domingo, 18 de dezembro de 2022

TANGO E FUTEBOL

*** "A Argentina venceu a França nos pênaltis e se sagrou tricampeã da Copa do Mundo de 2022 no Catar. E o título dos sul-americanos conseguiram uma marca surpreendente nas redes sociais: a foto de Lionel Messi levantando a taça precisou de apenas 9 minutos para atingir a marca de 100 mil curtidas. A foto foi postada pela conta oficial da Copa do Mundo. Nela, o capitão da seleção argentina, Lionel Messi, ao lado de seus companheiros, ergue pela primeira vez o troféu de campeão mundial conquistado após a vitória da Argentina na decisão por pênaltis. Messi também foi eleito o melhor jogador do torneio." https://olhardigital.com.br/2022/12/18/internet-e-redes-sociais/foto-de-messi-levantando-a-taca-da-copa-de-2022-atinge-marca-impressionante-no-twitter/ ****************************************************************** Fútbol tan nacional como nuestro tango *** *** Tango and Soccer ( Fútbol tan nacional como nuestro tango) *** Wu Michael Compartilhar 4 de jul. de 2010 A commercial that integrates tango and soccer, the two biggest passions in Argentina. The commercial was conceived by Topper to unite the Argentinians in view of the 2010 World Cup in South Africa. Música MÚSICA Quejas De Bandoneón (Instrumental) ARTISTA Aníbal Troilo ÁLBUM Quejas De Bandoneón https://www.youtube.com/watch?v=5jyfTYD4CPM *************************************************
*** Capitão da Seleção Brasileira, Bellini, do Vasco, ergue a taça Jules Rimet em 1958 Fonte: GloboEsporte.com (texto), Reprodução internet (foto) ***
*** domingo, 18 de dezembro de 2022 Luiz Sérgio Henriques* - O reacionarismo de massas em questão O Estado de S. Paulo. Ainda cabe reafirmar neste início de governo a necessidade de uma plataforma unitária que de novo conjugue esquerda e liberais – na economia e na política Daqui por diante e pelos próximos anos, a democracia brasileira tem um desafio incontornável pela frente, a saber, o de esvaziar a extraordinária dimensão de massas que adquiriu entre nós a direita autocrática. Dezenas de milhões de cidadãos, sem obviamente serem fascistas ou coisa que o valha, deram por duas vezes seguidas consentimento – em eleições inquestionáveis – a um programa de natureza autoritária, num tempo em que o autoritarismo, especialmente o de ultradireita, tem mostrado por toda parte uma inclinação acentuadamente destrutiva. Fraco consolo o de saber que não estivemos nem estamos sós neste movimento globalmente regressivo. As dificuldades das democracias ocidentais superam fronteiras e se entrelaçam de múltiplas maneiras, mostrando em cada canto suas particularidades. Não temos ainda, por exemplo, o drama da imigração massiva, o que nos poupa de fantasmagorias como o medo da “grande substituição” de populações brancas e cristãs por gente pobre de origem étnica e fé religiosa diferentes. Mas por aqui andou, já na posse presidencial de 2019, o húngaro Viktor Orbán, um dos paladinos deste tipo de xenofobia que vicissitudes quase insondáveis, neste mundo de ponta-cabeça, transformaram em guia da recessão democrática. Laços evidentes unem o reacionarismo brasileiro e o norte-americano. Admitamos que a vitória de Trump em 2016 tenha favorecido de algum modo a de Bolsonaro em 2018, quando menos por ressaltar a potência aparente de um Zeitgeist propício à demagogia populista. Se há um elemento especulativo em tal afirmação, mais plausível será afirmar que, tivesse Trump confirmado o segundo mandato, a casamata bolsonarista estaria mais bem defendida na recente eleição. Bolsonaro tem uma relação de canibalização com os partidos a que adere, enquanto Trump parece ter capturado a alma de um dos dois grandes partidos nacionais. Feita a ressalva, lá como aqui há milhões de eleitores desafeiçoados à democracia e à ideia de alternância – e eventualmente dispostos a uma mobilização perigosamente antissistêmica. Sofremos o impacto dos maus ventos externos, mas antes de mais nada temos de nos haver com os nossos próprios males. Eles claramente mudaram de qualidade em 2018, quando, pela primeira vez desde a Nova República, um aspirante a autocrata passou a testar sistematicamente os limites escritos e não escritos da Constituição. Tratou-se de fato inédito, que fez com que se reunissem lado a lado, numa mesma trincheira, forças e personalidades que, entre outras coisas, dividiram-se acerbamente por ocasião do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Valha por todos o nome de Alexandre de Moraes, político em 2015, magistrado desde 2017, defensor indiscutível da legalidade democrática em conjuntura tempestuosa e ainda em aberto. A união de forças heterogêneas reatualizou a política de frente mais além das fronteiras da esquerda em sentido estrito. Um primeiro indício, ainda simbólico, foi a formação da chapa presidencial, demonstrando retrospectivamente a inexistência de uma muralha da China entre o líder petista e um tucano de origem controlada. Se quisermos generalizar, a história da redemocratização não pode ser contada sem a aliança do centro e da esquerda, a que se associaram os dissidentes do regime ditatorial, em nome da superação legalista e constitucional deste mesmo regime. Esta, a forma clássica de isolar e retirar a base de sustentação de um adversário comum. Bem verdade que o PT muitas vezes se pôs à margem daquela conexão, ocupado que estava com a definição da própria fisionomia. Daí para o surgimento de uma espécie de “patriotismo de partido”, duro de morrer, foi só um pulo. Agora, sinais negativos à parte, ainda cabe reafirmar neste início de governo a necessidade de