terça-feira, 30 de junho de 2020

Cólera-morbo: contágio ou infecção?






“perigo de afrontar o cólera-morbo, que por aquele tempo corria em alguns pontos do interior”.




“Estevão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça ... sem dizer palavra; a baronesa recuou diante daquele fato brutal.”
Machado de Assis






Um caso real de cólera. Publicado por G. Tregear, 1832, Londres.




História Ciências Saúde
Manguinhos
Julho/2016

Em 1855, aportou em Belém, vindo da cidade portuguesa do Porto, o navio Defensor, trazendo consigo o cólera-morbo.

Caracterizada por uma diarreia aguda, a doença matava rapidamente, após um processo de desidratação e perda de peso que conferia aos pacientes uma aparência esquelética, com olhos afundados e cor da pele azulada.

A intensificação do comércio marítimo espalhara o cólera-morbo, originário da Índia, por quase todo o globo. Em poucos meses, havia doentes em todas as províncias do Norte e Nordeste do Brasil, e também no Rio de Janeiro, capital do Império.

O Conselho de Salubridade Pública buscava identificar os doentes, providenciar quarentena aos suspeitos de contaminação e realizar a desinfecção dos navios e de todo tipo de material com os quais as tripulações tivessem tido contato, como alimentos, roupas e objetos.

Também era preciso sanar os problemas de insalubridade das cidades. Entre as medidas preventivas estavam o aterro dos pântanos, a limpeza, desinfecção e ordenação do espaço urbano e a educação do povo.

O agente patogênico do cólera-morbo, seus princípios de comunicação e terapêuticas eficazes eram ignorados. No artigo Um imenso campo mórbido: controvérsias médico-científicas sobre a epidemia de cólera-morbo de 1855, publicado na edição atual de HCS-Manguinhos (vol.23 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016), Luciana dos Santos, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, examina a epidemia que atingiu a província de Pernambuco em 1855, focalizando as controvérsias médico-científicas que giraram em torno da definição dos princípios de comunicação da moléstia e dividiram as opiniões médicas entre duas concepções distintas: o contágio e a infecção.

São analisados documentos e relatórios produzidos pela Sociedade de Medicina de Pernambuco e pelo Conselho Geral de Salubridade Pública que permitem descrever o programa médico-sanitário oficial formado por engenheiros, cientistas e médicos com o objetivo de construir um projeto de cidade salubre – modelo de civilização que integra a remodelação do espaço urbano e a disseminação de novos hábitos entre a população.

Leia em HCS-Manguinhos:
Um imenso campo mórbido: controvérsias médico-científicas sobre a epidemia de cólera-morbo de 1855, artigo de Luciana dos Santos (vol.23 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016)

E ainda:

Rebelo, Fernanda. Entre o Carlo R. e o Orleannais: a saúde pública e a profilaxia marítima no relato de dois casos de navios de imigrantes no porto do Rio de Janeiro, 1893-1907. Set 2013, vol.20, no.3  texto em português
Farias, Rosilene Gomes. Pai Manoel, o curandeiro africano, e a medicina no Pernambuco imperial. Dez 2012, vol.19, suppl.1 texto em português

Kodama, Kaori et al. Mortalidade escrava durante a epidemia de cólera no Rio de Janeiro (1855-1856): uma análise preliminar. Dez 2012, vol.19, suppl.1 texto em português

Pemberton, Rita. Dirt, disease and death: control, resistance and change in the post-emancipation Caribbean. Dec 2012, vol.19, suppl.1 texto em inglês

Almeida, Maria Antónia Pires de. As epidemias nas notícias em Portugal: cólera, peste, tifo, gripe e varíola, 1854-1918. Jun 2014, vol.21, no.2 texto em português

Nunes, Everardo Duarte. Henry Mayhew: jornalista, investigador social e precursor da pesquisa qualitativa. Set 2012, vol.19, no.3 texto em português

Almeida, Maria Antónia Pires de. A epidemia de cólera de 1853-1856 na imprensa portuguesa. Dez 2011, vol.18, no.4 texto em português

Beltrão, Jane Felipe. Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991): tragédias se repetem?.Dez 2007, vol.14 texto em português

Carbonetti, Adrián and Rodríguez, María Laura Las epidemias de cólera en Córdoba a través del periodismo: la oferta de productos preservativos y curativos durante la epidemia de 1867-1868. Jun 2007, vol.14, no.2 texto em espanhol

Bertolli Filho, Claudio. Cólera: um retrato permanente. Dez 2004, vol.11, no.3 texto em português

Sanjad, Nelson. Cólera e medicina ambiental no manuscrito ‘Cholera-morbus’ (1832), de Antonio Correa de Lacerda (1777-1852). Dez 2004, vol.11, no.3 texto em português

Beltrão, Jane Felipe. A arte de curar dos profissionais de saúde popular em tempo de cólera: Grão-Pará do século XIX. Set 2000, vol.6 texto em português


Cólera-morbo: contágio ou infecção?. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 28 July 2016]. Available from: 
http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/colera-morbo-contagio-ou-infeccao/










Literatura
Machado de Assis e a pandemia
O imortal escritor, em seus romances, trata das pandemias que ocorreram no Brasil.
sábado, 16 de maio de 2020



Machado de Assis falando de epidemia? Sim, Machado de Assis também tratou da pandemia. Não, por óbvio, da pandemia do coronavírus, que tanto tem assustado a todos neste 2020.

