Por
Maria Cristina Fernandes | De São Paulo
Com
Valor ECONÔMICO
"Entramos na maior seca do
Brasil dos últimos 80 anos, aquela da Cantareira vazia. O preço de não ter
apagão no Brasil sempre será caro porque você para de usar água, que é
gratuita, e passa a pagar por um combustível.”
ex-presidente Dilma Rousseff
“Não basta saber ler que “Dilma viu
a água”. É preciso compreender qual a posição Dilma ocupa no seu contexto
social, quem trabalha para produzir a água e quem lucra com este trabalho.”
Paulo Freire
"Não
vou fazer fotos durante a entrevista. Até estou muito meiga. Não sou tão meiga
assim. Depois vamos parar, né, querida?". Ex-presidente
Dilma Rousseff
NICOLAU MAQUIAVEL AO MAGNIFICO
LOURENÇO DE MEDICIS
Costumam os que desejam conquistar
as graças dum príncipe oferecer-lhe o que de mais raro possuem ou o que julgam
ser mais do seu agrado; donde se vê, muitas vezes, oferecerem-lhe cavalos,
armas, brocados, pedras preciosas e outros adornos, dignos da sua grandeza.
Ora desejando eu apresentar-me com
algum testemunho, que prove a minha admiração por vossa Magnificência, não
encontrei entre as minhas alfaias coisa de maior valia ou que tanto estime,
como o conhecimento das acções dos grandes homens, adquirido numa longa
experiência das coisas modernas e numa contínua lição das antigas, que,
meditadas por largo tempo e examinadas com grande diligência, juntei agora no
pequeno volume que vos envio. E, se bem que eu julgue esta obra indigna de vos
ser oferecida, confio, no entanto, que a recebereis, considerando que não posso
oferecer-vos melhor dádiva que facilitar-vos, em brevíssimo tempo, o que a mim
me custou muitos anos e não poucos trabalhos e perigos.
Não enfeitei a obra nem com
palavras brilhantes e pomposas, nem com nenhum desses vãos ornamentos com que
muitos autores costumam embelezar e descrever as suas; pois somente quis, ou
que nada a honre, ou que só a variedade da matéria e a gravidade do assunto a
tornem grata. Nem quero se tenha por presunção que um homem de baixo e ínfimo
estado se atreva a discorrer e dar regras sobre os governos dos príncipes;
porque, assim como os que desenham paisagens se colocam nas planícies para
considerar a natureza dos montes e das colinas, e, para considerar as
planícies, se colocam no cimo dos montes, do mesmo modo para conhecer bem a
natureza dos povos é preciso ser príncipe e para compreender a dos príncipes é
necessário ser filho do povo.
Que Vossa Magnificência aceite este
pequeno presente com o ânimo com que vo-lo envio; e se o lerdes e o meditardes
detidamente, achareis no seu intimo o ardentíssimo desejo que tenho de que
chegueis à grandeza que a fortuna e as outras qualidades vossas vos prometem. E
se, do cume de vossa altura, volverdes os olhos para estes baixos lugares,
reconhecereis quão indignamente suporto uma grande e contínua adversidade da
sorte.
"Eu
não sou princesa, pô" Ex-presidente Dilma
Rousseff
Guilherme
Covolo arrasta uma cadeira na direção da varanda do apartamento da avó na
tentativa de alcançar o beiral. Aos 13 meses, ele fala "papai",
"mamãe", "Ga" (para se referir ao irmão, Gabriel) e
"vovó". É a ela que se dirige, já subindo na cadeira: "Qué
pulá".
Na
ausência da filha e do genro, a ex-presidente Dilma Rousseff passou o Carnaval
em casa cuidando dos dois netos. Com Gabriel, de seis anos, ainda pode recorrer
aos livros. O menino folheia e recria diálogos, não sem antes assegurar que
esteja sozinho: "Vovó, você pode sair daqui?". O caçula ordena sem
rodeios. À noite, ambos desfazem a cama da avó várias vezes antes de a
empurrarem até que só lhe reste a beirada do colchão para dormir.
Guilherme
nasceu na primeira semana do ano em que a avó foi deposta. Gabriel tinha quatro
anos, mas não se apercebeu do ocorrido. No limite, pergunta por que ela não
faz, em Porto Alegre, um palácio igual àquele de Brasília. "Eu não sou
princesa, pô", lhe responde a ex-presidente.
Dilma
Rousseff recebeu o Valor em seu apartamento. Da sala de baixo, que se atravessa
em três passos, parte uma escada caracol em madeira ao lado de um quadro de
Siron Franco, presente do artista. O andar de cima se resume a escritório e
terraço.
