Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
OS DEUSES MALDITOS
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George Grosz, The Eclipse of the Sun, 1926, Oil on canvas, 207.3 x 182.6 cm
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Por GILDA DE MELLO E SOUZA & ANTONIO CANDIDO*
Comentário sobre o filme de Luchino Visconti
“From forth the kennel of thy womb hath crept A hell-hound that doth hunt us all to death.” (Shakespeare, King Richard III)
Na entrevista que deu a Stefano Roncoroni sobre a gênese de Os Deuses Malditos, Luchino Visconti confessou algumas de suas fontes de inspiração, como Os Buddenbrook, cuja influência na cena inicial do jantar de aniversário do velho Essenbeck é logo identificada pelos leitores de Thomas Mann. Confessou também outras leituras de informação sobre o período histórico, minuciosas, pacientes, conforme exigia o seu temperamento de arqueólogo, que só sabe alçar voo quando já travejou a estrutura da obra e a fincou solidamente no chão. Para criar a atmosfera ideológica da época, diz ter pensado em Hegel, autor que Aschenbach cita em dado momento; mas silencia a influência da teoria do ressentimento, de Nietzsche, de que o filme é, até certo ponto, uma exposição romanceada.
Também não se referiu a Shakespeare, que no entanto lhe forneceu o tom dramático da narrativa, como a tragédia grega havia fornecido o de Rocco e seus Irmãos. impunha-se, de fato, a referência a Macbeth, onde foi buscar a relação tensa e apaixonada dos dois amantes unidos pelo crime, a análise admirável da ambição e de seu correlato, a consciência infeliz. É desses empréstimos que a criação artística se nutre, e o mistério da obra de arte consiste em oferecer, magicamente, através de um corpo velho, retalhado, cosido, a sua face sempre nova.
No início o filme de Visconti parece apreender o Nazismo de esguelha, atento somente às repercussões. Não vemos a História pronta e ordenada, porque estamos inseridos nos acontecimentos, olhando-os do lado de dentro. A semiologia oficial dos filmes do gênero nos habituou a uma Alemanha de parada, passo de ganso e oficiais estúpidos que falam aos berros. Em Os Deuses Malditos Luchino Visconti evita meticulosamente esses lugares comuns. Evita mesmo caracterizar o Nazismo como fenômeno antijudaico e faz apenas algumas alusões a isto, de maneira ocasional, no episódio da menina que se mata e na cerimônia de casamento, quando Sofia e Friedrich declaram a “limpeza de sangue”.
A primeira impressão é que prefere contar a história da família Essenbeck, demorando-se nos detalhes realistas, na caracterização do ambiente, na vestimenta, nas maneiras, demonstrando pela nobreza aquele fascínio perverso que só encontra paralelo em outro grande criador do cinema: Stroheim. Mas Os Deuses Malditos não é um filme realista, e sim uma mitologia, na acepção que Roland Banhes dá a esta palavra; não têm apenas um sentido aparente de linguagem, são uma fala, e esta só pode ser entendida se o ponto de referência constante for o Nazismo.
A sua leitura exige, pois, um deciframento, onde “cada objeto pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral”, a uma mensagem. As imagens existem com significação autônoma, mas podem cobrir uma outra significação, latente, bem mais profunda. Por exemplo: no jantar de aniversário o S. S. Hauptsturmfuehrer Aschenbach traz à lapela de seu smoking uma pequena cruz gamada de ouro; todavia, esta não é um mero distintivo, mas o goldenen Partei abzeichens, a que só tinham direito militantes de destaque.
Outro caso: a gordura e a própria fisionomia de Konstantin von Essenbeck já sugerem certa semelhança; mas é um determinado sintagma – a capa impermeável combinada ao chapéu de feltro quebrado na testa – que nos faz aproximá-lo de Goering, que aparece vestido assim em várias fotografias da época. Do mesmo modo, aqueles que reconhecem no episódio do hotel de Wiessee a chacina dos S. A. leem a Mercedes escura, que chega lentamente de madrugada, entre guardas silenciosos, como a presença de Hitler no local.
O processo de insuflar nos elementos do entrecho um sem número de significações suplementares, que desafiam constantemente a atenção de quem as decifra, prolonga-se de maneira curiosa na escolha dos nomes, onde assume a forma lúdica de um quebra-cabeça. Assim, o nome da família protagonista do drama, Essenbeck, não foi escolhido a esmo: o radical Essen evoca a cidade da Renânia, berço da célebre família de armeiros Krupp e grande centro da indústria siderúrgica.
Quanto a Aschenbach, é o nome da personagem principal d’A Morte em Veneza, de Thomas Mann, novela querida de Visconti, que acaba de transpô-la para o celuloide. Na novela, Aschenbach representa a decadência e é, de certo modo, portador da morte; o seu homônimo desempenha (sob este único aspecto), papel parecido no filme podendo além disso, pela importância que assume, ser aproximado de Satã. Bruckmann, sobrenome de Friedrich, o gerente da fábrica, é também o de uma família importante de Munique, ligada ao Nazismo; em suas Memórias, Speer fala de uma senhora Bruckmann, como mentora do gosto artístico de Hitler.
Finalmente, é preciso não esquecer a personagem antinazista Herbert Thalmann, homônimo quase perfeito de Ernest Thaelmann, que liderava o Partido Comunista Alemão quando Hitler chegou ao poder. A associação é aliás sugerida na contenda que se estabelece durante o jantar, logo após a notícia do incêndio do Reischstag, quando Konstantin responde ao primo, que denunciava Goering por ter prometido enforcar os inimigos do Terceiro Reich: “Você está perdendo a cabeça, Herbert. Goering referia-se aos comunistas… Ou talvez você também seja comunista?”
Poderíamos dizer, resumindo, que ao lado de um primeiro estrato de ressonância, como a pequena cruz gamada na lapela de Aschenbach, temos um segundo, mais sutil, como o sintagma das roupas e do físico de Konstantin (a esta camada, como veremos, pertence o travesti de Martin); e, por último, um terceiro, como o dos nomes – flutuante, remoto, sem sentido preciso, mas crivando o texto com o fogo fátuo de suas significações possíveis.
