Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 15 de setembro de 2022
Solução De Vida
(Molejo Dialético)
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Twitter
Carlos Latuff on Twitter: "Mas sei que uma dor assim pungente Não há de ser inutilmente A esperança Dança na corda bamba de sombrinha E em cada passo dessa linha Pode se
Aldir Blanc 1946 - 2020
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Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar...
João Bosco & Aldir Blanc
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"Quanto mais incompreensível é ela (a linguagem), mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito" (Os bruzundangas).
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Paulinho da Viola
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Acreditei na paixão
E a paixão me mostrou
Que eu não tinha razão
Acreditei na razão
E a razão se mostrou
Uma grande ilusão
Acreditei no destino
E deixei-me levar
E no fim
Tudo é sonho perdido
Só desatino, dores demais
Hoje com meus desenganos
Me ponho a pensar
Que na vida, paixão e razão,
Ambas têm seu lugar
E por isso eu lhe digo
Que não é preciso
Buscar solução para a vida
Ela não é uma equação
Não tem que ser resolvida
A vida, portanto, meu caro,
Não tem solução
compositores: JOSE RIBAMAR FERREIRA, PAULO CESAR BAPTISTA DE FARIA
álbum
Focus - O Essencial De Paulinho Da Viola - Paulinho da Viola
Gravadora: RCA Records Label
Ano: 1999
Faixa: 11
https://www.kboing.com.br/paulinho-da-viola/solucao-de-vida-molejo-dialetico/
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quinta-feira, 15 de setembro de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto* - Data vênia: o 2 de outubro não será o dia da melhor decisão
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
(...)
Outros que contem
Passo por passo
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
Meu tempo é quando
(Extratos de “Poética I” – Vinicius de Moraes)
Quando o presidente da República, candidato à reeleição, disse, ontem, pela primeira vez, 19 dias antes do pleito, que vencerá a eleição em primeiro turno, a afirmação sinalizou, mais que uma profecia, ou bravata, dita na contramão das pesquisas, que a sua candidatura, afinal, somou-se à do seu principal desafiante numa campanha pelo chamado “voto útil”. Agora tudo indica que o relativo sossego de Simone Tebet como alvo chegou ao fim. Cientes de que ela conquista muitas intenções de voto que, sem ela, iriam para o atual presidente, os capitães da campanha pela reeleição deverão mover sua artilharia para secar a candidatura do MDB/PSDB/Cidadania. Para Simone, um teste de fogo e um belo desafio.
No mesmo dia, pela boca do desafiante principal, que há mais de um ano lidera as pesquisas de intenção de voto, saiu a mesma voz de comando oficial. No caso do líder, sua voz agora apenas formaliza algo que até as pedras já anunciavam, pois sua campanha pelo voto útil começou há várias semanas, por muitas centenas, talvez milhares, de vozes informais espalhadas por redes de militância, mirando eleitores que intencionam votar em Ciro Gomes. Convergem nesse apelo apoiadores em vários setores da sociedade, assim como políticos de outros partidos que se juntaram à frente de esquerda liderada pelo PT.
A pressão, e/ou a convicção, por uma decisão final em primeiro turno tem reunido muito mais gente, além do comitê (ou QG, no jargão bélico da moda) da principal candidatura da oposição. Espalhou-se como fogo no breu pelas redes sociais mobilizadas, penetrou em ambientes onde se faz análises acadêmicas ou jornalísticas e é acolhida com simpatia e mesmo engajamento, por linhas editoriais da grande imprensa (à exceção do “Estadão”), em especial pela mídia televisiva da Globo e da CNN.
Até ontem, um dos mais frequentes argumentos em favor dessa onda do voto dito útil vinha sendo que tudo o que o candidato à reeleição desejaria era levar a eleição a um segundo turno. Por um raciocínio simples, que desafia a complexidade da cena, concluía-se que, sendo interesse de um lado, o segundo turno seria, consequentemente, contra o interesse do outro. Veremos como esse argumento fica agora, quando o discurso de tal candidato ganha um novo ingrediente, querendo entrar na mesma onda.
Da minha parte, o que desejo, neste artigo, é, como seu título anuncia, argumentar na contramão desse aparente consenso. Farei isso em dois sentidos: a pretensão em “liquidar a fatura” no primeiro turno é fútil (porque uma realidade básica se impõe a essa vontade política) e inconveniente, do ponto de vista daquilo que acredito ser o melhor interesse do nosso país e da nossa democracia. Desenvolverei o argumento sem perder de vista que polemizo, ao mesmo tempo, contra convicções idôneas e legítimas de quem pensa diferente de mim e também para propor mais reflexão e calma a quem assim se posiciona por pressão da onda e do medo, que essa onda explora, de que um segundo turno aumente as chances de golpe, de questionamento de resultados ou mesmo da reeleição do atual presidente. Sei que me oponho a certas posições razoáveis - que respeito – bem como a chantagens, que pretendo rebater.
Como último aviso prévio, antes de ir ao que mais interessa, declaro minha intenção de me concentrar na apresentação do caminho que considero melhor, reduzindo, ao máximo possível, a discussão sobre de quem é a “culpa” pelo tipo de campanha que temos até aqui, a qual considero abaixo da crítica, se levarmos em conta a gravidade do momento e o tipo de liderança política de que o país necessita.
Digo, para começar, que, seja qual for o desfecho da votação em 2 de outubro, não será decidida, nesse dia, a disputa que polariza as eleições e conflagra o ambiente político nos moldes de uma guerra. Ela prosseguirá por pelo menos mais três semanas, se os números apontarem para a necessidade de haver segundo turno e prosseguirá também, por tempo indeterminado, se houver formalmente um vencedor.