Atrás
de um biombo fica o espaldar em que faz alongamento e musculação. No lado
oposto às estantes está o tear de madeira e um cesto de linhas. Aprendeu a
usá-lo na cadeia a partir de um modelo feito de caixa de maçã e pregos. Nele,
as detentas da torre das donzelas, no presídio Tiradentes, faziam peças para
vender. Aquele que tem em casa ainda não foi reativado. Um tapetinho amarelo
sob o notebook, tecido antes da temporada brasiliense, é a prova de que um dia
foi usado.
"À
Mesa com o Valor" seria movida a brownies sem glúten, sem lactose e sem
soja e chá de limão com framboesa, mas os regalos ficam esquecidos numa mesinha
ao lado da poltrona da presidente. Depois de arriscada escalada pela escada
estreita, Cleo, uma das assessoras a que tem direito na cota de ex-presidente,
coloca a bandeja à sua frente. Lá estão a garrafa térmica, xicrinhas
floridas, jarra com água e copos.
Há
quase um ano fora da Presidência, Dilma manteve o peso e o gênio. Mal Silvia
Zamboni começa a clicá-la, avisa: "Não vou fazer fotos durante a
entrevista. Até estou muito meiga. Não sou tão meiga assim. Depois vamos parar,
né, querida?". Custa a depor as armas, mas a conversa continua, bem como
as fotos.
Quando
está em Porto Alegre, a rotina se inicia com uma pedalada de 50 minutos. É o
único exercício aeróbico que consegue fazer. Caminhar a entedia e o joelho, 69
anos depois, já não dá conta de corridas. Atribui aos exercícios o bom momento
da saúde. "Sempre tive atividade física, então retomar não foi tão
difícil. Dizem que o corpo tem memória." Referências aos presídios de sua
vida, ao longo da conversa, atestam que o dela nunca a perdeu.
Não
parece contaminada pela tristeza que dá nome ao bairro, na zona sul de Porto
Alegre, em que mora para estar mais perto da filha: "Meu outro apartamento
é maior, mas fica num lugar mais coxístico". A prefeitura da capital e o
governo do Estado são ocupadas por dois entusiastas do impeachment (o tucano
Nelson Marchezan Jr. e o pemedebista José Ivo Sartori), mas a ex-presidente diz
não enfrentar hostilidades na rua. As pessoas a abordam no supermercado e
alguns pedem para tirar foto. "Só não paro quando estou de bicicleta. Digo
'Se querem tirar foto, a gente engrena junto'." Ciclistas do "pedal
das gurias", quando a acompanham até o fim do percurso, arrancam uma foto
sem selim.
Engata
um tema noutro com uma fluidez que lhe faltou nas falas presidenciais. A
fluência é gaúcha. Passou a omitir, com frequência e ênfase, o "s" no
plural. Relata boa acolhida em voos. "Vem todo mundo pra tirar foto. Os
comissário, as comissária, até o piloto. Só pergunto para ele: 'E quem ficou lá
dentro?'."
Está
de calça azul-marinho, blusa e brincos vermelhos e escarpin baixo. Usa uma
corrente de ouro fina e conserva o olho grego, símbolo de proteção, numa
pulseira do braço esquerdo. Mantém o cabelo curto com reflexos e a testa menos
franzida.
Sente
falta do poder? "Posso até sentir, mas não agora. Sempre fui uma pessoa
que se acostuma com a vida. Tinha uma vida lá, com um ritmo e uma função. Era
obviamente interessante, sempre vai ser. Instigante, importante, né? Aqui tenho
outra vida. Gosto muito de ler, de ver filme. Escuto ópera."
A
lista de leituras é imensa. A primeira vem para rebater a provocação de que seu
governo geriu o maior esquema de corrupção do mundo: "Makers and
Takers" (Penguin, 2016, ainda sem tradução no Brasil), de Rana Foroohar,
jornalista de origem turca de 47 anos, colunista do "Financial Times"
e ex-editora na revista "Time". "As pessoas esquecem que na origem
da crise de 2008 está a corrupção de um setor desregulado que atingiu o mundo
inteiro."
Na
resenha de Dilma, o livro mostra como o setor financeiro, a partir do primado
do acionista, deixou de assegurar a expansão da indústria, do serviço e da
agricultura, para se transformar em um fim em si mesmo. Toma o exemplo da
Apple, que, a despeito de ter quase US$ 250 bilhões em caixa, tomava
empréstimos para fazer compras e recompras de ações. Dessa forma, as valorizava e, com o lucro da
transação, pagava dividendos e remunerava a participação acionária dos
dirigentes.
