“A
paciência é a fortaleza do débil e a impaciência, a debilidade do forte.” -Kant
Uma teoria da justiça
“Cada pessoa possui uma
inviolabilidade fundada na Justiça que nem o bem-estar da sociedade como um
todo pode sobrepor. Portanto, numa sociedade justa, os direitos assegurados
pela Justiça não estão sujeitos à barganha política ou ao cálculo dos
interesses sociais”, diz o texto. John
Rawls, citado por Beatriz Catta
Preta, segundo Veja.com
John
Rawls, A
Theory of Justice
Redação
29
Março 2015 | 05h00
*Por Sérgio Fernando Moro e Antônio Cesar Bochenek
A
denominada Operação Lava Jato revelou provas, ainda pendentes de exame
definitivo pelo Judiciário, da aparente existência de um esquema criminoso de
corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas. Se confirmados
os fatos, tratar-se-á do maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As
consequências são assustadoras.
A
Petrobrás sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de
propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de
obras. Além dos danos imediatos, a empresa sofreu grave impacto em sua
credibilidade. A própria economia brasileira, carente de investimentos, sofre
consequências, com várias empresas fornecedoras da Petrobras envolvidas no
esquema criminoso.
Sérgio
Moro. Foto: Gil Ferreira/Agência Brasil
Mais
preocupante ainda a possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao
financiamento de agentes e partidos políticos, colocando sob suspeição o
funcionamento do regime democrático. Embora se acredite que, com o apoio
das instituições democráticas e da população em geral, tais problemas restem ao
final superados, inclusive com o fortalecimento da democracia e da economia
brasileiras, a grande questão a ser colocada é como se chegou a esse ponto de
deterioração, no qual a descoberta e a repressão de crimes de corrupção geraram
tantos efeitos colaterais negativos?
Uma
das respostas é que o sistema de Justiça Criminal, aqui incluído Polícia,
Ministério Público e Judiciário, não tem sido suficientemente eficiente contra
crimes desta natureza. Como resultado, os problemas tendem a crescer, tornando
a sua resolução, pelo acúmulo, cada vez mais custosa.
A
ineficiência é ilustrada pela perpetuação na vida pública de agentes que se
sucedem nos mais diversos escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los
ao ostracismo. Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da
Justiça criminal. Sem dúvida com o respeito aos direitos fundamentais dos
investigados e acusados, mas é necessário um choque para que os bons exemplos
de eficiência não fiquem dependentes de voluntariedade e circunstâncias.
Antônio
Bochenek. Foto: Ajufe
Sem
embargo de propostas de alterações do Direito Penal, o problema principal é
óbvio e reside no processo. Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação
é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções
processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados.
Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma
nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse
contexto, qualquer proposta de mudança deve incluir medida para reparar a
demora excessiva do processo penal.
A
melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em
concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata,
independente do cabimento de recursos. A proposição não viola a presunção
de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da
prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento. Mas não é esse o caso da
proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja
imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis
recursos. Nos Estados Unidos e na República francesa, dois dos berços
históricos da presunção de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a
prisão, sendo a liberdade na fase de recurso excepcional.
Não
se ignora, por evidente, a possibilidade do erro judiciário e de eventual
reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as Cortes
recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal
quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso. Mas a exceção não
invalida a proposição. O problema da legislação atual é o de supor como geral o
erro judiciário e, como consequência, retirar toda eficácia da sentença
judicial, transformando-a em mera opinião, sem força nem vigor. No Brasil,
chegou-se ao extremo de também retirar-se a eficácia imediata do acórdão
condenatório dos Tribunais, exigindo-se um trânsito em julgado que, pela
generosidade de recursos, constitui muitas vezes uma miragem distante. Na
prática, isso estimula recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e
gera impunidade.
A
AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentará, em breve,
proposição nesse sentido ao Congresso Nacional. O projeto de lei foi
previamente aprovado pela ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e
à Lavagem de dinheiro no ano de 2014, em grupo de trabalho que contou com
membros dos três Poderes.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.
Não
se trata aqui de competir com as proposições apresentadas pelo Governo Federal
ou pelo Ministério Público, mas contribuir, usando a experiência da
magistratura, com a apresentação de projeto que pode mudar significativamente,
para melhor, a Justiça.
O
Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta.
Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança
e de superação. Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso
sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou
afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia,
corrompem a democracia e nos envergonham como País.
*
Sergio Fernando Moro, juiz federal responsável pela Operação Lava Jato, e
Antônio Cesar Bochenek, juiz federal, Presidente da Associação dos Juízes
Federais (Ajufe)
*Artigo
publicado na página 2 de O Estado de S. Paulo, edição de domingo, 29 de março
de 2015
O MODELO É ARCAICO
Dizer
que a prisão antes do trânsito em julgado viola a presunção de inocência
equivale a afirmar que países como os Estados Unidos e a França ignoram esse
direito
Casos
como o de Pimenta Neves, solto por onze anos mesmo sendo réu confesso,
sintetizam as fragilidades do sistema
Antônio
César Bochenek é juiz federal e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais
do Brasil (Ajufe)
PÁGINA ABERTA
Veja
Editora Abril Edição 1188 Ano 24 Nº 26 – Cr$ 850,00 26 de junho de 1991
Edição
Histórica
Veja
Editora Abril Edição 2494 Ano 49 Nº 36 –26 de junho de 1991
(2003
– 2016)
03/09/2016
Estadão
Posicionamento do governo empossado é incógnita para Investigadores do escândalo Petrobrás, que acompanham andamento de projetos que alteram lei de delação, de abuso de autoridade e sobre criminalização do caixa 2
Investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Brasília e Curitiba, estão apreensivos com possibilidade de perda de apoio às investigações, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Procuradores, delegados e os representantes de classe monitoram o avanço de projetos que teriam como objetivo atrapalhar as apurações de corrupção na Petrobrás – e em outras áreas do governo – e a atuação de políticos da base aligada do governo Michel Temer (PMDB).
