Alguns
jurados riram. Num ambiente sombrio, um pouco de humor é essencial. No
intervalo das batalhas, os soldados costumam rir com facilidade, e uma tirada
num velório conquista pela surpresa.
- Estávamos
esperando o senhor - disse o legista. - Precisamos terminar com isto esta
noite.
[...]
- A
história que o senhor mandou para seu jornal provavelmente será diferente
daquela que contará aqui, sob juramento.
[...]
- Mas se o
senhor mesmo diz que é inacreditável.
- Que importância tem isto para o senhor, se estou jurando que é a
verdade?
AMBROSE BIERCE
(1842-1914 | Estados Unidos)
Escritor e
jornalista de vida aventureira - personagem de sua própria existência e da
literatura (ele é o Gringo Velho, do romance de Carlos Fuentes) -, Ambrose
Bierce lutou na Guerra de Secessão e mais tarde desapareceu como combatente da
Revolução Mexicana. Famosíssimo em vida como autor do demolidor The Devil’s
Dictionary, com verbetes de sátiras culturais e políticas, ele foi sobretudo um
contista marcante, escrevendo sobre a guerra, contos de humor (vide Os Cem
Melhores Contos de Humor. ..) e de horror, como os dois que seguem..
I - Nem sempre se
come o que está na mesa
À luz de uma vela de sebo, colocada na extremidade da mesa tosca, um
homem lia alguma coisa escrita num livro. Era um velho livro-caixa, bastante
usado, e a caligrafia não parecia ser legível e, às vezes, ele aproximava o
livro da vela para ler melhor. Nestes momentos, a sombra do livro jogava metade
da sala na escuridão, apagando vários rostos e silhuetas, porque, além daquele
que lia, havia mais oito homens na sala. Sete deles estavam sentados, em
silêncio e imóveis, contra a tosca parede de troncos; como a sala era pequena,
não estavam muito distantes da mesa. Estendendo o braço, qualquer um deles
poderia tocar no oitavo homem que estava deitado na mesa, com o rosto para
cima, em parte coberto por um lençol, com os braços ao lado do corpo. Estava
morto.
O homem lia em silêncio, e ninguém falava; pareciam todos à espera de
algum acontecimento. Só o morto não tinha expectativas. Vindos da escuridão lá
fora, entravam pelo buraco que servia de janela os sons sempre estranhos da noite
no mato: a nota longa e indescritível de um coiote ao longe; o pulsar vibrante
e incansável dos insetos nas árvores; os gritos de aves noturnas, tão
diferentes dos pássaros do dia; o zumbido monótono e os choques de enormes
besouros, e todo o misterioso coro de pequenos ruídos, que sempre parece não
existir, até quando de repente silencia e nos deixa como que conscientes de que
fomos indiscretos. Mas aquele grupo não notava nada de tudo isto, seus membros
não eram pessoas inclinadas ao interesse ocioso por assuntos que não tivessem
uma importância prática, mesmo sob a luz fraca da única vela, isto era óbvio,
em cada vinco de seus rostos rudes.
A pessoa lendo era um pouco diferente; olhando para ela, podia-se dizer
que era um homem do mundo, mundano, e ainda assim algo em suas roupas atestava
uma certa familiaridade com o ambiente. Seu casaco dificilmente seria aprovado
numa inspeção em São Francisco, seus calçados não tinham uma origem urbana, e
aquele chapéu, no chão, ao seu lado (ele era o único com a cabeça descoberta),
era de tal sorte, que seria inexplicável para quem o avaliasse apenas como um
elemento de adorno. Tinha um belo rosto, com apenas uma leve sugestão de
severidade, embora isto pudesse ser uma pose cultivada, como traço necessário a
uma autoridade. Porque ele era o legista. Era em função de seu cargo que estava
de posse do livro que lia, que fora encontrado entre os haveres do morto, na cabana
em que vivera, e onde agora se realizava o inquérito.