Se ocorrer o cenário menos provável, que é a reeleição do presidente em primeiro turno, essa grande surpresa só não será maior do que as consequências agravadoras da guerra. Toda imaginação é pouca para prever o grau de destruição das instituições e da vida coletiva que a legitimação eleitoral da atual gestão acarretará. Nas relações entre os poderes o que se pode supor não é a mera continuidade das atuais mazelas do poder patrimonialista do Legislativo, que hoje manieta um presidente fraco para manejar um orçamento secreto. Mais provável é cenário ainda pior, de um presidente autocrata empoderado pelas urnas trocar o sinal da perversão, tornando o orçamento público patrimônio do seu séquito mais familiar e subjugando o Congresso com seu ânimo de ditador e suas pautas reacionárias. No plano das relações com o Judiciário, basta que pensemos em quantos ministros do STF serão indicados por ele, além da possibilidade real de aumentar o número de ministros até obter a maioria. Some-se ainda a persistência da militarização da administração pública e pense-se também no que pode ocorrer com a imprensa e a sociedade civil com uma maior desenvoltura na organização e mobilização de milícias armadas a espalhar violência política em níveis imprevisíveis. Embora não se possa prever o futuro nos detalhes, porque a sociedade não é inerte, é mais do que evidente que a democracia sofrerá abalos bem maiores do que os que já sofreu no primeiro mandato e que a previsível resistência significará continuidade e agravamento da crise institucional com graves sequelas econômicas e sociais.
Ocorrendo - ao contrário e como é bem mais provável - a confirmação da vitória do atual líder das pesquisas pode-se supor também provável que o país não passe pelo tipo de drama que sumariei acima. Mas a guerra seguirá por tempo indeterminado, primeiro porque o preço da vitória será a consolidação do bolsonarismo como a grande força de oposição ao novo governo. Ainda que esse governo inicie cheio de intenções apaziguadoras, não é preciso esforço para avaliar o óbvio potencial desestabilizador e destrutivo desse tipo de oposição após uma campanha em que, mesmo perdendo a eleição, o populismo de extrema-direita terá dado uma indiscutível demonstração de força social e de mobilização política.
A perspectiva de continuidade de um ambiente político de conflagração permanente provém, ainda, de uma segunda razão: o fato de que em torno do candidato líder das pesquisas não se formou uma frente suficientemente ampla para garantir uma vitória que dê condições de se apresentar ao país um governo de união nacional e democrática contra a extrema-direita. A vitória em primeiro turno, se vier, levará ao governo uma frente de esquerda. Em um ano e meio de exposição, velada ou aberta, a candidatura mais bem colocada nas pesquisas, mesmo formando uma chapa que apontava para uma ampliação do seu espectro político, ainda não logrou sequer unir toda a esquerda. Pode ganhar a eleição em primeiro turno sem furar essa bolha, mas não desperta qualquer expectativa razoável de que, em tais condições, possa moderar o ambiente de conflagração política. O recente exemplo chileno bate, eloquente, à porta.
O cenário que se descortina não é, portanto, de retorno à estabilidade pacifica de um passado virtuoso. Se em 2003 foi preciso uma “Carta aos brasileiros”, como imaginar que se possa hoje, em momento econômico e social bem mais adverso e em clima político e ideológico muito mais beligerante, dispensar um aceno de entendimento político e programático com o centro democrático e o campo político liberal? O discurso da campanha insinua que esse aceno poderá vir, de algum modo hoje ignorado, após as eleições, pela sabedoria política do líder. Porém, esse líder tem repetido a narrativa de que Bolsonaro é produto de uma conspiração movida pela oposição liberal ao seu partido. O impeachment de 2016 segue sendo narrado como se fosse um golpe e as restrições do centro democrático à orientação econômica dos dois últimos governos petistas continuam sendo traduzidas ao grande público através de uma chave populista que considera essas restrições como sinais de uma política contra o povo, não diferenciando em nada – ao contrário, nivelando – os governos Temer e Bolsonaro. Caso a vitória venha no primeiro turno, a sabedoria negociadora do líder, guardada para depois de um solicitado voto de confiança nas urnas, só terá como alterar esse discurso populista através de um estelionato eleitoral. Tratar-se-ia, sem trocadilho, de uma temeridade, tendo em conta os humores bem menos ingênuos do eleitorado atual. Mais uma vez, impedir a reeleição no primeiro turno não será bastante para liquidar, realmente, a fatura. Esse serviço, indiscutivelmente útil, para durar, precisa ser bem feito.
Postos os argumentos de que a vitória em primeiro turno não é fazer a hora do “Jair embora”, resta argumentar porque o Brasil precisa de um segundo turno para fazer esse serviço bem feito. O líder precisa ir a todo mundo desde agora, para construir um segundo turno que não seja um prolongamento da constrangedora campanha de primeiro turno que estamos vendo. Suspender a pressão pelo voto útil, que interdita uma campanha política ampla. Mudar o discurso para sinalizar respeito às demais candidaturas democráticas. Anunciar disposição de diálogo para compor um programa de governo de segundo turno. Propor que partidos e comitês conversem desde já sobre as bases dessa aliança. Preparar o espírito da imprensa e da militância para tudo isso.
O segundo turno não pode ser visto como um mal, ou, no máximo, como provável fato que pode se tornar inevitável. Provável ele já é, por si mesmo. Precisa ser visto como desejável e, como tal, construído. Mais que desejável, necessário para que a democracia vença, através de um realinhamento de forças políticas na base de um amplo e aberto entendimento. Isso não garantirá uma paz posterior, mas fornecerá sementes para plantá-la. Depois de quatro anos de desgoverno, o país precisa de um presidente fortalecido, cujo poder pessoal e partidário seja, no entanto, moderado pela boa divergência, natural num governo de coalizão política e pela existência de uma vigilante e severa oposição democrática. Jogo político plural, civilizado, que isole e mande embora todo e qualquer extremismo.