O conhecimento do Nazismo reveste-se pois, em Visconti, de uma extraordinária precisão documentária, mas em seguida esta é afastada parcialmente, em proveito de um jogo hábil de sinais e significados. Daí a importância que adquire a correlação entre a roupa civil, o uniforme, a insígnia, a bandeira, a música, a decoração, os gestos, os nomes, os lugares. Estes elementos, que permitem uma espécie de condensação da história – pois se articulam como um sistema simbólico geral, presente em todo o filme – organizam-se ainda em três sistemas particulares, formando os três blocos narrativos principais, que descreveremos a seguir.
Cada um constitui um momento significativo na evolução do Nazismo: o pacto com o grande capital, que o subvencionou e possibilitou a sua chegada ao poder; a liquidação das S. A., que eliminou os seus aspectos populistas e garantiu o apoio dos militares, facultando a Hitler a sucessão de Hindenburg; o predomínio absoluto das S. S., caracterizando uma espécie de “Nazismo puro”, que efetuou a destruição dos judeus e desencadeou a guerra. Além disso, no plano da narrativa há uma articulação de elementos recorrentes que asseguram ao longo dos três blocos a continuidade do sistema simbólico geral — como o fato dos três serem festas, terminadas de modo trágico e marcadas ritmicamente pela chegada sinistra dos S. S. ; ou a constância do travesti, cuja análise diferencial será feita mais adiante.
Os primeiros intérpretes do Nazismo de um ponto de vista econômico, como Daniel Guérin e Juergen Kuczinsky, já mostravam que ele se fez acompanhar de espantosa concentração industrial, permitindo ao grande capitalismo alemão um predomínio nunca visto na economia do país. Visconti parece aderir a este ponto de vista, dando uma interpretação que poderíamos chamar de radical no sentido etimológico da palavra, isto é, que vai à raiz, aos fundamentos econômicos.
A família Essenbeck funciona como estrutura-padrão, refletindo as diferentes etapas das relações entre o Nazismo e o capitalismo. Luchino Visconti mostra, na própria estruturação semiológica do filme, que o Nazismo foi de fato uma “guarda plebeia do grande capital” , como dizia Konrad Heiden; mas guarda que não parou de o envolver e determinar, desde o contrato simbolizado na cena do jantar inicial até à absorção dos últimos membros da família pelas organizações do partido.
No jantar, assistimos com efeito, simbolicamente, ao pacto entre os nacional-socialistas e a indústria pesada. O Barão Joachirn von Essenbeck representa a tradição aristocrática e predatória dos grandes magnatas do aço e das armas, e embora desprezando o arrivismo de Hitler – a quem se refere como “esse senhor” – capitula por motivos de interesse. A pressão política é representada por dois indivíduos: o sobrinho Konstantin, truculento e grosseiro membro das S. A., que ambicionava suceder ao tio, e o parente afastado Aschenbach, impecável oficial das S. S. A luta de morte que se trava desde então entre ambos, no interior da família, e que se manifesta na diversidade das fardas que vestem, é a luta entre dois grupos rivais dos asseclas de Hitler.
Konstantin adere ao ativismo plebeu do movimento em sua fase de conquista do poder, representando uma etapa a ser eliminada. Aschenbach, porta-voz da doutrina na fase de controle do Estado, é a linha de força que promove os acontecimentos: o assassínio do velho Essenbeck; o afastamento do sobrinho liberal e antinazista Herbert Thalmann; a preponderância do gerente ambicioso Friedrich Bruckmann por meio de sua amante Sofia, nora viúva do Barão; o assassínio de Konstantin por Friedrich, em Wiessee; a destruição de Friedrich e Sofia, já agora desnecessários e incômodos; finalmente, o advento do perfeito instrumento nazista, o jovem Barão Martin von Essenbeck, homossexual, pedófilo, toxicômano, incestuoso, sádico, absorvido e transformado em autômato pelos S. S. , que provavelmente absorveram também seu primo Guenther.
Martin é definido com exagero intencional, porque não se visa à verossimilhança psicológica e sim a acentuar através da caracterização da personagem a desagregação da família e a monstruosidade da nova ordem que está emergindo. O pacto entre o Nazismo e o grande capital se efetua quando a resistência do velho patriarca cede em proveito do interesse do grupo – a indústria de que é chefe. Mas a família Essenbeck já está minada de todos os lados pelas divergências políticas e pelas lutas internas de interesses; o jantar de aniversário é o seu último momento de equilíbrio.
A festa é antecipada por um longo preparativo iniciado nos quartos, como o espetáculo começa no camarim dos atores. Antes de entrar em cena, cada figurante repassa o número que dali a pouco vai executar no palco e na vida: as duas meninas repetem versos, assistidas pela governanta; Guenther (filho de Konstantin), ensaia a sua peça de Bach no violoncelo; Herbert Thalmann acusa a transigência de sua classe com o Nazismo enquanto sua mulher Elizabeth lhe arranja a gravata e pede calma; Konstantin toma banho e pensa em como atrair Guenther para a sua causa; o velho Barão lembra-se do filho morto na guerra – enquanto no automóvel que roda em direção ao castelo, Aschenbach e Friedrich traçam os planos da batalha.
O castelo exibe o seu esplendor intacto. É um mecanismo em perfeito funcionamento, com o serviço impecável da criadagem, as relações cordiais entre patrão e empregado, os gestos de carinho que cercam a vida de família. Neste ambiente tranquilo a forma de expressão estética que surge é a representação teatral em homenagem ao velho Barão. Vista isoladamente ela pode ter um ar sentimental e mesmo kitsch; mas é uma forma perfeitamente adequada ao ambiente onde se realiza, um espetáculo comemorativo concebido nos moldes tradicionais, com palco, recitativo de crianças, audição musical de autores consagrados, a que se assiste com roupa de cerimônia. Esta atmosfera harmoniosa é quebrada bruscamente por dois elementos de choque: a imitação de Marlene Dietrich feita por Martin e a notícia do incêndio do Reichstag.
