Na
pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os
nossos próprios racismos e xenofobias. Mia Couto Escritor/Biólogo Moçambicano
E
o Lula e o PT criam o contrapreconceito, que é preconceito também, de chamar de
coxinha... Aí o lado de lá chama de mortadela. Isso é preconceito. E é um
preconceito para impugnar o direito de palavra e de manifestação do outro, do
que é diferente, do que é antagônico. José de Souza Martins Sociólogo
08/04/2016
às 05h00
Um sociólogo criado no ABC
Foi em um sábado, na
casa de um padre de São Bernardo do Campo, na segunda metade dos anos 70, que o
sociólogo José de Souza Martins foi apresentado ao sindicalista Luiz Inácio
Lula da Silva. Passaram a tarde conversando...
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Domingo,
10 de abril de 2016
Por
Malu Delgado – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
SÃO
PAULO - Foi em um sábado, na casa de um padre de São Bernardo do Campo, na
segunda metade dos anos 70, que o sociólogo José de Souza Martins foi
apresentado ao sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Passaram a tarde
conversando e tomando café. "Café de padre: bem doce e aguado", faz
questão de salientar o professor aposentado da USP. Lula começava a articular a
implantação da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, e uma amiga do professor
- intelectual gestado no ABC Paulista - pediu a ele que explicasse ao líder
sindical a gênese dos conflitos rurais e os dilemas da questão agrária.
"Porque ele e o pessoal da CUT não sabem nada sobre isso", disse a
amiga.
Naquela
época, Martins já havia se embrenhado pela Amazônia, Norte e Nordeste do país
para observar e entender o que se passava no campo. Percorria os sertões para
dar aulas a trabalhadores rurais, índios e analfabetos sobre a realidade
brasileira, promovidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ensinou a muitos
que, anos depois, estariam entre os quadros do PT. "O Lula é o aluno que
gostaria de ter tido, porque presta atenção, tem memória inacreditável. Não
precisa tomar nota. O Lula tem qualidades que nenhum outro partido político
tem. Nem o partido dele."
É
fácil imaginar como Martins fisgou o interesse do líder político que emergia do
ABC para criar o Partido dos Trabalhadores. Não há como a conversa com o
sociólogo padecer da falta de cadência. Na quinta-feira santa, a lucidez e o
equilíbrio de suas reflexões e a capacidade de relatar casos e histórias
pessoais com requintes literários embalaram um almoço de quase cinco horas no
Rancho Português, restaurante escolhido por ele para este "À Mesa com o
Valor".
Havia
uma apreensão inicial, já que ele avisara, com certa antecedência, ser vítima
de dieta e de restrições alimentares por questões de saúde. Desde que sentiu
uma nevralgia facial lancinante, em fevereiro, descobriu em seguida que
precisaria submeter-se a uma série de cirurgias dentárias e fazer um implante
de osso para reconstituição da arcada.
"Não
posso comer nada duro. Não dá para comer torresmo, esse tipo de coisa",
faz troça, explicando a encrenca em que se meteu nos momentos iniciais do
almoço. Diagnosticado o problema, avisou aos médicos e dentistas que não aceitaria
"osso de defunto" e cogitou até uma cirurgia para tirar um pedaço da
costela, para garantir que é o próprio material genético que se espalha em seu
corpo. Diante da complexidade da empreitada, sobretudo aos 77 anos, assentiu
que o implante fosse feito com osso de boi. "Da próxima vez que a gente se
encontrar, se eu estiver mugindo é porque deu certo o transplante."
Trajando
paletó e suspensórios, o professor pede seu vinho verde predileto. Reflete
sobre a maciez do bolinho de bacalhau e dá aval ao garçom para que traga alguns
de entrada. Os vetos impostos ao paladar não interditam qualquer assunto. A boa
prosa é um de seus dons: até o maître escuta atento o relato da viagem feita
por ele em 1976 a Santiago de Figueiró, mais especificamente à casa de Pedrinhas,
medieval recanto de Portugal onde estão as origens familiares de Martins.