O andamento de medidas em trâmite no Congresso, como alterações na lei de delações e de mudanças na legislação de abuso de autoridade, e o desfecho do processo de cassação do mandato do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são os dois principais focos de observação da equipe da Lava Jato.
Os investigadores também acompanham a nova votação sobre possibilidade de prisão após julgamento na 2ª instância com temor que uma possível mudança de posição do STF possa afetar as negociações de delação premiada em andamento. Outro interesse nessa votação é para saber como está o humor dos ministros em relação à Lava Jato, qualquer mudança pode refletir nas votações da Segunda Turma, responsável pelos processos relacionados à operação.
Desde que o governo Temer – ainda interino – deu sinais de que poderia não encampar as 10 Medidas Contra a Corrupção, encaminhado ao Congresso, em março, o Ministério Público Federal está atento os movimentos de parlamentares que buscam “afrouxar” o conteúdo do pacote de projetos de lei de iniciativa popular.
Considerada a espinha dorsal de uma mudança efetiva no combate à corrupção e à impunidade, o pacote está em discussão na Câmara. Uma das medidas que podem descaracterizar uma proposta essencial é de anistiar caixa 2 – inicialmente criminalizado nas propostas de lei.
A postura do governo em relação a sua base no Congresso, em torno de medidas como a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas e o teste de integridade vai revelar se o apoio será mantido.
O temor é que com o impeachment e a redução de interesse da população no tema, Executivo e Legislativo coloquem em prática um movimento similar ao enfrentado pelas autoridades italianas na Operação Mãos Limpas, da década de 1990. Depois de levar políticos e empresários para a cadeia, a operação foi enfraquecida por uma série de leis aprovadas no Congresso italiano, pacote batizado de “salva-ladrão”.Associações.
O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), delegado Carlos Eduardo Miguel Sobral, acredita que o governo de Michel Temer não participará da reversão de conquistas no âmbito do combate à corrupção, mas aguarda para saber como será a posição do novo presidente, em especial, em relação a cortes no orçamento da Polícia Federal. “Estamos lutando para conquistar a autonomia da Polícia Federal e evitar que o nosso orçamento seja contingenciado pelo governo. Queremos saber se o Temer seguirá o que a Dilma vinha fazendo e irá cortar ainda mais nosso orçamento”, indaga Sobral.
Ao citar o caso da Itália, onde após a operação Mãos Limpas atingir a cúpula da classe política houve uma reação que afrouxou as leis de combate à corrupção, Sobral salienta que o País está mais maduro para evitar retrocessos e vigilante em relação a essas investidas no Congresso. “O Congresso e todas as forças políticas entenderão que para a população brasileira o combate à corrupção tornou-se prioridade”.
O procurador José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), também aponta a experiência internacional como prova de que sempre que o combate à corrupção avança sobre a classe política há uma reação pluripartidária na tentativa de limitar os poderes dos órgãos de investigação.
Entretanto, afirma Robalinho, essa reação não guarda relação com a aprovação do impeachment e não possui ligação com um partido específico, trata-se de uma atuação pluripartidária. Para ele, a divulgação de grampos com conversas sobre supostas tentativas de parar a Lava Jato envolvendo tanto políticos com ligação com o governo anterior cono com integrantes do atual revela que a reação não possui cor partidária.
“A Lava Jato alcançou um nível que fica difícil qualquer tipo de interferência, mas as investigações futuras podem ser afetadas por medidas em andamento no Congresso. Os riscos e pressões existem e são pluripartidário”, afirma Robalinho.Para o presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe) , Roberto Veloso, a Lava Jato está consolidada e se houve tentativas de enfraquecê-la foram fracassadas. No entendimento de Veloso, tanto a proposta de anistia do caixa 2 como as sugestões de mudança na modo como são feitas as delações vão no sentido contrário da maior eficiência no combate à corrupção.
No caso da possibilidade de prisão após 2ª instância, o juiz federal lembra que ela significou um avanço na jurisprudência brasileira. “Para a Ajufe, não cumprir pena imediatamente tem gerado impunidade diante da ocorrência de prescrição.”Prioridade. Por meio de nota, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, informou que o governo Michel Temer tem absoluto respeito às investigações da Lava Jato e “total prioridade no aprimoramento de todas as medidas necessárias ao eficaz combate à corrupção”,
Posicionamento do governo empossado é incógnita para Investigadores do escândalo Petrobrás, que acompanham andamento de projetos que alteram lei de delação, de abuso de autoridade e sobre criminalização do caixa 2
Investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Brasília e Curitiba, estão apreensivos com possibilidade de perda de apoio às investigações, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Procuradores, delegados e os representantes de classe monitoram o avanço de projetos que teriam como objetivo atrapalhar as apurações de corrupção na Petrobrás – e em outras áreas do governo – e a atuação de políticos da base aligada do governo Michel Temer (PMDB).
O andamento de medidas em trâmite no Congresso, como alterações na lei de delações e de mudanças na legislação de abuso de autoridade, e o desfecho do processo de cassação do mandato do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são os dois principais focos de observação da equipe da Lava Jato.
Os investigadores também acompanham a nova votação sobre possibilidade de prisão após julgamento na 2ª instância com temor que uma possível mudança de posição do STF possa afetar as negociações de delação premiada em andamento. Outro interesse nessa votação é para saber como está o humor dos ministros em relação à Lava Jato, qualquer mudança pode refletir nas votações da Segunda Turma, responsável pelos processos relacionados à operação.
Desde que o governo Temer – ainda interino – deu sinais de que poderia não encampar as 10 Medidas Contra a Corrupção, encaminhado ao Congresso, em março, o Ministério Público Federal está atento os movimentos de parlamentares que buscam “afrouxar” o conteúdo do pacote de projetos de lei de iniciativa popular.