A alusão a Marlene no papel de Lola, em O Anjo Azul, é um signo extremamente ambíguo. A sua significação aparente é erótica e aponta para a mulher equívoca de cabaré, de pose desenvolta, meias pretas, cabelos louros e cartola, mas que o meio já incorporou como símbolo de uma liberdade permitida. Encoberto por este, no entanto, há na imagem um outro sentido de tara e anormalidade – pois a mulher que vemos no palco não é Marlene Dietrich, e sim o travesti de Martin von Essenbeck, herdeiro da poderosa dinastia. A sua inclusão na ordem tranquila do castelo é uma afronta e o velho Barão manifesta o seu desagrado.
Mas, sobrepondo-se a este elemento de perturbação, explode como uma bomba a notícia do falso complô. A proximidade em que se dão os dois sinais de ruptura não é ocasional e o diretor marca por seu intermédio o paralelismo com que, dali em diante, vão se desenvolver as duas linhas do entrecho: a anomalia de Martin e a anomalia do regime. É o momento mais importante da trama, porque é o da queda das máscaras, quando a família começa a desintegrar-se e a ação descamba para a brutalidade. Visconti não se preocupa em preparar realisticamente a virada dos acontecimentos; faz com que eles se precipitem de repente, num tempo mais breve que o romanesco, usando uma condensação que diríamos ser antes a da duração teatral.
Durante o jantar todas as cartas já estão lançadas: o velho Barão anuncia os entendimentos de sua indústria com o Nazismo, Herbert Thalmann se demite da vice-presidência retirando-se da sala com a mulher, Konstantin toma o seu lugar na mesa e no Conselho de Administração. Já está esboçada a luta entre este último e Sofia-Friedrich. Logo mais presenciaremos a chegada dos S. S., a fuga de Herbert, o assassínio do velho patriarca, a violação da pequena Thilde. Ë muito para uma noite apenas, mas não é demais para um primeiro ato shakespeariano.
O segundo episódio fundamental na estrutura do filme – inspirado na liquidação das tropas de assalto, as S. A., comandadas por Roehm – é o massacre na aldeia bávara de Wiessee, perto de Munique, onde Konstantin perde a vida. O assassínio do velho Joachim, na sequência do início, logo após Hitler ter recebido o apoio do capitalismo, é a primeira trapaça depois do pacto. A morte do nazista Konstantin, em Wiessee, simboliza o início da destruição dos títeres que controlavam a alta indústria. O episódio, construído de acordo com o mesmo ritmo do jantar de aniversário, começa de maneira festiva e descuidada, na alegria ruidosa das regatas, para ir desandando progressivamente, enquanto a madrugada avança, em sentimento profundo de tristeza e, finalmente, em tragédia.
Aqui também existe uma manifestação estética, uma representação, que significa um passo a mais na caminhada nazista. Mas agora a emoção artística é despertada pelos cantos partidários e culmina na cena em que os S. A. entoam, bêbados, o Horst Wessel Lied — pendant degradado da cena inicial do castelo, quando, em trajes de cerimônia, Guenther tocava Bach e as primas recitavam versos. A equivalência entre as duas sequências prossegue ainda na profanação das mulheres, pois à menina brutalizada por Martin, embaixo da mesa, correspondem as garçonettes despidas e atiradas para o ar pelos milicianos.
Neste esquema simétrico, o próprio travesti reaparece. Mas não é mais o travesti de um indivíduo, atuando como elemento de choque e ruptura num meio que não é o seu; é o de todo um grupo, acolhido com aplausos. Em vez de exceção temos normalidade, adequação perfeita dessa manifestação estética baixa e grosseira à brutalidade militar do meio, marcado pela ambígua camaradagem masculina.
Caberia talvez uma nota marginal para esclarecer como se acham fundidas, na técnica da composição, a fidelidade aos acontecimentos e a liberdade da interpretação criadora. Na terrível “noite das facas longas”, madrugada de 30 de junho de 1934, quando Hitler decidiu liquidar Roehm para captar o apoio definitivo do Exército e dos conservadores, o que ocorreu na pequena cidade balneária de Wiessee foi a prisão (dirigida pelo Führer em pessoa) de Roehm, de seus ajudantes Uhl e von Spretti e do motorista que dormia com o S. A. Obergruppen-fuehrer Heines, este último, executado no local. Ao que parece, foi a única morte, pois há dúvida quanto ao motorista, que teria sido levado com os demais para Munique, onde foram liquidados com dezenas de outros, enquanto se massacrava mais gente noutras partes, sobretudo em Berlim e na Silésia, num total que Hitler declarou ser de 76 em seu discurso apologético no Reichstag, mas que os entendidos avaliam, uns em cerca de 400, outros em mais de 1.000.
Portanto a sequência de Wiessee foi totalmente inventada, salvo a presença de Roehm, a chegada dos S. S. e a caravana de automóveis. Mas Luchino Visconti montou, num escorço concentrado, todos os elementos do grande drama: a atitude dos S. A. contra o Exército (que ambicionavam substituir, como um “exército popular”), a oposição mais ou menos patente a Hitler, os ruidosos costumes de bambochata, o homossexualismo bastante difundido em suas fileiras, a presença de Hitler no local (embora oculta por elipse), a síntese dos massacres que, naquela madrugada e pelo dia afora, ensanguentaram a Alemanha. Na história real, os chefes das S. A. iriam concentrar-se em Wiessee a 30 de junho, para uma visita de Hitler. Visconti antecipou o que poderia ter acontecido, enfeixando o que aconteceu disperso no espaço e sucessivamente no tempo.
No terceiro episódio, a ação torna a situar-se no castelo dos Essenbeck, para que, voltando ao lugar onde a narrativa começou, sinta-se concretamente o tempo escoado. O elemento estético é então expresso pela oposição dramática dos dois ambientes, nítida como a que separa o belo rosto de Sofia, na primeira parte do filme, da máscara de Ensor que exibe na cerimônia do casamento. Do velho castelo não resta mais nada: nem criadagem, nem pompa, nem protocolo. Das paredes nuas pendem, como numa câmara mortuária, os emblemas nazistas.