uma plataforma unitária que de novo conjugue esquerda e liberais – na economia e na política. A formação de um governo frentista orientado por um programa comum teria impacto positivo nos hábitos e costumes pátrios, regenerando-os gradativamente em vários sentidos. Por si só, não levaria ao esvaziamento da extrema direita subversiva, mas seria um passo na direção correta, inserindo elementos de tolerância e cooperação entre os partidos de governo, assim como entre estes e os que se dispuserem a constituir a indispensável oposição democrática. A retirada do apoio de massas ao extremismo supõe um sistema partidário articulado que exclua a lógica binária entre esquerda e (extrema) direita, amigos e inimigos, uma lógica que imobiliza a imaginação e não faz jus à complexidade do País, para não dizer que literalmente impede qualquer hipótese mudancista. É certo dizer que aquele sistema não existe e, portanto, seguimos privados de uma das mais eficientes barreiras de contenção do extremismo. Não menos certo, porém, é que muita coisa agora depende de palavras e ações da esquerda no poder, da sua capacidade de lançar pontes e fazer alianças, diminuindo as razões, ou desrazões, que levaram tantos a escolher a regressão e, em alguns poucos casos, até a violência política. *Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil ***********************************************************************************
*** domingo, 18 de dezembro de 2022 Paulo Fábio Dantas Neto* - Lula e os atalhos que retardam e embaraçam Faço um pedido aos leitores que pode ser antipático, talvez presunçoso. O de que, se tiverem tempo e disposição, leiam ou releiam, como introito ao de hoje, os três artigos imediatamente anteriores desta coluna, todos, como o atual, dedicados ao atual contexto de transição pós-eleitoral a uma nova etapa da vida política nacional. É que me vejo no risco de repetir coisas já ditas nos últimos quarenta dias, tornando o enredo demasiadamente longo. Para quem não seguir a sugestão, resumo, para propor um fio de meada, o foco de cada um dos três artigos, mas sem retornar a todos os argumentos e evidências que neles procurei reunir. Em “Frente ampla, transição, futuro governo: Lula segura as rédeas", de 12 de novembro, comentei que, passada a primeira semana após a eleição, Lula dava surpreendente freio de desarrumação num processo político que então prometia ser benigno. A retórica populista evocou um fantasma ideológico, o “tal do mercado” e, com isso, desdenhou uma “vontade geral” de cooperar, que então incluía agentes e estudiosos da economia e contaminava lideranças políticas de vários quilates, partidos dos mais diversos matizes, cujos interesses e ambições estavam sendo processados dentro da premissa, aceita por todos, da prioridade à emergência social para impedir um estelionato eleitoral. Na época do artigo mencionado, a boa vontade geral dava, ainda, ao presidente eleito, o benefício da dúvida. Sua fala poderia ter sido incontinência verbal compreendida como fruto de uma emoção de momento. Hoje, quarenta dias após aquele freio de desarrumação, “mercado” é nome-fantasia evocado com frequência para designar posições do centro liberal-democrático em matéria econômica. Esse aliado tático contra a extrema-direita é assim desqualificado como aliado prático e construído como adversário estratégico. Evito discutir se o efeito da conduta é intencional ou se resulta de erro. Mas é fato que impede, até aqui, um acordo político abrangente e transparente, pragmático e programático, que poderia levar a um governo de coalizão, com poder institucionalmente regulado e politicamente compartilhado. O presidente eleito e agora já diplomado ocupou ali o vértice de um processo que ele próprio tornara conflitivo. Dava o primeiro sinal concreto de que o Lula que se preparava para governar era o do primeiro turno da eleição, não aquele insinuado pela campanha do segundo turno. Tal sinal foi assim captado no artigo mencionado: “a mão visível do ator principal instala um contencioso em cima de uma não questão. Volta-se à reta final do primeiro turno e o que estava irresolvido, mas andando, parece voltar à estaca zero”. O processo seguiu seu curso sob a égide de uma PEC maximalista. Além de desdenhar os aliados do segundo turno na definição de diretrizes da transição e do novo governo, o partido e o campo político do presidente eleito propuseram ao Congresso uma PEC – opção já em si politicamente custosa, pelo alto quórum necessário para aprová-la – de conteúdo ambicioso e difícil aceitação nas condições concretas da situação financeira da União. Em “Sentido e limites da transição e da transigência”, de 19 de novembro, transmiti preocupações com o custo de uma escolha política como aquela, tanto para o equilíbrio orçamentário do Estado, como para a qualidade das relações políticas entre Executivo e Legislativo. Elas requerem mudança significativa de objetivos e de métodos, após a promiscuidade imperante durante os dois anos finais do governo atual. O maximalismo da PEC induz a barganhas ainda mais vultosas, para corresponderem à ambição da proposta e, com isso, estimula a ampliação de práticas intransparentes, cujo maior emblema vem sendo o orçamento secreto. Diante da magnitude da aposta da PEC, havia no horizonte o risco de ele ser legitimado, ou até mesmo constitucionalizado, pela negociação. Apesar do aumento da apreensão, o tom do artigo ainda era de indagação. A articulação política do novo governo apostaria na interdição judicial do orçamento secreto, cozinhando Arthur Lira em banho-maria ou “num entendimento e numa