Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 15 de outubro de 2023
JOÃOZINHO-SEM-MEDO
Mundo, mundo, vasto mundo
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Poema de Sete Faces
Carlos Drummond de Andrade
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Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida
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As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul
Não houvesse tantos desejos
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O bonde passa cheio de pernas
Pernas brancas, pretas, amarelas
Para que tanta perna, meu Deus? Pergunta meu coração
Porém, meus olhos
Não perguntam nada
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O homem atrás do bigode
É sério, simples e forte
Quase não conversa
Tem poucos, raros amigos
O homem atrás dos óculos e do bigode
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Meu Deus, por que me abandonaste?
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fraco
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Mundo, mundo, vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo, mundo, vasto mundo
Mais vasto é meu coração
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Eu não devia te dizer
Mas essa Lua
Mas esse conhaque
Botam a gente comovido como o diabo
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Composição: Carlos Drummond de Andrade.
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JOGA LOGO
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ÍTALO GALVINO
JOÃOZINHO-SEM-MEDO
Era uma vez um menino chamado Joãozinho-sem-medo,
pois não tinha medo de nada. Andando pelo mundo pediu
abrigo em uma hospedaria.
— Aqui não tem lugar — disse o dono. — Mas, se
você não tem medo, posso mandá-lo para um palácio.
— Por que eu sentiria medo?
— Porque ali todo mundo sente. Ninguém saiu de lá,
a não ser morto. De manhã, a Companhia leva o caixão para
carregar quem teve a coragem de passar a noite lá.
Imaginem Joãozinho! Levou um candeeiro, uma
garrafa, uma lingüiça, e lá se foi.
À meia-noite, estava comendo sentado à mesa quando
ouviu uma voz saindo da chaminé:
— Jogo?
E Joãozinho respondeu:
— Jogue logo!
Da chaminé desceu uma perna de homem. Joãozinho
bebeu um copo de vinho.
Depois a voz tornou a perguntar:
— Jogo?
E Joãozinho:
— Jogue logo!
E desceu outra perna de homem. Joãozinho mordeu a
lingüiça. De novo:
— Jogo?
— Jogue logo!
E desceu um braço. Joãozinho começou a assobiar.
— Jogo?
— Jogue logo!
Outro braço.
— Jogo?
— Jogue!
E caiu um corpo, que se colou nas pernas e nos braços,
ficando em pé um homem sem cabeça.
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— Jogo?
— Jogue!
Caiu a cabeça e pulou em cima do corpo. Era um
homenzarrão gigantesco, e Joãozinho levantou o copo
dizendo:
— À saúde!
O homenzarrão disse:
— Pegue o candeeiro e venha.
Joãozinho pegou o candeeiro, mas não se mexeu.
— Passe na frente! — disse Joãozinho.
— Você! — disse o homem.
— Você. — disse Joãozinho.
Então, o homem se adiantou e, de sala em sala,
atravessou o palácio, com Joãozinho atrás, iluminando o
caminho. Embaixo de uma escadaria havia uma portinhola.
— Abra! — disse o homem a Joãozinho.
E Joãozinho:
— Abra você!
E o homem abriu com um empurrão. Havia uma escada
em caracol.
— Desça — disse o homem.
— Primeiro você — disse Joãozinho.
Desceram a um subterrâneo, e o homem indicou uma
laje no chão.
— Levante!
— Levante você! — disse Joãozinho. E o homem a
ergueu como se fosse uma pedrinha.
Embaixo da laje havia três tigelas cheias de moedas
de ouro.
— Leve para cima! — disse o homem.
— Leve para cima você! — disse Joãozinho. E o
homem levou uma de cada vez para cima.
Quando foram de novo para a sala da chaminé, o
homem disse:
— Joãozinho, quebrou-se o encanto!
E arrancou-se uma perna, que saiu esperneando pela chaminé.
— Destas tigelas, uma é sua.
Arrancou-se um braço, que trepou pela chaminé.
— Outra é para a Companhia, que virá buscá-lo
pensando que está morto.