As personagens requintadas do primeiro ambiente haviam sido substituídas, na cena do massacre, pela vulgaridade barulhenta, pelo sentido de corporação popular das S. A.; agora, uma ralé suja, carreada pelo Nazismo, forma o pano de fundo sobre o qual se destacam os preparativos do ritual sinistro de Martin: o casamento de Friedrich e da mãe que ele profanou, seguido do assassínio de ambos sob forma de suicídio imposto. Do mundo antigo, que começou a desaparecer com a morte do velho Barão, só resta uma ou outra sobrevivência, como a roupa de gala dos noivos, a gentileza e o sorriso mecânico com que a baronesa ensandecida agradece a presença dos convidados.
Do mesmo modo que as duas anteriores, a sequência vai terminar, simetricamente, com um crime. Mas também este evoluiu. Tomou-se cada vez menos individualizado, passou da relação direta entre o criminoso e a vítima, no assassínio do velho patriarca, à matança coletiva onde a morte de Konstantin se dissolve, até o último crime, impessoal, sem armas, sem sangue, sem riscos. Um assassínio à distância, que não exigiu sequer a presença do criminoso no lugar da execução. E que o crime, absorvido pelo sistema, tornou-se rotina.
O que foi feito de um dos elementos constantes da trama, o travesti? Terá desaparecido? Não; permanece, mas como um valor que mudou de sinal. Desde o início Martin foi tratado como um ser ambíguo, meio homem, meio mulher; e essa espécie de neutralidade de sentido, que é a sua essência, já se reflete no rosto delicado de adolescente, máscara vazia da qual Visconti dispõe com perícia, de acordo com a necessidade expressiva do entrecho.
No começo, acentua o aspecto feminino, quando Martin reage medroso diante da mãe e dos parentes, roendo as unhas inseguro, excluído da disputa em que os demais se entrematam, segregado num terreno marginal, onde só pode comunicar-se – mesmo que seja pela tara – com as crianças e os menos favorecidos pela fortuna. Confinado nos espaços vazios, nos cantos escuros, esgueira-se por baixo dos móveis e é simbolicamente aprisionado no sótão pelo tio, como alguém escorraçado, fugidio e solitário. Quando ensaia as três pancadas do mando, imitando a autoridade do avô, está sozinho, na grande mesa da sala deserta. Sozinho, fechado no quarto, é que espera a amante, debatendo-se com as tendências secretas.
Visconti sublinha de vários modos a existência isolada e subterrânea de Martin, fazendo o elemento significativo depender, ora da função da personagem no enredo, ora apenas da retórica da imagem. Na cena que se passa no escritório da fábrica, é a situação que define a marginalidade de Martin, mostrando-o impaciente e desatento, enquanto Friedrich e os membros do Estado Maior do Exército brindam a um novo modelo de metralhadora. Dali a pouco, a caminho da casa da amante, age como um criminoso, olhando para os lados furtivamente, trocando de carros para despistar o rumo que segue.
Às vezes, no entanto, desejando exprimir a sua constante vocação para o crime, o diretor se limita a apoiar-se na plástica da imagem. O ritmo fluido da sequência é então cortado por uma tomada particular: por exemplo, o close-up de seus olhos. Duas vezes utiliza a imagem dos olhos: como elipse na profanação da prima e como prólogo na profanação da mãe. No primeiro momento, a utilização é, aliás, mais complexa, pois se inscreve na montagem admirável com que sugere a violação de Thilde: ouvimos o grito lancinante no meio da noite, sincronizado à imagem do velho Barão erguendo-se indagador na cama; e a frase termina com a tomada dos olhos de Martin, fosforescentes como os de uma pantera.
Martin e o crime são coextensivos. Mas no início o crime é desvio, infelicidade, tara, anormalidade. Martin surge como um degenerado marginal, que não cabe nos quadros éticos dominantes; um homem disfarçado de mulher, travestido de Lola-Marlene.
O Nazismo, no entanto, criou um estado de coisas onde os degenerados, longe de destoar, encaixam-se normalmente. A personalidade disponível de Martin, a sua humanidade ausente, será de agora em diante preenchida num sentido inverso: o seu último travesti será a farda de S. S. Daí a importância simbólica do gesto com que põe o boné na cabeça, acorde final onde encerra a evolução coerente que o transformou de mulherzinha assustada em oficial duro e implacável.
É fardado de S. S., da cabeça aos pés, que, integrado na ordem nova, preside à destruição definitiva da antiga ordem, à qual pertencia mas que nunca o acolheu integralmente. O crime final de Martin esclarece com luz retrospectiva os crimes anteriores que cometeu: eles deixam então de ser faltas, para se tornarem as provas sucessivas de um longo ritual iniciatório, equivalente macabro da seleção que Himmler achava necessária para essa espécie de ordem de cavalaria, quintessência do Nazismo – os S. S. treinados nos Ordensburgen.
A intenção flagrante do diretor, criando a personagem, foi mostrar, paralelamente à formação do Nazismo, à sua constituição definitiva como força única do Estado, esmagando antagonismos, divergências e adesões insuficientes, a emergência de um indivíduo monstruoso, como os que ele gerou. O filme é, concomitantemente, a anatomia do Nazismo e a história de um nazista padrão, isto é, Martin von Essenbeck.
Os Deuses Malditos manifestam, portanto, um agudo conhecimento político, tornado singularmente eficaz pela força da sua estrutura oculta, que a análise desvenda. Mas se não conhecêssemos os fatos e não pudéssemos avaliar o rigor com que Luchino Visconti os transfigura, efetuando uma habilíssima redução estrutural, o filme guardaria ainda assim o seu impacto de obra de arte, pela coerência do primeiro nível de significação, isto é, a história da disputa pelo poder econômico dentro de uma família.
