e a harmonia interna. Este seria, penso eu, o melhor legado que eu poderia deixar.

Sônia Bridi: Se o senhor conseguir tudo isso, o senhor será candidato à reeleição?

Michel Temer: Não. Sabe que se eu cumprir essa tarefa, eu me darei por enormemente satisfeito.

Sônia Bridi: Em nenhuma hipótese o senhor seria candidato à reeleição?

Michel Temer: É uma pergunta complicada, né. Em nenhuma hipótese... de repente pode acontecer.

Sônia Bridi: Mas não é a sua intenção?

Michel Temer: Não é a minha intenção. Aliás, não é a minha intenção, e é a minha negativa. Eu estou negando a possibilidade de uma eventual reeleição, até porque isso me dá maior tranquilidade, eu não preciso praticar gestos ou atos conducentes a uma eventual reeleição. Eu posso ser até - digamos assim - impopular, mas desde que produza benefícios para o país, para mim é suficiente.

Sônia Bridi: Obrigada, senhor presidente.





Luiz Sérgio Henriques*
15 Maio 2016 | 03h 00
O heroísmo costuma aparecer em cena nos momentos de transição, associado, em geral, a homens de comportamento reto e nítido. Os que viveram o final do regime militar certamente têm na memória a figura de Ulysses Guimarães rompendo o cerco de cães e baionetas, em 1978, e bradando civicamente: “Respeitem o presidente da oposição!”. A transição já se anunciara, a anistia não tardaria e o País em breve iria reencontrar-se com sua vocação democrática, tal como inscrita no texto constitucional dez anos mais adiante.
Mas não só inteiriços heróis positivos surgem nas transições. Há outros mais ambíguos, feitos de luz e sombra, com um pé no passado, outro no futuro, como aqueles que Hans Magnus Enzensberger chamou, em 1989, de “heróis da retirada”. A partir desse tipo, personificado, entre outros, em Gorbachev, Javier Cercas (Anatomia de um Instante, Globo, 2012) esmiuçou a ocupação violenta do Parlamento espanhol em fevereiro de 1981. Um desses “heróis da retirada”, Adolfo Suárez, ex-quadro franquista, manteve a altivez no instante do golpe, ao lado de dois outros deputados, um dos quais o então dirigente eurocomunista Santiago Carrillo.
E assim, com Enzensberger e Cercas, nos vemos lançados à atualidade brasileira, ainda que de modo paradoxal. O paradoxo inicial consiste no fato de que não chegamos a ter, desde 2003, um regime de poder inteiramente fora ou acima das leis, de modo que agora estivéssemos diante de um verdadeiro problema de transição, tal como Espanha e Brasil após as respectivas ditaduras. Bem verdade que a esquerda petista, pelo uso torto de velhas categorias ou por contaminação dos vizinhos populismos, ou ainda por mero oportunismo, aprendeu a enfrentar cada rodada eleitoral com recursos morais e materiais nem sempre de origem acima de qualquer suspeita.
Em todos estes anos, a mera perspectiva de perder eleições, fato trivial numa democracia, pareceu ao lulopetismo algo próximo de uma catástrofe: o inimigo, a “direita”, não podia deixar de encarnar, invariavelmente, um retrocesso civilizatório. A proclamada revolução social pacífica, empreendida pelo petismo, ao retirar milhões de pessoas da pobreza e diminuir as distâncias sociais, teria deixado em seu rastro uma classe média ressentida e temerosa. E neste pântano moral é que a “direita” iria buscar combustível para a intolerância e o ódio de classe, que não cabia admitir sob pena de faltar ao mandato da História.
A desmoralização do inimigo haveria de ser sustentada por dinheiro e recursos só possíveis a partir de uma estratégia de ocupação agressiva dos aparelhos de poder – e nisso residia, não por acaso, o risco de eventual consolidação de um regime “revolucionário institucional”, à moda mexicana. Da boca para fora, nosso arremedo de PRI defendia o financiamento público das ações partidárias; na prática, um inédito mecanismo vertical e centralizado de arrecadação legal e ilegal mudava os termos da competição eleitoral e da conformação do poder.
Desmontar tal mecanismo de apropriação do Estado e de suas empresas, levado a cabo por uma esquerda de inclinação autoritária e procedimentos velhíssimos, está entre as razões pelas quais quase se chega a imaginar como de transição o governo Temer. E o impeachment, traumático como é, mas plenamente constitucional, em circunstâncias menos irracionais poderia ser o momento inicial de regeneração de um PT menor e aggiornato. Para isso, aliás, servem as temporadas na oposição, que, mesmo duras e difíceis, não são nem devem ser vividas como uma estação no inferno.
Governa-se também a partir da oposição, contribui-se para mudar relações de força mesmo fora do poder, compreendendo melhor os limites postos pela sociedade a uma ação política que se mostrou voluntarista e, muitas vezes, além da legalidade. Para tanto conviria a todos que, no PT ou em outros grupos de esquerda, se fizesse ouvir não o grito estridente e inócuo contra o “golpe constitucional” ou a ameaça de uma oposição do tipo terra arrasada que marcou negativamente a história daquele partido. Seria benéfico para a democracia que, a despeito de justificadas expectativas ruins, por lá surgissem os tais “heróis da retirada”, isto é, gente dotada de autocrítica e capaz de sugerir futuros cursos de ação distintos destes que aproximaram perigosamente o petismo dos populismos autoritários. Tais heróis, de fato, propõem-se a renovar a cultura de um partido e suas relações com os demais atores e instituições – e claramente não são recrutáveis em “exércitos” informais.
Em poucas situações como agora temos tanto direito ao pessimismo da inteligência. Mesmo acossado intelectual e politicamente, o petismo aferra-se a uma narrativa em que, como norma, detém a superioridade moral – e isso quando praticamente todo o grupo dirigente, a começar pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra às voltas com um vasto conjunto de acusações raras vezes visto em nossa vida política. E num contexto que põe em risco a quase totalidade do sistema partidário – o coração da democracia –, a tal ponto enredado em esquemas de cooptação que, salvo melhor juízo, nem sequer a sombra de herói positivo parece surgir de veneráveis partidos como o PMDB.
Alegar que se trata de ação concertada da (frágil) oposição, da imprensa monopolizada e até de setores do aparelho de Estado, mancomunados numa “nova forma de golpe”, pode tranquilizar consciências simples. Pior ainda, pode insuflar uma espécie de subversivismo elementar que paralise, na oposição, partidos ou frentes de esquerda sem capacidade efetiva de liderar um conjunto de forças e mesmo um país, numa perspectiva socialmente justa. Previsivelmente, tal alegação nem de longe reporá a esquerda política em posição dirigente nos próximos (muitos) anos, uma faceta nada desprezível da herança maldita que ora nos desorienta.
*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta e é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil - site: www.gramsci.org