Se houver delírio no que escrevo não creio que haja mais do que há na suposição de que algo de bom, ou mesmo de menos ruim, possa resultar de uma briga eleitoral como a que se trava agora diante de nossos olhos perplexos. A defesa da democracia não pode ser anunciada em vão. É coisa séria, implica em perdão, no sentido mais político que tem essa palavra, quer dizer, no sentido de condição para que se crie algo novo, em concerto. Por isso, o tipo de liderança realista que se requer é a da grande política, aquela que orienta e não apenas adula o povo e a militância, cujo comportamento é missão sua educar.
Assim, é preciso chamar o segundo turno, organizá-lo, evocando o espírito do Largo de São Francisco, aquele espírito que arrasta boa parte da sociedade civil e que é o escudo possível e necessário para se ir à luta com um mínimo de segurança contra um adversário sem escrúpulos e limites e que só pode ser contido, como já tantas vezes demonstrado, se for isolado por uma ampla convergência de contrários. Essa é uma obra que não pode ficar pronta no clima do primeiro turno, no qual é legitimo cada força política, partido ou candidatura, dizer a que veio e receber do eleitorado seu quinhão real de votos, que é a medida mais legítima da força a que terá direito num entendimento com vistas ao segundo turno.
A objeção mais frequente a que partidos e eleitorado desfrutem, na presente eleição, as vantagens dessa excelente regra que a Carta de 1988 nos legou é de que haver segundo turno seria perigoso porque trata-se de derrotar um golpista com laivos de fascista. Admito que esse argumento se apoia em algumas evidências, principalmente em duas. A primeira é que tentar virar a mesa diante de resultados desfavoráveis seria mais simples (ou menos complexo) num segundo turno porque não poria em dúvida eleições de governadores, senadores e deputados. A segunda, a de que o presidente ganharia mais tempo para tentar alcançar o líder nas intenções de voto, através de novos bons resultados provisórios na economia, de efeito retardado das transferências diretas de dinheiro aos mais pobres e a categorias sociais especificas e também de novas medidas de impacto que venha a adotar, atropelando a legislação eleitoral. Todos esses são inegáveis riscos. Mas podem ser relativizados. No caso dos receios de sucesso do golpismo, pelos sucessivos fracassos das tentativas do presidente nessa direção, até aqui. E no caso dos receios de avanços eleitorais do candidato à reeleição, a retrospectiva também aí não lhe é favorável, por indicadores como o da resiliência da sua re\jeição (tudo indica que em vez de sinais de escalada, estamos diante de uma batida no teto das intenções possíveis), tanto que a sua campanha, além de investir pesado para aumentar a rejeição do líder das pesquisas, já não pode abrir mão de buscar - também e já - votos nas áreas das candidaturas do MDB e do União Brasil. Logo essas que, segundo nove entre dez comentaristas de estratégias, seriam consideradas, por essa campanha da reeleição, como convenientes para permitir um segundo turno. Ciente de que o candidato tem uma rejeição proibitiva, parece que sua campanha à reeleição, sem outra opção disponível, passou a apostar naqueles dois movimentos para tentar se nivelar ao rival, ainda no primeiro turno.
Além dessas relativizações, é possível, sem desmentir a lista de riscos, oferecer uma contra-lista de vantagens igualmente possíveis, para as forças democráticas, da realização de um segundo turno. A eleição já garantida de deputados, senadores e governadores descartaria a possibilidade, que existiria no primeiro turno, do golpista contar com a adesão de perdedores estaduais. E que interesse passariam a ter parlamentares e governadores já eleitos de respaldarem uma aventura de um provável perdedor nas urnas, se a consequência poderia ser a de lidarem depois com uma situação autocrática de exceção, capaz de limitar o exercício de seus mandatos? No caso dos governadores eleitos é ainda mais intuitivo que busquem entendimento pragmático com quem apresenta uma expectativa de poder, de modo que, em vez de cruzarem os braços, poderiam se somar à defesa da legalidade. São hipóteses tão plausíveis quanto a de que seria mais simples melar uma eleição em segundo turno. No mínimo, há controvérsia.
Pode ser ainda mais extensa a lista de complicações eleitorais, para o candidato à reeleição, no caso de haver segundo turno. Suas supostas vantagens, acima apontadas, poderiam ser, no mínimo, neutralizadas, senão superadas, pela maior dificuldade, em um segundo turno decisivo, de recusar, sem pagar por isso um alto preço eleitoral, sua participação em entrevistas e debates, situações que, comprovadamente, lhe são desfavoráveis. Os palanques estaduais serão outra dificuldade, a julgar pelo escasso número de candidatos a governador bolsonaristas com reais chances de vencer eleições. Sem falar na previsível adesão de boa parte do centrão, seu aliado de ocasião, ao candidato que representar a maior chance de vitória. Adversas ao incumbente seriam também as pressões da opinião pública internacional e a inclinação política de governos de países relevantes. Paro por aqui, considerando serem bastantes esses motivos para que os eventuais riscos embutidos na hipótese de segundo turno não tenham efeito de um gás paralisante que nos leve a abrir mão de uma via mais segura para construir uma ampla e insofismável vitória não só da esquerda, mas de todo o campo democrático. Sim, é preciso impedir a reeleição, mas não só isso. Igualmente é preciso desidratar a extrema-direita de aliados na sociedade política e de apoio social embaixo para reduzir espaço a uma oposição destrutiva. Essa sim, será a melhor decisão possível e para persegui-la junto ao complexo eleitorado brasileiro tem faltado, à principal campanha da oposição, um gás político de qualidade e calibragem adequadas.