Considerada a espinha dorsal de uma mudança efetiva no combate à corrupção e à impunidade, o pacote está em discussão na Câmara. Uma das medidas que podem descaracterizar uma proposta essencial é de anistiar caixa 2 – inicialmente criminalizado nas propostas de lei.
A postura do governo em relação a sua base no Congresso, em torno de medidas como a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas e o teste de integridade vai revelar se o apoio será mantido.
O temor é que com o impeachment e a redução de interesse da população no tema, Executivo e Legislativo coloquem em prática um movimento similar ao enfrentado pelas autoridades italianas na Operação Mãos Limpas, da década de 1990. Depois de levar políticos e empresários para a cadeia, a operação foi enfraquecida por uma série de leis aprovadas no Congresso italiano, pacote batizado de “salva-ladrão”.Associações.
O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), delegado Carlos Eduardo Miguel Sobral, acredita que o governo de Michel Temer não participará da reversão de conquistas no âmbito do combate à corrupção, mas aguarda para saber como será a posição do novo presidente, em especial, em relação a cortes no orçamento da Polícia Federal. “Estamos lutando para conquistar a autonomia da Polícia Federal e evitar que o nosso orçamento seja contingenciado pelo governo. Queremos saber se o Temer seguirá o que a Dilma vinha fazendo e irá cortar ainda mais nosso orçamento”, indaga Sobral.
Ao citar o caso da Itália, onde após a operação Mãos Limpas atingir a cúpula da classe política houve uma reação que afrouxou as leis de combate à corrupção, Sobral salienta que o País está mais maduro para evitar retrocessos e vigilante em relação a essas investidas no Congresso. “O Congresso e todas as forças políticas entenderão que para a população brasileira o combate à corrupção tornou-se prioridade”.
O procurador José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), também aponta a experiência internacional como prova de que sempre que o combate à corrupção avança sobre a classe política há uma reação pluripartidária na tentativa de limitar os poderes dos órgãos de investigação.
Entretanto, afirma Robalinho, essa reação não guarda relação com a aprovação do impeachment e não possui ligação com um partido específico, trata-se de uma atuação pluripartidária. Para ele, a divulgação de grampos com conversas sobre supostas tentativas de parar a Lava Jato envolvendo tanto políticos com ligação com o governo anterior cono com integrantes do atual revela que a reação não possui cor partidária.
“A Lava Jato alcançou um nível que fica difícil qualquer tipo de interferência, mas as investigações futuras podem ser afetadas por medidas em andamento no Congresso. Os riscos e pressões existem e são pluripartidário”, afirma Robalinho.Para o presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe) , Roberto Veloso, a Lava Jato está consolidada e se houve tentativas de enfraquecê-la foram fracassadas. No entendimento de Veloso, tanto a proposta de anistia do caixa 2 como as sugestões de mudança na modo como são feitas as delações vão no sentido contrário da maior eficiência no combate à corrupção.
No caso da possibilidade de prisão após 2ª instância, o juiz federal lembra que ela significou um avanço na jurisprudência brasileira. “Para a Ajufe, não cumprir pena imediatamente tem gerado impunidade diante da ocorrência de prescrição.”Prioridade. Por meio de nota, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, informou que o governo Michel Temer tem absoluto respeito às investigações da Lava Jato e “total prioridade no aprimoramento de todas as medidas necessárias ao eficaz combate à corrupção”,
Réu
confesso no assassinato de Sandra Gomide, o então diretor de redação de ¿O
Estado de S. Paulo¿ ficou menos de 7 meses preso
Ricardo Galhardo,
iG São Paulo | 13/08/2010 12:00
Sandra Gomide foi assassinada em
agosto de 2000
No
dia 20 de agosto de 2000, o então diretor de redação do jornal "O Estado
de S. Paulo" Antonio Marcos Pimenta Neves matou com dois tiros pelas
costas a repórter do jornal Sandra Gomide, de 32 anos, em um haras em Ibiúna.
Algumas semanas antes ele havia sido abandonado por Sandra, que era também sua
namorada. Pimenta Neves confessou o crime, foi condenado em 2006 a 19 anos de
cadeia em um júri popular (pena reduzida para 18 e depois 15 anos), mas passou
menos de sete meses na prisão.
Passados
quase 10 anos do assassinato de Sandra, especialistas e advogados que
participaram do caso creditam a impunidade do jornalista a dois fatores: a
lentidão da Justiça e a legislação penal anacrônica brasileira. No início de
agosto o caso finalmente chegou às mãos do ministro Celso de Mello, relator do
processo no Supremo Tribunal Federal (STF), que pode a qualquer momento decidir
se aceita ou não o recurso da defesa de Pimenta, que pede a anulação do
julgamento realizado em maio de 2006.
Para
o Ministério Público e os advogados da família de Sandra, a decisão do STF pode
ser o último passo do emaranhado de recursos e apelações que garantem ao
assassino viver em liberdade durante 10 anos embora condenado. Já
o pai de Sandra, João Gomide, não tem esperança de
ver o criminoso atrás das grades.
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Embora
tenha embasamento jurídico, a situação de Pimenta contraria a lógica. Ele se
beneficia da presunção da inocência para continuar solto apesar de ser um réu
confesso. Ou seja, não existem dúvidas quanto à sua culpa mas a Justiça ainda o
considera inocente até que não exista mais possibilidade de apelação.
Pimenta
Neves foi preso em 3 de setembro de 2000, logo depois de cometer o crime, e
solto em 23 de março de 2001 graças a um habeas corpus do mesmo ministro Celso
de Mello que lhe conferia o direito de aguardar em liberdade o julgamento, que
só aconteceria em 2006 devido a protelações da defesa e à lentidão do
Judiciário.
