- O Estado de S.Paulo
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
Bolsonaro troca vídeo impróprio por outro em
que conclama a população contra o Congresso
Pensei que a coluna mais grave que
escreveria para jogar água no chope do carnaval do leitor seria a do último
domingo, quando apontei as muitas semelhanças entre os últimos passos do
bolsonarismo e o chavismo venezuelano.
A militarização do Palácio do Planalto
e o incentivo declarado do presidente Jair Bolsonaro e de sua família a
levantes inconstitucionais, com características de motim, das polícias
militares eram as evidências mais recentes.
Mas o presidente da República resolveu
fornecer mais lenha para a fogueira em que ele e seu governo queimam a
institucionalidade um pouco a cada dia.
Usando o WhatsApp de seu celular
pessoal, com o brasão da República como avatar, o presidente aproveitou a folga
carnavalesca deste ano não para compartilhar vídeo de golden shower, mas para
algo mais grave: compartilhar um vídeo em que é apresentado como candidato a
mártir, que teria arriscado a vida e quase morrido para salvar o povo, e ao
qual o mesmo povo deveria uma recompensa: ir às ruas no próximo dia 15 de março
se manifestar contra o Congresso.
Obtive a postagem presidencial e
publiquei o print e a íntegra do vídeo de inspiração golpista, que usa o Hino
Nacional como trilha sonora, no BR Político nesta terça-feira.
No texto que envia juntamente com o
vídeo, o presidente escreve:
“- 15 de março.
Gen Heleno/Cap Bolsonaro.
O Brasil é nosso,
Não dos políticos de sempre.”
Nas legendas intercaladas a imagens
entre vitimizadoras e triunfalistas de Bolsonaro, aparecem frases como “Ele foi
chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos
por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e
sanguinária por nós”.
Bolsonaro seria a “única esperança” de
dias melhores e, por isso, as pessoas precisariam ir às ruas mostrar que o
apoiam e rejeitam os “inimigos” do Brasil.
O ato do dia 15 foi convocado
imediatamente após o vazamento, no sistema de som do próprio Planalto, de uma
conversa em que o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, chama os congressistas de “chantagistas”, manda um palavrão e
sugere que as pessoas deveriam ir às ruas se manifestar contra o Congresso.
Nas convocações que circulam pelas
redes sociais, Heleno, o vice-presidente Hamilton Mourão e outros generais
aparecem fardados e textos dizem que eles aguardam “ordens do povo”. E exortam:
“Fora Maia e Alcolumbre”.
Responsável pela área de inteligência
do governo, é no mínimo irônico que Heleno tenha se “descuidado” sabendo que o
evento do qual participava estava sendo transmitido ao vivo.
A rapidez e coordenação da convocação
para o ato, bem como a produção bastante cuidadosa do vídeo, mostram uma
correia de transmissão que chega ao presidente da República.
Ele faz a convocação em seu nome e de
Heleno, mas faz questão de usar suas patentes militares, e não seus cargos
civis. O presidente da República se apresenta como “capitão” e estende o
convite ao seu ministro mais próximo, chamado de “general”.
É de uma gravidade inaudita até para
os padrões bolsolavistas o que aconteceu nesse carnaval. Trata-se de o
presidente, sem intermediários das milícias virtuais a soldo, conclamando as
pessoas a participarem de um ato contra o Congresso Nacional.
Bolsonaro instiga a rua contra os
demais Poderes, algo inadmissível numa democracia e em plena vigência da
Constituição.
Não é a primeira vez que escrevo isso,
mas insisto: já passou da hora de as instituições colocarem freios não só na
língua e no zap do presidente, mas em suas ações. Sob pena de que, quando
decidirem fazê-lo, tenham perdido essas condições legais e políticas.
http://gilvanmelo.blogspot.com/2020/02/vera-magalhaes-golden-shower-ano-2.html
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