Quando terminou a leitura, guardou o livro, com cuidado, no bolso do
peito. Naquele momento, a porta foi empurrada e entrou um homem. Era jovem e
claramente não nascera, nem fora criado, naquelas montanhas. Suas roupas, de
alguém que vivia numa cidade, estavam, no entanto, empoeiradas como após
uma viagem. De fato, ele cavalgara muito para comparecer ao inquérito.
O legista acenou com a cabeça, mas ninguém mais o cumprimentou.
- Estávamos esperando o senhor - disse o legista. - Precisamos terminar
com isto esta noite.
O jovem que acabara de entrar sorriu.
- Sinto muito tê-los feito esperar - disse -, mas se parti, não foi para
evitar este inquérito, precisava despachar para meu jornal a história que creio
ser a mesma que me chamaram de volta aqui para relatar.
O legista sorriu.
- A história que o senhor mandou para seu jornal provavelmente será
diferente daquela que contará aqui, sob juramento.
- Assim é - disse o jovem, com bastante veemência e corando visivelmente
no rosto - como o senhor gostaria que fosse. Usei carbono e tenho uma cópia do
que enviei. Não escrevi como notícia, mas como uma peça de ficção, por ser
inacreditável. Gostaria de incluir esta cópia como parte de meu testemunho sob
juramento.
- Mas se o senhor mesmo diz que é inacreditável.
- Que importância tem isto para o senhor, se estou jurando que é a
verdade?
O legista ficou em silêncio por algum tempo, olhando para o chão. Os
homens perto da parede murmuraram alguma coisa entre eles, sem desviar o olhar
do rosto do morto. Depois o legista levantou os olhos e disse:
- Vamos prosseguir com o inquérito.
Os homens tiraram o chapéu enquanto a testemunha prestava seu juramento.
- Qual é o seu nome? - perguntou o legista.
- William Harker.
- Idade?
- Vinte e sete anos.
- O senhor conhecia o falecido, Hugh Morgan?
- Sim.
- Estava com ele quando morreu?
- Perto dele.
- Como isto aconteceu, quero dizer, o fato de sua presença?
- Eu vim visitá-lo, para a gente caçar e pescar. Parte da minha
intenção, no entanto, era estudá-lo e a seu estranho e solitário modo de vida.
Ele me parecia um ótimo modelo para um personagem de ficção. Às vezes, escrevo
contos.
- Já li alguns.
- Obrigado.
- Quero dizer contos em geral, não os seus.
Alguns jurados riram. Num ambiente sombrio, um pouco de humor é
essencial. No intervalo das batalhas, os soldados costumam rir com facilidade,
e uma tirada num velório conquista pela surpresa.
- Relate as circunstâncias da morte deste homem - disse o legista. - O
senhor pode usar as anotações que desejar.
A testemunha entendeu. Tirando um manuscrito do bolso, levou-o para
diante da vela; depois de virar algumas páginas, encontrou a passagem que
procurava e começou a ler.
II - O que pode acontecer num campo de aveia silvestre
" ... O sol mal se levantara quando saímos da casa. Estávamos em
busca de perdizes, cada um com uma espingarda, mas tínhamos apenas um
cachorro. Morgan disse que o melhor lugar para perdizes era depois de uma
ravina, que ele apontou com o dedo. Nós a atravessamos por uma trilha através
do chaparral. Do outro lado, o terreno era plano e completamente coberto de
aveia silvestre. Quando saímos do chaparral, Morgan estava alguns metros
adiante de mim. De repente ouvimos, a uma pequena distância a nossa frente, um
pouco para a direita, um ruído como de um animal se arrastando no meio dos
arbustos, que podíamos ver agitados.
- Levantamos um veado - eu disse. - Queria ter trazido um rifle.
Morgan, que parara e observava atentamente o chaparral, não disse nada,
mas engatilhou os dois canos de sua espingarda, pronto para atirar. Eu o achei
um pouco excitado, o que me surpreendeu, pois conhecia sua reputação de extremo
sangue-frio, mesmo em situações de iminente e repentino perigo.
- Espere aí! - exclamei. - Não vai encher o couro de um veado com este
chumbo de perdiz, vai?