Em
13 de dezembro daquele ano o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a
condenação e determinou a prisão do jornalista. Ele foi considerado foragido da
Justiça por três dias até que no dia 16 de dezembro a ministra Maria Thereza de
Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu novo habeas
corpus, desta vez baseado na presunção da inocência.
A
tendência de manter o réu em liberdade até que o caso transite em julgado
começou no início da década de 2000 no STF e se transformou em jurisprudência
que agora também é seguida pelo STJ. A ideia é impedir a injustiça de colocar
na cadeia alguém que, em última instância, pode ser considerado inocente.
"Isso é até louvável, mas não no caso de um assassino confesso. Falta
sensibilidade aos tribunais superiores. Como um réu confesso pode ser
presumidamente inocente?", questionou o promotor do caso, Carlos Sérgio
Rodrigues Horta Filho.
Foto: iGAmpliar
Pimenta deixa a cadeia acompanhado
de advogados no dia 23 de março de 2001 depois de passar sete meses preso (Foto
AE)
Lentidão da Justiça
A
partir de então o caso entrou em um labirinto de recursos especiais e
extraordinário, apelações, embargos, agravos regimentais, agravos de
instrumentos, enfim, todo o arsenal que a legislação brasileira oferece para
protelar o cumprimento da sentença.
No
final de julho o Ministério Público Federal deu parecer contrário à defesa de
Pimenta e o processo foi finalmente remetido para o ministro Mello. Para se ter
uma ideia de como o processo desviou do objetivo principal, o nome de Sandra e
o crime do qual ela foi vítima não são nem sequer citados no parecer do MPF.
Em
agosto de 2009 a situação era descrita no site do STF pela sigla "EDCL no
AGRG nos ERESP". Traduzindo: embargos declaratórios no agravo regimental
nos embargos do recurso especial. Tudo isso foi negado pela Justiça. Depois a
defesa protocolou um recurso extraordinário que finalmente será julgado pelo
STF. Os advogados de Pimenta alegam irregularidades no julgamento como a
proibição de um depoimento por vídeo gravado (o que impede a acusação de
contestar as afirmações do depoente) e a ausência de uma testemunha que vive
nos EUA e serviria apenas para reafirmar a idoneidade de Pimenta Neves.
A
ação movida pelo pai de Sandra pedindo indenização a Pimenta também está longe
do fim. O jornalista foi condenado a pagar R$ 166 mil mas seus advogados
recorreram. O caso ainda não foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo
e ainda pode ir para o STJ e o STF.
"Se
até hoje ele não propos um acordo é porque pretende recorrer muitas vezes. Este
caso ainda vai para a terceira instância", disse o advogado Fábio Barbalho
Leite.
O
defensor do jornalista, José Alves de Brito Filho, se recusou a comentar o
caso. Ele também se negou a intermediar um pedido de entrevista com Pimenta
Neves. "Ele não dá entrevista nem para Deus", disse o advogado. O iG
foi quatro vezes até a casa do jornalista que nem sequer abriu a porta.
Impunidade de Pimenta Neves
Outros
profissionais que participaram do caso se dividem quanto às causas da
impunidade de Pimenta. Alguns acusam o sistema em si e seus infinitos recursos.
Outros, à lentidão dos tribunais.
"Embora existam todos estes recursos, quando houve vontade da Justiça o caso andou. O problema é a lentidão. O processo ficou seis anos aguardando julgamento no Tribunal de Justiça. Ninguém fica seis anos esperando julgamento preso. Ele está se aproveitando dos recursos que tem direito. O que não pode é demorar tanto para julgar", disse o advogado Sergei Cobra Arbex, assistente da acusação.
"Embora existam todos estes recursos, quando houve vontade da Justiça o caso andou. O problema é a lentidão. O processo ficou seis anos aguardando julgamento no Tribunal de Justiça. Ninguém fica seis anos esperando julgamento preso. Ele está se aproveitando dos recursos que tem direito. O que não pode é demorar tanto para julgar", disse o advogado Sergei Cobra Arbex, assistente da acusação.
Já
o promotor Horta Filho está descrente de que o jornalista seja preso.
"Este caso é um dos maiores absurdos do sistema jurídico brasileiro. Vou
ser sincero. Não tenho expectativa nenhuma. Bastaria dizer que não cabe mais
recurso, mas os tribunais superiores não batem o martelo e permitem essa
protelação sem fim", disse ele.
Com
50 anos de experiência na área criminal, o advogado Paulo Sérgio Leite
Fernandes lembrou que a legislação foi abrandada ainda na ditadura militar para
beneficiar o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos principais responsáveis
pela repressão política em São Paulo, que foi alvo de pedido de prisão por
supostos assassinatos cometidos pelo esquadrão da morte, na década de 70.
"Pimenta
Neves está solto porque tem bons antecedentes e é primário. Isso vale para
qualquer um que cometa um crime desde a chamada Lei Fleury, que criou a
liberdade provisória. Ironicamente o jornalista é beneficiado por uma lei
criada para proteger um dos maiores carrascos da ditadura", disse o
advogado.
Resumo do Livro:
O
Processo é um romance de Franz Kafka, que conta a história de um bancário que é
processado sem saber o motivo, este é Josef K.
O
perfil de K. era de um funcionário exemplar, sendo que trabalhava num famoso
banco e tinha um cargo de grande responsabilidade. Desempenhava sua função com
muita dedicação, razão que o levou, em pouco tempo, a crescer na empresa.
Porém
na manhã em que completara 30 anos, Josef K. foi detido em seu próprio quarto
por dois guardas, que tomaram o café que devia ter sido dele, e depois,
sugeriram estarem sendo subornados. Neste momento inicia o pesadelo de Josef
K., que foi detido sem ter feito mal algum. De principio, imaginava ser uma
brincadeira de seus colegas de banco, pois não podia acreditar no que estava
acontecendo.
Josef
K. acreditava que todo o mal entendido seria esclarecido e ao ser convocado
para um interrogatório viu a oportunidade de isto acontecer. Estava errado.