Roda Viva | Delcídio do Amaral | 16/05/2016

O ex-senador falará sobre a Operação Lava Jato e a crise política no país.

Bancada:
Eliane Cantanhêde - colunista do jornal O Estado de S. Paulo
Vera Magalhães - editora-executiva e colunista da Revista Veja
Natuza Nery - editora da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo
André Guilherme Vieira - repórter do jornal Valor Econômico
Flávio Freire - coordenador nacional e de política da sucursal do jornal O Globo, em São Paulo


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por Mafalda Neto
Hoje em dia assistimos cada vez mais a uma diminuição do número de heróis tradicionais na ficção em detrimento do aumento dos chamados anti-heróis. Aqui pretendo afastar esses dois conceitos, defini-los e tentar perceber o que leva as pessoas a apaixonarem-se por estas personagens e, em alguns casos, a preferi-las.



por Mafalda Neto

Depois de, na semana passada, termos falado dos conceitos de herói e anti-herói, e de os vossos comentários terem tirado todas as dúvidas sobre qual dos dois era o mais popular, chegou a vez de falarmos de um dos anti-heróis mais populares de sempre, que talvez tenha sido o grande impulsionador da grande vaga de personagens do género que se seguiu.
“House” não precisa de grandes apresentações. A série da FOX obteve em 2008 o recorde do Guiness da série mais vista no Mundo, e são poucos os que nunca ouviram falar do médico misantropo e mal-humorado que lhe dá nome. Para além disso, House (Hugh Laurie) é o exemplo perfeito de um anti-herói ficcional.


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