A
escolha do restaurante - cujos belíssimos azulejos portugueses contribuem para
deixar a congestionada avenida dos Bandeirantes, na capital paulista, menos
insípida - não fora movida somente pela necessidade de comer batatas cozidas ao
azeite. Genealogia e memória gustativa, em especial da "bacalhoada
ritual" preparada pela avó Maria, explicam o fato de estarmos sentados em
um restaurante português. "Aqui é caro, mas, se eu estiver passando, venho
comer um bolinho de bacalhau com vinho verde", confessa.
Portugal
está em sua a alma, mas o que ele conhece em profundidade é o Brasil. Nascido
em São Caetano, hoje morador de Osasco, ex-trabalhador de fábrica e das
Cerâmicas São Caetano, Martins já publicou 35 livros. O mais recente, "Do
PT das Lutas Sociais ao PT do Poder" (Contexto), é uma compilação de
artigos com reflexões políticas sobre o governo de Lula e a miséria do PT
vivenciada no governo de Dilma Rousseff. Antes de Lula receber a faixa
presidencial de Fernando Henrique Cardoso, o professor alertava que era
"grande a probabilidade de a fórmula não dar certo no plano estrito do
contrato político". "Mas poderá funcionar na relação entre o governo
e o povo."
Já
incomodava o sociólogo o caráter messiânico incorporado por Lula - a relação do
PT e a Igreja Católica é algo que examina com objetividade, precisão e
conhecimento de causa - e o mote "quero um Brasil decente".
"Como se o PT fosse o único depositário da decência política nacional,
coisa que não é. Não só pelos problemas que tem tido onde governa, no Rio
Grande do Sul ou em Santo André, mas também porque, felizmente, a decência é
também precioso patrimônio de outros partidos e de outros políticos, a começar
do próprio Fernando Henrique Cardoso e do candidato do PSDB, José Serra",
apontou em artigo publicado no livro, escrito em 2002.
Enquanto
saboreia o miolo de um pão caseiro com sardela e sorve, também com suavidade, o
vinho verde, Martins admite o temor de um confronto civil no Brasil. Recorreu a
Simão Bacamarte, médico obcecado por investigar as razões da loucura e
encarcerar os dementes, criado por Machado de Assis, quando instado a refletir
sobre consequências sociais e políticas da Lava-Jato. Como se a "República
de Curitiba" pudesse chegar a algo próximo da Casa Verde de Itaguaí,
manicômio da crônica machadiana, profetiza: "O problema é a síndrome do
Alienista. Se todo mundo for para a cadeia, como é que fica? Às vezes tenho a
impressão de que o Alienista está solto. Eu tenho a impressão..."
O
risco de confronto nas ruas de homens que se pensavam cordiais é real, diz
Martins. E por várias razões. "Os grupos que são estigmatizados pelo PT
são historicamente grupos de classe média, de famílias ricas, que sempre tiveram
uma relação com os pobres que é a relação da empregada doméstica, não é isso?
Quer dizer: são grupos que nunca deram o mínimo valor a essas populações mais
simples. Sei o que é isso porque vivi isso, fui vítima disso. E existe
preconceito na esquerda, sim. E muito. Acho que o que aconteceu tanto no
discurso religioso quanto no discurso popular do PT foi uma sistematização
desse antagonismo, que era real -, mas que não era mortal - e virou um discurso
político", comenta. "Não era discurso político. Era puro preconceito
social. E o Lula e o PT criam o contrapreconceito, que é preconceito também, de
chamar de coxinha... Aí o lado de lá chama de mortadela. Isso é preconceito. E
é um preconceito para impugnar o direito de palavra e de manifestação do outro,
do que é diferente, do que é antagônico."
Ao
se colocar como alguém capaz de incendiar o país, Lula, na opinião do
professor, cometeu um de seus maiores erros. "É grave essa afirmação,
porque ele realmente pode. Vocês não se esqueçam de que o Brasil é o país que
mais lincha no mundo. Portanto, não é algo que o PT vai inventar. Já acontece.