Deparou-se com um inspetor rude e agressivo que o ameaçava e fazia chantagens.
Contudo K. exigia esclarecimentos, porém inutilmente, já que nem o inspetor e
nem os guardas sabiam sobre o motivo de sua detenção.
E
toda narrativa segue sem que se conheça quem teria denunciado Josef K. às
autoridades e o motivo de estar sendo preso. Apesar disso, o personagem central
luta o tempo todo para descobrir do que estava sendo acusado, quem o acusava e
com embasamento em que lei. Contratou um advogado na esperança de ter alguma
saída e também para obter informações sobre o seu caso, mas logo ele foi
dispensado, pois não estava dando muita atenção ao processo dele.
Tentou
entrar em contato com o judiciário, mas teve pouco sucesso, o que encontrou
foram muitos processos, sendo o dele apenas mais um que ficaria esperando por
muito tempo. Todo o desenrolar do processo não lhe parecia verdadeiro, os
acusadores e as testemunhas tinham atitudes duvidosas e absurdas, até crianças
eram chamados a prestar depoimentos.
No
final, Josef K. se encontrava sem ânimo para prosseguir lutando contra um
processo que ele nada conhecia, estava apático e indiferente. Pode-se
interpretar que no capítulo X: O fim, Josef K. combinou para que dois senhores
o matassem, e assim foi feito.
“(…)
as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K. enquanto o outro lhe
enterrava profundamente no coração a
faca e depois a revolvia ali duas vezes.” (KAFKA, 2004, p. 254).
Este
é o fim de Josef K.
Análise
Crítica
A
obra é uma crítica direta do sistema judiciário, mas ficar somente nesta
interpretação limita a toda uma extensão de pontos de vista que pode ser
analisado.
Como
uma crítica ao sistema judiciário, podemos nos atentar a este aspecto, pois
esta é a primeira interpretação que se observa. Na época e no local onde viveu
Franz Kafka imperava um Estado autoritário (primeiramente Tchecoslováquia e
logo o Império Austro-húngaro) e havia constantes lutas pelo poder e o ambiente
da Primeira Guerra Mundial proporcionava ações arbitrárias pelas autoridades.
Assim observamos que é compreensível esta obra ser apresentada de tal forma,
como uma crítica ao sistema judiciário.
É
fácil encontrar nos livros de História e em depoimentos de muitas pessoas a
mesma situação vivida por Josef K., basta lembrar de como os direitos
individuais são tolhidos em sociedades como de Cuba de Fidel Castro; nas
prisões de Abu Ghraib, no Iraque, e de Guantánamo, em Cuba, todas estas
comandadas pelo “democrático” Estados Unidos da América; e as seguidas
torturas de chechenos por parte dos russos. São todos exemplos de sistemas
judiciários que, como o da história de Josef K., não respeitam as leis e operam
acima delas.
Porém
este cenário não ocorreu somente em países a milhares de quilômetros de
distância do Brasil. Temos histórias de torturas na maioria dos países da
América do Sul e, não diferente, no Brasil também. Principalmente na ditadura
militar, várias famílias viram homens com “traje negro e justo” retirarem seus
pais, filhos, maridos e esposas de suas casas, antes mesmo do café, para serem
torturados por acusações que nem conheciam. Igualmente a história de Josef K.
Contudo
eu interpretei esta obra, não somente como um retrato fiel do sistema
judiciário despótico, e como a burocracia e a justiça são falhas. Interpretei
também fazendo um paralelo entre a vida de Josef K. e as nossas, seres humanos
na prisão que é o mundo, apesar de não parecer. Sofrendo de alienação, e sendo
controlados o tempo todo, sem achar respostas e explicações para nada, frente à
um sistema doutrinador que estamos inseridos, e que a todo o momento lançam
informações que nós temos de engolir sem ao menos revisar e saber o porquê.
Enfim,
analiso a obra de Franz Kafka como uma história que está aberta a várias
interpretações, sendo que algumas delas de uma complexidade ilimitada.
Por: Renan Bardine
Franz
Kafka, natural da cidade de Praga, Capital da República Tcheca, é considerado
um dos maiores escritores de ficção do eixo alemão. Kafka era formado em
Direito e no início de sua trajetória profissional exerceu banca advocatícia.
Morreu sem receber o devido valor, tendo seus últimos suspiros ocorridos em um
sanatório de Viena, onde se encontrava tratando uma tuberculose.
Suas obras atingiram destaque depois de sua morte. Escritor profícuo escreveu mais de 20 ensaios e romances. Dentre os mais conhecidos figuram “Metamorfose” que lhe rendeu a fama e o sucesso póstumo e “O Processo”, obra em que faremos comentários.
Após sua morte Brod, seu melhor amigo, editou O Processo entendendo tratar-se de um romance coerente e, sendo assim, o publicou em 1925. Adaptações para o cinema foram feitas como “The Trial”, do diretor Orson Welles, com Anthony Perkins no papel de Josef K, personagem principal da obra.
A obra já inicia com a prisão de Joseph K., sem nenhuma explicação e de forma totalmente arbitrária.
Neste ínterim lemos: “Não – retrucou o homem que estava junto à janela, deixando o seu livro sobre uma mesinha e pondo-se de pé. – você não pode sair está detido” . Esta passagem descreve a tentativa de Joseph em avaliar o que está acontecendo e como não encontra resposta coerente alguma, tenta sair de casa.
Logo em seguida, o oficial que veio comunicar sua detenção o impede de sair do quarto. Diante dessa situação, Joseph indaga: “por que estou detido?” . A resposta que escuta é simplesmente injusta: “Não me cabe explicar isso. Volte para o seu quarto e espere ali. O inquérito está em curso, de modo que se inteirará de tudo em seu devido tempo” .
À luz do Direito pátrio tais acontecimentos são recriminados. Leciona o artigo 282 do Código de Processo Penal Brasileiro: “Á exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita de autoridade competente”.