Post-scriptum
Lucros líquidos da firma Krupp à medida que se acelerava o rearmamento promovido pelo Nazismo (em milhões de marcos):
1935……………………………………………..57.216.392,00
1938……………………………………………..97.071.632,00
1941…………………………………………….111.555.216,00
*Gilda de Mello e Souza (1919- 2005) foi professora de estética do Departamento de filosofia da USP. Autora, entre outros livros, de Exercícios de leitura (Editora 34).
*Antonio Candido (1918-2017) foi Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Autor, entre outros livros, de O Albatroz e o Chinês (Ouro sobre Azul).
Artigo publicado originalmente na revista Discurso nº 2, [https://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/37723/40450]
Referência
Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei)
Itália, 1969, 156 min.
Direção: Luchino Visconti
Elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger, Renaua Verley, Umberto Orsini, René Koldehoff, Albrecht Schönhals, Charlotte Rampling, Florinda Bolkan.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6cpk5cllszI
https://aterraeredonda.com.br/os-deuses-malditos/
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The Damned
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Os Deuses Malditos 1969 Tvrip Globo Dublagem Clássica Herbert Richers
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Agenor Nogueira
Clipe
#dublagemclassica #tvrip #filmesdublado
#dublagemclassica #filmesdublado #tvrip Alemanha, 1933. O barão Joachim Von Essenbeck (Albrecht Schoenhals) comunica que está deixando o seu império de usinas de aço nas mãos de um desconhecido. A ascensão do nazismo é analisado pela ótica de uma aristocrática família, que se digladia internamente na luta pelo poder, assassinado uns aos outros sem hesitação para alcançar seus objetivos
Música
MÚSICA
02. Titoli
ARTISTA
Maurice Jarre
ÁLBUM
La Caduta degli Dei - The Damned / Les damnés
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Tribute To Burt Bacharach At The White House Stevie Wonder~Diana Krall~Sheryl Crowe
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Outrora, chefe de bandoleiros ou de soldados mercenários na Itália.
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Luiz Werneck Vianna* - Onde mora o perigo
Quase dois meses da defenestração do fascismo tabajara do Estado já se respira melhor e o alento da esperança se faz sentir mesmo no caminho de pedras que temos pela frente. Verdade que o governo democrático tem agido com tino, reforçando e ampliando suas alianças, além de perseguir pautas de larga aceitação como as da consolidação das nossas instituições e, principalmente, na sua opção pelos temas ambientais, hoje quase consensuais. Contudo, o cenário, na aparência inofensivo, mal esconde as ameaças que nos rondam. Estropiado como está, depois do insucesso da trama golpista de 8 de janeiro, o bolsonarismo ainda é um movimento político com forte representação no poder legislativo e conseguiu atrair segmentos da população curtidos pelo ressentimento, homens e mulheres, boa parte de meia idade, que encontraram nele um sentido para suas vidas obscuras e solitárias e deve persistir como força eleitoral, ao menos a curto prazo.
Seu movimento não se expressou na forma partido, provavelmente porque Bolsonaro, formado na cultura política do AI-5, dominante nos desvãos da caserna dos anos 1970, sempre se orientou tendo em vista um golpe militar, refratário à política e aos movimentos de massa, apenas mobilizados para fins de agitação e de valorização do seu papel de condottieri. O resultado desastrado da intentona do infausto dia 8, segundo recente declaração sua, parece que lhe abriu os olhos para a política. Daí para a forma partido falta um passo.
O fascismo como ideologia política não nos é estranho, conhecemos, nos anos 1930, o partido Integralista, com forte presença entre militares e intelectuais, influente na criação do Estado Novo, em 1937, e na promulgação autocrática da Constituição fascista que lhe seguiu. A tentativa malograda do golpe dos integralistas contra o governo Vargas, em 1938, resultou na dissolução do integralismo como movimento social, mas não da Carta fascista de 1937, vigente até a democratização de 1945.
Como registra a melhor bibliografia, a nova Carta de 1946 de índole liberal em suas linhas principais garantiu sobrevida a muitas das normas contidas na anterior, em particular as que disciplinavam o mundo do trabalho, preservando a fórmula corporativa e a tutela dos sindicatos pelo Estado e a legislação sobre segurança nacional, além da manutenção do estatuto do exclusivo agrário com que garantiu a coalizão reacionária entre as elites. Com essa construção, sob forma encapuzada o fascismo se manteve em estado latente na ordem liberal entre 1946 e 1964, até que, após o golpe militar, nos fins de 1968, com o AI-5, rompe com ela numa ressurgência do fascismo dos anos 1930.
Com a ascensão de Bolsonaro, um rebento nostálgico do regime do AI-5, à presidência, contando com o beneplácito de setores importantes das elites econômicas, os rumos do seu governo se fixam obsessivamente em solapar as instituições e os fundamentos da Carta de 88 que tinha guarnecido com um sistema defensivo a ordem democrático-liberal que criara. Infrutíferas todas as tentativas, recorreu a uma meticulosa preparação de um golpe de Estado, a que lhe faltou, como sabido, respaldo suficiente na hora decisiva nos altos comandos militares.
Do fiasco, sobrou-lhe sua armata brancaleone, boa parte ainda fiel a ele, e que lhe deve ter serventia para uma eventual organização partidária. Derrotadas pela via da conspiração, as hostes bolsonaristas se orientam, reiterando o movimento da extrema direita em vários países, para o caminho das disputas eleitorais, quando o seu principal objetivo se define pela conquista de posições na chamada direita civilizada, no suposto de que a reação às políticas democratizadoras do novo governo afetando seus interesses, venham a facultar suas pretensões.
Aí é que mora o perigo. Diversa é uma arregimentação para sustentar uma pregação fascista limitada aos porões dos ressentidos da que se encontra escorada em setores das elites dominantes. Franz Neumann, em Behemoth, obra clássica de sociologia política sobre a ascensão do nazismo na Alemanha, e Luchino Visconti, em os Deuses Malditos, filme também clássico, são exemplares narrativas das letais ameaças frutos dessa associação entre as elites e os partidos de ideologias totalitárias.
