“Agora, o fortalecimento das
instituições é algo que se constrói no dia a dia. Depende também da vigilância
da sociedade. Isso é importante.”
Por André Guilherme Vieira | De Curitiba
Juiz federal da 13ª vara criminal em Curitiba, Sergio Moro é um dos principais símbolos da Operação Lava-Jato desde que, há três anos, tornou-se responsável pela maior parte dos processos da "maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve" (segundo definição do Ministério Público Federal) na primeira instância. Aos 44 anos, o magistrado pode até aparentar cansaço físico, no entanto não reclama de excesso de atribuições. "Mas, sem dúvida, um trabalho de três anos é um trabalho cansativo", diz Moro, em entrevista exclusiva ao Valor.
Até
o momento, a operação já resultou em 125 condenações, contabilizando 1.317 anos
e 21 dias de penas. Apesar de ver amadurecimento institucional do país no
processo, o juiz prefere ser cauteloso quanto à herança a ser deixada pela
operação. "Eu realmente acho que há risco de retrocesso", afirma
Moro, referindo-se à tentativa de anistia geral a crimes ligados a doações
eleitorais, encampada pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado.
Valor:
Qual o balanço que o senhor faz destes três anos de Lava-Jato?
Sergio Moro:
Eu acho que mais do que uma investigação criminal, transformou-se em um
processo de amadurecimento institucional, no qual há crimes praticados por
pessoas poderosas e em que se mudou de um regime de impunidade para outro de
responsabilidade [pela prática de atos ilícitos].
Valor:
O que o senhor avalia como mais importante nesse processo?
Moro:
Acho importante destacar que isso vem de antes.
Valor:
O senhor quer dizer que vem de antes da Lava-Jato?
Moro:
Sim, de antes da Lava-Jato. É possível citar casos anteriores, entre eles o da
ação penal 470 [processo do mensalão].
Valor:
Na sua avaliação, então, a Lava-Jato sedimentou algo que estava em curso?
Moro:
Olha, assim... É difícil prever o futuro. E se isso vai passar a ser uma regra
[o regime de responsabilidade] ou se foi uma exceção. Mas algo mudou, né?
Valor:
Mas para sabermos o que será esse algo ainda teremos de esperar? O senhor diz
entender o que mudou pela perspectiva histórica?
Moro:
É, porque eu realmente acho que há risco de retrocesso. Fatos como aquela
tentativa de anistia.
Valor:
O senhor se refere à anistia ao caixa dois ou à tentativa de anistia geral que
a Câmara dos Deputados encampou?
Moro:
Se fosse ao caixa dois seria algo menos preocupante. Digo a tentativa de
anistia geral. E ainda tem uma incógnita, porque há muitas investigações em
andamento. Teremos de ver qual será o destino delas.
Valor:
O senhor considera positiva a escolha do ministro Edson Fachin para a relatoria
da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal?
Moro:
Eu não vou comentar. Não cabe a mim comentar.
Valor:
Em três anos de Lava-Jato houve algum momento que o senhor tenha considerado
especialmente crítico, que tenha representado risco de perda de todo o
trabalho?
Moro:
Olha, eu colocaria assim: o trabalho que foi feito até agora é difícil de ser
perdido. Porque já tem várias condenações, pessoas cumprindo pena, centenas de
milhões foram recuperados e em parte restituídos para a Petrobras. Acho que a
grande questão é até onde vai, entendeu? Para onde se pode ir.
Valor:
O fato de a Lava-Jato ter se capilarizado, replicando forças-tarefas em
Brasília, São Paulo e Rio não sugere mais uma tendência de continuidade das
investigações do que o contrário?
Moro:
Isso é um sinal positivo. Agora, o fortalecimento das instituições é algo que
se constrói no dia a dia. Depende também da vigilância da sociedade. Isso é
importante.
Valor:
Como vigilância o senhor quer dizer atenção?
Moro:
Interesse com o que fazem os seus representantes, por exemplo.
Valor:
O senhor parece fisicamente cansado. É resultado da carga de trabalho?
Moro:
Não, não. Eu até tive longas férias. Mas, sem dúvida, um trabalho de três anos
é um trabalho cansativo. Mas faz parte.
Valor:
O senhor tem uma perspectiva de quando a Lava-Jato aqui em Curitiba, no caso
Petrobras, deverá terminar?
Moro:
Não, não tenho. Normalmente o tempo de duração de uma ação penal é de seis
meses a um ano, aproximadamente. Até o julgamento. Mas tem investigações em
andamento, e a conclusão delas é mais imprevisível.
Valor:
O que o senhor acha que foi fundamental para a Operação Lava-Jato chegar até
onde chegou?
Moro:
Eu creio que esse próprio crescimento institucional.
Valor:
Como assim?
Moro:
É o que eu disse no começo. Não é uma coisa assim, que caiu do céu, né? É uma
coisa que vai se desenvolvendo. E o apoio da sociedade civil organizada.
Milhões de pessoas saíram às ruas. E a dimensão dos fatos [revelados pela
investigação].
Valor:
Na sua avaliação houve algum momento de excesso na Lava-Jato? Ou a adoção de
alguma medida que não deveria ter sido empregada?
Moro:
Não vejo com clareza excessos. Pela dimensão dos crimes em investigação e pelo
caráter sistemático deles, não vejo algo que possa ser descrito como excesso.
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