Coadunando com tal pensamento preceitua a Carta Magna de 1988: “O preso será informado de seus direitos [...]” (Artigo 5º, LXIII) e um dos direitos que assiste aos presos é o direito de saber do que está sendo acusado.
Prosseguindo na leitura deparamo-nos com uma crítica de Kafka ao sistema processual da época. E, para nossa surpresa, ele já se queixava da morosidade dos processos, senão vejamos; “E quão demorados são os processos deste tipo, especialmente nos últimos tempos!” . Faz-se mister relatar que essa passagem percorre o ano de 1920.
A confusão jurídica da detenção de Joseph não para por aqui. Alguns trechos adiante lemos Joseph clamar por respostas: “Que espécie de homens eram estes? De que estavam falando? A que Departamento oficial pertenciam? Quem eram aqueles que se atreviam a invadir sua casa?” . E ainda continua perguntando: “Mas, como posso estar detido? E desta maneira? Teriam de responder – retrucou K. – Aqui estão os meus documentos de identidade; mostrem-me vocês os seus, e, especialmente, a ordem de prisão” .
Se estivéssemos sob a égide da Lei Brasileira, tais perguntas jamais poderiam pairar no campo das dúvidas. Nossa Carta Maior preconiza: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”. (Artigo 5º, LXIV) e prossegue: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo entrar nela sem consentimento do morador [..]” (Artigo 5º, XI). Assim também pontifica o CPP: “a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”. (Artigo 283, CPP).
A insistência de Joseph K. em querer saber do que estar sendo acusado é algo predominante na obra de Kafka. Tanto que se criou o estilo kafkiano de ser processado. Ser processado kafkianamente é ser totalmente tolhido de qualquer preceito jurídico possível e conhecido.
Parece que no mundo onde vive Joseph não há vigilância aos princípios democráticos de direito.
E mais uma vez aparecem suas argüições: “Quem me acusa? Que autoridade superintende o inquérito? Vocês são funcionários?.
Imaginem só, ser detido sem saber a causa e por pessoas que não demonstram a ordem prisional, as suas credenciais , o crime cometido, o ofendido, e tudo mais que se leciona em um devido processo legal.
Em certa passagem a personagem detida alega “Carece porventura de sentido chamar pelo telefone um advogado, já que sou declarado detido?” .
Não só carece como é um direito inalienável de quem foi detido ou preso. Encontra-se fundamentado em nossa Constituição no artigo 5º, LXII: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. E ainda defende o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil em seu artigo segundo, § 1º, que o advogado é essencial para a administração da justiça e tem importante função social.
Destarte, mais um direito previsto em nossa legislação pátria foi sumariamente desprezado neste título de Kafka.
Ultrapassada a fase da detenção de Joseph, o mesmo foi informado que deveria comparecer em certo dia e local para ser interrogado por um Juiz de instrução. Nesse ínterim, a personagem então aparece em um cenário semelhante a um fórum judicial, porém muito aquém de um recinto onde se possa promover a Justiça.
Estando, então, diante do Juiz, eis que Joseph observa: “no pescoço deste, que se achava tranquilamente sentado com as mãos no regaço olhando para baixo, o mesmo emblema” . Este emblema é vislumbrado por Joseph em um partido político popular de sua região. Desta forma, o Juiz então era parcial ou tendencioso às idéias de seus correligionários. Contraria frontalmente o estabelecido em nossa Carta Magna no capítulo que regula o Poder Judiciário. Em seu dispositivo 95, parágrafo único, inciso III, a Constituição leciona: “Aos juízes é vedado: III – dedicar-se à atividade político-partidária”.
Interessante é que o ilustre jurista Cesare Beccaria em sua obra “Dos Delitos e das Penas” chama a atenção para este fato: “Deve-se, igualmente, dar menos crédito a um homem que faz parte de uma ordem, ou de casta, ou de sociedade privada, cujos usos e máximas são geralmente desconhecidos, ou não são idênticos aos dos usos comuns, pois, além de suas próprias paixões, esse homem ainda tem as paixões da sociedade da qual é membro” .
O segundo capítulo que narra o pseudo exame conjeturatório de Joseph, encerra deixando-nos boa margem para contestar e afirmar que não houve no decorrer do processo da personagem nenhum formalismo; a presença marcante de um juízo de exceção terminantemente vetado em nossa Constituição(art. 5º, XXXVII); e a total ausência dos princípios do Devido Processo Legal(art. 5º, LIV) e do Juiz Natural (art. 5º, LIII).
O Capítulo quinto desta obra comentada é intitulado “o acoitador” e nestas páginas Kafka descreve uma verdadeira cena de escárnio e humilhação com as vítimas da tortura. Inclusive em uma obra escrita por Kafka na mesma época “A Colônia Penal”, também representa a descrição completa da carnificina e do vilipêndio à dignidade humana, nas torturas da máquina conhecida como “rastelo”.
No andamento do processo de Joseph K. a personagem, juntamente com seus prepostos, deparam-se com obstáculos injustos e desumanos. Diante de seu processo nem ele nem ninguém pode ter acesso aos autos, justamente para que não soubesse nada esclarecedor que fornecesse subsídios para elaborar a defesa.
Vejamos o que ele exclama: “De modo que os expedientes da justiça e, especialmente, o escrito de acusação eram inacessíveis para o acusado e o seu defensor, o que fazia com que não se soubesse em geral ou ao menos com precisão a quem devia se dirigir a demanda” .
Ora, nós advogados possuímos direitos de vistoriar os processos, é assim que nos presta guarida o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 6º.
E prossegue: “no curso das declarações do acusado, as perguntas que se lhe formulavam revelavam com alguma claridade ou então permitiam adivinhar de que coisas era acusado e os motivos em que se fundamentava a acusação. ”.