Continuou sem responder, mas vi um pouco de seu rosto quando o moveu no
sentido em que estava, e me espantou a intensidade em seu olhar. Naquele
momento, entendi que tínhamos um problema sério nas mãos. O primeiro que me
ocorreu foi que esbarráramos num urso. Avancei, para colocar-me ao lado de
Morgan, enquanto engatilhava minha arma.
O mato se aquietara e o barulho cessara, mas Morgan olhava, atento
como antes, para o lugar de onde viera.
- Que diabo é isto? - perguntei.
- A 'coisa maldita'! - respondeu sem voltar a cabeça. Sua voz era
áspera, e soava pouco natural; podia vê-lo tremer.
Estava a ponto de dizer alguma coisa quando vi a aveia silvestre, perto
de onde viera o barulho, movendo-se de forma tão inexplicável que é difícil
descrever. Era como se um vento a tocasse e a fizesse não apenas se inclinar,
mas a amassasse com tanta força contra o solo que as folhas não voltavam a
levantar, e este movimento avançava lentamente na nossa direção.
Nada do que já vira antes me afetara tanto quanto este estranho e
inexplicável fenômeno, ainda assim, não me lembro de sentir nenhum medo.
Lembro-me de uma vez (e conto isto porque foi o que me passou pela mente,
naquele momento) em que olhando pela janela por alguns segundos, confundi uma
pequena árvore, próxima de mim, como parte de um grupo de árvores maiores, um
pouco mais distantes, ao fundo. Dava a impressão de ser do mesmo tamanho das
outras, mas, sendo mais bem definida em detalhes e cor, parecia em desarmonia
com elas. Era apenas uma ilusão de ótica falsificando as leis naturais de
perspectiva, mas me espantou e encheu de um quase terror. Confiamos tanto no
funcionamento ordenado e familiar das leis da natureza, que percebemos como uma
ameaça à nossa segurança, um aviso de calamidade impensável, qualquer coisa que
pareça ir contra elas. Assim, aquele movimento, aparentemente sem causa e
avançando em nossa direção, era inquietante. Meu companheiro parecia mesmo
amedrontado, e quase não pude acreditar quando o vi apertar a espingarda contra
o ombro e descarregar os dois cartuchos contra aquela agitação nas folhas.
Antes que a fumaça dos disparos desaparecesse, ouvi alto um grito selvagem - um
grito como o de uma fera - e vi Morgan, que, largando a espingarda, escapava
correndo do lugar. No mesmo instante, fui jogado violentamente ao chão pelo
impacto de alguma coisa invisível na fumaça, alguma coisa pesada e macia que
apenas me tocara de passagem com enorme força.
Antes que pudesse me levantar e recuperar minha arma, arrancada de minha
mão pelo impacto, ouvi Morgan gritando em agonia, e, misturados a seus
gritos, ouvi ruídos selvagens, como aqueles que se ouvem saindo das gargantas
de cães em luta. Aterrorizado, consegui ficar de pé e olhei na direção para
onde fugira Morgan. Que Deus me ajude, e que nunca mais eu veja coisa igual! A
uma distância de menos de trinta metros, vi meu amigo, apoiado em um joelho,
sem chapéu e com a cabeça atirada para trás num ângulo assustador, com os
longos cabelos em desordem e o corpo sacudido por espasmos. Seu braço direito
levantado parecia não ter a mão (ou eu não podia vê-Ia). O outro braço era
invisível. Às vezes, quando me lembro agora desta cena incrível, podia ver
apenas uma parte de seu corpo, como se sua imagem houvesse sido parcialmente apagada
(é a única expressão que me ocorre), e então, um movimento o tornava visível
outra vez.
Tudo isto se passou em poucos segundos. Ainda assim, naquele breve
tempo, Morgan assumiu todas as posturas de um lutador derrotado por um oponente
mais forte e mais pesado. Eu só via ele, e às vezes indistintamente. Durante
todo tempo, seu gritos e imprecações foram envolvidos por um rumor selvagem, e
cheio de ódio e fúria, como jamais ouvi da garganta de homem ou de fera.
Por um momento fiquei indeciso, depois larguei a espingarda e corri para
ajudar meu amigo. Achei que ele tivesse sido vítima de convulsões. Antes de
chegar junto dele, já estava caído e quieto. O barulho terminara, mas, tomado
de um terror maior que nunca, vi de novo o estranho movimento nas folhas,
prolongando-se a partir de onde estava Morgan, no sentido da beira da
floresta. Só quando desapareceu entre as árvores é que consegui desviar meus
olhos outra vez para meu companheiro. Ele estava morto."
III - Mesmo nu um homem pode estar em farrapos
III - Mesmo nu um homem pode estar em farrapos
o legista se levantou da cadeira e parou diante do morto. Levantando uma
ponta, puxou o lençol até expor o corpo, completamente nu e, à luz da vela, com
a pele de um amarelado cor de lama. Tinha, ainda assim, largas manchas
azul-escuras, hematomas causados por contusões. O peito e as laterais pareciam
ter sido esmagados por uma maça. Havia lacerações horríveis, a pele fora feita
em tiras e farrapos.
O legista se moveu para a extremidade da mesa e desatou um lenço que
segurava a mandíbula do morto. Retirando o lenço, expôs o que fora a garganta
do homem. Alguns jurados, que haviam se levantado para ver melhor,
arrependeram-se da própria curiosidade e desviaram o olhar. Harker foi para a
janela aberta e se debruçou à procura de ar fresco, nauseado e tonto. Deixando
o lenço cair sobre a garganta, o legista foi até um canto da sala e, tirando de
uma pilha de roupas, expôs, uma a uma, para inspeção, as peças de vestuário do
morto. Todas estavam rasgadas e duras de sangue. Os jurados não fizeram uma
inspeção detalhada. Pareciam bastante desinteressados. Na verdade, já tinham
visto tudo isto antes, a única coisa nova para eles era o testemunho de Harker.
- Senhores - disse o legista -, acho que não temos outras evidências. O
que têm a fazer já foi explicado. Se não têm nenhuma pergunta, podem retirar-se
até lá fora, para considerar seu veredicto.
O representante dos jurados se levantou, era um homem alto, de
barba, vestido grosseiramente, e de uns sessenta anos.
- Gostaria de fazer uma pergunta - disse ele. - De que hospício esta sua
última testemunha fugiu?
- Sr. Harker - disse o legista, em tom grave e tranqüilo -, de que
hospício o senhor fugiu?
Harker corou de novo, mas não disse nada; então, os sete jurados se
levantaram solenes e saíram da cabana.
- Se o senhor já terminou de me insultar - disse Harker, logo que ele e
o legista ficaram sozinhos com o morto -, acho que já posso ir.
- Sim.
Harker ia saindo, mas parou com a mão na maçaneta da porta. Os hábitos de sua profissão eram mais fortes do que ele, mais fortes do que seu senso de dignidade ofendida. Voltou-se e disse:
- Aquele livro em suas mãos, eu o reconheço, era o diário de Morgan. O
senhor parecia muito interessado no que lia enquanto eu testemunhava. Poderia
mostrar-me? O público se interessaria ...
- O livro não tem nada a ver com tudo isto - respondeu o legista,
guardando-o outra vez em seu bolso. - Tudo nele é anterior à morte de seu
autor.
Enquanto Harker saía, os jurados voltavam e se colocaram diante da mesa,
onde o corpo novamente coberto aparecia bem definido sob o lençol. O legista,
sentado junto à vela, tirou do bolso um lápis e um pedaço de papel onde
escreveu a declaração que todos, com diferentes graus de dificuldade,
assinaram:
"Nós, o júri, concluímos que os restos de Hugh Morgan encontraram a
morte nas garras de um leão-da-montanha, embora alguns de nós achem possível
que sejam convulsões."