negociação política em bases mais razoáveis, com atores institucionalmente mais responsáveis, em especial partidos políticos?” (..) A escolha posta como questão na referida análise é sobre quem seria o interlocutor preferencial de Lula: se o campo liberal, defensor de limites de natureza fiscal, ou a turma do dito centrão, com seu saco de bondades. A escolha expressaria a diferença entre uma política de coalizão e uma de captação e cooptação. Procurei, inclusive, mensurar as possibilidades de haver, no Senado e na Câmara, espaço para essa escolha. Com base nesses dados, opinei que havia espaço, sim, contra afirmações de fontes da transição de que seria compulsório tratar Lira não só como interlocutor inicial, mas como preferencial, único capaz de garantir ao novo governo recursos emergenciais para a emergência social. E concluía que “a rota segura parece ser apostar fundo numa negociação consistente no Senado, que ligue o varejo a um pacto partidário e previna resvalo para más práticas políticas na Câmara”. Isso requeria autocontenção do PT e seus tradicionais parceiros na esquerda diante do fato de que Lula governará um país cujo eleitorado é majoritariamente conservador. Por isso, imperativo é a coalizão. E preocupante ver que não se caminha para ela, mas para um governo cujos pilares simbólicos tendem a ser a crença no carisma do líder e na mística do PT. Duas apostas de difícil êxito se se tiver em conta o perfil atual do eleitorado brasileiro. Essa consciência realista nunca esteve ausente em falas moderadas paralelas, emitidas também de dentro da equipe de transição, como a do vice-presidente eleito - que formalmente a coordena - e mesmo as de alguns próceres petistas. O paralelismo de falas em direções distintas e a demora de atos concretos que fossem além da retórica para dissolver apreensões (ainda não havia começado a divulgação de nomes do futuro governo) motivou, duas semanas depois, um terceiro artigo da coluna sobre o mesmo assunto. Em “A política voltou, a moderação ainda não”, de 3 de dezembro, quando já haviam se passado quatro semanas de transição, o foco do novo governo seguia sendo a aprovação da sua PEC, interpretada como caminho único. Uma discussão de meios foi artificialmente assumida como questão de princípio. O formato da PEC e seu conteúdo vendidos como imperativos das urnas, a configurarem compromissos eleitorais indeclináveis, quando o que era na verdade indeclinável poderia ser atendido por distintas vias. Cada vez mais vozes abalizadas vinham a público dizer que para cumprir seus compromissos eleitorais o governo não precisava de uma PEC. Aos poucos foi se erodindo, no debate público, o consenso quase automático inicialmente dado em torno da narrativa dos articuladores do presidente eleito. O artigo mencionado acima analisou dois argumentos substantivos da proposta maximalista: a urgência da fome e a inviabilidade proposta de Lei orçamentária (LOA) enviada ao Congresso pelo atual governo e os classificou como duas meias verdades. Afirmando como fato que a fome e a situação de miséria de muitos brasileiros são, sim, uma prioridade emergencial, acima de qualquer outra, no entanto, lembrou que 105 dos 175 bilhões necessários ao financiamento [do Programa Bolsa Família] estão contemplados no projeto de LOA e indagou por que retirá-los para tê-los fora do orçamento. Quanto ao projeto de LOA, seu caráter problemático não anula que “não há até aqui clareza sobre o montante das lacunas emergenciais que os cortes e manipulações causaram”. A ignorância pública sobre as lacunas provinha - e ainda hoje provém – do fato de que críticas recorrentes sobre a LOA não são acompanhadas de explicitação quantitativa dos impactos negativos concretos da irresponsabilidade do governo atual sobre as rubricas orçamentárias. Decisões sobre prioridades de mudanças no projeto ainda não foram discutidas formalmente no Congresso e são desconhecidas do público. No artigo de duas semanas atrás, este colunista comentava que a equipe de transição já havia gasto com a negociação da PEC semanas que poderiam ser usadas para avaliar o projeto de LOA e negociar mudanças e ampliação extraordinária do teto de gastos não só para o Bolsa Família como também para cobrir as lacunas identificadas. No início de dezembro, assim como hoje, não cabia julgar intenções, mas constatar um cronograma político confuso, baseado numa PEC que, tendo a ambição que tem, só teria chance de passar como está num congresso de companheiros, o que não é o caso”. Por isso estimava que “a duas semanas do recesso é quase certo não haver mais tempo hábil para a discussão mais substantiva sobre quais alterações fazer no projeto de LOA (...) A intransparência será o outro lado da moeda do improviso”. Agora, passadas mais duas semanas, os tempos dos verbos já precisam mudar de futuro para passado e presente. Inexistiu discussão substantiva da LOA e a imprevisibilidade da cirurgia a que se vai submetê-la já é fato consumado. O tempo hábil para tal discussão acabou e só há tempo para o improviso. E a PEC – em nome da qual tudo o mais se postergou – foi aprovada com folga e algumas alterações no Senado, mas está emperrada na Câmara. Compreender como e por que isso está se dando é o desdobramento que se apresenta para a continuidade da análise do mesmo processo político. O sentido dessa discussão não é o receio de que o processo fique insolúvel. Pela política vai acabar saindo alguma solução. O sentido é avaliar os teores de oxigênio e gás carbônico que se acumulam do novo ambiente político. Recoloco, neste ponto, os dois prováveis equívocos