No Brasil, os linchamentos vêm aumentando. Nos últimos 60 anos, mais de 1
milhão de brasileiros participaram de atos de linchamento. Não é linchamento
moral, isso é difamação. Linchamento tem que ter sangue. É físico. É para
acabar com o outro." Até 2013, cita o sociólogo, havia quatro linchamentos
ou tentativas por semana. A partir de 2013, tem um por dia. "Ou seja, foi
um salto enorme."
Martins
"ainda não vê" correlação entre a polarização política e o aumento da
violência social. "Mas, se você me pergunta se existe risco de confronto
desse tipo, digo que há, porque há subjacente a essa conversa uma cultura da
violência. Que não é cultura de violência de discurso de sociólogo. É uma
cultura real, que mata inocentes, que é o caso daquela senhora, da mãe de
família, no Guarujá, que era inocente e o preconceito jogou mil pessoas em cima
dela", diz o professor, que já publicou um livro sobre linchamentos e
finaliza um segundo volume sobre o tema.
Ao
mesmo tempo em que risca o fósforo, Lula, segundo o professor, é o único
político com capacidade de ter atuação eficaz e proferir o discurso "da
convivência pacífica dos opostos". O petista, nas últimas aparições, foi
autor de retóricas ciclotímicas. Ao cabo de sua condução coercitiva feita pela
Polícia Federal, conclamou o povo a tomar as ruas. Dias depois, em ato
pró-democracia na avenida Paulista, pregou a convivência pacífica, a tolerância
e o fim do ódio político. Mais adiante, provocou o juiz Sérgio Moro, mas
reconheceu a importância do combate à corrupção e o sentido da Lava-Jato.
"O Lula é um ser bifronte. Tem policemia cultural. Fala tanto com o
embaixador dos EUA quanto com o Jair Meneguelli. E são línguas diferentes. Entende
todas, duas, três, quantas forem. Não se intimida."
Martins
acha que o discurso inflamado da porta de fábrica - o melhor personagem de Lula
- seria, na visão do petista, a fala radical que abre precedentes para a
negociação. Uma maleabilidade que nem o PT tem a capacidade de enxergar.
"O PT não entende assim, quer ir para o confronto. E vai perder se for por
aí."
Se
o PT não tem legitimidade para propor a tolerância, já que fomenta o
antagonismo entre o país dos pobres versus o dos ricos, Lula, na visão do
sociólogo, torna essa conversa mais palatável. "Porque ele é tudo e nada
ao mesmo tempo. Ele junta esses vários personagens. Ele é muitos, ele não é um.
Então ele pode mudar de discurso de hoje para amanhã."
O
garçom sugere para o almoço um bacalhau ao forno no azeite: postas do peixe com
batatas coradas, tomate em rodelas, salsinha, pimentão, ovo, alho, cebola, tudo
gratinado ao forno e acompanhado de arroz branco. "Quero uma porção de
batatas cozidas", reforça o professor. Todos concordam em substituir as
batatas coradas pelas cozidas. E a conversa prossegue.
Pergunto
a ele se não foi o próprio Lula quem alimentou a ideia de divisão do país.
"Por trás disso, no meu modo de ver, existem as influências religiosas.
Esse não é o discurso do Lula. É o discurso das igrejas. Ele percebeu que isso
rendia dividendos políticos, como rendeu. E incorporou. Mas, assim como vai
nessa direção, também volta para trás. Essa história da opção preferencial
pelos pobres é a influência da igreja. É um sermão, das igrejas de base, das
áreas mais pobres. O sermão de que esse é um país de injustiças, de ricos, e
que desde a descoberta do Brasil os pobres sempre foram lesados, privados,
roubados. E o Lula faz com que isso funcione nas bases de influência religiosa.
Mas é um discurso para ele se fazer entender. Ele está dizendo o seguinte: 'Eu
quero ser entendido por essa gente também'."