Naquela
quinta-feira pós-Carnaval, a ex-presidente estava nas últimas páginas de
"Makers and Takers", mas se sentia à vontade para exibir sua
identidade com a autora, na constatação de que a financeirização, ao maximizar
o lucro, reduz o investimento em tecnologia e induz desigualdade: "Então
uma empresa não tem por objetivo fornecer bens e serviço, mas sim dar lucro
para o acionista, e vamos deixar de conversa fiada".
Dilma
ainda se vale do escudo de Rana Foroohar para sair em defesa da política de
redução de juros de seu governo. Parece convicta das razões pelas quais as
empresas não fizeram o mesmo: "Todas as empresas são um pouco bancos. Se
não tiverem, nas suas tesourarias, esse aspecto de banco, não conseguem uma
valorização suficiente".
Dilma
está aclimatada à cidade em que passou a maior parte de sua vida. Faz 42°C
naquela tarde de quinta-feira em Porto Alegre. O calor pouco arrefece com o
anoitecer. O ar-condicionado do escritório assegura a sobrevivência, mas a água
termina antes do café. Começa a se sentir à vontade para teorizar sobre os
motivos de sua deposição.
Desde
2015, o Brasil enfrenta uma recessão sem precedentes, mas o impeachment é, na
visão de sua principal vítima, uma decorrência de placas tectônicas em
desarranjo global.
Recorre
a outro livro, este já concluído, "A Doutrina do Choque: A Ascensão do
Capitalismo de Desastre" (Nova Fronteira, 2008), da jornalista canadense
Naomi Klein, de 46 anos, para explicar a tríade que está em curso e teria
catapultado seu governo: financeirização, aumento da desigualdade e Estado de
exceção.
Na
descrição da leitora, Naomi mostra como se constroem processos pelos quais
aquilo que parecia politicamente impossível acaba por se tornar inevitável. A
crise instalada no seu governo abrira oportunidade para reversão de modelo. O
impeachment teria sido o choque necessário para que a liberalização econômica
(fim da política de conteúdo nacional) e a reversão de políticas sociais
(reformas trabalhista e previdenciária) pudessem vir a ser adotadas
rapidamente.
A
ex-presidente está em pé. Serve-se de mais uma xícara de café e anda pelo
escritório sem parar de lançar teorias sobre sua queda. É lembrada de que, em
seu discurso de despedida, disse ter cometido erros, não crimes. A curva da
história talvez pudesse ter sido outra sem esses erros. Quais foram?
Não
baixa a guarda sobre o partido, mas dá solenidade à revelação à qual voltaria
dias depois em Genebra: "Vou te falar, acho que cometi um erro importante,
o nível de desoneração de tributos das empresas brasileiras. Reduzimos a
contribuição previdenciária, o IPI, além de uma quantidade significativa de
impostos. Com isso, tivemos uma perda fiscal muito grande. Nossa expectativa
era evitar que a crise nos atingisse de forma pronunciada. Por isso, aumentamos
também o crédito, mas acho que aí não erramos. Erro foi a desoneração porque,
ao invés de investir, eles aumentaram a margem de lucro às custas de mais
fragilidade nas contas públicas. Se for olhar o nível de despesas de pessoal no
meu governo, é menor do que nos anteriores. A crise fiscal não derivou de
excesso de gastos, mas essa renúncia tinha a intenção de beneficiar o conjunto
da economia, o que não ocorreu".
Só
estendeu uma das mãos à palmatória, mas, dado o vigor com o qual defendeu a
política de desonerações ao longo de seu governo e até agora, não parece pouco.
Naquele momento, ainda resiste a espalmar a outra mão à palmatória da
Lava-Jato: "Agora, o que eu tenho certeza que o meu governo jamais fez foi
compactuar com a corrupção. Entro num tema que o meu governo jamais fez
foi compactuar com a corrupção. Entro num tema que acho sério, que é o
sincericídio do ministro por um mês, do Planejamento, o senador [Romero] Jucá,
quando disse que tinha que estancar a sangria e usou palavras, assim,
pornográficas para descrever as relações políticas no Brasil".
Foi
na sua gestão como presidente do conselho de administração que a Petrobras
aprovou a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, símbolo do buraco sem
fundo em que se transformou a estatal. Dilma nunca arredou pé de seu voto. A
compra foi aprovada por unanimidade por um conselho formado, entre outros,
pelos empresários Jorge Gerdau Johanpeter, Fabio Barbosa e Claudio Haddad, sob
a justificativa de que havia relatórios técnicos em profusão que a
recomendavam.