estratégicos principais, que a meu ver foram, primeiro, desvalorizar (ou não levar na devida conta) o amplo arco de apoios formado em torno de Lula na reta final do segundo turno e ampliado ainda mais, logo após a vitória; segundo (e em conexão lógica com o primeiro), a opção e posterior insistência na forma e conteúdo da PEC. O primeiro equivoco deu mais força a Artur Lira do que aquela que ele efetivamente possuía e que já não era pouca. O segundo equívoco tornou o presidente eleito refém de uma negociação que transcende a PEC, ao estimular o apetite fisiológico de parlamentares de embutir jabotis explosivos na conversa e ao envolver, sem necessidade, a própria montagem do governo num diálogo com uma Câmara em fim de Legislatura. O reforço ainda maior da posição de barganha de Lira dá-se porque, na medida em que entendimentos com presidentes de partidos recém-aliados como Baleia Rossi, do MDB, Gilberto Kassab, do PSD e Carlos Luppi, do PDT (citei apenas os maiores) e mesmo com partidos mais próximos, como PSB, PCdoB e PSOL foram postergados por semanas enquanto Lula e seus porta-vozes abriam negociações com o presidente da Câmara. O raciocínio pragmático óbvio que passa a imperar entre parlamentares das bancadas desses partidos é que sob a batuta de Lira aumentam suas chances de obter espaço no futuro governo. O resultado é Lira apresentar-se como líder de uma centena e meia de deputados, muitos dos quais já poderiam estar na base governista se Lula concedesse prioridade e anterioridade ao objetivo de armar uma coalizão de fato e já partir com ela para a negociação com Lira, numa conversa mais reta e plenamente possível, na medida em que, na coalizão com os partidos da base, ficasse patente e fora de barganha o apoio de todos à reeleição do presidente da Casa. Mas a terceirização adicional da barganha em torno de outros temas - como a PEC e a montagem do governo - em favor de um político até ontem adversário e que preside outro Poder foi imprudência cuja explicação pode estar nos objetivos de Lula, tema sempre sob penumbra. Mais uma vez a explicação da complicação do jogo oscila entre intenção e erro. Além da imprudência tática (ou de objetivo tático alternativo ao de montar governo de coalizão) pode-se notar um equívoco estratégico, que é privilegiar parlamentares individualmente, ou mesmo bancadas, em relação a partidos numa quadra de reestruturação da política brasileira em que direções partidárias adquirem – por razões que não vêm ao caso aqui – um papel de maior protagonismo. Já o papel dificultador que a forma e o conteúdo da PEC vêm tendo sobre a organização e a orientação da base do futuro governo só agrava o problema criado com o arredamento dos partidos. Cedendo menos do que poderia ter cedido na negociação mais límpida ocorrida no Senado, o futuro governo passou a se entender com a Câmara montado numa proposta com vários fios esgarçados. As críticas que partem de personalidades e setores ligados, acadêmica ou operativamente, ao campo da economia reduzem os custos políticos de quem deseja se opor ou ao menos desidratar bastante a PEC na Câmara, incluída aí a futura oposição de direita, bolsonarista ou moderada. Ouvir um pouco mais os conselhos de senadores experientes e de espirito público, como Jose Serra, Tasso Jereissati e Simone Tebet poderia ter livrado os articuladores do futuro governo de certos constrangimentos na Câmara. O alerta de Serra foi preciso quando escreveu que a escolha preferencial pela interlocução com a liderança mais conservadora do Congresso, negociando com ela antes de se entender objetivamente sobre o mérito da coisa com qualquer outra força, daria dor de cabeça ao futuro governo. De fato, durante essa última semana, com o emperramento da PEC na Câmara, instalou-se uma sensação de que estamos entrando numa roleta russa que será decidida a favor de quem for mais esperto, se Lula ou Lira. Dá para ver que os dias mais recentes foram mais adversos para os planos de Artur Lira, graças à intervenção de terceiros atores como o STF, o presidente do Senado e segmentos da sociedade civil no desarmamento de dois petardos desqualificadores da política, armados nos setores mais fisiológicos da Câmara, em relação aos quais o presidente eleito teve conduta entre a ambiguidade e a cumplicidade. Ambiguidade quanto ao orçamento secreto, cuja sobrevivência ganhava espaço com a justificativa de que seria uma concessão inevitável dentro da lógica de que vale (quase) tudo pela PEC. Isso, entretanto, sem descartar que Lula estivesse ganhando tempo à espera da mão salvadora de Rosa Weber. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, movimentos concatenados entre o STF e o presidente do Senado fizeram com que um sólido voto da ministra ganhasse apoio suficiente para ameaçar os planos de Lira e um adiamento da decisão por alguns dias deixando pendentes os votos de dois de seus mais experientes colegas desse tempo a que Pacheco articulasse no Senado uma Resolução que abandona o essencial do orçamento secreto sem, contudo, dar de presente ao governo Lula 3 a simples anulação, que lhe devolveria o controle do orçamento em bases de uma volta ao status quo da época dos lulas 1 e 2. A votação de sexta-feira no Senado deve levar a votos conciliadores de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes no STF. Com isso vai embora boa parte da intransparência mas preserva-se influência forte do Legislativo, uma mudança da década passada nas regras do processo orçamentário, que veio para ficar. No outro tema explosivo – o desvirtuamento da Lei das estatais – a cumplicidade flagrante