IV - Uma explicação vinda do túmulo
IV - Uma explicação vinda do túmulo
No diário do falecido Hugh Morgan há algumas entradas interessantes que
talvez tivessem, como sugestões, algum valor científico. No inquérito feito
sobre seu corpo, o livro não foi usado como evidência, possivelmente porque o
legista não acreditou que valesse a pena aumentar a confusão dos jurados. A
data da primeira entrada não pôde ser determinada; a parte superior da folha
fora rasgada e podia-se ler apenas o seguinte:
... corria em semicírculos, com a cabeça sempre voltada para o centro, às vezes parava e latia furiosamente; depois fugiu para o mais longe que pôde dentro do mato. No princípio, pensei que estivesse com raiva, mas quando voltou para casa não havia nenhuma alteração em seu comportamento, além do óbvio medo de ser punido. Será que os cães são capazes de ver com o nariz? Será que o odor é capaz de produzir em seus cérebros a imagem daquilo que o exala.
2 de setembro - Olhando as estrelas, na noite passada, quando surgiam no alto das montanhas, pelo lado leste da casa, observei que desapareciam sucessivamente, da esquerda para a direita. Cada uma se eclipsou por alguns instantes, e apenas poucas ao mesmo tempo; ao longo de toda a extensão dos picos, dentro de uma faixa de dois ou três graus, todas as coisas desapareceram. Era como se alguma coisa se movesse entre mim e elas, alguma coisa que não podia ver e que a luz das estrelas era fraca demais para definir os contornos. Não gosto disso!
Faltam as entradas de várias semanas e três páginas foram rasgadas do
livro.
27 de setembro - Esteve aqui outra vez - encontro evidências de sua presença todos os dias. Estive vigiando de novo, durante toda a noite, no mesmo esconderijo e com a espingarda carregada de chumbo grosso. Pela manhã, as pegadas frescas estavam lá, como das outras vezes, e, no entanto, estou seguro de que não dormi - na verdade quase não tenho dormido. É insuportável! Se estas experiências assombrosas são verdadeiras, vou acabar ficando louco; se são pura fantasia, então já estou louco.
3 de outubro - Não partirei - esta coisa não vai me expulsar daqui. Não, é minha casa, minha terra. Deus não gosta de covardes.
5 de outubro - Não agüento mais! Convidei Harker para passar algumas semanas comigo - ele tem a cabeça no lugar. Serei capaz de saber, pelos seus modos, se acha que estou louco.
7 de outubro - Tenho a resposta para o mistério, me veio à mente ontem como uma revelação. Tão simples, tão terrivelmente simples!
Existem sons que não podemos ouvir. Nas duas pontas da escala, existem
notas que não tocam nenhuma corda deste instrumento imperfeito que é o ouvido
humano. São graves ou altas demais. Já observei bandos de pássaros ocupando
todo o topo de uma árvore, ou o topo de várias árvores, todos cantando sem
parar. De repente, num mesmo momento, todos voaram embora. Como? Não
podiam todos ver uns aos outros - árvores inteiras, ramos entre eles. Seria
impossível que um líder se posicionasse onde todos o pudessem ver. Deve ter
havido um alerta, um sinal de aviso, alto e agudo, acima do ruído de seu canto,
mas inaudível para mim. Já observei também que várias aves, como perdizes, por
exemplo, voam em sincronia com obstáculos entre elas, às vezes montanhas, mesmo
em silêncio e sem se ver.
Os marinheiros sabem que um grupo de baleias brincando ou viajando
juntas, na superfície da água, com quilômetros entre elas, com a própria curva
da terra impedindo a visão entre uma e outra, ainda assim são capazes de
mergulhar todas ao mesmo tempo ao som de um aviso. Um som que os ouvidos dos
marinheiros não captam, mas que pode ser sentido em vibrações no navio, assim
como o baixo profundo de um órgão faz vibrar as paredes de uma catedral.
Assim como acontece com os sons, acontece com as cores. Em cada ponta do
espectro, um químico pode detectar a presença de raios luminosos invisíveis ao
olho humano. Raios que representam cores - cores integrais na composição da luz
- que nós somos incapazes de discernir. O olho humano é um instrumento
imperfeito, alcança apenas algumas oitavas da escala cromática real. Não estou
louco; existem cores que não podemos ver. E, Deus me livre, a "coisa
maldita" é de uma cor assim.
Tradução de Octávio Marcondes
http://aneste.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=28
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