A
ênfase em "meu governo" não parece solta na frase. Foi na gestão
Dilma que Graça Foster assumiu a presidência da Petrobras, afastou os diretores
suspeitos e cerceou os contratos por eles geridos, decisão que começou a
corroer a base de apoio ao governo no Congresso montada pelo antecessor:
"Se não achasse importante o combate à corrupção, não teria sancionado a
lei da delação premiada, não teria respeitado a Polícia Federal, não teria
respeitado o Ministério Público, nem nomeado ministros [do Supremo Tribunal
Federal] que tivessem uma inequívoca biografia".
Deixou
um fio solto ao não se comprometer com o que o partido fez antes de sua posse,
inclusive para elegê-la, mas corre para amarrá-lo: "O combate à corrupção
no Brasil mais uma vez virou uma arma ideológica. Enquanto as investigações
estavam sobre o PT, ou alguém do PT, não havia problema em vazamento, não havia
problema em 500 mil pesos e mil medidas. Agora tem. Uma coisa que,
visivelmente, em qualquer país do mundo, seria caso de quebra da segurança
nacional, que é gravar o presidente sem autorização do Supremo, tudo isso foi
permitido. Agora, quando chega ao PMDB ou PSDB, é criminalização da
política".
Dilma
ganhou apertado em 2014. Começou a cair quando custou a transformar a estreita
vitória eleitoral em hegemonia política. O desafio lhe fora lançado por aquele
que viria a ser seu maior algoz, o então deputado pemedebista Eduardo Cunha, em
discurso de posse na presidência da Câmara dos Deputados, quando, assessorado
por um amigo, revelou inesperada cultura gramsciana ("Sabemos que a
eleição, muito diferentemente das três últimas eleições, não teve uma hegemonia
eleitoral. Ela teve uma vitória eleitoral que não dá condição para hegemonia
política. Só a hegemonia eleitoral tem como consequência a hegemonia
política.").
Estava
aberta a avenida para a ex-presidente falar dos entraves políticos que
encontrou em seu partido e fora dele para a construção desta hegemonia, mas
Dilma opta por sua zona de conforto, a economia: "No início do meu
governo, em 2011, fizemos um ajuste e, até 2014, resistimos à crise. A guerra
cambial com os Estados Unidos valorizou nossa moeda de uma maneira muito
perigosa para a indústria. Reduzimos a taxa de juros, pra segurar a economia.
Foi aí que veio 2013".
A
ex-presidente até hoje ainda não se sente capaz de dar uma explicação cabal
para aquelas manifestações. Muito menos por que fizeram bis no seu impeachment
e não mais voltaram a se repetir quando se mostrou que o grupo empossado, além
de promover a lambança, havia assumido para podar direitos trabalhistas e
previdenciários: "Ainda vamos precisar de uma distância histórica para
entender. Tem uma parte simples, mas não responde tudo. É mais fácil distribuir
renda do que ampliar serviços. A renda tem um tempo político mais rápido que o
acesso a serviços. E como, de fato, o fim da miséria é só o começo, as pessoas
sempre querem mais".
Quando
começa a perder o chão, Dilma volta à narrativa em que navega sem instrumentos:
"Entramos na maior seca do Brasil dos últimos 80 anos, aquela da
Cantareira vazia. O preço de não ter apagão no Brasil sempre será caro porque
você para de usar água, que é gratuita, e passa a pagar por um combustível.
Seguramos essa pressão de custo até as eleições. Acaba o processo eleitoral e
constato que o centro não quer colaborar, começa a jogar no quanto pior,
melhor. 'É a quarta eleição que eles ganham.' Aí dão início ao processo de
desconstrução da vitória, que começa com o pedido de recontagem de votos e só
vai terminar no impeachment".
Entre
sua vitória e a posse o PT começa a namorar com o perigo ao lançar Arlindo
Chinaglia para derrotar Eduardo Cunha. Paralelamente, o Palácio do Planalto
tenta montar uma nova base de apoio, liderada pelo PSD de Gilberto Kassab e
pelo PP de Ciro Nogueira, para reduzir a dependência do PMDB. As duas cartadas
fracassam e o governo já se inicia derrotado. Os parlamentares não batiam mais
às portas do Palácio para pedir cargos. Iam diretamente ao gabinete de Cunha.
O
deputado, numa demonstração de que os magos da política também erram, cumpriu a
vendeta de ir à CPI. Foi a versão exposta naquela comissão para os recursos
mantidos no exterior que comprometeu seu mandato e a liberdade. Naquele
momento, no entanto, havia uma forte pressão por um acordo, vinda,
principalmente, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do então
ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, para dar, ao deputado, os três
votos do PT no Conselho de Ética.