das partes, no caso, a atual cúpula da Câmara e o futuro chefe do Poder Executivo, produziu resultado legislativo instantâneo, mas o suposto sucesso da conspiração não durou 24 horas. A difusa, intensa e negativa repercussão na opinião pública logo mobilizou a bancada do partido de Lula no Senado para desfazer o que a da Câmara havia feito sob bençãos do presidente eleito, a batuta de Lira e em articulação ecumênica com quase todas as demais bancadas. No Senado o PT entrou em sinergia com bancadas relevantes do centro, como as do MDB e PSDB e, juntas, respaldaram a atitude do presidente Pacheco que, também nesse episódio, agiu na contramão de Lira, jogando para diante – espera-se que para as calendas – uma matéria que seria um seríssimo retrocesso numa reconstrução institucional. A Lei das estatais é obra de elite política concreta, inspiração de um centro democrático que parecia ter se formado, como algo sólido, logo após o impeachment de Dilma Rousseff. Como se sabe, essa expectativa mais geral não se confirmou, mas no caso do tratamento das estatais, Governo e Congresso fizeram, em 2016, a coisa certa, mesmo estando (ou porque estavam) sob fogo cerrado da antipolítica da Lava Jato. Essa lei foi um dos sinais de que se começava ali a reconstruir o que se havia desmoralizado. Uma obra de política republicana que sobreviveu à onda desinstitucionalizante do governo Bolsonaro. A partir da próxima semana (a última semana útil antes da posse de Lula) parece que serão criadas condições para afastar um terceiro problema embaraçoso para o presidente eleito, qual seja o aumento da influência de Artur Lira na montagem do governo. Os revezes da última semana podem levar, ou não, o poderoso deputado a pisar mais leve nos terrenos de outros atores políticos e a valorizar, enquanto é tempo, sua alta chance de reeleição, que se mantém. Assim como os entraves e sobressaltos das últimas semanas podem levar, ou não, Lula a montar, afinal, um governo de coalizão que mereça esse nome. O argumento do realismo político vem até aqui sendo mobilizado para justificar atalhos em vez de alianças, improvisos espertos em vez de soluções políticas e até uma eventual redução das relações Executivo/ Legislativo ao tipo de interação a que elas chegaram sob Bolsonaro. Tudo isso assentado na dupla falácia de que é inevitável ser assim e de que são recuos feitos em nome da PEC. Mudar essa rota argumentativa não é (apenas) uma questão moral. É questão de, em vez de perpetrar ou consentir agressão populista à política republicana em nome de uma "verdadeira" democracia voltada aos pobres, assumir a missão sistêmica de resolver o déficit de república que faz sofrer a nossa ampla democracia. Já diplomado, não dá para Lula se ater ao palanque, por mais que saibamos que descer dele plenamente é algo que não ocorrerá, por contrariar a sua “natureza”. Mas sempre é possível moderar os instintos. *Cientista político e professor da UFBa. ***************************************************
*** domingo, 18 de dezembro de 2022 Luiz Carlos Azedo - Lula não pode ter “ilusão de classe” nem errar demais Correio Braziliense Sem base social robusta, com apoio da ampla maioria, o que segura o governo na ordem democrática são as instituições, em particular o Congresso Houve um tempo em que a expressão “ilusão de classe” era um jargão da esquerda. Caiu em desuso porque estava relacionada à ideia de que o “ser operário” era a “classe geral”, historicamente destinada a libertar todos os explorados e oprimidos. Como a classe operária está em extinção, substituída por robôs e algoritmos, a expressão perdeu o sentido que tinha antes. Mas há muitas formas de ilusão. Uma delas é acreditar que a elite política e econômica do país e a classe média estão de bem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vão apoiar uma política de combate às desigualdades sociais, num país de passado escravocrata, que fez quase todos os ciclos de modernização de forma excludente e autoritária, exceto nos governos de Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso. Não estão satisfeitas — será preciso que o governo Lula dê certo. Entretanto, quem ganhou a eleição foi Lula. No jogo democrático, seu mandato vai até 2026. Apostar no fracasso do próximo governo, num cenário de profunda crise social e dificuldades econômicas, com uma oposição feroz liderada pelo presidente Jair Bolsonaro — quando 32% dos eleitores apoiam uma intervenção militar —, é um equívoco político monumental. O “quanto pior, melhor” leva água para o moinho da extrema direita, e não para o da chamada terceira via. Lula se beneficiou da polarização para derrotar Bolsonaro, porque a consciência democrática da sociedade decidiu o segundo turno das eleições a seu favor. Mas essa polarização não interessa mais à sociedade — a eleição já passou — nem ao novo governo. Só interessa à oposição, que explora os erros de Lula na montagem de sua equipe ministerial. Vamos falar francamente: existe um “conflito distributivo” no Brasil, no qual a sociedade transfere renda para o Estado (questão fiscal) e os pobres para os mais ricos (questão social), ao lado das desigualdades de gênero (principalmente a condição feminina) e do racismo estrutural (discriminação e preconceito contra o “povo preto”), que também impactam a renda das famílias. O que elegeu Lula foi a junção da questão social com a questão democrática (política), em detrimento da fiscal. Ou seja, uma disputa política na qual a parcela pobre da população — negros e mulheres majoritariamente, mas muito majoritariamente — confrontou a elite política e econômica