“PIG” fuça “gópi” e tem apoio de
quem antes o acusava de “golpista”
domingo,
18 de setembro de 2016
- O Globo
É
provável que seja apresentado amanhã um projeto de lei criminalizando o caixa
dois nas campanhas eleitorais, com o apoio de todas as legendas atuantes no
Congresso, com a possível exceção do PSOL e da Rede. Poucos deputados assumem
que sabem o que está acontecendo nos bastidores.
A
base do projeto é a medida 8 de combate à corrupção apresentada pelo Ministério
Público de Curitiba sob o título “Responsabilização dos partidos políticos e
criminalização do caixa 2”. Há duas versões do texto: uma que anistia
explicitamente todos os crimes eleitorais cometidos anteriormente; e uma
segunda, que tem mais chance de ter o consenso, que criminaliza o caixa dois
para encerrar a discussão sobre se esse financiamento por fora da legislação
eleitoral é ou não crime passível de punição mais rigorosa.
Os
deputados consideram que não há clima político para uma anistia explícita, e
estão em busca de um texto que represente uma espécie de “anistia moral” quando
as delações premiadas das empreiteiras OAS e Odebrecht listarem cerca de cem
parlamentares, de praticamente todos os partidos, que receberam financiamentos
legalmente ou no caixa dois.
Como
consideram que será difícil separar o joio do trigo, os parlamentares querem
especificar na nova lei o que é caixa dois para financiamento de campanha,
separando do que seja propina, para fins pessoais ou do partido. Na verdade, o
objetivo da medida é livrar os parlamentares da acusação de primeira instância,
pois eles consideram que os procuradores de Curitiba e o próprio juiz Sérgio
Moro criminalizam a política.
Também
se preocupam com a chegada da ministra Carmem Lucia à presidência do STF.
Conhecida por sua severidade, a ministra disse, em 2012, no julgamento do
mensalão, o seguinte: “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda
tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ na tribuna do tribunal supremo do
país como se fosse algo banal, tranquilo, que se afirma com singeleza. Caixa
dois é crime; caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira; caixa dois
compromete, mesmo que tivesse sido isso, ou só isso; e isso não é só; e isso
não é pouco! E dizer isto da tribuna do Supremo Tribunal, ou perante qualquer
juiz, parece-me, realmente, grave, porque fica parecendo que ilícito no Brasil
pode ser praticado, confessado e tudo bem. E não é tudo bem, tudo bem é estar
num país, num Estado de Direito, quando todo mundo cumpre a lei”.
Há
na Justiça Eleitoral uma disputa de entendimentos sobre se o caixa dois é crime
ou apenas uma infração eleitoral. No artigo 350 do Código Eleitoral está dito
que é crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da
que devia ser escrita, para fins eleitorais”.
Muitos
juízes interpretam esse texto como a definição do crime do caixa dois, mas
outros consideram que não está tipificado aí o crime. Se o Congresso aprovar um
projeto de lei sobre o assunto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ter que
se definir sobre a questão, eé o que os parlamentares querem, pois a partir da
nova lei, a punição não poderá retroceder.
A
discussão sobre se o caixa dois é crime ou não tem base no Artigo 1º do Código
Penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação legal”. Se vencerem o debate sobre o artigo 350 do Código
Eleitoral, os parlamentares estarão protegidos sem nem mesmo precisarem explicitar
uma anistia.
Mas
ficarão suspeitos de estarem agindo para proteção mútua, conforme conversa
gravada do senador Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro Sérgio
Machado:
Machado:
Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel (Temer).
Jucá:
(concordando) Só o Renan que está contra essa p **** . Porque não gosta do
Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o
Eduardo Cunha está morto, p **** .
Machado:
É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. Jucá: Com o Supremo,
com tudo. Machado: Com tudo, aí parava tudo. Jucá: É. Delimitava onde está,
pronto. Machado: Parava tudo. Ou faz isso...
“Na calada da noite”
—
Quero acreditar que o alerta de ontem, feito pelo jornalista Merval Pereira,
não venha a se concretizar e não tenhamos a deformação da oitava das 10 Medidas
Contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público.
Senador
Randolfe Rodrigues (REDE-AP)
terça-feira,
20 de setembro de 2016
Parlamentares
denunciaram a tentativa de colegas de votar um projeto de lei que abre brecha
para livrar acusados de caixa 2 de punição.
Parlamentares
atacam manobra de colegas para anistiar caixa 2
• Após pressão, votação de projeto
que pode livrar acusados de punição é adiada
Isabel Braga e Leticia Fernandes -
O Globo
-BRASÍLIA-
A possibilidade de votar um projeto que criminaliza o caixa 2 de campanhas
eleitorais, que poderia abrir uma brecha para livrar da Justiça políticos que
cometeram essas irregularidades no passado, provocou polêmica ontem no plenário
da Câmara. A articulação para a votação estaria sendo feita por grandes
partidos e tem como lastro uma das dez propostas de combate à corrupção
apresentadas pelo Ministério Público, e que estão em debate numa comissão
especial da Casa. A manobra foi revelada na coluna de Merval Pereira publicada
domingo no GLOBO.
Líderes
dos principais partidos se reuniram na Câmara, e o deputado Beto Mansur
(PRBSP), que presidia a sessão, decidiu dar início à discussão do projeto em
plenário. À noite, porém, diante da pressão para que a matéria fosse retirada
de pauta ou para que a votação fosse nominal — o que permitiria identificar
quem seria a favor —, Mansur desistiu da votação e encerrou a sessão.
À
tarde, pegos de surpresa, deputados questionaram a inclusão na pauta de projeto
de 2007 do ex-deputado Régis de Oliveira sobre pontos da reforma política, que
seria a base para apresentação de uma emenda de criminalização do caixa 2. No
entendimento de deputados, a emenda permitiria livrar os infratores.
Logo
na abertura da sessão, diante do burburinho no plenário, o deputado Miro
Teixeira (Rede-RJ) perguntou a Beto Mansur quais matérias que estavam na pauta.
Mansur falou sobre as propostas principais, mas acabou admitindo que também
havia o pedido para retomar o projeto de Oliveira.
—
A Câmara ficará absolutamente exposta com esse tipo de coisa. Não podemos nos
lançar num poço de suspeitas — pediu Miro Teixeira.
Líder
do PSOL, Ivan Valente (SP) fez coro ao colega:
—
Quem assume que pautou um projeto que vai ser execrado num momento que está
para sair delação de OAS e Odebrecht? Vamos votar na calada da noite um projeto
de anistia de caixa dois? Caixa dois é crime.
No
plenário do Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) leu trecho da coluna de Merval
Pereira e também cobrou:
—
Quero acreditar que o alerta de ontem, feito pelo jornalista Merval Pereira,
não venha a se concretizar e não tenhamos a deformação da oitava das 10 Medidas
Contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público.
Nos
bastidores, líderes confirmavam a intenção de votar ainda ontem o projeto. A
justificativa é de que se trata de proposta defendida pelo próprio Ministério
Público, com o apoio de vários líderes. A intenção seria separar o que é caixa
2 e dinheiro doado a partidos fruto de propina. Embora publicamente os líderes
neguem que isso signifique uma liberação pelos delitos passados, admitem que,
se o caixa 2 não era considerado crime, a nova lei permitirá o entendimento de
que só existe crime cometido a partir de sua vigência.
O
presidente do PPS, Roberto Freire (SP), disse, no entanto, que a própria
Justiça já está entendendo que é preciso separar o que é recebimento de
recursos de propina de recursos doados por empresas, mas não contabilizados.
Segundo ele, o próprio juiz Sérgio Moro tem dito que é preciso tomar cuidado e
não misturar as duas coisas.
—
É um grave equívoco discutir e votar isso agora.
A receita de FHC
Uma
das vozes mais sensatas da política nacional, o sociólogo e ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso volta a exercer o papel que o caracterizou desde a
saída do poder: o de analista desapaixonado da vida brasileira. Em entrevista à
ISTOÉ, ele faz uma série de alertas ao presidente Michel Temer, ao PT e ao seu
próprio partido, o PSDB
TRAVESSIA Para FHC, o governo Temer
precisará ser firme e claro para convencer a população da necessidade de
medidas duras
Débora Bergamasco
16.09.16
- 18h00
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No
momento em que o mundo, em especial o Brasil, é chacoalhado por turbulências
políticas, econômicas, sociais e culturais, o sociólogo Fernando Henrique
Cardoso se impõe como um das raras vozes capazes de fazer uma leitura do
cenário atual desprovida de paixão. E, aos 85 anos, ele não parece disposto a
pendurar as chuteiras. É quando o sociólogo se encontra com o político. Não à
toa, antes mesmo de o impeachment ser aprovado no Senado, o então vice Michel
Temer procurou o ex-presidente tucano. Quis aconselhar-se com ele, saber o que
pensava sobre o processo de deposição de Dilma e, obviamente, pedir-lhe apoio.
Conversaram longamente. Temer e FHC se conheceram em São Paulo na década 80.
Não é possível dizer que são íntimos ou companheiros de mesa e copo, mas,
segundo colegas de ambos, nutrem admiração e respeito um pelo outro. Depois da
posse, Temer e Fernando Henrique ainda não se encontraram pessoalmente. Mas o
presidente planeja estar em breve com o tucano para uma prosa sobre esse
período de transição pelo qual passa o País. A depender do que revelou em
entrevista exclusiva à ISTOÉ, o peemedebista terá à disposição uma extensa
lista de contribuições e aconselhamentos. Dez anos mais velho e do alto de seus
dois mandatos à frente da Presidência do Brasil, quando precisou, assim como
Temer, pavimentar uma travessia política e econômica, Fernando Henrique apóia e
torce pelo novo governo, mas emite uma série de alertas.
Horizonte
de esperança
À
ISTOÉ, Fernando Henrique Cardoso falou dos desafios que o novo governo
enfrentará. Apontou caminhos. “Aqui, nesse momento, estamos sentindo falta de
mais explicações”, disse. Assim como fez em 1993 ao apresentar o Plano Real, o
ex-presidente adverte para a necessidade de o governo Temer ser claro e falar
mais com a população sobre a necessidade do ajuste fiscal e suas implicações.
“É dizer por que tem que tomar essas medidas e o que vai acontecer depois. E
então desenhar o horizonte de esperança.” Para ele, o governo precisa ser mais
firme. Traçar um caminho, ter convicções, não titubear e mostrar aos
brasileiros um rumo. Embora elogie a relação de Temer com o Congresso Nacional,
o ex-presidente destaca que haverá obstáculos complicados a serem vencidos
porque os parlamentares são mais sensíveis aos anseios da opinião pública. Por
isso, para ele, é fundamental que a nova gestão seja transparente a fim de
convencer a população a apoiar medidas impopulares, sem as quais o presidente
não vai conseguir tirar o Brasil do atoleiro. Para o resgate da economia, além
de disciplinar as contas, Temer, na avaliação de FHC, acerta quando propõe um
pacote de novas concessões. O tucano destaca, no entanto, que aliado aos
investimentos deve vir “a atenção às pessoas”. E, por isso, passam controle da
inflação, mas também a baixa na taxa de juros, pois são sinais que, segundo
ele, as pessoas conseguem sentir no seu dia a dia.
Líder
da transição
FHC
considera que o Brasil se ressente de uma voz. Em outubro de 1992, o então
vice-presidente , Itamar Franco, assumiu o lugar do impeachado Fernando Collor
de Mello. Três dias depois, Fernando Henrique foi nomeado ministro das Relações
Exteriores e passou a auxiliar na conturbada missão da nova gestão de restituir
a estabilidade política e econômica. O País vivia tempos de desesperança.
Enfrentava uma crise moral, provocada pelos escândalos de corrupção, enquanto a
renda dos trabalhadores era corroída pela hiperinflação, que chegou a mais de
2.700%. Naquele ano, depois de muitas tentativas frustradas, Itamar convocou
seu chanceler para comandar a Fazenda. Sociólogo por formação, FHC chefiou a
criação do Plano Real com a ajuda de uma equipe de economistas. No dia do
lançamento do plano que reconduziria o País à estabilidade financeira, foi
apresentada aos brasileiros a proposta de aumento das alíquotas em 5% de todos
os impostos, um corte de US$ 22 bilhões no orçamento e a criação de um fundo de
emergência, reservando 15% das tributações para pagar programas sociais. O
porta-voz das aparentes “más notícias” foi FHC. Ele discursou: “Haverá um
sacrifício, indiscutivelmente. De todos. O desânimo que se sente aqui e ali,
não é um desânimo de quem não acredita no País. É um desânimo de quem está
olhando para cima e não vê sinal. E estamos emitindo aqui alguns sinais”.
Naquele momento, FHC entendeu o Zeitgeist, palavra alemã usada para designar o
chamado espírito do tempo. Vinte e quatro anos depois, FHC volta a exercer esse
papel, agora como observador e analista da cena política brasileira. Ele não
olha só para o novo governo. Suas reflexões envolvem o próprio ninho, o PSDB,
com quem também tem promovido conversas periódicas, principalmente com o
presidente nacional da legenda, senador Aécio Neves (PSDB), e o PT. Para ele,
tucanos e petistas precisam se modernizar. Na avaliação de FHC, o PT passou a
amar o poder mais do que amava as pessoas. “Aí deu no que deu”, disse. Sobre o
PSDB, ele reafirmou a intenção do partido de permanecer ao lado de Temer, desde
que seja cumprido um programa de governo. “Se o Temer seguir essa direção, terá
nosso apoio. Essa direção é dura, porque implica em medidas que são
aparentemente não populares”, disse.
“JUNTO
COM O INVESTIMENTO DEVE VIR A ATENÇÃO
ÀS PESSOAS, SEGUNDO O EX-PRESIDENTE O TUCANO”
ÀS PESSOAS, SEGUNDO O EX-PRESIDENTE O TUCANO”
1 de 5 “Apoiamos (Aécio e o PSDB)
um programa de governo e, se o presidente Temer seguir essa direção, terá nosso apoio"
“Em
1993, FHC disse que o povo teria que
fazer sacrifícios. Agora, a situação é similar”
fazer sacrifícios. Agora, a situação é similar”
“ESCREVE
AÍ QUE EU RI”
Menos
por teimosia do que por vaidade e estratégia político-eleitoral, o sucessor de
FHC, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, sempre fez ouvidos moucos para os
conselhos do tucano. Apesar de serem uma espécie de irmãos Karamazov da
política, e já terem dividido o mesmo palanque, a relação entre eles nunca foi
de fato azeitada. Não à toa, se estranham até hoje. Há duas semanas, o petista
acusou FHC de falar “muita bobagem”. Na entrevista à ISTOÉ, o tucano respondeu
em tom de ironia. “Escreve aí que eu ri”. Especificamente sobre a denúncia do
MPF contra Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, FHC foi lacônico. Disse
preferir ficar de espectador e que lamentava profundamente o fato de alguém com
a trajetória política do petista chegar a essa situação. “Sou uma pessoa
cautelosa. Deixo o assunto para a Justiça”, afirmou.
DILMA
E FHC CHEGARAM A TROCAR GENTILEZAS,
MAS INTERFERÊNCIA DE LULA IMPEDIU DIÁLOGO
MAS INTERFERÊNCIA DE LULA IMPEDIU DIÁLOGO
Durante
o primeiro mandato, a pupila de Lula, Dilma Rousseff, chegou a trocar
gentilezas com o tucano. Almoçaram juntos uma vez. Mas não passou disso,
certamente por influência de Lula. Em 2013, quando a população inundou as ruas
em todo território nacional com aspirações difusas, porém transbordando uma
sensação mal-estar, emissários de Lula e de Dilma procuraram Fernando Henrique
para discutirem juntos caminhos para reagir e atender a essas surpreendentes
manifestações. O tucano respondeu aos interlocutores que estaria disposto, mas
desde que fosse demandado. Os petistas não levaram a idéia adiante e perderam a
oportunidade de, talvez, evitar o desfecho traumático da deposição
presidencial. A eloqüência intelectual de FHC se impõe novamente. A história
mostra que é recomendável escutá-lo.
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu a reportagem de ISTOÉ, na
última semana, no Instituto FHC. Em duas horas de entrevista, fez uma avaliação
da atual conjuntura política e apontou caminhos para o PSDB, o PT, o PMDB, e
também para o País:
Quando essa sensação de
instabilidade política e social vai passar?
Fui
ministro do Exterior e da Fazenda do presidente Itamar Franco, que também foi
um governo que ocorreu por causa de um impeachment. Recordo que naquela época,
também foi muito difícil. Havia muita greve, muita coisa. Quando é que as
coisas acalmaram? Quando foi possível enfrentar o principal problema da época,
que era a inflação. Hoje a situação é diferente, mas tem esse ponto de
similitude. O povo, hoje, está sentindo um mal-estar por causa de um desastre
que a política anterior causou no Brasil, vindo de longe uma desorganização
muito grande. Não só a questão do desemprego, mas também tem a situação
angustiante de “e amanhã, o que é que eu vou fazer? Vai ter horizonte?”. Para
acertar a questão fiscal, você vai tomar medidas que vão ser percebidas como
mais duras. O objetivo maior, que é obter renda e emprego, não vem de imediato.
É uma travessia. Dilma simbolizou a crise que levou a isso. O (presidente)
Michel Temer não tem relação direta com a política que levou a isso. Mas o povo
não faz essas distinções, só sente as conseqüências.
Como o novo governo pode ajudar a
superar esse mal-estar mais rapidamente?
É
preciso que o governo Temer tenha rumo e firmeza. Tem que oferecer ao país uma
perspectiva. A minha função, quando fui ministro da Fazenda, foi principalmente
falar, explicar. Aqui, nesse momento, estamos sentindo falta de mais
explicações. Por que tem que tomar medidas e o que vai acontecer. E desenhar o
horizonte de esperança.
Como essa comunicação poderia
acontecer e por que, na sua opinião, ela não está sendo feita?
É
preciso que alguém encarne esse projeto, preferentemente o presidente da
República. Ou algum ministro. Tem que explicar permanentemente cada coisa. E a
sociedade hoje é mais complicada do que há 20 anos. Hoje tem a internet, mais
informação, a angústia vem mais depressa, é preciso dar muito mais atenção a
este processo. Tem umas questões mais técnicas como o teto dos gastos, questões
trabalhistas, mas como se traduz isso para o povo? Por exemplo, pega a
Previdência. No Brasil, você tem uma cultura nacional que acha que quanto antes
você se aposentar, melhor. Não é que as pessoas não queiram trabalhar. Elas
querem se aposentar para continuar trabalhando. Então, você tem um problema que
está ligado à profunda desigualdade brasileira. Por isso, não basta o argumento
de que “ah, eu não vou ter dinheiro para pagar você”, o que é verdade. Tem que
mostrar também como é desigual o sistema de aposentadoria hoje.
Mas é difícil a pessoa entender
que, eventualmente, ela vai perder direitos…
O
problema são as corporações, porque o Congresso Nacional vai enfrentá-las. Aí
não tem jeito, vai ter que ter firmeza. Você tem que ter convicção do que vai
fazer. A gente entende que esse governo é conseqüência de uma decisão
constitucional. Quem votou no Michel Temer foi quem votou na Dilma. Quem está
gritando “Fora Temer” foram os que votaram nele. Por outro lado, como
vice-presidente do Brasil, ele não recebeu o voto direto. Não necessariamente o
vice é um líder popular. Quem vai levar adiante essa transformação não tem o
voto do povo, embora seja legal e legítimo.
Quais são outras medidas
necessárias para recolocar o País nos trilhos?
O
governo tem que ganhar mais confiança mostrando que tem rumo. O governo Temer
não tem descuidado do contato com o Congresso, isso é importante. Agora, o
grande problema que ele vai ter que enfrentar é que o Congresso reflete também
o que se chama vagamente de opinião pública. A Dilma perdeu a opinião pública e
o Congresso. O governo Temer tem o Congresso, mas a opinião pública é que está
na dúvida. Então ele tem que dirigir-se muito mais à opinião pública. E como
não é um governo derivado de um impulso do voto e as pessoas estão muito
nervosas, o alvo continua sendo quem está no poder. A batalha é dizer: nós
vamos dar os primeiros passos para o caminho novo, melhor. Mas aí tem que ter o
crescimento da economia, obviamente. O que a população entende? É emprego, é
renda, controle da inflação. Um problema dessa natureza não se esgota em dois
anos.
É legítimo, se ele fizer um bom
governo, querer se candidatar à Presidência?
Mas
aí não precisa querer. Os outros é que vão querer. Não adianta você querer ser
presidente da República. Os outros é que têm que querer que você seja. Mas se
ele for muito bem e os outros quiserem, quiseram. Porque para o Brasil é bom
que se tenha um resultado positivo. A briga se é esse ou outro é nossa, não é
do povo. O povo vai votar em quem ele sentir confiança.
Qual é a importância da economia
para esta transição?
A
economia é crucial. É necessário dar sinais sensíveis de que a economia está
indo na boa direção. Tem que apresentar novas boas. É possível e estão até
tentando. Mas você também não pode cair na ilusão contrária de que basta o
investimento. Tem que ter atenção às pessoas também. O óbvio ululante e que
você não pode perder de vista é o slogan que acho que foi do Bill Clinton:
“People First”, ou, primeiro as pessoas. O que as pessoas sentem? Quais são
suas dificuldades? A educação, saúde, segurança, mobilidade. E agora tudo é
questão de renda e trabalho. Mas o que falta mesmo? Falta “to take care”
(cuidar). Atenção, cuidado, carinho.
O sr. acha que a população hoje,
nesse contexto atual de mal-estar e angústia, tem ouvidos para escutar o que o
presidente tem a falar?
A
pessoa só escuta quando sente que quem fala tem força. Muita gente se queixa:
“não tem liderança, falta liderança”. Porque nós vivemos em uma sociedade que é
de massas, 200 milhões de pessoas, na qual a articulação social estava
antigamente marcada por classes.
E como neste contexto alguém
consegue se tornar um líder?
A
mídia tem papel decisivo. E penso que ela nem tem muita consciência disso, nem
ela faz por articulação, ou por conspiração. Mas quem aparece? Quem é bizarro,
e aí você tem um número enorme de pessoas que vão bem na televisão ou no rádio
e viram candidatos. Também quem é capaz de se expressar com clareza, ou quem
tem uma sigla, ou uma seita religiosa ou mesmo esportiva. E está difícil no
mundo todo. E aí surgem coisas bizarras, como o candidato à Presidência dos
Estados Unidos, Donald Trump.
O presidente Temer consegue
demonstrar essa liderança?
Acho
que até agora não. Até agora ele não teve condições para isso. Ele nunca foi
naturalmente isso. O presidente Temer, quando foi candidato majoritário, foi
como vice. Ele foi candidato proporcional, que é muito diferente. O que ele tem
de vantagem? Uma enorme experiência de negociação com o Congresso. E uma
formação cultural, professor de Direito e tal. E ainda presidente do PMDB por
15 anos. Agora, vamos ver se ele dá um salto. Está faltando no Brasil uma voz.
A política precisa de palavra, quem fale. O verbo.
Além da crise econômica, temos
outras crises, como a moral, por exemplo.
Tem
a crise moral e a crise que a Lava Jato simboliza. Nunca houve nada de tamanha
profundidade no Brasil porque nunca houve tamanha extensão de malfeitos com a
bênção do governo. Aqui o Temer significa uma ruptura nisso. Na questão da
corrupção, pela ordem é PT, PP e só depois o PMDB.
E o que o governante tem que fazer
para resolver a crise moral?
Tem
que mudar nossa cultura de permissividade. É preciso que os de cima deem
exemplo. A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, dirige seu próprio carro. É um
sinal de que é uma pessoa simples. No Brasil houve um momento de embevecimento
pelo poder. Precisa baixar um pouco essa temperatura e voltar à coisa mais
republicana. Isso implica em redução de privilégios.
O presidente Temer disse que talvez
não coloque os quadros dele nas repartições públicas, também não quis usar a
faixa presidencial…
O
Temer é uma pessoa simples. E eu acho que está certo. A faixa, em certas
circunstâncias tem que por. O que ele está tentando dizer é: “Olha, sou mais
simples”. Houve um pouco de exagero disso no Brasil.
Em que época houve exageros?
Houve
exageros do Lula em diante. Essas coisas de muita pompa. E é patético porque o
Lula vem de líder sindical. Isso choca mais. O sistema que foi criado é de
abuso, de “eu posso tudo”. Não pode. Tem que ter uma coisa mais republicana.
Política é palavra, é gesto.
Lula disse que o sr. fala muita
bobagem. O que tem a dizer?
Escreve
aí que eu ri.
Que papel o PSDB deverá exercer?
Eu
li uma entrevista do Aécio (Neves, presidente do PSDB) dizendo que nós apoiamos
um programa de governo e, se o presidente Temer seguir essa direção, terá nosso
apoio. Essa direção é dura, porque implica em medidas que são aparentemente não
populares. O PSDB está nessa posição. Mas é importante alertar: o PSDB sozinho
não tem forças para mudar essas coisas.
A esquerda falhou?
Essa
esquerda. O PT foi uma tentativa de renovação até certo ponto. O PT nasceu
junto com o governo social e com a igreja. O que sobrou? O sindicalismo. O
núcleo ficou sendo o sindical. Os católicos se afastaram. Mas onde foi que ele
se complicou? Primeiro porque ele manteve a visão antiga da esquerda a idéia de
hegemonia: eu sou o bom, logo o outro é mau. E o que eu faço? Liquido o outro.
É uma parte não democrática. Embora ele venha de um partido que defende a
democracia, a alma não é democrática. Eu li um artigo do Tarso Genro e estou de
acordo com ele. O PT precisa se refundar. O partido foi um espaço de esperança,
não precisava ter ido para os caminhos que foi, não precisava ter demonizado o
PSDB. O PT passou a amar o poder mais do que amava as pessoas. Aí deu no que
deu.
Como deve ser o tratamento do novo
governo à questão da política atual?
Essa
questão político-eleitoral é dramática. Eu acho que o governo não pode deixar
de dar sinais claros de que nós vamos mudar esse sistema. Porque está esgotado.
Quanto seria um número razoável de
partidos?
O
número de partidos importa menos, mas sim o fato de eles representarem idéias.
E o governo Temer tem tempo suficiente para mexer nisso. E se começar a mexer
nisso, o povo gosta, desde que explique.
Hoje as pessoas sentem que a vida
vai melhorar?
Não.
E se conseguissem, era mais fácil. A mídia faz um esforço grande na área
econômica para achar que vai melhorar, mas as pessoas não sentem ainda. Não
sentem porque falta a voz, falta a palavra, a voz da esperança. Você não pode
fazer uma nação sem esperança. Não se faz uma nação só no sofrimento. E mesmo
quem está sofrendo quer imaginar que amanhã não vai sofrer tanto. Isso é
política. Não é só tomar atos. Você tem que tornar aquilo simbólico e mostrar
que você vai para o paraíso amanhã. Os jihadistas não se matam porque vão ter
70 virgens? E a política é um pouco religião. Mas na política você promete e
tem que entregar em vida.
Como deve ser a relação do governo
com o Congresso?
Eu
tive o mesmo problema como presidente, porque precisava fazer reformas. Algumas
eu consegui, outras não. Consegui quando a opinião pública se deslocou para o
meu lado. Uma das grandes ilusões do nosso presidencialismo é imaginar que ele
é imperial. Dá impressão que é, mas não é. O presidente que pensa que pode tudo
está perdido.
No
fogo fervia a sopa: o cheiro era bom, misturado ao cheiro da fumaça. Comida
melhor que sopa não existe.
“Querem
transformar um limão para os criminosos numa limonada”, disse o senador, que
teve o apoio de outros.
Após
pressão, votação de projeto que pode livrar acusados de punição é adiada
—
É um grave equívoco discutir e votar isso agora. Melhor é aguardar o tempo da
Lava-Jato. Não será bem entendida essa medida
Deputados
tentam votar projeto para livrar acusados de caixa dois
Manobra
que ajudaria investigados da Lava Jato foi descoberta e barrada.
Texto
do projeto seria votado sem ser distribuído para os deputados.
Assista:
"Paineira Velha"
Tutto
buona genti
O
italiano joga na parede né? Ou é ladrão ou é músico.
Zé Fortuna e Pitangueira "
Paineira Velha "
Claro
que não é qualquer cozinha. Cozinha de microondas e fogão a gás não serve. Sei
que é mais prático. Fogão a lenha é coisa complicada. É preciso muita arte para
acender o fogo. E é preciso cuidado para que ele não se apague. Mas que sonhos
me faz sonhar um forno de microondas? Que sonhos me faz sonhar um fogão a gás?
A
imaginação ficava bêbada, as estórias, mais fantásticas. A outra diferença é
que havia sempre o apito rouco do trem-de-ferro. Vinha resfolegando, apitava na
curva um gemido rouco, triste. Chamuscava a paineira velha com milhares de
faíscas que saíam aos jatos, ejaculações incandescentes, e eu imaginava que
assim tinham nascido as estrelas — eram faíscas de um trem-de-ferro cujo
maquinista era Deus.
Meu Deus, me cura de ser grande!
Rubem Alves
O
céu estava enfarruscado. O vento soprava nuvens cinzentas desgrenhadas. Nem lua
nem estrelas. Bem dizia minha mãe que em dia de chuva elas se escondem, por
medo de ficarem molhadas. A gente se lembrou de Prometeu: foi ele quem roubou
dos deuses o fogo - por dó dos mortais em noites iguais àquela. Se não fosse
por ele o fogo não estaria crepitando no fogão de lenha. O fogo fazia toda a
diferença. Lá fora estava frio, escuro e triste. Na cozinha estava quentinho,
vermelho e aconchegante. No fogo fervia a sopa: o cheiro era bom, misturado ao
cheiro da fumaça. Comida melhor que sopa não existe. Se eu tivesse de escolher
uma comida para comer pelo resto de minha vida não seria nem camarão, nem
picanha, nem lazanha. Seria sopa. Sopa é comida de pobre, que pode ser feita
com as sobras. Pela magia do fogo, caldeirão e água qualquer sobra vira sopa
boa. Tem até a estória da sopa de pedra...
O
fogo é um poder bruxo. Tem o poder de irrealizar o real: os olhos ficam
enfeitiçados pela dança das chamas, os objetos em volta vão perdendo os
contornos, acabam por transformar-se em fumaça. Quando isso acontece começam a
surgir, do esquecimento em que estavam guardadas, as coisas que a memória
eternizou. O fogo faz esquecer para poder lembrar. Digo sempre para os meus
clientes que, em vez do divã, que lembra maca de consultório médico, eu
preferiria estar assentado com eles diante de um fogão aceso. É diante do fogo
que a poesia aparece melhor. Não admira que Neruda tivesse dito que a
substância dos poetas são o fogo e a fumaça.
“-
Antigamente eu costumava propor uma troca com Deus: um ano de vida por um só
dia da minha infância... Hoje não faço isso. Tenho medo de que ele me atenda.
Não acho prudente, na minha idade, dispor assim dos meus anos futuros, pois não
sei quantos estão ainda à minha espera...“Assim falou a Maria Alice com voz
mansa, saudade pura. O fogão de lenha é lugar de saudade. Porque os fogões de
lenha, eles mesmos, são fantasmas de um mundo que não mais existe.
“-
Quando eu era menina, lá em Mossâmedes, nas noites frias a gente se reunia na
cozinha, todos assentados em volta de uma bacia cheia de brasas, os pés nos
pauzinhos das cadeiras, era bom o calor do fogo nos pés frios... a mãe enrolava
um pano na cabeça e dizia: ‘Vou no quintal apanhar umas folhas de laranjeira
pra fazer um chá pra nós - e virava a taramela para abrir a porta da cozinha. O
pai dizia sempre a mesma coisa, todo dia: ’- Mulher, você vai é ficar
estuporada, de boca torta. Faz mal tomar friagem com corpo quente de fogo...’
Mas a mãe nem ligava. Com as canecas quentes de chá na mão - como era bom o cheiro
de folha de laranja! Posso até sentir ele de novo! - a gente pedia ao pai pra
contar estórias. Ele contava. Eram sempre as mesmas. A gente já sabia. Mas era como se
ele estivesse contando pela primeira vez. Vinha sempre o assombro, o medo, os arrepios
na espinha.
“Aí
ela parou e começou a divagar. Lembrou-se de um tio.
“-
Naquele tempo as pessoas eram diferentes. Pois esse meu tio tinha, na frente da
casa dele, uma sala grande, vazia, que nunca era usada. Houve gente que quis
alugar a sala - ele receberia um bom dinheirinho por ela. Recusou. E se
explicou: ’- Não alugo não. É dessa sala que eu vejo a chuva vindo, lá longe.
Se eu alugasse ficaria triste quando a chuva viesse...’ É, as pessoas eram
diferentes...
“Houve
um silêncio. Aí a memória poética se transformou em imaginação teológica.
“-
Eu acho que há muitos céus, um céu para cada um. O meu céu não é igual ao seu.
Porque céu é o lugar de reencontro com as coisas que a gente ama e o tempo nos
roubou. No céu está guardado tudo aquilo que a memória amou...
“Já
sugeri que teologia é coisa que deve ser feita na cozinha. Claro que não é
qualquer cozinha. Cozinha de microondas e fogão a gás não serve. Sei que é mais
prático. Fogão a lenha é coisa complicada. É preciso muita arte para acender o
fogo. E é preciso cuidado para que ele não se apague. Mas que sonhos me faz
sonhar um forno de microondas? Que sonhos me faz sonhar um fogão a gás?
Enquanto
a Maria Alice falava eu voltava para minha casa de infância, em Minas Gerais,
casa velha, forro de esteira, assoalho de tábuas largas, já meio apodrecidas,
goteiras sem conta nos dias de chuva. A gente não se afligia. Isso era o
normal. Telhado sem goteira era impensável. E era bom ouvir os pingos da chuva
batendo nas panelas e bacias espalhadas pela casa. Era do mesmo jeito, nas
noites frias. Com duas diferenças: a gente apagava a luz. Não por economia, mas
para fazer a magia mais forte. No escuro os rostos refletiam as brasas, ficavam
vermelhos contra o fundo negro. A imaginação ficava bêbada, as estórias, mais
fantásticas. A outra diferença é que havia sempre o apito rouco do
trem-de-ferro. Vinha resfolegando, apitava na curva um gemido rouco, triste.
Chamuscava
a
paineira
velha
com
milhares
de
faíscas
que
saíam
aos
jatos,
ejaculações
incandescentes, e eu imaginava que assim tinham nascido as estrelas — eram
faíscas de um trem-de-ferro cujo maquinista era Deus.
Fernando
Pessoa era tomado por êxtases metafísicos ao ver o cais de pedra e os navios
que partiam. Eu sinto o mesmo ao pensar no trem-de-ferro e no seu apito rouco
que não mais se ouve. “Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,/ mas atravessa a
noite, a madrugada, o dia,/ atravessou minha vida, virou só sentimento“ - assim
foi o gemido rouco da Adélia Prado, poema-apito de trem-de-ferro...
Lembro-me
do meu assombro quando meu pai completou 60 anos. Como ele me parecia velho!
Com certeza já estava remando sua canoa rumo à terceira margem do rio. Eu acho
que a terceira margem é a saudade. Diz o Riobaldo que “toda saudade é uma forma
de velhice“. Hoje, 15 de setembro, jogo no rio da saudade mais um ano de vida.
É a 63a. vez que faço isso. A vela está ficando curta. E o faço
rezando, com a Maria Alice e a Adélia:
“Meu
Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande...“ (As contas de vidro e o fio
de nylon.)
REFERÊNCIAS
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