Que espécie de justiça era essa? Obrigava o acusado a adivinhar o motivo de sua acusação, detenção, julgamento, humilhação, etc.. Não se pode olvidar que desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, esses processos nefastos devem ser banidos da face da Terra.
E o pior estava por aparecer: “no fundo a lei não permitia nenhuma defesa” .
Roma há milênios hasteia a bandeira do direito inegável de defesa. Nem mesmo o pior criminoso poderia ser julgado sem defesa em plagas romanas.
Joseph K., a personagem acusada de algo que nem sabe, comenta que não era permitido aos advogados presenciarem os interrogatórios. Em solo tupiniquim tal proibição é afronta aos direitos dos advogados e dos cidadãos e, com certeza, esses direitos são protegidos pela manta segura da Constituição Federal e leis apartadas.
Assim preconiza o Código de Processo Penal Brasileiro: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”.
Será considerado objeto de nulidade processual aquele processo que não funciona a defesa.
Certa ocasião, no bojo das páginas desta obra, em um diálogo de Joseph e um conhecedor daquela justiça, lemos a seguinte passagem: “Você acaba de me dizer que com a justiça não valem de modo algum argumentações ou provas” .
A Constituição e todos os diplomas legais processuais dedicam páginas extensas a temática “provas”.
No nosso direito não é só permitida como essencial a um julgamento justo da querela.
Na fase decisória do processo ocorre “as sentenças definitivas da justiça não somente não se publicam, mas nem mesmo são acessíveis aos juízes. ”
A sentença, neste modelo judiciário do livro, fere frontalmente o princípio da publicidade e da motivação das decisões. Com fulcro em nossa Carta Magna asseveramos: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”.
Em palavras epígonas destes comentários da obra “O Processo” de Franz Kafka, iremos relatar algumas missivas em tom de críticas sobre a justiça daqueles dias.
Kafka demonstrando conhecer as teorias de Cesare Lombroso, jurista versado em Criminologia e autor de diversas obras, escreve em sua obra supracitada, exemplos de processos que foram julgados a favor do acusado por conta de sua fisionomia e deixa a personagem principal, Joseph, exasperado em saber se irá ou não ter um fim justo do seu processo por causa de seus lábios.
As teorias de Lombroso que influenciaram o estilo “lombrosiano” de analisar criminosos, hoje não mais possuem a força que tinham a época de Franz Kafka, que conhecia por ser estudioso do direito. Porém mesmo em período hodierno há seguidores da hipótese de Lombroso: “ladrão com cara de ladrão”.
Outra peculiaridade do escrito de Kafka se dá na sua descrição do que seria para ele uma petição formalizada por advogados: “um documento cheio de erudição, mas a verdade carecia de substância. Antes de tudo, havia nele muito latinório, que eu não compreendo; depois, ao longo de páginas e páginas, apelos gerais à justiça; e, por fim, um estudo de casos jurídicos de outros tempos que deviam ser semelhantes ao meu.”
Possuía a mesma feição que ainda hoje perpetua em nossas escrivaninhas ou laptops.
A obra O PROCESSO de Franz Kafka é recomendada para os amantes da literatura e os estudiosos e vigilantes do Direito com Justiça.
Este
filme de Orson Welles é uma adaptação do romance O Processo de Franz
Kafka.
Abaixo,
indicamos artigo do filósofo Michael Löwy sobre o filme, publicado na Revista
Cult: “Der Prozess e The Trial: Orson Welles recria Kafka – O acontecimento
decisivo, que reorientou amplamente a leitura de Kafka, foi o advento do
totalitarismo.”
O
acontecimento decisivo, que reorientou amplamente a leitura de Kafka, foi o
advento do totalitarismo
por
Michael Löwy
Tradução de Paulo Sérgio de Souza
Jr.
O
filme de Orson Welles, sem dúvida uma das grandes obras do cinema do século 20,
é ou não fiel ao romance? A pergunta está mal feita. Trata-se de duas criações
artísticas diferentes, ainda que o filme siga, em grande medida, a trama do
romance. Literatura e cinema constituem duas linguagens distintas,
irredutíveis. Suas gramáticas, seus léxicos, seus vocabulários, suas sintaxes
são radicalmente diferentes. Toda imagem, e a fortiori toda sucessão
de imagens, é necessariamente, inevitavelmente, “infiel” ao texto – e
vice-versa. Isso não quer dizer que Orson Welles “traiu” o romance de Franz
Kafka, muito pelo contrário. Como Henri Chapier observa tão bem, numa célebre
resenha do filme em Combat(24/12/1962), “o sentido profundo do livro, ali,
não é traído. […] Orson Welles […] encontrou, aos moldes de Baudelaire, um
sistema de “correspondências” entre a escrita e a imagem, a ponto de a angústia
de Joseph K. ir nos tomando aos poucos e sub-repticiamente […]”. Decerto o
cineasta “interpretou” o livro, ele apagou ou condensou capítulos, acrescentou
outros inexistentes, remanejou o início e o fim; em resumo, ele se apropriou da
obra de Kafka para recriá-la nos seus próprios termos. O contraste entre as duas
obras é também o produto da diferença dos contextos históricos. Vamos
começar, pois, tomando nota dessa distinção, antes de discutir o alcance de
certas modificações trazidas pelo cineasta.
Não
é num porvir imaginário, mas em fatos históricos contemporâneos que é preciso
buscar a fonte de inspiração para a trama do Processo. Entre esses fatos,
os grandes processos antissemitas de sua época eram um exemplo flagrante da
injustiça de Estado. Os mais célebres foram o processo Tisza (Hungria, 1882), o
processo Dreyfus (França, 1894-99), o processo Hilsner (Tchecoslováquia,
1899-1900) e o processo Beilis (Rússia, 1912-13). Apesar das diferenças entre
as formas de Estado – absolutismo, monarquia constitucional, república –, o
sistema judiciário condenou, por vezes à pena de morte, vítimas inocentes cujo
único crime era o de serem judeus. Ele sentiu na pele esses processos não
apenas enquanto judeu, mas também enquanto espírito universal, descobrindo
na experiência judaica a quintessência da experiência humana na época moderna.
Em Der Prozess, o herói, Joseph K., não tem nacionalidade ou religião
determinadas: a própria escolha de uma mera inicial em lugar do sobrenome da
personagem reforça a sua identidade universal; ele é o representante, por
excelência, das vítimas da máquina legal do Estado.
Meio
século de história separa a redação do romance e a rodagem do filme. O
acontecimento decisivo desses anos, que reorientou amplamente a leitura de
Kafka, foi, sem dúvida, o advento do totalitarismo. A partir dos anos 1930
fomos atingidos pelo caráter profético do romance; ele parece designar, com a
sua imaginação visionária, a justiça dos Estados de exceção. Todavia, Orson
Wells não lê o romance do ângulo exclusivo do totalitarismo. Decerto uma das
cenas do filme, inexistente no romance, mostra o encontro de Joseph K. com
indivíduos que aguardam, perante as portas do Tribunal, que se decida a sorte
deles: são idosos, estão seminus e carregando plaquetas numeradas. A referência
ao universo concentracional é evidente. Mas essa cena está relativamente
isolada no roteiro; não se pode dizer que este sugere que Joseph K. esteja
enfrentando uma ditadura totalitária.
Numa
entrevista a Jean Clay (verão de 1963) ele retorna à razões do seu interesse
por Der Prozess: “É um grande livro. Um dos textos que marcaram
época. Eu ressituei a história em 1963. Quis estampar um pesadelo
muito atual, um filme sobre a polícia, a burocracia, a potência
totalitária do Aparelho, a opressão do indivíduo na sociedade moderna”. É, pois,
muito provável que a experiência do macarthismo fosse uma das referências
históricas que o inspiram a interpretar o romance de Kafka como um
“pesadelo atual”. O contexto histórico e político americano de Welles
é, pois, muito diverso do judaico e centro-europeu de Kafka. Isso fez parte da
tendência radicalmente universalista do filme. Welles parece lamentá-lo:
“Acredito que a maior fraqueza do filme é essa tentativa de universalidade.
Talvez, num certo plano, um filme perca sempre um pouco da sua força ao se
querer universal”. Isso talvez seja verdade, mas é preciso reconhecer que a
“tentativa de universalidade” já se encontra, como observamos acima, no próprio
romance. Para discutir “correspondências” e dissonâncias entre romance e filme,
vamos nos limitar à conclusão (a execução).
No
último capítulo do romance o comportamento de Joseph K. muda radicalmente.
Depois de uma breve veleidade de resistência – “Não vou continuar andando” –,
ele tira como conclusão, em seguida a uma misteriosa e distante aparição de sua
vizinha, Srta. Bürstner, a “inutilidade” de toda e qualquer resistência e se
comporta com complacência (Entgegenkommen) para com os algozes, isto é,
em “pleno acordo” (vollem Einverständnis) com os objetivos deles. Contudo, no
momento em que os algozes lhe mergulham a faca no coração, ele chega ainda a
articular, antes de entregar a alma: “como um cão”. E a última frase do romance
é um comentário: “Era como se a vergonha devesse sobreviver a ele”. Que
vergonha? Sem dúvida a de morrer “como um cão”, isto é, de forma submissa, em
estado de servidão voluntária (no sentido que Étienne de La Boétie dá a esse
termo). É preciso ver nessa cena uma referência críptica à servidão voluntária
dos soldados que, em agosto de 1914, marchavam, com alegria e entusiasmo, para
o fronte, impacientes para sacrificar suas vidas pela pátria? Lembremos
simplesmente que Franz Kafka – que havia participado em 1909-12 das reuniões
públicas do Clube Antimilitarista Vilém Körber – começou a redigir O
processo em agosto de 1914, alguns dias depois, apenas, do início da
Primeira Guerra Mundial… Seja como for, a conclusão do romance é, ao mesmo
tempo, “pessimista” e resolutamente anticonformista.
Orson
Welles modificou significativamente a conclusão. A frase “como um cão” desaparece,
assim como aquela sobre a vergonha ser a única sobrevivente. Provavelmente o
cineasta não captou o alcance crítico e subversivo do final do romance.
Parecia-lhe pessimista demais; e o comportamento de Joseph K., passivo demais.
No roteiro, K. não é mais executado com uma faca, mas com uma dinamite — cuja
fumaça foi, erroneamente, segundo Welles, confundida com a de um cogumelo
atômico —, e ele se recusa a imolar a si mesmo (isso também vale para o
romance); enfim, sua revolta consiste em tratar os algozes como “frouxos”,
de rir às tampas, e de lançar uma pedra na direção deles. Compreende-se o
desejo de Welles de fazer de Joseph K. um indivíduo que resiste, que protesta.
A sua última cena é impressionante, e de uma força expressiva muito grande. Mas,
no fim, a revolta permanece bem limitada, leviana e singularmente ineficaz; ela
não muda fundamentalmente o sentido da conclusão, na medida em que a vítima não
luta contra os seus algozes.
Kafka
teve sucesso em prestar contas, como ninguém antes dele – e provavelmente
ninguém depois – do funcionamento da máquina judiciária do Estado
moderno do ponto de vista das suas vítimas. Ele faz isso sem
nenhum pathos, com sobriedade e rigor, num estilo que se caracteriza pela
austeridade e o despojamento – o que só o torna mais impressionante. O romance
não exprime uma mensagem política ou doutrinária; mas, sobretudo, um certo
estado de espírito antiautoritário, uma distância crítica e irônica para com as
hierarquias de poder burocráticas e jurídicas. Reencontramos, sob outra forma,
e com outros meios estéticos, esse mesmo estado de espírito no magnífico filme
de Orson Welles.
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