Dilma
não fulaniza: "Tinha gente que dizia pra mim: 'Tem que fazer aliança com
Eduardo Cunha', mas o rompimento, olhando de hoje, era inexorável. Não existe
acordo com Eduardo Cunha. Existe submissão. As 19, ou 15 ou 38 perguntas ao
Temer, o pacote de [José] Yunes, o que você acha que é, querida? Você está
falando de um gângster inteligente. Devia ajoelhar e aceitar as
condições?".
A
recusa a um acordo não lhe custou o mandato? "Custaria mais para o país.
Muito mais". Não está custando agora, pelo conjunto da obra do governo
Michel Temer? "Acontece o seguinte, minha querida, custaria eu fazer, né?
Você vai me desculpar mas eu não vou assaltar o país. Eduardo Cunha e eles
assaltam o país. Assaltam. Do verbo assaltar. Além de outras coisas, né? Ele
tem uma postura, em relação a direitos, coletivos e individuais, extremamente
sectária."
Dilma
está novamente em pé. Anda, fala, e apoia as mãos no espaldar da poltrona para
ser mais enfática. Ao contrário dos seus críticos, alguns dos quais de seu
círculo mais próximo, a presidente custa a aceitar que a crise que lhe custou o
mandato poderia ter sido evitada se fosse menos mercurial e cultivasse mais as
relações interpessoais. "Este não é um movimento que dependa da vontade
pessoal. Também não gosto de fazer análises pura e simplesmente moralistas das
pessoas. É mais interessante pensar a função delas. O Senado resguarda mais
esse centrão democrático, construído pós-Constituinte de 1988. Mas na Câmara
este centro foi engolido pela direita conservadora. O centro democrático explodiu.
É muito grave. E isso começou no meu impeachment, quando o centro passou a ser
liderado por uma figura como Eduardo Cunha."
A
ex-presidente lista as reformas previdenciária e trabalhista ("tem que
fazer, mas não é desse jeito. Não é com 49 anos de exigência"), o teto de
gastos ("vai pinochetizar o Brasil"), a venda de partes da Petrobras
e a desconstrução de bancos públicos como consequências da captura do centro pela
direita.
Foi
na tessitura das relações com as quais tentou permanecer no poder que a
presidente reconhece seu segundo erro: levar Michel Temer para o coração da
articulação política. O então vice-presidente percebeu a fragilidade do governo
junto a uma base que não parava de se queixar. Ao lado de Eliseu Padilha, atual
ministro-chefe da Casa Civil, à época na Aviação Civil, mapeou o cerco.
Arrepende-se de tê-lo colocado dentro do governo? "Olha, minha filha, não
sabíamos que o nível de cumplicidade dele com o Eduardo Cunha era tão grande.
Nenhum de nós sabia, nem o Lula. Depois é que descobrimos. Ele sempre negou
essa cumplicidade que agora todo mundo já sabe."
Quando
começa a falar de Temer, Dilma, pela primeira vez ao longo de quase quatro
horas de conversa, franze o cenho, encrespa a fisionomia e libera o calão.
"Saber quem eles são, nós sabemos. Não tenho a menor dúvida de quem é
Padilha e Geddel [Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo]. Convivi
sabendo quem eram. Não tenho esse 'caiadismo' [de Ronaldo Caiado] de
falar que eu não sabia quem eram. Sabia direitinho. Inclusive uma parte do que
sou e da minha intolerância é porque eu sabia demais quem eles eram."
Nesse
momento, Dilma relativiza a frase categórica sobre a extensão da faxina de seu
governo: "Saber demais não significa que você é capaz de impedir algumas
coisas. Por exemplo, o gato angorá [Moreira Franco] tem uma bronca danada de
mim porque eu não o deixei roubar, querida. É literal isso: eu não deixei o
gato angorá roubar na Secretaria de Aviação Civil. Chamei o Temer e disse: 'Ele
não fica. Não fica!'. Porque algumas coisas são absurdas, outras não consegui
impedir. Porque para isso eu tinha de ter um nível de ruptura mais aberto, e eu
não tinha prova, não tinha certeza, entendeu? Não acho que é relevante fazer
fofoca, conversinha. Posso contar mil coisas do Padilha e do Temer, então?
Porque o Temer é isso que está aí, querida. Não adianta toda a mídia falar que
ele é habilidoso. Temer é um cara frágil. Extremamente frágil. Fraco. Medroso.
Completamente medroso. Padilha não é. A hora em que ele [Temer] começa assim
[em pé, mostra as mãos em sentido contrário, com os dedos apertados em forma de
gancho]. É um cara que não enfrenta
nada!".
nada!".