Nesse sentido, é motivo de preocupação o teor de algumas manifestações publicadas na grande imprensa favoráveis a que se passe um pano no envolvimento do ex-presidente na intentona antidemocrática de 8 de janeiro, na intenção de preservá-lo eleitoralmente, e, principalmente, o fato do presidente do Banco Central, filho excelso da elite econômica brasileira, ter feito profissão de fé na candidatura Bolsonaro e se expor publicamente com vestimenta usual a seus seguidores.
Daí ser imperativo que as lideranças democráticas dos partidos ora responsáveis pelas políticas governamentais estarem atentas a esse processo, ainda larvar, a fim de obstar sua propagação, considerando em cada passo as suas consequências, para as quais estão credenciadas pelos bons resultados até aqui conquistados, por que ainda falta muito para que cheguemos a um porto seguro.
*Luiz Werneck Vianna. Sociólogo, PUC-Rio
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Fernando Gabeira - Juros altos e as altas expectativas
O Estado de S. Paulo
As discussões preliminares são importantes. Mas chega uma hora em que não podem monopolizar a agenda de um país que precisa encontrar seu caminho
Qual a taxa de juros correta num determinado momento histórico? Perguntar isso a quem não tem profundos conhecimentos econômicos me faz lembrar uma peça de Harold Pinter na qual mendigos entram numa cozinha de restaurante e são bombardeados por pedidos de pratos sofisticados e não têm mais do que um modesto sanduíche no farnel. Mas há uma intensa discussão sobre o assunto. Precisamos saber por que isso influencia nossa vida. Quem tem razão? Um dos critérios é escolher o que se preocupa com os mais pobres.
Lula quer taxas mais baixas porque isso poderia não só garantir sua política social, mas ajudar os que precisam de emprego. Ele tem os mais pobres no seu horizonte. O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, defende as taxas altas porque baixá-las, segundo ele, impulsiona a inflação e prejudica os pobres.
É difícil de declarar empate nesse quesito, isto é, supor, simultaneamente, que altas taxas de juros e baixas taxas de juros representem o interesse dos mais pobres.
Então, é preciso ir um pouco adiante para ver se a inflação é resultado de uma alta atividade econômica que precisa ser contida no momento.
Há economistas que acham que a inflação no momento é provocada por outros fatores, como, por exemplo, a queda da produção durante a pandemia e o aumento do preço da energia e de fertilizantes por causa da guerra na Ucrânia. Esses últimos fatores influenciando também o preço de alimentos. Isso nos leva, pobres mortais, a supor que a economia está patinando e que as altas taxas de juros podem impedir que ela decole.
Há outro impasse de grandes dimensões. Quando se fala em aumentar investimentos públicos, entra em cena o fantasma do desequilíbrio fiscal. Algum investimento público é algo consensual, exceto entre os que acham que o Estado não serve para nada. Há quem diga que a relação dívida/PIB, de 70%, não é assustadora e que as contas do País estão relativamente em ordem. Como arbitrar essa dúvida? De um lado, gente dizendo que os investimentos públicos vão gerar inflação; de outro, gente que afirma que o aumento da taxa de juros amplia nossa dívida num nível ainda maior.
A história vai se confundindo para o espectador. Não se sabe quem defende os pobres nas posições conflitantes e não se sabe se o estrago maior nas contas é causado pela ousadia do governo ou pelas canetadas do BC.
O interessante é que essa contradição não é antagônica, do tipo em que uma das partes é suprimida pela outra. O Banco Central continuará autônomo e seu presidente, no cargo.
Dizem que o BC brasileiro foi considerado o melhor do mundo no ano passado. Mas o homem comum não votou nem conhece as regras dessa eleição.
Supondo que todos tenham seus argumentos e que seja difícil de eliminar uma das partes, o que nos resta?
O que nos resta é trabalhar para que o tom de confronto seja superado pelo diálogo e que neste período se encontre uma saída conciliatória que possa garantir o desenvolvimento do País.
As eleições de 2022 ocorreram para definir linhas. O presidente do Banco Central afirmou, nos EUA, que os ciclos da economia e da política são diferentes. Acontece que são interligados – na verdade, não existe política monetária pura, dissociada de qualquer traço político, muito menos existe uma política navegando nas nuvens, distante da realidade econômica.
Por isso a expressão independência do Banco Central, conforme lembrou o economista André Lara Resende, não é adequada. É correto dizer autonomia, algo que pressupõe interdependência, um conceito, no meu entender, muito mais próximo da realidade.
Todo este debate, assim como as tentativas frustradas de golpe, acaba atrasando o processo, fixando o esforço de crescimento nas preliminares. Talvez seja preciso encaminhar logo a reforma tributária, a nova política fiscal, que alguns chamam de âncora, outros de arcabouço, enfim, a gente pode escolher pela sonoridade de cada um.
Mais do que isso, é preciso atrair capitais. Os EUA decidiram se associar, modestamente, em termos de cifras, ao Fundo Amazônico. Não creio que devamos considerar as possibilidades de investimento na região apenas levando em conta dinheiro oficial. As possibilidades de atrair ajuda particular, de captar investimentos empresariais, são uma parte essencial do processo.
No passado, mencionei rapidamente aqui o livro de uma economista norte-americana, Mariana Mazzucato, Mission Economy, no qual ela mostra como a conquista da Lua foi um empreendimento de parceria entre governo e iniciativa privada. A preservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia, no meu entender, são uma tarefa de grandes dimensões e têm o mesmo potencial de unir governos e iniciativa privada numa proporção colossal.
A bola continua quicando na área. Não estamos mais de costas para o gol, como no período Bolsonaro. Mas é preciso um pouco da ousadia e da fórmula da conquista da Lua para avançar nessa tarefa.
As discussões preliminares são importantes. Mas chega uma hora em que não podem monopolizar a agenda de um país que precisa encontrar seu caminho.