Tratar dessa unidade agora é dar trânsito prudente a uma vontade factível. O espírito do Largo de São Francisco é o justo meio entre a capitulação fatalista aos limites de uma campanha sem grande política e a aposta aventureira num duelo binário entre a esquerda e a extrema-direita, ainda que ele seja proposto em nome da defesa da democracia. Delírio é esperar que uma unidade no segundo turno se dê, por encanto, em torno do líder das pesquisas, depois de uma campanha que se torna conflitiva além da conta, também entre forças democráticas, em razão da pregação do voto dito útil. Sobre um terreno exaurido pela tentativa de colher frutos imaturos usando adubos artificiais, eventuais gestos de apoio que ocorrerem por gravidade ou chantagem política serão arremedos, incapazes de convencer eleitores.
O centro democrático, de quem muitos cobram esse gesto como se dele dependesse a eleição, a princípio naufragou, eleitoralmente, no mar do duelo binário. Mas conserva valor político e por isso encontra nas suas candidaturas sobreviventes meios de continuar a existir. A de Ciro Gomes tem resistido, em condições ásperas, com muitos méritos e alguns deméritos, ao apelo do voto “útil”, pregado intensamente na esquerda. Veremos como a de Simone Tebet resistirá ao que se prepara contra ela no campo oposto. Aqui arrisco, para concluir, uma posição mais afirmativa.
Penso que Simone Tebet precisa resistir e avançar. Sua candidatura existe para que todo o chamado centro democrático, um campo político imprescindível a uma democracia sólida, possa sair do poço em que mergulhou por razões múltiplas, que não cabe comentar agora. Ao mesmo tempo ela pode ser, para a esquerda, no segundo turno, o bote salva-vidas que, por sorte, ainda navega. Será uma chance de resgate para o líder e para a tripulação do seu espaçoso, mas ainda pouco povoado navio, se ele encalhar na disputa do eleitor de centro com seu principal rival, no momento em que a esse não resta, para ainda tentar se reeleger, outra opção senão ir ao centro. Há na unidade entre o centro e a esquerda um mútuo interesse que se encontra com o interesse público pela democracia. Se é fato que o líder de pesquisas de intenção de voto é sempre a opção eleitoral racionalmente viável para veicular a unidade, o caminho do centro é lhe oferecer o bote no segundo turno e não a sua própria vida, no primeiro.
Por outro lado - não nos enganemos – Bolsonaro vai cruzar o oceano para o funeral da rainha. Enquanto isso, em certos nichos da esquerda discute-se, em plena campanha eleitoral, a dívida que o império britânico teria deixado para com povos oprimidos. Se a esquerda desviar o foco político para tais labirintos e também sugar por pressão candidaturas centristas, Bolsonaro capturará o eleitor de centro.
*Cientista político e professor da UFBa
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Enciclopédia Global™
Pré-Modernismo - Enciclopédia Global™
https://www.megatimes.com.br/2012/07/pre-modernismo-e-contexto-historico.html
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"- Sendo assim, vocês recorreram à força e fizeram uma revolução, na crença equivocada de que o bem possa brotar da destruição."
CONTRAPONTO
A PARTE E O TODO
HEISENBERG
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'“Cabôco Mamadô” foi uma personagem caricatural criado pelo genial Henfil.
À época, causou polêmica por enterrar personalidades como, por exemplo, Elis Regina'
https://www.facebook.com/photo/?fbid=617231578739748&set=cab%C3%B4co-mamad%C3%B4-foi-uma-personagem-caricatural-criado-pelo-genial-henfil-apareceu-
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"Henfil tinha esculhambado Elis Regina na sua coluna ‘Cemitério do cabôco mamadô’ no jornal O Pasquim, por ela ter cantado numa solenidade das Olimpíadas do Exército, em 1972. Mas Henfil não sabia que Elis tinha recebido ameaças dos militares por ter feito declarações na Europa criticando a ditadura. Com a música ‘O bêbado e o equilibrista’ acabaram se reconciliando."
https://www.brasilpopular.com/o-brasil-trajando-luto-se-despede-de-aldir-blanc/
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O Bêbado e a Equilibrista
Elis Regina
Ouça O Bêbado e a Equili…
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar!
À esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
Ouça O Bêbado e a Equili…
Composição: João Bosco / Aldir Blanc / Charlie Chaplin / Geoffrey Parsons / John Turner.
https://www.letras.mus.br/elis-regina/45679/
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O Mestre Sala Dos Mares
João Bosco
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"Aldir enfrentou a censura na composição da música em homenagem ao líder da Revolta da Chibata, João Cândido, que era carinhosamente chamado pelo seu médico socialista Adão Pereira Nunes de Almirante Negro. O nome original da música era ‘Almirante negro’ ou ‘Navegante negro’, mas quando Aldir foi convocado para comparecer no Departamento de Censura, o policial negro disse que o título estava fazendo apologia ao negro. Aldir alterou o nome para ‘Mestre-sala dos mares’, como também as substituições palavras polacas e baleias. Polacas eram os nomes das prostitutas do Leste Europeu que viviam na região da zona do meretrício do Canal do Mangue, no Rio de Janeiro.
Para Dorival Caymmi: ‘Aldir Blanc é compositor carioca. É poeta da vida, do amor, da cidade. É aquele que sabe como ninguém retratar o fato e o sonho. Traduz a malícia, a graça e a malandragem. Se sabe de ginga, sabe de samba no pé. Estamos falando de ourives do palavreado’.
E para o inseparável parceiro João Bosco: ‘Não existe João sem Aldir’."
Sergio Caldieri é jornalista e escritor.