O
retrato do pobre é um sapato que não calça na história pessoal de Lula, diz.
"Hoje ele é um homem rico. Não estou sugerindo que ele é rico por
corrupção. Ele era um profissional de uma área da indústria metal/mecânica que
era altamente remunerada. O grupo de sindicalistas de São Bernardo é a elite do
operariado. Quando foi eleito, já tinha o sítio do Riacho Grande, tinha o
apartamento dele. Não estou querendo inocentar o Lula. Estou simplesmente
dizendo que não era o pobre coitado do discurso da igreja que de repente se
torna o milionário da Odebrecht. Não é por aí."
Se
cabe um conselho, Martins o dá ao petista: Lula deveria "exigir o reconhecimento
da diferença e aceitar o reconhecimento da diferença do outro, que tem o
direito de ser o que é". "Política se faz negociando a paz. Se é para
fazer guerra, declarem a guerra logo de uma vez e comecem logo uma guerra
civil. Agora, é preciso que o outro lado também se dê conta disso."
Um
dos conceitos inovadores do professor foi o de "corrupção altruísta"
e "corrupção cívica" do PT, ou seja, a ideia de que se pode dilapidar
o patrimônio do Estado para garantir o bem comum. "É a corrupção do Robin Hood."
•
Nem todo mundo é corrupto e nem todo mundo está sujeito a esses processos. Você
tem vários partidos com gente honesta, capaz e lúcida
A
corrupção, a compra de apoios e partidos, não se deu apenas para garantia da
governabilidade, observa o professor. "Era mais do que isso. Era não
permitir que o PSDB voltasse ao poder. Era a negação da alternância do poder, a
negação da democracia." Há alas no PT, de influência stalinista, seduzidas
pela tentação do "hegemonismo", diz. "É aquela ideia: corrupção
de esquerda não é corrupção. Corrupção de esquerda é a corrupção para o bem,
não é para enriquecimento privado. Tem esse equívoco permeando todo esse
processo. Estão procurando batedor de carteira no PT. E não é um partido de
batedores de carteira. Se houver corrupção e acabarem provando, como tudo
indica que sim, é uma corrupção para assegurar o bem comum. Já que os outros
partidos têm a sua fonte de dinheiro, a corrupção é para consolidar o PT no
poder. Isso é um tremendo equívoco, porque é corrupção do mesmo jeito."
A
bacalhoada chega depois de quase 1h30 de conversa. O garçom prepara um prato
cinematográfico e coloca-o em frente ao sociólogo. "Não, não. Para mim,
não. Para mim vai ser diferente. Quero só uma batata, aquela cozida ali... Está
bonito, viu!".
Minutos
antes de a refeição ser servida, falávamos da atuação do Judiciário e dos
riscos de judicialização da política. "Os partidos não perceberam no que
eles nos meteram. Se não for a Justiça, é o Exército", diz, enquanto
aguarda o preparo de seu prato. "Está bom aí, está bom aí",
repreendeu educadamente a generosidade do garçom na porção. "E agora só um
pedacinho de bacalhau. Pedacinho, com INHO maiúsculo. Chegou... Está bom."
Recusa o arroz. "Ou batata ou arroz." Delicadamente, o professor amassa
as batatas com o garfo e rega com um pouco mais de azeite.
Martins
não ousa prever nenhum desfecho da história. "É um terreno de incerteza
absoluta. Não sabemos onde isso vai parar. Não acho que a Justiça também saiba.
Imagino que haja vários juízes e magistrados, do Supremo, apreensivos com isso,
porque está nas mãos deles agora. Não acho que tenha havido intenção de se
judicializar a política. É que a política se despiu da condição de política. O
único poder, dos três, que está funcionando no Brasil é o Judiciário. E não
estou falando só de PT, estou falando que a política, no seu conjunto, está
completamente deteriorada, desfigurada e, portanto, só nos resta a Justiça. Se
houver desvio de conduta da Justiça, no sentido de achar que é uma arma de correção
dos rumos da política no Brasil, vai ser muito sério. Nem todo mundo é corrupto
e nem todo mundo está sujeito a esses processos. Você tem vários partidos com
gente muito honesta, muito capaz e muito lúcida sobre esse momento
político."