Os
brownies intactos na mesinha ao lado são indício de que a ex-presidente
gerencia bem as ansiedades da memória. Na novela da Lava-Jato, o capítulo
preferido é o das perguntas de Eduardo Cunha a Temer, parte das quais foram
vetadas pelo juiz Sergio Moro. "Quando li a primeira vez, lá sabia quem
era José Yunes [ex-assessor da Presidência]? Mas lá está Eduardo Cunha dizendo
que quem roubava na Caixa Econômica Federal, no FGTS, é o Temer. Leia, minha
filha. Não tenho acesso às delações, mas sei o que é um roteiro. E lá está
explícito roteiro da delação de Eduardo Cunha. Explícito. Alguém não sabe que o
Cunha está dizendo que não foi o Yunes, mas o Temer?"
A
leitura dos jornais ao longo dos últimos meses lhe deu a certeza de que ainda
está cedo para escrever sobre a derrocada. "Deixa passar mais tempo. Vai
ficar muito mais claro esse troço." Os dois primeiros volumes dos diários
de Fernando Henrique Cardoso, presenteados por duas jornalistas, estão à vista
na estante, mas a ex-presidente diz que não os leu.
Resiste
ao formato de diário. "Jamais faria desse jeito. Não tem início, nem meio,
nem fim, pô. É um troço desalinhavado do cão. Tem que escrever pra contar o
mais próximo possível o que aconteceu. Pra entender, não para se defender,
dentro daquele princípio: pra mudar, é preciso saber. Você tem que saber o que
aconteceu."
Já
foi procurada por editoras, das quais declina o nome, mas nem a promessa de
adiantamento a atrai. É lembrada de que o mercado está inflacionado pelas
memórias de Barack e Michelle Obama, pelas quais os lances já chegaram a US$ 60
milhões. "Obama é Obama, US$ 60 milhões é para nunca mais pensar em
dinheiro nesta e na outra existência."
Dilma
vive com a aposentadoria do INSS de R$ 5.578,00 e a renda de aluguéis de
imóveis deixados pelo pai, que ainda custeiam o sustento da mãe, Dona Dilma, e
do irmão, Igor. Não revela a renda mensal, mas é dela que tira ainda o aluguel
de um depósito onde guarda os objetos ganhos durante a Presidência, e a viagem
mensal que faz a Belo Horizonte para visitar a mãe de 94 anos.
Frequentemente
a encontra de mãos dadas com a irmã, Arilda, que lhe fazia companhia no
Alvorada, e com quem hoje divide um apartamento próximo a um sobrinho médico,
que as acompanha de perto. Sobrevivente de sucessivos acidentes vasculares
cerebrais, a mãe não se deu conta do turbilhão do impeachment. Instalada na
capital mineira, com demência senil, limitou-se a dizer que estava satisfeita
em voltar para casa.
Dilma
contesta a informação, de fonte primária, de que o ex-marido, Carlos Araújo, e
a filha Paula ajudam na manutenção da família --"Vivo modestamente,
querida", diz, declinando de informar quanto lhe rendem os aluguéis dos
dois apartamentos, no Rio e em Porto Alegre, e de uma casa na capital gaúcha.
Passou
a receber a aposentadoria assim que deixou a Presidência, aos 68 anos, mas enfrenta
batalha jurídica com o governo para que, além da idade e dos anos trabalhados,
se leve em consideração também o período da clandestinidade pelo qual foi
anistiada. Atribui a pendenga a perseguição e diz que a única reparação que
pretende é a do reconhecimento formal, no documento previdenciário, da anistia.
Não
espera rendimentos da agenda intensa de palestras - "Não gosto de
cobrar". Na semana passada, esteve em Genebra. Em abril vai ficar dez dias
nos Estados Unidos, período durante o qual vai falar em Harvard, Columbia,
Princeton e Brown. Recebe passagem e hospedagem, mas recusa ajuda de custo.
"Esse tipo de coisa limita muito", diz, sem se alongar sobre as
acusações da Lava-Jato contra as palestras de seu antecessor.
Foi
sondada por universidades estrangeiras para fazer pós-doutorado. Também não
descarta dar cursos avulsos na Fundação Perseu Abramo pelos quais possa vir a
ser remunerada. A bibliografia seria encabeçada pelos escritos do filósofo
italiano Giorgio Agamben sobre o Estado de exceção, da República de Weimar a
Guantánamo.
