sábado, 11 de março de 2017

'Há risco de retrocesso', diz juiz Moro

“Agora, o fortalecimento das instituições é algo que se constrói no dia a dia. Depende também da vigilância da sociedade. Isso é importante.”





Por André Guilherme Vieira | De Curitiba

Juiz federal da 13ª vara criminal em Curitiba, Sergio Moro é um dos principais símbolos da Operação Lava-Jato desde que, há três anos, tornou-se responsável pela maior parte dos processos da "maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve" (segundo definição do Ministério Público Federal) na primeira instância. Aos 44 anos, o magistrado pode até aparentar cansaço físico, no entanto não reclama de excesso de atribuições. "Mas, sem dúvida, um trabalho de três anos é um trabalho cansativo", diz Moro, em entrevista exclusiva ao Valor.

Até o momento, a operação já resultou em 125 condenações, contabilizando 1.317 anos e 21 dias de penas. Apesar de ver amadurecimento institucional do país no processo, o juiz prefere ser cauteloso quanto à herança a ser deixada pela operação. "Eu realmente acho que há risco de retrocesso", afirma Moro, referindo-se à tentativa de anistia geral a crimes ligados a doações eleitorais, encampada pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado.

Valor: Qual o balanço que o senhor faz destes três anos de Lava-Jato?

Sergio Moro: Eu acho que mais do que uma investigação criminal, transformou-se em um processo de amadurecimento institucional, no qual há crimes praticados por pessoas poderosas e em que se mudou de um regime de impunidade para outro de responsabilidade [pela prática de atos ilícitos].

Valor: O que o senhor avalia como mais importante nesse processo?

Moro: Acho importante destacar que isso vem de antes.

Valor: O senhor quer dizer que vem de antes da Lava-Jato?

Moro: Sim, de antes da Lava-Jato. É possível citar casos anteriores, entre eles o da ação penal 470 [processo do mensalão].

Valor: Na sua avaliação, então, a Lava-Jato sedimentou algo que estava em curso?

Moro: Olha, assim... É difícil prever o futuro. E se isso vai passar a ser uma regra [o regime de responsabilidade] ou se foi uma exceção. Mas algo mudou, né?

Valor: Mas para sabermos o que será esse algo ainda teremos de esperar? O senhor diz entender o que mudou pela perspectiva histórica?

Moro: É, porque eu realmente acho que há risco de retrocesso. Fatos como aquela tentativa de anistia.

Valor: O senhor se refere à anistia ao caixa dois ou à tentativa de anistia geral que a Câmara dos Deputados encampou?

Moro: Se fosse ao caixa dois seria algo menos preocupante. Digo a tentativa de anistia geral. E ainda tem uma incógnita, porque há muitas investigações em andamento. Teremos de ver qual será o destino delas.

Valor: O senhor considera positiva a escolha do ministro Edson Fachin para a relatoria da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal?

Moro: Eu não vou comentar. Não cabe a mim comentar.

Valor: Em três anos de Lava-Jato houve algum momento que o senhor tenha considerado especialmente crítico, que tenha representado risco de perda de todo o trabalho?

Moro: Olha, eu colocaria assim: o trabalho que foi feito até agora é difícil de ser perdido. Porque já tem várias condenações, pessoas cumprindo pena, centenas de milhões foram recuperados e em parte restituídos para a Petrobras. Acho que a grande questão é até onde vai, entendeu? Para onde se pode ir.

Valor: O fato de a Lava-Jato ter se capilarizado, replicando forças-tarefas em Brasília, São Paulo e Rio não sugere mais uma tendência de continuidade das investigações do que o contrário?

Moro: Isso é um sinal positivo. Agora, o fortalecimento das instituições é algo que se constrói no dia a dia. Depende também da vigilância da sociedade. Isso é importante.

Valor: Como vigilância o senhor quer dizer atenção?

Moro: Interesse com o que fazem os seus representantes, por exemplo.

Valor: O senhor parece fisicamente cansado. É resultado da carga de trabalho?

Moro: Não, não. Eu até tive longas férias. Mas, sem dúvida, um trabalho de três anos é um trabalho cansativo. Mas faz parte.

Valor: O senhor tem uma perspectiva de quando a Lava-Jato aqui em Curitiba, no caso Petrobras, deverá terminar?

Moro: Não, não tenho. Normalmente o tempo de duração de uma ação penal é de seis meses a um ano, aproximadamente. Até o julgamento. Mas tem investigações em andamento, e a conclusão delas é mais imprevisível.

Valor: O que o senhor acha que foi fundamental para a Operação Lava-Jato chegar até onde chegou?

Moro: Eu creio que esse próprio crescimento institucional.

Valor: Como assim?

Moro: É o que eu disse no começo. Não é uma coisa assim, que caiu do céu, né? É uma coisa que vai se desenvolvendo. E o apoio da sociedade civil organizada. Milhões de pessoas saíram às ruas. E a dimensão dos fatos [revelados pela investigação].

Valor: Na sua avaliação houve algum momento de excesso na Lava-Jato? Ou a adoção de alguma medida que não deveria ter sido empregada?


Moro: Não vejo com clareza excessos. Pela dimensão dos crimes em investigação e pelo caráter sistemático deles, não vejo algo que possa ser descrito como excesso.

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