Outros males, no entanto, contaminam as obras machadianas. Vejamos alguns deles, retratados em três romances.

·         A mão e a luva

No segundo romance machadiano, a baronesa, madrinha da protagonista, estava ao sol, quando outra personagem disse que não seria “conveniente expor-se aos ardores do sol, sobretudo neste tempo de epidemias”.

Qual seria essa pandemia?

Mais adiante, quando um personagem tenta demover a tal baronesa de viajar (com intenção de não se distanciar da sobrinha, Guiomar), ele disse do “perigo de afrontar o cólera-morbo, que por aquele tempo corria em alguns pontos do interior”. E referindo-se ao destino da baronesa, contou ainda “que em Cantagalo havia aparecido o terrível inimigo”.

Ao final, mostrando que o medo causado pela epidemia era tão grande como o de agora, a notícia do caso era um “fato brutal”, que a fez cancelar a viagem.

·         Memórias Póstumas de Brás Cubas

No livro do defunto Cubas, uma jovem pretendente morre por “ocasião da primeira entrada da febre amarela”. Brás Cubas é quem nos conta essa história da epidemia:

Doeu-me um pouco a cegueira da epidemia que, matando à direita e à esquerda, levou também uma jovem dama, que tinha de ser minha mulher; não cheguei a entender a necessidade da epidemia, menos ainda daquela morte. Creio até que esta me pareceu ainda mais absurda que todas as outras mortes.

Como bem sabem os eruditos migalheiros, já em Brás Cubas aparece o personagem título do próximo romance machadiano, Quincas Borba.

E é o mineiro de Barbacena quem explica a Cubas que “epidemias eram úteis à espécie, embora desastrosas para uma certa porção de indivíduos”.

Dizia ele que, “por mais horrendo que fosse o espetáculo, havia uma vantagem de muito peso: a sobrevivência do maior número”.

E, como se não bastasse, Quincas Borba ainda pergunta a Brás Cubas se este não sentia “algum secreto encanto em ter escapado às garras da peste”.

Judicioso, Cubas não o respondeu porque a pergunta era insensata.

·         Quincas Borba

A fala acima de Quincas Borba, no livro do defunto, já deve ter chocado o migalheiro. Mas não é que ele volta ao assunto?

De fato, em seu próprio livro, antes de morrer alienado, Quincas Borba trata do bem e do mal da epidemia. Diz que não há mais triste do que as pestes que devastam um ponto do globo.

Pondera, no entanto, que “esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa”.

E ainda sentencia que “a higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos”.

Na mesma obra, há outro momento em que volta ao assunto da pandemia.

Tal se dá quando a personagem Sofia, a mais bela das mulheres de Machado de Assis, ao receber a notícia de uma pandemia, numa cidade de Alagoas, resolve formar, com outras damas da sociedade, “uma comissão das Alagoas”, para arrecadar fundos de modo a ajudar a cidade daquele Estado.

E, ao menos no romance, foi ótimo, tanto para a cidade como para os personagens.

Sanou-se aquela; casaram-se estes.

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E é assim, literariamente falando, que se extingue a pandemia nos romances do Bruxo do Cosme Velho.

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·         Cólera

Vinda da cidade portuguesa do Porto, a cólera-morbo aportou em Belém em 1855, com o navio Defensor. A publicação História, Ciências, Saúde – Manguinhos, da Casa de Oswaldo Cruz, informa que a doença se espalhou com a intensificação do comércio marítimo, originário da Índia, por quase todo o globo.

"Em poucos meses, havia doentes em todas as províncias do Norte e Nordeste do Brasil, e também no Rio de Janeiro, capital do Império. O Conselho de Salubridade Pública buscava identificar os doentes, providenciar quarentena aos suspeitos de contaminação e realizar a desinfecção dos navios e de todo tipo de material com os quais as tripulações tivessem tido contato, como alimentos, roupas e objetos."

A professora do Departamento de Sociologia da UFPE Luciana dos Santos, ao examinar a epidemia que atingiu a província de Pernambuco em 1855, focalizou as controvérsias médico-científicas que giraram em torno da definição dos princípios de comunicação da moléstia e dividiram as opiniões médicas entre duas concepções distintas: o contágio e a infecção:

"Ainda que o programa médico-científico desenhado em Pernambuco, em meados do século XI
X, tenha estabelecido medidas de prevenção ao flagelo, tomando como ponto de partida preferencial o conceito de infecção, a teoria do contágio jamais deixou de prover uma explicação plausível para o surgimento e disseminação do cólera-morbo nos trópicos."