Diz
que a volta para a política não está nos seus planos, a despeito de já ter
declarado que não a descarta - "Falei aquilo para depois, se mudar de
ideia, não ser cobrada". Depois de arregimentados os ministro Ricardo
Lewandowski e o então presidente do Senado, Renan Calheiros, para manter seus
direitos políticos no julgamento do impeachment, a ex-presidente, incluída na
lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enfrentará ainda o
julgamento de suas contas eleitorais que pode colocar em risco um eventual
retorno às urnas.
Os
flagrantes do discurso de candidata são frequentes ("É impossível, num
país como o nosso, eles quererem reverter tudo como estão fazendo. É
gravíssimo. Ninguém perde tantos direitos assim"), bem como o gosto
adquirido pelo processo eleitoral: "Temos um encontro marcado com a
democracia. Não importa que ganhe seu opositor. Você vai ter que respeitar;
2018 vai ser um banho com sabão e água sanitária em todo esse processo".
A
ex-presidente, no entanto, não dá de barato que o sistema político se manterá
intacto até as eleições, quando acredita que uma candidatura de Luiz Inácio
Lula da Silva à Presidência seria imbatível. Dá asas a elocubrações como a de
que, para evitar a eleição de um candidato que retruque o arrocho, o Congresso
pode vir a aprovar o parlamentarismo.
A
resistência da ex-presidente em se prolongar nos erros do seu governo e,
principalmente, do seu partido e de sua principal liderança é inversamente
proporcional à crença de que sua derrubada teve pinceladas conspiratórias,
inclusive de interesses geopolíticos contrariados por uma política externa que
pôs em pé os BRICs e enfrentou a rede de espionagem americana.
Do
que mais lamenta? Petrobras e indústria naval. Três tesoureiros do PT foram
para a cadeia, mas, na escala de lamentações da ex-presidente, inadmissível é o
uso da corrupção como "instrumento de combate político e ideológico".
"Nenhuma empresa de engenharia é angelical, as nossas não são, mas as dos
outros países também não são. Outro dia estava vendo como é que ficou uma
licitação de infraestrutura de gás na Petrobras. Quando você busca o nome das
empresas internacionais que se qualificaram e coloca a palavra 'corrupção',
todas já enfrentaram processos. E nenhuma delas foi destruída."
Dilma
não contabiliza a pressão emocional no passivo do impeachment. Passados 11
meses, a patrulha não sossegou. No Dia Internacional da Mulher, redes de
WhatsApp fizeram circular a foto de uma traseira de caminhão onde se lia:
"Parabéns a todas as mulheres, menos a Dilma". "Sou contra a
visão policialesca do escracho. Sempre foi uma arma da tortura, arma dos
bandidos. Não me feriu porque sabia de quem vinha. Mesmo quando são pessoas
comuns que fazem, não são intrinsicamente bandidas, mas estão sendo usadas.
Então não dá para se deixar abalar."
A
ex-presidente contesta a voz corrente de que as crises se agravaram no seu
governo porque sua sobrevivência à tortura fazia com que os problemas fossem
levados ao limite, sua zona de conforto. "Não me acostumei com a crise.
Ninguém se acostuma. A única coisa que você sabe é que tem que resistir.
Qualquer pessoa pode ser forte. Eu sou 'dura'. Me cobraram de eu ter ido ao
Senado, se o processo era viciado. Fui porque achei que seria importante para o
país. É grave porque se uma presidente perde direitos, o que podem fazer com o
cidadão comum? Mas, de qualquer jeito, mantinha-se a institucionalidade. Não
estamos numa ditadura em que toda a sociedade perde direitos."
Lembra
da folclórica sessão de 17 de abril na Câmara dos Deputados como um presente
que lhe foi ofertado. Acredita que, naquele dia, caiu a ficha da imprensa
internacional sobre o que ocorrera no Brasil. Guarda, com nostalgia, a
lembrança da solidariedade recebida por chefes de Estado e, principalmente, da
premier alemã, Angela Merkel.
No
rol de leituras que acumula desde que foi deposta, a ex-presidente ainda não
revisitou as tragédias gregas, nem mesmo seu ex-professor que ainda vive em
Porto Alegre e conserva lembranças da aluna espalhadas em seu apartamento.
Ainda mantém a versão em apostila de Filoctetes, o herói grego mandado para uma
ilha deserta onde ninguém pudesse sentir o odor de suas feridas. "É um
barato aquilo. É sem perdão, entendeu? Não tem meia boca. Não tem culpa
judaico-cristã. Deixa na ilha e pronto."
Nunca
se sentiu feita de Filoctetes? "Não, nós mulheres temos mais de
Antígona." Dilma passa a discorrer sobre a filha de Édipo que lava e
enterra o irmão, a despeito da proibição de que se mexesse no corpo do
guerreiro que atacara Tebas. "Tem uma fala genial em que ela diz que a
razão natural de enterrar o irmão era mais forte que a razão de Estado".