do país, e a classe média — profissionais liberais e empreendedores, principalmente. Lula venceu com apoio dos assalariados e dos sem renda. Por isso mesmo, não pode perder esse apoio. Quando faz sua opção preferencial pelos pobres, define um rumo político para o governo e busca uma solução para o conflito, que não é possível no cenário atual. Ou retomamos o caminho do desenvolvimento e aumentamos a produção de riquezas, de maneira a enfrentar o problema das desigualdades, ou será impossível morder o bolso dos mais ricos e enriquecer a classe média emergente para ter seu apoio. O governo precisa ampliar sua sustentação social. Novo governo A concentração de poder nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), coincide com a formação de uma “partidocracia” por meio de fusões e federações partidárias, que distanciará e provocará mais ojeriza aos políticos na sociedade. Esse é o caldo de cultura dos movimentos antissistema e do golpismo. Lula acertou mais do que errou na campanha eleitoral, mas está errando mais do que acerta na arquitetura de seu governo. Por exemplo: com 1,4 bilhão de habitantes, a China tem 26 ministérios; os Estados Unidos, com 337 milhões de habitantes, têm 15 departamentos executivos, que equivalem a ministérios; o Paquistão, com 234 milhões, tem 24 ministros; a Nigéria, com 216 milhões de habitantes, tem 28 ministérios e 48 ministros; e a Índia, com 1,4 bilhão de habitantes, 61 ministérios, o mais recente o da Ioga e Homeopatia. Lula está montando uma estrutura administrativa mais próxima dos modelos da Índia e da Nigéria, perto de 40 ministérios. O critério não é a qualidade e produtividade da gestão: é o arranjo e a acomodação políticas, mesmo que não aumente o número de cargos. Além disso, a conciliação com o orçamento secreto terá um custo político mais alto a longo prazo. Lula está cedendo à chantagem do Centrão quanto aos compromissos assumidos por Bolsonaro e não cumpridos. Cometeu o erro de comandar a condução política do seu governo antes da posse. Não precisava aumentar o teto de gastos por emenda constitucional, para garantir o Bolsa Família. Deveria deixar o fechamento das contas de 2022 para o atual governo, empurrar com a barriga a aprovação do Orçamento da União e resolver o problema dos R$ 600 do Bolsa Família, mais R$ 150 por criança até seis anos, por medida provisória, no primeiro dia de mandato. A Lei Orçamentária diz que o Executivo pode gastar até 1/12 por mês até a aprovação do Orçamento. ********************************
*** domingo, 18 de dezembro de 2022 Lourival Sant’Anna - Ataques à democracia O Estado de S. Paulo Nos anos 20, grupos excêntricos também mergulharam a política alemã na violência A invasão do Capitólio se tornou uma espécie de dia da marmota nas democracias ocidentais. O flagelo americano do dia 6 de janeiro de 2021 se repetiu três vezes nos últimos dias: na Alemanha, no Peru e no Brasil. Em todos os casos, a democracia venceu. Mas, o que a História nos ensina sobre o efeito de ataques às instituições democráticas no longo prazo? A Alemanha assistiu no dia 7 à maior operação de contraterrorismo desde a 2.ª Guerra. Três mil policiais cumpriram mandados em 150 endereços, resultando na prisão de 25 pessoas e investigação de mais de 50. Foram apreendidas armas, munição, explosivos, óculos de visão noturna e coletes à prova de bala. MONARQUIA. Os presos são acusados de conspirar para derrubar a república alemã e reinstalar a monarquia, que vigorou até 1918. Eles tinham uma lista de 18 pessoas para matar, incluindo o chanceler Olaf Scholz, a ministra das Relações Exteriores Annalena Bärbock e outros políticos e jornalistas. O plano era invadir o Parlamento, com a ajuda de uma ex-deputada do partido neonazista Alternativa para a Alemanha (AfD). Segundo os investigadores, dois terços dos suspeitos têm ligação com as Forças Armadas, sobretudo a reserva. O movimento, chamado Reichsbürger (Cidadãos do Império), conta com 21 mil seguidores, de acordo com o serviço de inteligência interna, BfV. VIOLÊNCIA. Em outubro de 2016, um integrante dos Reichsbürger fortemente armado em sua casa abriu fogo contra agentes das forças especiais que cumpriam um mandado para prendê-lo. Um agente foi morto. O movimento foi criado nos anos 80 por um ferroviário demitido que perdeu na Justiça o direito à aposentadoria de funcionário público e passou a propagar a tese de que a Alemanha é uma empresa a serviço dos aliados que a ocuparam em 1945. Durante a pandemia, ele cresceu, alimentado pela ideia de que as vacinas e lockdowns eram parte da conspiração dessa suposta empresa a serviço dos interesses americanos e europeus, para dominar os cidadãos e fazê-los de cobaias de laboratórios. NAZISMO. Alguns aderiram também à seita americana QAnon, para a qual Donald Trump é um anjo que veio libertar os americanos de uma suposta rede de prostituição infantil comandada pelos democratas. Para os Reichsbürger, Trump também salvaria a Alemanha do domínio americano. Nos anos 1920, a Alemanha mergulhou na violência política, propulsionada por grupos que pareciam tão excêntricos quanto esses. Enquanto os liberais reagiam para conter esses revisionistas, criou-se um ambiente de polarização que culminou na ascensão do nazismo na década seguinte. *****************
*** sábado, 17 de dezembro de 2022 Oscar Vilhena Vieira* - Democracia combatente Folha de S. Paulo Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram. Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas. A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos. Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador. A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito também definiu como crime o ato de "incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade". Para não deixar dúvida sobre a submissão da nova lei ao robusto regime de proteção da liberdade de expressão e manifestação adotado pela Constituição de 1988, o legislador deixou expresso que "não constitui crime" contra as instituições democráticas "a manifestação crítica aos Poderes constitucionais" ou "a reivindicação de direitos... por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações...". Imagino que muitos daqueles que têm se reunido à frente dos quartéis, munidos de suas bandeiras e palavras de ordem, clamando por intervenção militar, para impedir a posse do presidente eleito, pedindo o fechamento do STF ou prisão de alguns de seus ministros, não têm consciência de que podem estar cometendo um crime. Creem sinceramente estar agindo dentro de suas esferas de liberdade de expressão e manifestação. De fato, todos têm o direito fundamental de expressar suas opiniões e críticas às instituições, ao resultado das eleições e mesmo expressar suas insatisfações com o sistema democrático, econômico ou social. Podem ir às ruas e reivindicar mudanças no sistema, mesmo que isso cause incômodos (dentro de determinadas balizas) ou que essas mudanças sejam consideradas ilegais. Os cidadãos não podem, no entanto, empregar violência ou grave ameaça contra as instituições democráticas. Da mesma forma, não podem incitar as Forças Armadas contra essas instituições. Importante que se diga que o crime de incitação se aplica tanto ao presidente da República como ao aposentado embandeirado de porta do quartel, passando pelo general de pijama ou pelo empresário radicalizado. A democracia combatente é uma postura necessária a ser assumida pelas instituições em momentos em que o regime democrático se veja ameaçado. Trata-se de uma tarefa delicada, que deve ser cumprida na mais absoluta conformidade com a lei. A leniência com grupos radicais, no entanto, tende a ser fatal para a democracia. *Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. **********************************************
*** sábado, 17 de dezembro de 2022 João Gabriel de Lima* - A mão que rabisca um mapa O Estado de S. Paulo Livro mostra grupos organizados que pavimentaram o caminho para o atual presidente Um mapa de Brasília publicado no site do Estadão mostra os lugares onde extremistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro queimaram ônibus, explodiram carros e depredaram prédios – entre eles, a 5.ª delegacia da Polícia Civil. A navegação digital permite assistir aos vídeos que mostram os vândalos bolsonaristas em ação. São cenas de horror. É inevitável lembrar de outro mapa – este do Rio de Janeiro, rabiscado há mais de 30 anos, à mão. Nele, um militar desenha o sistema de abastecimento hidráulico da cidade, com destaque para a adutora do Guandu. Diante de uma repórter incrédula, ameaça colocar uma bomba na adutora caso uma reivindicação de reajuste salarial não fosse atendida. A repercussão da reportagem, publicada na revista Veja, atrapalhou os planos do militar. Um livro nos ajuda a entender o percurso entre o horror que não chegou a acontecer e o que tomou as ruas de Brasília: O ovo da serpente, da jornalista Consuelo Dieguez. É uma obra essencial, que entrevista bolsonaristas e mergulha nas entranhas do fenômeno. Consuelo mostra que o atual presidente não é produto apenas do universo paralelo das fake news. Vários grupos organizados pavimentaram seu caminho. “Eles viram em Bolsonaro o único que poderia derrotar o PT, e acharam que seria possível controlá-lo no governo”, diz Consuelo, entrevistada no minipodcast da semana. Entre esses grupos estão militares que se sentiram ameaçados com a Comissão da Verdade, pecuaristas amedrontados com o MST e evangélicos que se opunham a uma pauta mais liberal na área dos costumes. Bolsonaro, no entanto, mostrou que era – e ainda é – incontrolável. O livro conta que, durante a campanha eleitoral, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ouviu de um historiador amigo: “Quem vai segurar esse doidão, esse cavalão?” Santos Cruz respondeu: “Eu vou segurar. Sou diferente de vocês, da esquerda, que não seguraram o doidão de vocês, o Lula”. Santos Cruz ocupou a Secretaria de Governo. Foi um dos primeiros a ser exonerado. Consuelo calcula que os bolsonaristas raiz somem uns 10% da população e que os extremistas que queimam ônibus sejam uma pequena fração disso. Trata-se de uma minoria – uma minoria perigosa. Bolsonaro, o indomável, não parece apto a controlá-la nem interessado. Como observou o Estadão em editorial, até incentiva seus apoiadores extremistas, ao avalizar as supostas razões para os atos de vandalismo. Talvez isso ocorra porque a mão que hoje segura a caneta presidencial é a mesma que, em 1987, rabiscou o mapa de um atentado a bomba. *Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa *******************
*** sábado, 17 de dezembro de 2022 Marcus Pestana - A dinâmica política pós-2022 As eleições de 2022 determinaram uma nova correlação de forças. A eleição presidencial foi a mais apertada de todos os tempos, reforçando a polarização entre o petismo e seus aliados de esquerda e o bolsonarismo. Nas eleições parlamentares, a direita ampliou sua presença na Câmara e no Senado, mas não deverá ter comportamento monolítico. A estabilidade política para governar e fazer avançar a agenda dos desafios nacionais depende de formação de maioria parlamentar. Embora a proibição das coligações proporcionais e a cláusula