Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
segunda-feira, 26 de dezembro de 2022
Confete e serpentina
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GOTA: quais as causas e sintomas?
GOTA E APÊNCICE
"Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, ..."
Memórias Póstumas de Brás Cubas - Texto | Machado de Assis
" ... então talvez se possa gozar deveras, porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer (Assis, 1978, p. 20)."
O ceticismo em Memórias Póstumas de Brás Cubas
Gotejamento e Apendicite
"Uma só daquelas gotas e um só daqueles gemidos bastaram a lançar no fundo do mar tantas ... Há hesitações grandes e nobres, minha pobre alma as conhece."
Crônica, A semana, 1892 - Machado de Assis
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Festa Profana
Franco
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O rei mandou cair dentro da folia
E lá vou eu, lá vou eu
O Sol que brilha
Nessa noite vem da Ilha
Lindo sonho que é só meu
Vem, vem amor!
Na poesia vem rimar sem dor
Na fantasia, vem colorir
Que a vida tem mais cor
Vem na magia
Me beija nesse mar de amor
Vem, me abraça mais
Que eu quero é mais
O teu coração
Eu vou tomar um porre de felicidade
Vou sacudir, eu vou zoar toda cidade
Eh Boi Ápis
Lá no Egito, festa de Ísis
Eh Deus Baco, bebe sem mágoa
Você pensa que esse vinho é água?
É primavera!
Na lei de Roma, a alegria é que impera
Oh que beleza!
Máscara negra lá no baile de Veneza
Joga água que é de cheiro
Confete e serpentina
Lança perfume no cangote da menina
Compositores: Jose Franco Lattari / Jose Carlos Da Silva Martins / Jorge Luis Resende De Brito
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Marcus André Melo* - Lula e o Congresso
Folha de S. Paulo
Por que Lula desperdiça apoios de quem nunca o apoiou?
Celso Furtado foi pioneiro em identificar um padrão nas relações Executivo-Legislativo no país que, rompido sob Bolsonaro, aparentemente reemerge com Lula 3. Em "Obstáculos Políticos ao Crescimento Econômico no Brasil", escrito em 1964 na Universidade Yale, ele identificou um conflito irresolúvel entre o presidente —eleito por um eleitorado modernizante urbano— e um Congresso conservador, comprometido com o status quo.
Instaura-se o conflito porque, "para legitimar-se, o governo tem que operar dentro dos princípios constitucionais. Para corresponder às expectativas da grande maioria que o elegeu, o presidente da República teria que alcançar objetivos que são incompatíveis com as limitações que lhe cria o Congresso dentro das regras do jogo constitucional". O conflito cria para o presidente "a disjuntiva de trair o seu programa ou forçar uma saída não convencional, que pode ser inclusive a renúncia ou o suicídio".
Furtado prenunciou o "dilema da legitimidade dual" analisado por Juan Linz: Legislativo e Executivo detêm mandato popular, mas presidentes minoritários que se enxergam como símbolos da nação buscam unilateralmente impor sua agenda, gerando crises, o que tornaria o presidencialismo constitutivamente instável. Muitos criticaram o argumento, especialmente o suposto de que presidentes não têm também incentivos a cooperar com o Congresso e vice-versa.
Bolsonaro é a melhor prova disso: bloqueado no Congresso e ameaçado de impeachment, acabou montando base parlamentar, o que envolveu uma hiperdelegação legislativa na área orçamentária. Transferiu decisões ministeriais para a maioria congressual e suas lideranças, em um movimento que embutiu também uma estratégia de minimizar sua adesão às práticas que tanto denunciara.
Com Lula 3, velhos personagens de seu partido e ideias envelhecidas reaparecem sobre-representados no governo — sugerindo que Lula, hiperminoritário no Congresso, não parece enxergar sua própria debilidade. Pode-se especular as razões: da prática hegemonista do partido (que analisei aqui), à polarização e à experiência no cárcere que o levou a premiar "lealdades caninas" mais que considerar a real politik.
Lula 3 foge à descrição de Furtado de líder renovador com agenda reformista enfrentando um congresso arcaico. Na área econômica a agenda é claramente retrógrada. Tampouco recebeu um mandato forte de um eleitorado urbano: sua vitória é produto de uma maioria negativa, de rejeição a Bolsonaro. O cenário pós-transição não é de "crise linziana", de paralisia decisória; a barganha acontece mas é mais aparente que real. Lula desperdiça apoios de quem nunca o havia apoiado antes.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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Carlos Pereira - Risco de apendicite
O Estado de S. Paulo
Lula precisa montar um governo de coalizão, mas não consegue deixar de ser monopolista
Temos observado, mais uma vez, grande dificuldade de um governo do PT compartilhar poderes e recursos com partidos aliados, inclusive alguns que se engajaram decisivamente na sua vitória eleitoral. Muitos avaliam que esse comportamento monopolizador decorre de uma espécie de “ganância” do PT por poder e recursos. Por mais tentadora que pareça essa explicação, existem outros elementos que também explicam essa conduta.
Partidos políticos que vencem eleições majoritárias em ambientes institucionais multipartidários enfrentam um dilema crucial entre controle e delegação. Por um lado, precisam delegar poderes e recursos para que outros partidos se sintam motivados e comprometidos em participar de um governo de coalizão. Por outro, ao delegar poder e recursos para partidos aliados, correm riscos de ver as políticas implementadas e recursos alocados distantes das suas preferências.
Existem várias formas de tentar minorar esse dilema. Podem, por exemplo, fazer como FHC, que nomeou secretários executivos de sua confiança como forma de monitorar o comportamento de ministérios ocupados por partidos aliados. Ao seguir essa estratégia, FHC minimizou os riscos do compartilhamento de poder levando em consideração o peso político de cada partido aliado no Congresso.