Martins
discorda frontalmente da interpretação, em especial feita por petistas, de que
Lula é o alvo principal da Lava-Jato. "A perseguição ao Lula quem vê é o
Lula e o PT, e alguns mais ingênuos das oposições que acham que é isso mesmo.
Mas não é isso que está acontecendo. Você puxa o fio da meada e vai
descobrindo. É isso que [o Ministério Público e a Polícia Federal] estão
fazendo. Em cada link que eles fazem vem implicações de mais gente. A coisa
está muito complicada. Na verdade, é o sistema político brasileiro que está
tendo os seus defeitos de organização, que são muitos, postos para fora."
Um
aspecto intrigante da crise, na análise do professor, é que "os políticos
que não estão sujos não estão reagindo". "Deveriam reagir e propor um
pacto de salvação nacional. Se fosse no império, teriam feito. Os políticos no
império eram muito mais comprometidos com a ideia de nação. Nós não
somos."
Indagado
sobre quem são esses políticos, Martins diz: "Vários". Depois de
mencionar o problema dos políticos do PMDB e da minada "linha
sucessória" da presidente Dilma, que passa pelo vice-presidente Michel
Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan
Calheiros, Martins começa a exemplificar quem poderia estar no "Exército
da Salvação": "Tem que ser um grupo que não precisa nem ter
mandato".
Considera
que teriam esse perfil o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e o ex-governador
petista Olívio Dutra, "marginalizado pelo partido". No PSDB, Fernando
Henrique ainda seria essa pessoa. "Ele tem grande bom senso e grande
disposição ao diálogo, no sentido histórico da palavra." Menciona também o
ex-senador Pedro Simon - "conselhos de anciãos costumam ser bons" - e
José Sarney como outras figuras que deveriam se mover em prol dessa pactuação
nacional.
A
forma respeitosa como cita Fernando Henrique e José Serra não deixa dúvida
sobre algumas de suas preferências eleitorais. Assume suas opções, deixando
claro que jamais, pensou em entrar para as fileiras de nenhum partido político.
"Eleitoralmente sou um defeito político. Não voto em um único partido.
Faço uma composição. Nela não entra o PP, uns partidinhos que têm aí",
declara. "Voto no PSDB e componho chapas em que ponho o PT junto, ponho o
PPS. O problema do PSDB é que são poucas as pessoas do partido que têm clareza
sobre o processo histórico."
Tendo
trabalhado ao lado do sociólogo e deputado federal Florestan Fernandes
(1920-1995) e sido aluno de FHC, Martins fala com conhecimento de causa:
"Não dá para ter partido político e fazer trabalho de pesquisa. Isso foi
uma coisa que o Florestan viveu. Você tem que se libertar do partido para fazer
sua ciência. Foi fundamental para ele. Digo para vocês quais os livros que o
Florestan não teria escrito se tivesse continuado no PT", brincou. Sobre
Fernando Henrique, acha que foi engolido pela política. "Essa história do
sociólogo militante, do intelectual militante... o dano que isso causa para a
formação dos alunos é enorme. O aluno não consegue mais separar ciência de
ideologia."
Martins
também é casado com uma socióloga, a professora aposentada da USP Heloisa
Helena Teixeira de Souza Martins. Tem duas filhas, ambas casadas: a mais velha
é geóloga e a caçula, psicóloga. Ainda amassando as batatas, volta a falar
sobre os protestos nas ruas e 2018. Acha um equívoco o PSDB tentar se colocar
como protagonista de um movimento histórico que surge nas ruas. "Nem eles
compreenderam. Não são os protagonistas disso. Não vão ser a alternativa. Com
esse quadro, acho que não. A verdade é que também não sei quem vai ser. Acho
que figuras como a Marina [Silva] podem ter [chance eleitoral]... A gente não
pode prever nem o que vai ser o Brasil na hora do jantar. Ligo a TV e já mudou
tudo... A impressão que tenho é que não vai ser nada que a gente está
esperando. Não posso ser candidato. Você pode?", brincou, dando risadas.