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Livraria Cultura consegue suspender decreto de falência
Desembargador pediu reexame das provas que embasaram decisão judicial anterior, que decretou falência da empresa
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PODER360
16.fev.2023 (quinta-feira) - 14h40
O TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) suspendeu nesta 5ª feira (16.fev.2023) o decreto de falência da Livraria Cultura. Na decisão, o juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho pediu o reexame das provas que embasaram a decisão judicial anterior. Eis a íntegra do documento (292 KB).
Em 9 de fevereiro, o magistrado decretou a falência da empresa em decorrência de suposto descumprimento do plano judicial (íntegra – 7 MB). A livraria recorreu (íntegra -730 KB) e afirmou estar em dia com o plano de recuperação judicial.
No recurso, a Livraria Cultura diz que quitou R$ 12 milhões em dívidas aos credores.
Destacou que quitou o valor de R$ 1.679.790,62, apresentado pela Justiça como pendente, e que no momento só não quitou valores referentes às dívidas com o Banco do Brasil.
“Com relação ao credor financeiro estratégico Banco do Brasil, as agravantes ressaltaram que estavam (e ainda estão) em tratativas de acordo com a instituição financeira, comprometendo-se a informar nos autos da recuperação judicial tão logo houvesse qualquer novidade a respeito”, diz no recurso.
Ao pedir a revisão do decreto de falência, a empresa confirmou os atrasos no cumprimento de obrigações judiciais, mas citou a situação econômica durante a pandemia da covid-19.
autores
Poder360
FALÊNCIA LIVRARIA CULTURA LIVRARIA CULTURA S.A. LIVRO RECUPERAÇÃO JUDICIAL TJSP TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
https://www.poder360.com.br/economia/justica-decreta-falencia-da-livraria-cultura/
https://static.poder360.com.br/2023/02/decisao-falencia-livraria-cultura.pdf
https://static.poder360.com.br/2023/02/peticao-falencia-decretada-livraria-cultura-1.pdf
https://www.poder360.com.br/justica/livraria-cultura-consegue-suspender-decreto-de-falencia/
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Por AE
São Paulo – Luchino Visconti havia iniciado a década de 1960 com uma obra-prima, “Rocco e Seus Irmãos”, à qual se seguiram “O Trabalho”, episódio de “Boccaccio 70”, “O Leopardo” e “Vagas Estrelas da Ursa”. Mas em 1967/68, ele estava amargurado. Toda a vida Visconti quis adaptar “O Estrangeiro”, de Albert Camus, mas a viúva do escritor não lhe permitiu atualizar o livro, como queria, e a obra acabada ficou aquém de sua expectativa. Foi nesse quadro que, atento aos movimentos sociais da época – a reação ao Maio de 68, o ressurgimento do (neo)fascismo como força eleitoral na Itália -, ele começou a gestar sua trilogia alemã.
Ela começou com “Os Deuses Malditos”, que agora sai em DVD, prosseguiu com “Morte em Veneza” e concluiu-se com “Ludwig, a Paixão de Um Rei”. Os filmes foram surgindo um a cada dois anos – 1969, 1971, 1973. Durante a realização do terceiro, o cineasta sofreu a trombose que o deixou parcialmente paralisado e foi assim, em condições físicas precárias, que prosseguiu sua obra até o fim. Aos que o cobravam o por quê da trilogia alemã, Visconti dizia que o romantismo tedesco havia sido decisivo na sua formação intelectual. E mais – ele estava na Alemanha justamente no começo dos anos 1930, quando os nazistas consolidaram seu poder.
Testemunhara a forma como Adolf Hitler se cercara dos integrantes do que virou umas tropa de choque, os SA, cujo comandante supremo era um homossexual violento (e totalmente devotado ao führer). Já encastelado no poder, Hitler quis se dissociar dos SA e ordenou seu massacre pelo que viria a ser a elite do Reich, os SS. A cena é reconstituída em “Os Deuses Malditos”. Rende um dos momentos mais fortes do filme.
“Os Deuses Malditos”, The Damned, na versão que a Warner distribuiu internacionalmente. O filme nasceu do encontro de lembranças pessoais e políticas com a apreensão de Visconti pelo que antecipava como futuro da Itália. Pier Paolo Pasolini também advertia em seus escritos – e nos filmes – para a rescalada do fascismo na vida italiana. Tudo isso é verdade, mas o verdadeiro motor para “Os Deuses Malditos” foi uma reflexão que Visconti já vinha fazendo há algum tempo.
Depois das sagas familiares de “Rocco”, “O Leopardo” e “Vagas Estrelas”, em conversas com sua roteirista Suso Cecchi D�Amico, ele manifestou o desejo de radicalizar a ideia da família como célula social. Surgiram assim os Essenbecks, tão poderosos que a própria condição social lhes permite matar e cometer incesto impunemente. Suso deu o start, mas Visconti precisou de outro roteirista, Enrico Medioli, para dar plena vazão às monstruosidades que perseguem/acometem os personagens de “Os Deuses Malditos”.
O filme começa com um suntuoso jantar na casa da família protagonista. São industriais do aço e Visconti vai usar o fogo da usina, na abertura e no encerramento, para tecer um cerimonial ajustado às encenações do nazismo, que privilegiavam o fogo. O tom é operístico, wagneriano – uma ópera antinazista. O patriarca da família será morto nessa longa noite de loucuras e o poder será enfeixado por Martin, que vai explorar as divisões internas e lançar Essenbeck contra Essenbeck para reinar no clã. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
https://veja.abril.com.br/cultura/sai-em-dvd-os-deuses-malditos-de-luchino-visconti/
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José de Souza Martins*: - A falência da Cultura
Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Uma livraria não pode se confundir com salsicharia ou supermercado
A decretação da falência da Livraria Cultura é má notícia para a geração que, privada de simpatia pelas livrarias de estilo antigo, se acostumou à concepção de livraria de estilo de supermercado, em que o livro é mais produto e mercadoria do que obra e cultura. Misturado com outros negócios, o livro se transformou em objeto de passatempo, mais para ver do que para ler. A principal Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, com o imenso acúmulo de funções, tornou-se um lugar inóspito e cansativo.