No artigo Watchdogs in our midst: How presidents monitor coalitions in Brazil’s multiparty regime, que escrevi com a colaboração de Mariana Batista, Sérgio Praça e Félix Lopez, mostro que, por ser o segundo na hierarquia dos ministérios, secretários executivos podem exercer o papel de “cão de guarda” sempre que as ações dos ministérios fujam da trajetória desejada pelo chefe do Executivo.
Diferentemente de FHC, Lula, nas poucas vezes que delegou ministérios para parceiros de coalizão, o fez de porteira fechada; ou seja, o ministro e o secretário executivo pertenciam ao mesmo partido. Como essa escolha diminui a monitoração por parte do presidente, Lula teve mais receios de delegar poderes para aliados, preferindo assim concentrar a grande maioria de ministérios no próprio PT.
Não é de hoje, portanto, que o PT tem lidado com aliados com desconfiança e de forma utilitária. A monopolização tem sido a resposta a esse dilema. Entretanto, governar em coalizão pressupõe confiar e delegar poder e recursos a parceiros. O PT ao preferir ter controle das políticas públicas e dos recursos, trata parceiros como apêndices. Lira se transformou no melhor apêndice que Lula poderia ter. O problema é que ter o Centrão e Lira como parceiros pode se transformar em uma apendicite.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
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Demétrio Magnoli -Tábuas da aliança
O Globo
Ninguém, exceto militantes fanáticos, tem o direito de continuar a levar a sério o rugido santo do lulismo
Gilmar Mendes, operando monocrática e politicamente, torpedeou a chantagem de Arthur Lira, retirando o Bolsa Família do teto de gastos. Lula não precisava mais do Centrão para cumprir suas promessas centrais de campanha. Mas a PEC, explicaram os próceres do PT, era “o Plano A, o B e o C”. Já não se tratava de colocar comida na mesa dos pobres. O plano obsessivo era — e é — cooptar uma ampla facção do bolsonarismo para o governo.
Foi por pouco, seis a cinco, e na última hora. A maioria do STF operou juridicamente, resistindo à tentação da politicagem, ao declarar a inconstitucionalidade do “orçamento secreto”. Os negociadores de Lula usaram a decisão para concluir o pacto de aliança com Lira, repartindo ao meio o fruto envenenado.
“Genocida!”, “pedófilo!”, “canibal!” — ninguém, exceto militantes fanáticos, tem o direito de continuar a levar a sério o rugido santo do lulismo. O agora camarada Lira funcionou como esteio indispensável de Jair Bolsonaro. As duas tábuas da aliança votadas no Congresso — a PEC da Transição e a divisão das verbas do extinto “orçamento secreto” — evidenciam que, se depender de Lula, o comandante parlamentar das forças bolsonaristas se tornará um baluarte do novo governo.
A imprensa afogou-se em eufemismos. Crédito extraordinário? Não: a PEC oferece segurança jurídica mais robusta. Pacto com o bolsonarismo? Sim: disso depende a sacrossanta “governabilidade”. Tudo que era sólido desmancha-se no ar: o escandaloso converte-se em natural, necessário, quase sábio.
Só que é mentira.
A nova Câmara, embora bastante conservadora, propicia a construção de maioria sem o bolsonarismo. Uma base constituída pelos partidos que apoiaram Lula no turno final mais MDB, PSD, PSDB e Cidadania somaria 241 deputados, contra 194 dos cinco partidos bolsonaristas (PL, PP, Republicanos, PTB e PSC). Os 16 faltantes para a maioria absoluta encontram-se em facções dos demais partidos, especialmente no União Brasil. A paisagem não é diferente no Senado. Uma base constituída em linhas similares teria 41 cadeiras, contra 24 dos partidos bolsonaristas. Faltaria, para a maioria, apenas um voto entre os 16 senadores restantes.
Lula tinha, portanto, a oportunidade de governar sem Lira e sem o bolsonarismo, aprovando leis e medidas provisórias. Só faltariam votos para passar PECs — mas, num país normal, emendas constitucionais não devem ser vistas como ferramentas de governo. Dessa constatação, nasce a indagação: por que o presidente eleito escolhe, voluntariamente, a aliança com a direita bolsonarista?
Uma pista para a resposta encontra-se na aprovação da PEC do Calote, em dezembro de 2021, que adiou o pagamento de precatórios, e da PEC Kamikaze, em julho, que inventou uma “emergência” para ampliar o valor do Auxílio Brasil. No primeiro episódio, cinco dos seis senadores petistas votaram com o bolsonarismo. No segundo, as bancadas petistas no Congresso votaram em massa com o governo.
A aliança Lula/Lira assenta-se sobre uma plataforma comum: a captura dos recursos públicos por grupos de interesse privilegiados. Lula declarou, há pouco, que “acabaram as privatizações”. De fato, porém, a privatização principal, a do Estado, continua a todo vapor.
É coisa antiga. O manejo das políticas fiscal e parafiscal e as concessões de subsídios abertos e ocultos para atender a interesses privados, assim como a proteção dos altos salários da elite do funcionalismo, inscrevem-se na tradição política brasileira. A novidade das últimas décadas é que os mecanismos de apropriação privada dos recursos públicos passaram a ser mascarados por programas de transferência de renda aos pobres.
O Estado-Financiador — eis o conceito central que configura o acordo entre Lula e Lira. Dele emana a necessidade de maiorias parlamentares excepcionais, capazes de promover frequentes mudanças constitucionais. Os arcabouços legais da responsabilidade fiscal, concebidos a partir do Plano Real, começaram a cair sob o fogo de Bolsonaro/Lira. A aliança Lula/Lira promete derrubar o pouco que resta.
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