de desempenho tenham racionalizado o quadro de representação parlamentar, a fragmentação ainda é grande, dificultando a recuperação do chamado “presidencialismo de coalisão”. Lula tem grande experiência e habilidade política, acumuladas em seus dois mandatos anteriores e durante toda sua trajetória. Acompanhou de perto a crise do governo Dilma Rousseff e sabe que não conseguirá êxito na superação da crise sem maioria parlamentar. É natural que as forças que pretendem compor a base de sustentação parlamentar do novo governo queiram participar do Ministério e da administração. Lula, até a última quinta, havia anunciado apenas nomes ligados ao PT e seus aliados de esquerda. Aguarda o desenlace da votação da “PEC da Transição” e a definição sobre o “orçamento secreto”. A dinâmica política se dará, grosso modo, em torno de cinco vetores: o PT e a esquerda, o bolsonarismo e a direita, o centro democrático, o centro independente e o Centrão. O bolsonarismo, tudo indica, finalmente fará uma aposta numa construção partidária orgânica. As declarações do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, apontam para a estratégia de consolidar Bolsonaro como líder da oposição, mirando 2026. Mas os primeiros sinais revelam que o PP e os Republicanos não acompanharão este movimento. Também governadores como Tarcísio de Freitas, Zema e Ratinho Jr adotarão uma postura de distencionamento da polarização e convivência administrativa cooperativa com o Governo Federal. O Centrão, subtraído o PL, deve manter sua tradição de movimento pendular e, a partir do parlamento, defender seus interesses, mas sem uma postura oposicionista radical. O centro independente, onde se situam MDB, União Brasil e PSD, negocia adesão à base do governo e posições no novo ministério. O centro democrático, formado por PSDB, Cidadania e Podemos, apesar da perda de peso eleitoral e parlamentar, optou por uma postura independente e de construção de uma alternativa tanto à Lula, quanto à Bolsonaro. Terá a complexa tarefa de recuperar elos efetivos com a sociedade, ampliar sua militância e sua capacidade de mobilização, fortalecer suas redes sociais, aumentar sua visibilidade com atuação parlamentar vigorosa e reconstruir suas bases programáticas. O caminho poderia ser outro com uma aliança com o MDB e Simone Tebet ou com as forças socialdemocratas do PSB e PDT, através do vice-presidente Geraldo Alckmin. Mas isto implicaria em rever sua postura de oposição à Lula e ao PT. Por último, cabe à Lula, ao PT e à esquerda mostrarem que fizeram a leitura correta das urnas, adotando uma postura ampla e agregadora e abandonando sua postura histórica um tanto exclusivista e hegemonista. A sorte está lançada. O Brasil precisa urgentemente de paz, crescimento, superação da crise, avanços e reformas. *****************************
*** sábado, 17 de dezembro de 2022 Adriana Fernandes - Corrida para salvar o orçamento secreto O Estado de S. Paulo A corrida para liberação das emendas de relator pode interferir na votação da PEC da Transição Antes do veredicto do julgamento do STF, o governo Jair Bolsonaro correu para acelerar a liberação do saldo total de cerca de R$ 1,9 bilhão de emendas do orçamento secreto na área de Saúde. Essa liberação a jato ajuda o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), nos compromissos de distribuição das emendas de relator, antes da decisão do STF. É uma verdadeira corrida para salvar as emendas de relator de 2022 do modo como elas funcionam hoje, sem transparência nenhuma. O roteiro até chegar a esse desfecho teve os seguintes passos: o governo acelerou a concessão de benefícios previdenciários antes da eleição, motivo de seguidas queixas ao longo da semana do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O Orçamento ficou insuficiente para fechar o ano, e Bolsonaro teve de fazer o bloqueio das despesas discricionárias (as de livre destinação). O governo, então, pediu ao TCU para editar uma medida provisória para a edição de crédito extraordinário (fora do teto de gastos). O TCU autorizou. Uma MP de R$ 7,5 bilhões foi editada por Bolsonaro para abrir esse espaço no teto. O governo alegou um aumento extraordinário da procura por benefícios previdenciários no pós-pandemia para pedir mais recursos e apontou riscos para o funcionamento do INSS. Correu, então, imediatamente para liberar o limite, incluindo as RP9, até pelo receio da decisão do STF. Este é o resumo. Há um entendimento de que, mesmo que o modelo do orçamento secreto seja alterado, o que já tiver empenhado fica valendo. É certo que Bolsonaro poderia ter utilizado todo o espaço aberto com a MP aos ministérios, deixando as RP9 para depois. O Orçamento de 2022 está com R$ 15,4 bilhões de despesas bloqueadas. Cerca de R$ 7,9 bilhões desse valor são emendas do orçamento secreto. O resultado desse enredo é que a corrida para liberação das emendas de relator, permitida com a MP, pode interferir na votação da PEC da Transição, prevista para semana que vem. Os parlamentares já vão estar abastecidos pelas suas emendas de relator, o que diminui o atrativo que consta na PEC que permite liberar até R$ 23 bilhões de despesas bloqueadas do Orçamento de 2022. Não foi à toa que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, cobrou o compromisso de Lira com a votação. O ponto central é o governo correndo para pagar as RP9. Parte é a incerteza em relação ao resultado do STF. Mas parte, não. É o compromisso mesmo de Bolsonaro com Lira. ************************************************************************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário