sexta-feira, 24 de março de 2017

64 anos sem Graça

Graciliano Ramos

"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas
com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos
estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei,
ainda nos podemos mexer"



No janeiro ano seguinte, 1953, é internado na Casa de Saúde e Maternidade S. Vitor, onde vem a falecer, vitimado pelo câncer, no dia 20 de março, às 5:35 horas de uma sexta-feira. É publicado o livro "Memórias do cárcere", que Graciliano não chegou a concluir, tendo ficado sem o capítulo final.

Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de outubro de 1892, na cidade de Quebrangulo, sertão de Alagoas, filho primogênito dos dezesseis que teriam seus pais, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos. Viveu sua infância nas cidades de Viçosa, Palmeira dos Índios (AL) e Buíque (PE), sob o regime das secas e das suas que lhe eram aplicadas por seu pai, o que o fez alimentar, desde cedo, a idéia de que todas as relações humanas são regidas pela violência. Em seu livro autobiográfico "Infância", assim se referia a seus pais: "Um homem sério, de testa larga (...), dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza (...), olhos maus que em momentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura".



Graciliano Ramos e suas Memórias do Cárcere: cicatrizes
Por Marcelo Ricendi

Graciliano Ramos e suas Memórias do Cárcere: cicatrizes
Resumo O artigo analisa alguns aspectos do livro Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, publicado postumamente em 1953. A experiência na cadeia em 1936 significou um corte na vida do autor, que deixou o estado natal de Alagoas para nunca mais voltar, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. A obra é uma espécie de testamento literário no qual ele registrou seu intento de ser recordado como uma pedra no caminho das classes dominantes – com as quais, entretanto, teve relações ambíguas. Ao recordar o cárcere, Graciliano externou seu mal-estar com a ordem estabelecida, que colocava ainda obstáculos à profissionalização e autonomia dos escritores, ao mesmo tempo que lhes oferecia relativos privilégios. Paradoxalmente, a intenção expressa nas Memórias do cárcere de registrar as arbitrariedades praticadas na cadeia também serviu como elemento de distinção, guindando o autor ao pleno reconhecimento público como escritor e exemplo de intelectual vitimado pelo autoritarismo, embora depois de solto tenha ocupado cargos ligados ao governo federal.

GRACILIANO RAMOS AND HIS  MEMÓRIAS DO CÁRCERE: THE SCARS OF HISTORY
Abstract The article discusses the book by Graciliano Ramos Memórias do cárcere (Memoirs of prison), posthumously published in 1953. His experience in jail in 1936 meant a cut in the life of the author, who left the home state of Alagoas, never to return, settling in Rio de Janeiro. The book is a kind of literary testament in which he registered his intent to be remembered as a stone in the path of the ruling classes – with which, however, he had ambiguous relations. By recalling the prison Graciliano expressed his unease with the established order, which also placed obstacles to the professionalization and autonomy of the writers, but at the same time it offered them certain privileges. Paradoxically, the explicit intention of registering the arbitrariness suffered in jail also served as an element of distinction and led the author to full public recognition as a writer and an example of intellectual victimized by authoritarianism, although he held positions related to the federal government after his release.

Conclusão

Nas Memórias do cárcere, Graciliano Ramos esforçava-se para não usar a primeira pessoa do singular e não ultrapassar seu suposto “tamanho ordinário”, atribuindo-se importância indevida, embora admitisse que “bons propósitos” não o livravam de se revelar “com frequência egoísta e mesquinho” (Ramos, 2008: 15-16). Tentava escapar do que pareciam ser defeitos nas memórias de Trotsky, que lhe causaram impressão lastimosa: “pimponice, egocentrismo, desonestidade”, tudo que pretendia evitar (Ramos, 2008: 590). Paradoxalmente, contudo, a intenção expressa de modéstia guindava o velho Graça à grandeza do reconhecimento público. Os cuidados do escritor e a qualidade da obra não a deixaram a salvo da “ilusão biográfica”, para usar o termo de Bourdieu (1998), pois foram as Memórias do cárcere que colocaram seu autor no panteão não só dos escritores, mas também da intelectualidade brasileira, particularmente a de esquerda, como vítima exemplar das arbitrariedades do primeiro governo Vargas, em que pesem as ambiguidades já registradas em relação a ele.

O saldo regenerador da experiência trágica de Graciliano pode ser encontrado no relato de seu filho Ricardo Ramos (1992: 159 e ss): longos trechos das Memórias, ainda inconclusas, eram lidos em voz alta por amigos e familiares nas habituais celebrações aos domingos na residência do mestre, que assim era homenageado em público. Ele escreveu no seu presente sobre o passado, mas indicava para o futuro. Fazia uma espécie de testamento literário, ao deixar para a História um legado de denúncia do cárcere e defesa da dignidade humana, que ao mesmo tempo lhe trouxe a distinção da consagração pública.




O velho Graça
uma biografia de Graciliano Ramos
Dênis de Moraes
Coleção Promoção Boitempo no ENEM



Reavaliada 120 anos depois de seu início, em 27 de outubro de 1892, a extraordinária trajetória pessoal, literária, intelectual e política de Graciliano Ramos contada por seu melhor biógrafo ganha nova edição, ampliada e revisada, pela Boitempo Editorial.
O velho Graça, de Dênis de Moraes, nos conduz pelos sessenta anos de história de um dos maiores narradores da literatura brasileira, com todo o rigor da documentação e dos depoimentos pessoais daqueles que o cercavam. O livro chega aos leitores com acréscimos que acentuam o conhecimento pormenorizado da vida e da obra do escritor alagoano. Entre as novidades, estão um bem cuidado caderno iconográfico, com imagens raras e até inéditas, e a mais esclarecedora entrevista concedida pelo escritor, em 1944, nunca antes publicada em livro.
Publicado pela primeira vez no centenário de Graciliano Ramos, o trabalho de Moraes foi recebido com grande entusiasmo pela crítica, por se tratar da primeira “biografia de conjunto” sobre o romancista, como classificou Carlos Nelson Coutinho no prefácio.
O estilo jornalístico do biógrafo se perfaz num rigoroso e amplo trabalho de pesquisa – com texto ao mesmo tempo leve e erudito, escrito com sóbria simplicidade, O velho Graça refaz a trajetória luminosa e sofrida de Graciliano. Tendo como objeto de estudo um escritor aferrado ao seu tempo, Moraes desenha o pano de fundo de cinco décadas de grande efervescência política e de transformações aceleradas no processo modernizador do Brasil.
A garimpagem em arquivos públicos e privados de Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, assim como as dezenas de testemunhos de amigos, parentes, artistas, intelectuais e companheiros de geração enriqueceram sobremaneira o trabalho. Com argúcia de historiador e sensibilidade literária, Moraes traça a interligação entre as várias personas de Graciliano Ramos: o menino traumatizado pelas surras na infância; o jovem autodidata que lia Balzac, Zola e Marx em francês; o mítico comerciante da loja Sincera; o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios; o zeloso diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas; o preso político no inferno da Ilha Grande; o escritor sufocado por apuros financeiros; o estilista da palavra na redação do Correio da Manhã; o militante comunista aos esbarrões com a burocracia partidária.
Sem cair na armadilha do biografismo, Moraes recompõe a emergência dessa complexa figura, reconstituindo no percurso dialético de seus diversos momentos alguns dilemas fundamentais de nossa formação histórica. “Temos um Graciliano sem retoques: duro, mas apaixonado; frio e áspero na superfície da fala e do gesto, mas ardente e sempre humano na fonte da vida pessoal”, diz na capa o professor Alfredo Bosi, que também encontrou na biografia o cruzamento de itinerários do homem capaz de refletir, como num jogo de espelhos, a somatória de vivências acumuladas: “a paixão pela palavra nele precedeu e acompanhou a opção política que, por sua vez, transcendeu (mas jamais renegou) a adesão partidária”.
Para o autor, remontar o quebra-cabeça de Graciliano assemelhou-se ao ofício de artesão, já que os fragmentos do passado precisavam ser pacientemente reunidos e dispostos com a máxima coerência possível, a despeito da pluralidade de suas significações. A necessidade de correlacionar peripécias, valores e sentimentos foi inspirada em uma passagem do prólogo de Memórias do cárcere. O escritor consciente, assinala Graciliano, não deve esquivar-se dos zigue-zagues e tumultos próprios de uma existência. “Esforcei-me para mirar o objeto sem perder de vista suas interfaces e imbricações, tratando de averiguar convicções, dúvidas, anseios, vicissitudes e triunfos a fim de estabelecer conexões com a esfera ficcional engendrada por ele. Nas tensões entre o homem, a atmosfera social e a criação literária recolhi pistas que me levassem às motivações familiares, afetivas, estéticas, ideológicas e políticas presentes em sua intervenção na realidade concreta”, completa Moraes. O resultado é uma história de projeções e influências, de paradoxos e contrastes, mas, sobretudo, de coerência na busca incessante do que é essencial à vida.
Trecho do livro
"Fico imaginando o que Graciliano acharia de ter sido biografado. Talvez fingisse desprezo por sua escolha. O que me leva a crer nisso? Uma declaração feita por ele, em novembro de 1937, em uma carta ao tradutor argentino Raúl Navarro, que lhe pedira um currículo sumário para anexar a um conto em vias de publicação em Buenos Aires.
Os dados biográficos é que não posso arranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis – Caetés, publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá para uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances."





“Depois eu e Graciliano nos tornamos amigos. Depois de soltos, na livraria José Olympio, havia uma saleta onde ele se reunia com amigos para conversar quase toda tarde. Eu às vezes ia lá e, quando chegava, fosse quem fosse que estivesse sentado ao lado dele, se levantava para eu sentar. ” Dra. Nise da Silveira O encontro e a amizade entre Graciliano Ramos e Nise da Silveira



Referências

http://www.releituras.com/graciramos_bio.asp
http://revistappgsa.ifcs.ufrj.br/wp-content/uploads/2015/05/7-ano4-v04n02_marcelo-ridenti.pdf
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titulos/visualizar/o-velho-graca
https://culturaeviagem.wordpress.com/2015/12/31/o-encontro-e-a-amizade-entre-graciliano-ramos-e-nise-da-silveira/



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