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O Mestre Sala Dos Mares
Elis Regina
https://www.kboing.com.br/elis-regina/o-mestre-sala-dos-mares/
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quinta-feira, 15 de setembro de 2022
William Waack - Lula precisa dizer
O Estado de S. Paulo
Não está claro se o líder nas pesquisas compreendeu as mudanças dos últimos 20 anos
Lula mantém nos debates e entrevistas uma referência central para dizer como governaria em 2023: o que ele pegou em 2003. Ocorre que o Brasil e o mundo mudaram muito e, para pior, do ponto de vista de um presidente da República. Vamos a algumas mudanças decisivas (a lista não é exaustiva).
A questão fiscal se agravou e virou um sério dilema representado pela quebra de um consenso social, que foi o de criar no Brasil um estado de bem-estar sem a capacidade de financiar crescentes gastos sociais. Lula estaria obrigado a combinar política monetária contracionista (para evitar inflação) com uma política fiscal expansionista (para fazer transferência de renda). Ainda não disse como.
No já ruim sistema de governo, o Legislativo avançou sobre o Executivo de maneira inédita e usurpou instrumentos de poder real. Emendas impositivas e do relator mudaram a característica da relação entre Planalto e Congresso, talvez de forma definitiva. O presidente, reconhece Lula, se tornou refém. Para governar, teria de alterar essa relação, mas não disse como.
O STF se tornou protagonista político. O próprio Lula é bom exemplo: foi e saiu da cadeia por decisões do STF. O ativismo judicial não é novidade, mas se acentuou com enorme velocidade nos últimos anos. Lula sempre disse que sabia lidar
com a política, mas não com o Judiciário, que estaria obrigado a enfrentar. Não disse como.
Partidos se enfraqueceram e pouco cumprem do que se imaginou que fosse seu papel constitucional. São ridiculamente mais de 30, numa maçaroca ideológica agravada pelo fato de que o sistema eleitoral não ajuda a reduzir a distância entre representantes e representados. Ambos os fatores têm peso no fracionamento do Legislativo e complicam a formação de maiorias sólidas. Além de muito conversar, Lula precisa dizer como alteraria o quadro.
Violência política não é novidade no Brasil. Mas Lula assumiria enfrentando uma oposição nutrida, aguerrida, motivada, mobilizada e liderada por um clã que provavelmente terá problemas na Justiça. Lula fala em pacificar o País, ao mesmo tempo que participa ativamente de festival de pauladas cuja escalada é preocupante. Não disse como conseguiria essa pacificação.
Por último (neste texto) vivia-se há 20 anos o período dos “dividendos da paz” com o fim da Guerra Fria e o boom das commodities. A China é hoje uma superpotência desafiando a ordem que os EUA chefiaram, e a guerra da Ucrânia é a expressão de nova e perigosa guerra fria. Lula precisaria dizer quais são os interesses do Brasil, que nunca foram idênticos aos do PT, nesse quadro internacional de enorme tensão.
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quinta-feira, 15 de setembro de 2022
Luiz Carlos Azedo - Voto útil não leva ninguém a votar puxado pelo nariz
Correio Braziliense
Quem está votando em Ciro ou Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição
Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.
A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.
O card é munição de baixo custo e alto impacto da campanha de Lula nas redes sociais, nas quais um vídeo do petista orienta seus apoiadores a intensificar a campanha, com aquele estilo inconfundível de líder sindical acostumado a agitar assembleia de trabalhadores com palavras de ordens e tiradas irônicas. “Quem gosta muito de telefone celular, quem fica agarrado o dia inteiro no celular, quem fica usando ‘zap’, fazendo tuíte, quem fica no Tik Tok, no Toc Toc, quem fica… sabe… é utilizar essa ferramenta para a gente conversar com as pessoas indecisas neste país, e pra gente mostrar a responsabilidade de mudar este país.”
Trecho de um discurso de palanque, o vídeo não é dos mais sedutores, mas funciona. A ordem é reproduzir cards, depoimentos, vídeos, tudo que possa de alguma forma esvaziar as candidaturas de Ciro e Simone. O problema é que o cidadão comum não vai votar levado pelo nariz por nenhum candidato. Não adianta terceirizar a responsabilidade. Não são as candidaturas de Ciro e Simone que vão inviabilizar uma vitória de Lula no primeiro turno.
Se o raciocínio for tão simples assim, Ciro e Simone também estão inviabilizando a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, no pressuposto de que os eleitores da chamada terceira via não têm preferência pelo petista. Essa é uma matemática que simplifica, mas não resolve, o problema eleitoral.
Lula queimou os navios com Ciro e vice-versa. O resultado prático pode ser o deslocamento do eleitor não-ideológico do pedetista para os braços de Bolsonaro. Simone está mais ao centro e vem fazendo uma campanha claramente anti-Bolsonaro. Seus eleitores poderiam derivar por gravidade para Lula no segundo turno. Mas como reagirão a esse tipo de ataque petista?
Para vencer no primeiro turno, tanto Lula como Bolsonaro teriam que seduzir os eleitores de centro. O presidente começa a se movimentar nessa direção, empurrado pelo fracasso da estratégia de confrontação ideológica, pelo resultado das pesquisas, pela orientação de seus marqueteiros e pelas pressões do Centrão, cujos políticos não são de pular na cova com o caixão.
Compromissos
Lula não quer conversa antes do segundo turno. Acredita que vencerá no primeiro sem ter que assumir compromissos políticos com essas forças, nos mesmos termos que assumiu com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu vice, e com Marina Silva. Qual a razão?
O Brasil é uma democracia de massas, com uma Constituição democrática de viés social liberal, e não social-democrata. Seu gesto em direção ao centro seria assumir compromisso com a democracia representativa e suas instituições de caráter liberal, não apenas abrir espaço para barganhas de natureza fisiológica, que serão inevitáveis quando precisar dos votos do Centrão, se for eleito.