Arrancou-se também o outro braço, que acompanhou
o primeiro.
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— A terceira é para o primeiro pobre que passar.
Arrancou-se outra perna e ele ficou sentado no chão.
— Pode ficar com o palácio também.
Arrancou-se o corpo e ficou só a cabeça no chão.
— Porque se perdeu para sempre a estirpe dos
proprietários deste palácio.
E a cabeça se ergueu e subiu pelo buraco da chaminé.
Assim que o céu clareou, ouviu-se um canto:
— Miserere mei, miserere mei.
Era a Companhia com o caixão, que vinha recolher
Joãozinho morto. E o viram na janela, fumando cachimbo.
Joãozinho-sem-medo ficou rico com aquelas moedas
de ouro e morou feliz no palácio. Até um dia em que, ao se
virar, viu sua sombra e levou um susto tão grande que morreu.
LIVRO DO
ALUNO
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000589.pdf
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Jogador
Canção de João Bosco
Visão geral
Letras
Ouvir
Letras
Joga o jogo
Joga a vida roubada
Joga vinte-e-um
Joga carambola, sinuca, bilhar
Joga pra espetar
Pra matar pra defesa
Joga o jogo
Joga a vida roubada
Joga vinte-e-um
Joga carambola, sinuca, bilhar
Joga pra espetar
Pra matar pra defesa
Olha a mesa
Olha o quadro, olha firme no olhar do parceiro
Olha o taco
Olha o roubo, confere o dinheiro
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
Joga o jogo
Joga a vida roubada
Joga vinte-e-um
Joga carambola, sinuca, bilhar
Joga pra espetar
Pra matar pra defesa
Joga o jogo
Joga a vida roubada
Joga vinte-e-um
Joga carambola, sinuca, bilhar
Joga pra espetar
Pra matar pra defesa
Olha a mesa
Olha o quadro, olha firme no olhar do parceiro
Olha o taco
Olha o roubo, confere o dinheiro
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
E não chia que um bom jogador
Joga o jogo
Joga o jogo
Fonte: LyricFind
Compositores: Joao Bosco
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domingo, 15 de outubro de 2023
Celso Lafer* - Em torno do STF
O Estado de S. Paulo
Para que adquira a plenitude de sua repercussão geral, é fundamental que a colegialidade institucional seja resguardada
A justiça é o tema dos temas da Filosofia do Direito por causa da força de um sentimento forte, mas impreciso, que atravessa os tempos: o Direito, como uma ordenação de convivência humana, deve ser permeado e regulado nas suas normas e aplicação pela justiça.
Na administração da justiça, o dever ser desta “ideia a realizar” é, em nosso país, uma responsabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal (STF). Pedro Lessa, notável professor de Filosofia do Direito no Largo de São Francisco e admirável ministro do STF, apontou para a relevância do sentimento de justiça e do seu vínculo com o Judiciário, no clássico Do Poder Judiciário (1915). Destacou que o Judiciário é o primeiro poder que aparece na sociedade, pois é pela administração da justiça que se satisfaz a primeira necessidade sentida pelas agremiações humanas. É o que reverbera em passagens do Deuteronômio.
O desafio do exercício desta missão, que está nas mãos do STF, não é tarefa fácil. São múltiplas as vertentes do justo, o papel do Direito nas sociedades contemporâneas tem uma função de gestão de convivência humana e a guarda da Constituição de 1988 é muito abrangente à luz do disposto nas matérias que contempla.
Essa abrangência é fruto das aspirações de justiça da sociedade brasileira que as constitucionalizou em 1988 na lógica do pacto de redemocratização da qual se originou a Constituição. É o que vem ensejando a significativa judicialização da política e levando o STF a decidir muitas questões conflitivas. Daí a proeminência atual do STF na vida brasileira. É o que o expõe a críticas, muitas válidas, outras não, e às insatisfações que provêm de setores de uma sociedade que é hoje muito mais polarizada e fragmentada do que em 1988.