Na narrativa de Dilma, como se sabe, o papel de Creonte, o poderoso de Tebas,
permanece vago.
Diário de Um Louco
"(...) 'Eu sou o Rei!' 'Eu sou o Rei!' ... E não há ninguém em volta pra dizer: 'Sois Rei!', 'Sois Rei!', 'Sois Rei!'(... )"
Michel, Lula e o Diário de um Louco
Tieta - Bafo de Bode e o fiofó do mundo
Diário de Um Louco
"(...) 'Eu sou o Rei!' 'Eu sou o Rei!' ... E não há ninguém em volta pra dizer: 'Sois Rei!', 'Sois Rei!', 'Sois Rei!'(... )"
Michel, Lula e o Diário de um Louco
Tieta - Bafo de Bode e o fiofó do mundo
Para a ex-presidente e economista
Dilma Rousseff a água que abastece as hidrelétricas é gratuita:
"Entramos na maior seca do
Brasil dos últimos 80 anos, aquela da Cantareira vazia. O preço de não ter
apagão no Brasil sempre será caro porque você para de usar água, que é
gratuita, e passa a pagar por um combustível.”
Eva viu a Uva – CONTEE
Para Solange Fernandes Pinheiro,
orientada do Professor Clovis Caesar Gonzaga, em 1975, não era bem assim:
“RESUMO O problema de gestão ótima
de sistemas hidrotérmicos consiste em minimizar os gastos operacionais com
térmicas, resultantes do consumo de combustível, de maneira a suprir a demanda,
durante o período de planejamento, sujeito às restrições devidas ao tamanho dos
reservatórios e aos fatores naturais.
No presente trabalho considera-se:
(a) modelo composto, isto é, com um único reservatório equivalente, (b)
afluências e demandas determinísticas, (c) custo descontado, e (d) hipóteses
realistas sobre os custos de geração termoelétrica. Transforma-se o problema
contínuo determinístico em problema discreto, encontrando controles discretos
equivalentes ao controle contínuo. Estuda-se a aplicação destes controles na
construção de estratégias ótimas de operação. Apresenta-se um resultado que
caracteriza os valores da água de uma estratégia ótima entre dois estágios
consecutivos, utilizável na construção das curvas de valor da água de trás para
diante.”
Para o Maestro Soberano tudo
dependia das nascentes:
Tom
Jobim | As Nascentes
Podendo
tanto ser água de beber:
Água de Beber
Tom Jobim
Eu quis amar, mas tive medo
E quis salvar meu coração
Mas o amor sabe um segredo
O medo pode matar o seu coração
Água de beber
Água de beber camará
Água de beber
Água de beber camará
Eu nunca fiz coisa tão certa
Entrei pra escola do perdão
A minha casa vive aberta
Abri todas as portas do coração
Água de beber
Água de beber camará
Água de beber
Água de beber camará
Eu sempre tive uma certeza
Que só me deu desilusão
É que o amor é uma tristeza
Muita mágoa demais para um coração
Água de beber
Água de beber camará
Água de beber
Água de beber camará
Composição: Tom Jobim / Vinícius de
Moraes
Quanto pode ser Águas de Março:
Águas de Março
Tom Jobim
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco
sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o
sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o
anzol
É peroba do campo, é o nó da
madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da
ribanceira
É o mistério profundo, é o queira
ou não queira
É o vento ventando, é o fim da
ladeira
É a viga, é o vão, festa da
cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa
ribeira
Das águas de março, é o fim da
canseira
É o pé, é o chão, é a marcha
estradeira
Passarinho na mão, pedra de
atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um
pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do
caminho
No rosto, o desgosto, é um pouco
sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma
ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é
um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata
brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo
chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da
picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na
estrada
É o projeto da casa, é o corpo na
cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a
lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo,
é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é
José
É um espinho na mão, é um corte no
pé
São as águas de março fechando o
verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco
sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo,
é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre
terçã
São as águas de março fechando o
verão
É a promessa de vida no teu coração
Au, edra, im, minho
Esto, oco, ouco, inho
Aco, idro, ida, ol, oite, orte,
aço, zol
São as águas de março fechando o
verão
É a promessa de vida no teu coração
Composição: Tom Jobim
Referências
http://www.arqnet.pt/portal/teoria/principe_cap00.html
http://www.valor.com.br/cultura/4902470/segunda-torre-de-dilma
http://www.cos.ufrj.br/uploadfile/1369239305.pdf
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