Ciro tem um projeto neonacionalista, de viés desenvolvimentista, que estaria mais próximo do governo de Dilma Rousseff, que fracassou na política e na economia, do que do próprio governo Lula. A proposta mais populista de Ciro — renegociar as dívidas da população de baixa renda e “limpar” o nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) — foi encampada por Lula, antecipando-se a qualquer acordo que justificasse uma aliança entre ambos no segundo turno. Dificilmente haverá uma reaproximação entre ambos.
Simone tem um programa liberal social e um compromisso claro com o combate às desigualdades e à defesa dos direitos humanos. Sua agenda social é plenamente coincidente com a de Lula, mas a política econômica, não. O petista faz disso um mistério, mas todo mundo sabe que só há duas maneiras de enfrentar a crise fiscal: reduzindo gastos ou aumentando os impostos.
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Pré-Modernismo
#Pré-ModernismoO que se convencionou chamar de Pré-Modernismo, no Brasil, não constitui uma "escola literária", ou seja, não temos um grupo de autores afinados em torno de um mesmo ideário, seguindo determinadas características. Na realidade, Pré-Modernismo é um termo genérico que designa uma vasta produção literária que abrangeria os primeiros 20 anos deste século. Aí vamos encontrar as mais variadas tendências e estilos literários, desde os poetas parnasianos e simbolistas, que continuavam a produzir, até os escritores que começavam a desenvolver um novo regionalismo, além de outros mais preocupados com uma literatura política e outros, ainda, com propostas realmente inovadoras.
Por apresentarem uma obra significativa para uma nova interpretação da realidade brasileira e por seu valor estilístico, limitaremos o Pré-Modernismo ao estudo de Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos. Assim, abordaremos o período que se inicia em 1902 com a publicação de dois importantes livros - Os sertões, de Euclides da Cunha, e Canaã, de Graça Aranha - e se estende até o ano de 1922, com a realização da Semana de Arte Moderna.
A literatura brasileira atravessa um período de transição nas primeiras décadas do século XX. De um lado, ainda há a influência das tendências artísticas da segunda metade do século XIX; de outro, já começa a ser preparada a grande renovação modernista, que se inicia em 1922, com a Semana de Arte Moderna. A esse período de transição, que não chegou a constituir um movimento literário, chamou-se Pré-Modernismo.
Nas duas primeiras décadas do século, nosso país passou por várias transformações que apontavam para uma modernização de nossa vida política, social e cultural.
Politicamente, vivia-se o período de estabilização do regime republicano e a chamada "política do café-com-leite", com a hegemonia de dois Estados da federação: São Paulo, em razão de seu poder econômico, e Minas Gerais, por possuir o maior colégio eleitoral do país.
Embora não tivesse absorvido toda a mão-de-obra negra disponível desde a Abolição, o país recebeu nesse período um grande contingente de imigrantes para trabalhar na lavoura do café e na indústria.
Os imigrantes italianos, que se concentraram na indústria paulista, trouxeram consigo ideias anarquistas e socialistas, que ocasionaram o aparecimento de greves, de crises políticas e a formação de sindicatos.
Do ponto de vista cultural, o período foi marcado pela convivência entre várias tendências artísticas ainda não totalmente superadas e algumas novidades de linguagem e de ideologia. Esse período, que representou um verdadeiro cruzamento de ideias e formas literárias, é chamado de Pré-Modernismo.
As novidades - Embora os autores pré-modernistas ainda estivessem presos aos modelos do romance realista-naturalista e da poesia simbolista, ao menos duas novidades essenciais podem ser observadas em suas obras:
Interesse pela realidade brasileira: os modelos literários realistas-naturalistas eram essencialmente universalizantes. Tanto na prosa de Machado de Assis e Aluísio Azevedo quanto na poesia dos parnasianos e simbolistas, não havia interesse em analisar a realidade brasileira. A preocupação central desses autores era abordar o homem universal, sua condição e seus anseios. Aos escritores pré-modernistas, ao contrário, interessavam assuntos do dia-a-dia dos brasileiros, originando-se, assim, obras de nítido caráter social. Graça Aranha, por exemplo, retrata em seu romance Canaã a imigração alemã no Espírito Santo; Euclides da Cunha, em Os sertões, aborda o tema da guerra e do fanatismo religioso em Canudos, no sertão da Bahia; Lima Barreto detém-se na análise das populações suburbanas do Rio de Janeiro; e Monteiro Lobato descreve a miséria do caboclo na região decadente do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo. A exceção está na poesia de Augusto dos Anjos, que foge a esse interesse social. A busca de uma linguagem mais simples e coloquial. embora não se verifique essa preocupação na obra de todos os pré-modernistas, ela é explícita na prosa de Lima Barreto e representa um importante passo para a renovação modernista de 1922. Lima Barreto procurou "escrever brasileiro", com simplicidade. Para isso, teve de ignorar muitas vezes as normas gramaticais e de estilo, provocando a ira dos meios acadêmicos conservadores e parnasianos.
Contexto histórico - Enquanto a Europa se prepara para a Primeira Guerra Mundial, o Brasil começa a viver, a partir de 1894, um novo período de sua história republicana. Os dois primeiros presidentes do Brasil, após a proclamação da República, eram militares: o marechal Deodoro da Fonseca e o marechal Floriano Peixoto. O primeiro presidente civil, o paulista Prudente de Morais, tomou posse em 1894. Com ele, teve início uma alternância de poder conhecida como "café-com-leite", que se manteve durante as três primeiras décadas do século XX. A expressão designa a política estabelecida, mediante acordo tácito, pelos estados de São Paulo e Minas Gerais. A economia do primeiro baseava-se na cultura e exportação do café; a de Minas Gerais, na produção de café e de laticínios.
O advento da República acentuou ainda mais os contrastes da sociedade brasileira: os negros, recém-libertados, marginalizaram-se; os imigrantes chegavam em razoável quantidade para substituir a mão-de-obra escrava,- surgia uma nova classe social: o proletariado, camada social formada pelos assalariados.
Resumindo: de um lado, ex-escravos, imigrantes e proletariado nascente; de outro, uma classe conservadora, detentora do dinheiro e do poder. Mas toda essa prosperidade vem acentuar cada vez mais os fortes contrastes da realidade brasileira
Da tensão entre esses dois polos sociais resultou, direta ou indiretamente, um panorama nada tranquilo, época de agitações sociais. Do abandonado Nordeste partem os primeiros gritos de revolta: no final do século XIX, na Bahia, ocorre a Revolta de Canudos, tema de Os sertões, de Euclides da Cunha; nos primeiros anos do século XX, o Ceará é palco de conflitos, tendo como figura central o padre Cícero, o famoso "Padim Ciço"; o sertão vive o tempo do cangaço, com a figura lendária de Lampião.
Em 1904, o Rio de Janeiro assiste a uma rápida mas intensa revolta popular, sob o pretexto aparente de lutar contra a vacinação obrigatória idealizada por Oswaldo Cruz; na realidade, trata-se de uma revolta contra o alto custo de vida, o desemprego e os rumos da República. Em 1910, há outra importante rebelião, dessa vez dos marinheiros, liderados por João Cândido, o "almirante negro", conhecida corno Revolta da Chibata, contra o castigo corporal. Ao mesmo tempo, em São Paulo, as classes trabalhadoras, sob orientação anarquista, iniciam os movimentos grevistas por melhores condições de trabalho.
Embora as tensões sociais explodissem em focos diversos, a riqueza do país aumentava cada vez mais: a economia cafeeira no Sudeste atingia seu período áureo, assim como a cultura e a comercialização da borracha na Amazônia.
A rápida urbanização de São Paulo é um índice da riqueza do país, concentrada na mão dos poucos indivíduos que compunham a elite.
Foi nesse contexto, aqui rapidamente delineado, que surgiram mudanças na arte brasileira. Essas agitações são sintomas da crise na "Republica-do café-com-leite", que se tornaria mais evidente na década de 1920, servindo de cenário ideal para os questionamentos da Semana de Arte Moderna.
Características - Apesar de o Pré-Modernismo não constituir uma "escola literária", apresentando individualidades muito fortes, com estilos — às vezes antagônicos — como é o caso, por exemplo, de Euclides da Cunha e de Lima Barreto, podemos perceber alguns pontos comuns às principais obras pré-modernistas:
Apesar de alguns conservadorismos, o caráter inovador de algumas obras, que representa uma ruptura com o passado, com o academismo; a linguagem de Augusto dos Anjos, ponteada de palavras "não-poéticas", como cuspe, vômito, escarro, vermes, era uma afronta a. poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto ironiza tanto os escritores "importantes" que utilizavam uma linguagem pomposa quanto os leitores que se deixavam impressionar: "Quanto mais incompreensível é ela (a linguagem), mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito" (Os bruzundangas).
A denúncia da realidade brasileira, negando o Brasil literário herdado do Romantismo e do Parnasianismo; o Brasil não-oficial do sertão nordestino, dos caboclos interioranos, dos subúrbios, é o grande tema do Pré-Modernismo.
Regionalismo, montando-se um vasto painel brasileiro: o Norte e o Nordeste com Euclides da Cunha; o vale do Paraíba e o interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com Graça Aranha; o subúrbio carioca com Lima Barreto.
Os tipos humanos marginalizados: o sertanejo nordestino, o caipira, os funcionários públicos, os mulatos.
Uma ligação com fatos políticos, econômicos o sociais contemporâneos, diminuindo a distância entre a realidade e a ficção. São exemplos: Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (retrata o governo de Floriano e a Revolta da Armada), Os sertões, de Euclides da Cunha (um relato da Guerra de Canudos), Cidades mortas, de Monteiro Lobato (mostra a passagem do café pelo vale do Paraíba paulista), e Canaã, de Graça Aranha (um documento sobre a imigração alemã no Espírito Santo).
Como se observa, essa "descoberta do Brasil" é a principal herança desses autores para o movimento modernista, iniciado em 1922.
O Pré-Modernismo é uma fase de transição e, por isso, registra :
Um traço conservador - A permanência de características realistas/naturalistas, na prosa, e a permanência de um poesia de caráter ainda parnasiano ou simbolista.
Um traço renovador - Esse traço renovador — como ocorreu na música — revela-se no interesse com que os novos escritores analisaram a realidade brasileira de sua época: a literatura incorpora as tensões sociais do período. O regionalismo — nascido do Romantismo — persiste nesse momento literário, mas com características diversas daquelas que o animaram durante o Romantismo. Agora o escritor não deseja mais idealizar uma realidade, mas denunciar os desequilíbrios dessa realidade. Esse tom de denúncia é a inovação nessa tentativa de "pintar" um retrato do Brasil. Além disso, dois dos mais importantes escritores da época — Lima Barreto e Monteiro Lobato — deixaram claro sua intenção de escrever numa linguagem mais simples, que se aproximasse do coloquial.
Na maior parte da obras pré-modernistas é imediata a relação entre o assunto e a realidade contemporânea ao escritor:
Em Triste fim de Policarpo Quaresma, romance mais importante de Lima Barreto, o escritor denunciou a burocracia no processo político brasileiro, o preconceito de cor e de classe e incorporou fatos ocorridos durante o governo do Marechal Floriano.
Em Os Sertões, Euclides da Cunha fez a narrativa quase documental da Guerra de Canudos.