A
disciplina persegue o professor durante a sobremesa. Pede abacaxi com raspinhas
de limão. O garçom coloca uma bandeja com todos os doces portugueses
disponíveis no cardápio. "Os pastéis de Belém vocês servem quente, né? E
onde está aquele com massa folhada?", pergunta, querendo saber o paradeiro
dos pastéis de Santa Clara. Aguardamos o café e ele reforça não crer no
impeachment como a saída para o dilema político do país. Avalia, porém, que
Dilma carece de condições para governar e padece da falta de visão histórica do
processo político. Martins sugere a ela o caminho da renúncia, mas não como uma
saída tresloucada de Jânio Quadros (1917-1992). Um afastamento "por
cima", em que ela sugira o início de um pacto nacional. "Ela se
coloca acima do PT e dos partidos, se põe na posição de magistrada."
Comento que a presidente associa a renúncia à falta de resistência, até por seu
histórico político da época da ditadura. "Ela está errada. Nós não estamos
mais na guerrilha."
O
professor pede outro café, depois água. Portugal está de volta à conversa. Já
adulto, em sua primeira visita a Pedrinhas, quando a avó já havia morrido,
descobriu algo: seu pai era filho do padre da aldeia. Maria casou-se com um
parente próximo, certamente ciente do "pecado", cinco anos depois do
nascimento do pai de Martins. Ele passou boa parte da vida acreditando ser
aquele seu avô biológico. A avó nunca mencionou o nome do padre.
"Imagine... um pecadão deste tamanho. Devo ter me tornado assunto de fofoca
para mais de cem anos quando apareci em Pedrinhas. Nem novela da Globo consegue
um impacto desse na multidão", diz.
A
história é saborosa e está no livro "Uma Arqueologia da Memória Social:
Autobiografia de um Moleque de Fábrica", de 2011. Quando pedimos a conta,
me assusto com a hora. Martins levanta-se e tem disposição para mais fotos. Na
saída, engrena outra conversa: a visita de Rudyard Kipling ao Brasil, em 1927.
Sem dúvida, precisamos de mais cinco horas...
"Os
grupos que são estigmatizados pelo PT são historicamente grupos de classe
média, de famílias ricas, que sempre tiveram uma relação com os pobres que é a
relação da empregada doméstica, não é isso? Quer dizer: são grupos que nunca
deram o mínimo valor a essas populações mais simples. Sei o que é isso porque
vivi isso, fui vítima disso. E existe preconceito na esquerda, sim. E muito.
Acho que o que aconteceu tanto no discurso religioso quanto no discurso popular
do PT foi uma sistematização desse antagonismo, que era real -, mas que não era
mortal - e virou um discurso político", comenta. "Não era discurso
político. Era puro preconceito social. E o Lula e o PT criam o
contrapreconceito, que é preconceito também, de chamar de coxinha... Aí o lado
de lá chama de mortadela. Isso é preconceito. E é um preconceito para impugnar
o direito de palavra e de manifestação do outro, do que é diferente, do que é
antagônico."
Machado de Assis e o
preconceito racial
Posted
on 2 de Março de 2015
O
cúmulo do preconceito racial fere a dignidade humana e desrespeita inclusive a
história. Luis A R Branco
"Em
2011 foi exibido nos canais de televisão brasileiros um vídeo publicitário da
Caixa Econômica Federal (banco do estatal) onde Machado de Assis é representado
por uma personagem de pele branca, enquanto o mesmo era de origem negra."
CEF
– Machado de Assis ficou branco
Rui Falcão relaciona os blogueiros
que trabalham para o PT na internet
Íntegra Roda Viva Rui Falcão -
15/07/2013
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