·         Febre amarela





A história da febre amarela no Brasil remonta ao ano de 1685. A primeira epidemia da doença no país parece ter sido a que irrompeu no Recife, segundo conta dr. Odair Franco, ex-coordenador do Combate à Febre-Amarela no Brasil, em obra publicada em 1969 na Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais (“História da Febre Amarela no Brasil”). O nome e a procedência do barco que trouxe a febre-amarela para o Recife não ficaram esclarecidos, aponta o autor.

Ao contrário do que geralmente sucede, não existem referências sobre a doença em algum barco antes da eclosão da epidemia, ou que tenham desembarcado no porto tripulantes ou passageiros doentes. Quando a encontramos já estava na zona portuária, fazendo a sua primeira vítima na pessoa de um empregado que conferia a mercadoria importada. De fato, contam as crônicas da época que, a 28 de novembro de 1685, no Recife, um tanoeiro ao abrir uma das barricas de carne, já podre, procedentes de São Tomé, adoeceu subitamente, passando a doença a quatro ou cinco pessoas que moravam na mesma casa, na rua da Praia.”

A febre amarela, então, não ficou limitada ao Recife e Olinda, mas teria se alastrado para o interior.

Na Bahia, constam relatos dando conta da enfermidade no ano seguinte, com o número de doentes calculado em 25.000 e o de mortos em 900. Mas, conforme Odair Franco, quando a doença deixou de se apresentar sob a forma epidêmica, foi relegada a um plano secundário e quase esquecida durante mais de um século: “Houve, assim, um longo período de silêncio no país, com relação à infecção amarílica.”

Saltamos para 1849: em 30 de setembro daquele ano, chegou a Salvador o navio americano “Brazil”, procedente de New Orleans, nos EUA, onde grassava a febre amarela, havendo escalado em Havana, porto também infetado, conta-nos Franco.

Entretanto, como apresentou carta de saúde limpa, embora houvesse perdido, na viagem, dois homens da tripulação vitimados pela febre-amarela, foi logo admitido à livre prática pelas autoridades marítimas locais. Houve apenas um protesto, infelizmente tardio.”





De acordo com o autor, na época, com receio do cólera-morbo, as medidas de vigilância portuária eram severas, mas visavam especialmente os navios procedentes da Europa.

Interessante notar o relato no ponto em que destaca a divergência de opiniões dos especialistas na ocasião, com acaloradas discussões entre “contagionistas” e “infeccionistas”, com os primeiros representados por médicos estrangeiros e os segundos, pelos médicos nacionais, que insistiam em dizer que a epidemia era oriunda de causas locais.

Enquanto prosseguiam estas discussões acadêmicas, os hospitais tornaram-se insuficientes para abrigar os enfermos. A triste realidade é que de Salvador este surto se propagou para o Norte e para o Sul do País”, lamenta Odair Franco.

Em Belém, “ficaram paralisados os negócios públicos e particulares; ocupavam-se todos em sepultar os mortos e cuidar dos enfermos”; os dados estatísticos da época apontam a elevada morbidade: em uma população de 16.000 habitantes, teria havido 12.000 doentes e 593 óbitos, que representam índice de morbidade de 75%, e coeficiente de letalidade de 4,9%.

Os últimos Estados a receberem surtos da doença foram Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, que não dispunham de comunicação fácil com portos marítimos.

migalhas dos leitores
https://www.migalhas.com.br/quentes/326950/machado-de-assis-e-a-pandemia





Roda Viva | Natalia Pasternak | 29/06/2020

Roda Viva

No Roda Viva, a jornalista Vera Magalhães recebe a bióloga e pesquisadora Natalia Pasternak. Fundadora e primeira presidenta do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak é doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e autora do livro 'Ciência no Cotidiano'. A bióloga ainda é publisher da revista Questão de Ciência e escreve para o jornal O Globo, para a revista The Skeptic UK e para o Genetic Literacy Project. No último mês, Natalia deu diversas declarações alertando para o risco do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e, com outros pesquisadores, assinou um documento contra a liberação do medicamento.
https://www.youtube.com/watch?v=o7Gu4sMXTFo










Luiz Henrique Mandetta: “A minha presença no governo ficou tóxica. “

Por Marco Antonio Villa

https://www.youtube.com/watch?v=N57J2B-9Reo




Referências


http://157.86.193.160/wp-content/uploads/2016/07/colera_medicos.jpg
http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/colera-morbo-contagio-ou-infeccao/
https://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/A344AD1405C4684892BBB2A74671CEDFDCE0_machado.jpg     
http://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/4AEA1C7D73DE67ACE4B290A97FE5CAC2A73E_colera1.jpg
https://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/583A985712D47E79542191F1B389C083910B_febreamarela1.JPG
https://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/86D7B80C6E0516D8B77F4E4479BC2B2A6432_charge.jpg
https://youtu.be/o7Gu4sMXTFo
https://www.youtube.com/watch?v=o7Gu4sMXTFo
https://youtu.be/N57J2B-9Reo
https://www.youtube.com/watch?v=N57J2B-9Reo

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