Eu frequentava com a família a Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos. Foi lá que meu neto aprendeu a lidar com livro e a amar os livros. Nunca saíamos de lá sem um pacote de obras. Cada membro da família levava o seu.
Os jovens atendentes eram estudantes. Dificilmente alguém comprava um livro sem conversar com quem o atendia, com informações adicionais sobre o autor e a obra. Isso não acontecia na livraria do Conjunto Nacional, os vendedores poucos e sem tempo.
Quando a livraria do Conjunto Nacional foi ampliada, a do Villa-Lobos encolheu. Não porque os clientes tivessem se transferido para a nova livraria, mas porque procuraram outras alternativas.
Livraria é o tipo de estabelecimento que tem tamanho de referência. Nem pode ser muito pequeno nem pode ser muito grande. Nem pode se confundir com salsicharia nem pode se confundir com supermercado.
Existe uma cultura do livro que é mais ou menos igual nos diferentes países do mundo e que dá às livrarias as características que lhes são peculiares. Conheço livrarias em diferentes lugares, e em vários países a crise é mais ou menos a mesma. Em Cambridge, na Inglaterra, onde morei em duas ocasiões, fui cliente, por muitos anos, da Heffers, uma livraria que tem bem mais de 100 anos. Foi lá o lançamento de um livro de que sou coautor: “Scepticism: Hero and Villain”.
Em certo momento, foi aberta na cidade uma dessas livrarias das grandes, quatro vezes maior que a Heffers, filial de uma rede em que uma das lojas foi até “atriz” de cinema: aparece no filme “O Terminal”, com Tom Hanks.
Cambridge é uma cidade universitária desde 1250. Já era muito velha quando o Brasil foi descoberto. Portanto, lugar de gente que lê muito, cidade de muitos autores, tem o maior elenco de moradores que receberam o Prêmio Nobel em alguma área de conhecimento. No entanto, a livraria enorme fechou depois de poucos anos. A Heffers continua lá.
A livraria grande foi derrotada pelo livro mercadoria, o livro de valor de troca. A Heffers venceu com o livro como obra, de valor de uso. Uma diferença histórica entre objetos ligados à barbárie do primado do lucro e objetos do primado da civilização. De um lado, o livro a serviço do livreiro, de outro o livro a serviço do leitor.
Quando o dono da Livraria Cultura, há alguns anos, foi convidado a falar na Academia Paulista de Letras sobre a crise do livro, deixou em alguns de nós a impressão de que a culpa da crise era o leitor e não da nova concepção de livraria.
Aqui em São Paulo, os mais antigos somos de uma geração que ia às livrarias, relativamente pequenas, do centro, ao menos uma vez por semana, para ver o que havia de novo, dar uma espiada nos livros. Escolher um livro era como escolher a namorada, que podia ser para toda a vida.
Havia um programa na Rádio Gazeta, “A Hora do Livro”, feito por Fernando Soares, professor de língua portuguesa e de literatura no Instituto de Educação Padre Anchieta, e pelo poeta Paulo Bomfim, que dizia seus poemas. Autores eram convidados para falar sobre seus livros. Era ali que ficávamos sabendo das novidades literárias, que tínhamos notícia dos novos autores.
Depois do surto das livrarias-supermercado e de sua crise, estão renascendo as pequenas livrarias, intimistas, como a livraria de “Um Lugar Chamado Notting Hill”, com Julia Roberts e Hugh Grant, um lugar de afeto. Ou “Nunca Te Vi, Sempre Te Amei”, com Anne Bancroft e Anthony Hopkins, o livro e uma livraria de livros usados como elos afetivos entre duas pessoas de diferentes lugares do mundo.
Livrarias pequenas como cenários de grandes valores da condição humana. A livraria como lugar de encontro de sentimentos e não como lugar de encontro de compradores. Lugar de gente e não lugar de coisas.
A falência da Livraria Cultura é o deplorável indício de um grande equívoco em relação ao que é o livro e um grande erro em relação ao que ele não é.
Se olharmos bem veremos que não só em relação ao livro e às livrarias esse engano se difunde e aniquila recintos de civilidade, de encontro e de conforto interior em relação à condição humana. O economismo, felizmente, está sendo derrotado pelo romantismo que nos restitui a nós mesmos.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).
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The Damned - 1969 - Os Deuses Malditos - Luchino Visconti - Dirk Bogarde - Ingrid Thulin - Legendado
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Era Uma Vez o Cinema
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Alemanha, 1933. O barão Joachim Von Essenbeck (Albrecht Schoenhals) comunica que está deixando o seu império de usinas de aço nas mãos de um desconhecido. A ascensão do nazismo é analisado pela ótica de uma aristocrática família, que se digladia internamente na luta pelo poder, assassinado uns aos outros sem hesitação para alcançar seus objetivos.
Elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger, Renaud Verley, Umberto Orsini, Reinhard Kolldehoff, Albrecht Schoenhals, Florinda Bolkan, Nora Ricci, Charlotte
Gênero: Drama
Diretor(s): Luchino Visconti
Título Original: La caduta degli dei (Götterdämmerung)
Idioma: italiano
IMDB RATING: 7.4
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Tribute To Burt Bacharach At The White House Stevie Wonder~Diana Krall~Sheryl Crowe
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Lucy Shropshire
11 de jan. de 2018
In Performance At The White House 2012: Celebrating The Music of Burt Bacharach & Hal David. The Library of Congress Gershwin Prize with Stevie Wonder ~ Diana Krall ~ Sheryl Crowe ~ Lyle Lovett ~ Arturo Sandoval ~ Mike Myers ~ Michael Feinstein ~ Shelea ~ and Rumor.
Burt Bacharach is an American songwriter who helped defined the music of the 60's, 70's and beyond. Enjoy....
Lucy Shropshire is a song stylist, a songwriter and a vocal coach.
ATTRIBUTIONS
Wonder, Stevie. Krall, Diana. Crowe, Sheryl. A Tribute to Burt Bacharach. The White House. Youtube.
https://youtu.be/RGDCNPAWVzc
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