Em Canaã, Graça Aranha analisa minuciosamente os problemas da fixação dos imigrantes em terras brasileiras.
Em Urupês e Cidades mortas, Monteiro Lobato destaca a decadência econômica dos vilarejos e da população cabocla do Vale do Paraíba, durante a crise do café.
Na poesia, o único poeta importante a romper com o bem-comportado vocabulário parnasiano foi Augusto dos Anjos.
Literatura Total
https://www.megatimes.com.br/2012/07/pre-modernismo-e-contexto-historico.html
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Elis Regina O Bêbado e A Equilibrista
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O Brasil trajando luto se despede de Aldir Blanc
por Sergio Caldieri em 8 de maio de 2020
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Na foto, João Bosco e Aldir Blanc
Entre tantas tristezas, acabamos de perder um dos mais politizados compositores da MPB, o carioquíssimo Aldir Blanc, aos 73 anos, no último dia 4 de maio, de Covid 19, no Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro. O letrista nasceu em 2 de setembro de 1946, no bairro do Estácio e cresceu na Vila Isabel, terra de Noel, onde subia na goiabeira para ler Machado de Assis.
Em 1970, Aldir Blanc participou do Movimento Artístico Universitário-MAU, que se reuniam na casa de um médico na Rua Jaceguai, 27, no bairro da Tijuca. O anfitrião era Aluizio Porto Carreiro de Miranda que tinha tocado na Orquestra do Cassino da Urca e recebia nos seus saraus, nada menos que, Donga, Bororó, João do Vale, Násssara, Clementina de Jesus e Cartola.
As filhas adolescentes Angela e Regina passaram a convidar os amigos para os encontros musicais nas sextas-feiras. Acabou formando um grupo MAU que participou dos festivais universitários da TV Tupi, entre eles: Gonzaguinha, Lucinha e Ivan Lins, César Costa Filho, Eduardo Lages, Marcio Proença, Ruy Mauriti, Silvio da Silva Jr., Aldir Blanc e tantos outros.
Aldir estudou Medicina com especialização em psiquiatria, mas abandonou a carreira. Os pacientes perderam um ótimo psiquiatra, mas os brasileiros ganharam um dos mais consagrados músicos que compôs cerca de 600 obras, e suas parcerias de João Bosco foram 120 músicas.
Suas músicas sempre retrataram os costumes e cotidianos do povo carioca, desde a goiabada cascão, os boias-frias, um corpo estalado no chão, os pingentes nos trens da Central do Brasil, o viaduto que caiu na Avenida Paulo de Frontin, em 1972, as personalidades escamoteadas pelos historiadores oficiais, dos meninos da Nicarágua, as críticas da ditadura militar que pedia a volta dos exilados e dos assassinatos políticos.
Para Aldir Blanc, o Brasil continua não conhecendo o Brasil, desde o autoritarismo da ditadura militar, as desigualdades e injustiças das suas populações.
Uma das suas mais brilhantes composições ‘O bêbado e o equilibrista’ surgiu quando o seu parceiro João Bôsco fez uma letra para homenagear a morte do genial Charles Chaplin no natal de 1977. João mandou a letra para Aldir. Na época, Aldir participava das reuniões para formação da campanha da Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita na Associação Brasileira de Imprensa-ABI, em 1978. Numa delas, encontrou o cartunista Henfil e seu irmão músico Chico Mário que relataram a história do seu irmão exilado no Chile e depois no México, após o golpe militar de 1964.
Aldir resolveu acrescentar na música ao Chaplin a homenagem aos exilados, e acabou acrescentando o Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil, pois ele nem sabia o nome do exilado político. Como também acrescentou choram Marias e Clarices, em homenagem às viúvas do operário Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, ambos assassinados nos porões do tenebroso DOI-Codi em São Paulo.
Bosco e Aldir mandaram a música para Elis Regina que acabou gravando no disco ‘Essa mulher’, em 1979, e tornou-se o Hino da Anistia que emocionava os presentes nas chegadas dos exilados nos Aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo. O irmão do Henfil era o Heberth de Souza, o Betinho que criou a campanha da fome no Brasil, nos anos 80. Henfil tinha esculhambado Elis Regina na sua coluna ‘Cemitério do cabôco mamadô’ no jornal O Pasquim, por ela ter cantado numa solenidade das Olimpíadas do Exército, em 1972. Mas Henfil não sabia que Elis tinha recebido ameaças dos militares por ter feito declarações na Europa criticando a ditadura. Com a música ‘O bêbado e o equilibrista’ acabaram se reconciliando.
Aldir enfrentou a censura na composição da música em homenagem ao líder da Revolta da Chibata, João Cândido, que era carinhosamente chamado pelo seu médico socialista Adão Pereira Nunes de Almirante Negro. O nome original da música era ‘Almirante negro’ ou ‘Navegante negro’, mas quando Aldir foi convocado para comparecer no Departamento de Censura, o policial negro disse que o título estava fazendo apologia ao negro. Aldir alterou o nome para ‘Mestre-sala dos mares’, como também as substituições palavras polacas e baleias. Polacas eram os nomes das prostitutas do Leste Europeu que viviam na região da zona do meretrício do Canal do Mangue, no Rio de Janeiro.
Para Dorival Caymmi: ‘Aldir Blanc é compositor carioca. É poeta da vida, do amor, da cidade. É aquele que sabe como ninguém retratar o fato e o sonho. Traduz a malícia, a graça e a malandragem. Se sabe de ginga, sabe de samba no pé. Estamos falando de ourives do palavreado’.
E para o inseparável parceiro João Bosco: ‘Não existe João sem Aldir’.
Sergio Caldieri é jornalista e escritor.
https://www.brasilpopular.com/o-brasil-trajando-luto-se-despede-de-aldir-blanc/
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