Essa insatisfação expressa uma visão de que decisões do Supremo têm sido fundamentadas em motivações políticas e proferidas sobre assuntos políticos que extravasam a lógica da separação dos Poderes. Cabe pontuar que decisões que julguem constitucionalmente inválidas normas emanadas do Congresso ou inexequíveis atos do Poder Executivo são da competência do STF, nos termos da Constituição e da nossa tradição constitucional.
O exercício desta função tem um inegável caráter político num Estado Democrático de Direito. Por isso, o poder jurídico do STF de se pronunciar sobre a nulidade de atos de outros Poderes no exercício de sua função pode implicar, pela natureza sobre a qual se exerce, o tomar parte, na ação política de governo, na clássica lição de Pedro Lessa.
É o que caracterizou julgados do STF na pandemia, que possibilitaram a ampla vacinação da população brasileira, e os que contiveram as efetivas ameaças à democracia brasileira. Pode-se deles dizer que, com base na Constituição, responderam ao sentimento de justiça e fulminaram os desmandos dos excessos negacionistas.
A preeminência do STF na vida brasileira é pauta da agenda política do País. Responder a este desafio requer que o STF, na pluralidade de seus ministros, seja a expressão da ação conjunta de uma instituição que tem um objetivo comum, que se expressa pela sua colegialidade. Precisa transmitir como o saber de seus votos atende às exigências da administração da justiça. Nesta linha cabe evocar o que diz Pe. Antonio Vieira no Sermão da Sexagésima: “O que só sai da boca para nos ouvidos; o que nasce em juízo penetra e convence o entendimento”.
O discurso de Rosa Weber, ao término de sua gestão, e o de Luís Roberto Barroso, na sua posse na presidência, enfrentam este desafio com uma pertinência não identificável nas propostas das PECs apresentadas no Congresso que tratam de questões relacionadas ao STF.
O de Weber tem a auctoritas de quem exerceu a função com o decoro da dignidade, o lastro da experiência de longos anos de judicatura e, inter alia, o mérito de quem reforçou a colegialidade com emendas regimentais que circunscrevem a latitude da ação individual dos ministros.
O discurso de Barroso articula a visão de um magistrado que é reconhecido e qualificado professor universitário. Entre as diretrizes de sua gestão voltada para a administração da justiça, pontua a relevância da segurança jurídica, asseguradora da previsibilidade das condutas e, lembro aqui, seguindo a lição de Bobbio, que a coerência é uma virtude jurídica que cabe ao STF resguardar.
O STF não é um tribunal de consensos plenos. Comporta, na sua pluralidade, válidos e diferentes pontos de observação. No entanto, para que adquira a plenitude de sua repercussão geral, é fundamental que a colegialidade institucional seja resguardada. Esta é uma responsabilidade que cabe ao presidente do STF, como Barroso deixa claro no seu discurso de posse, concluído com a metáfora de um equilibrista que, sem rede, caminha pela vida e seus desafios.
O seu desafio na presidência do STF é o da coragem da liderança, no apontar rumos, animado pela paciência de consultar, tendo a sabedoria de avaliar qual é o tempo certo para cada uma destas duas atividades.
*Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992; 2001-2002)
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domingo, 15 de outubro de 2023
Lourival Sant’Anna - Manter a tensão interessa aos envolvidos
O Estado de S. Paulo
Atual ambiente estimula o radicalismo palestino. Os ultranacionalistas de Israel sabem disso
Em toda disputa, o maior objetivo é provocar no adversário a reação esperada. A previsibilidade decorrente dessa tática permite o planejamento estratégico. Quem domina essa técnica é capaz de manter a iniciativa. Reduzido à condição de coadjuvante, o adversário consome seu tempo e energia reagindo, enquanto o protagonista se ocupa do próximo lance.
Se dois atores em lados opostos souberem empregar esse método com maestria e sem limites morais, ele se torna a única tática efetiva. O centro do tabuleiro é esvaziado, e a eletricidade se concentra nos polos opostos. Os extremistas palestinos e israelenses empregam essa técnica há 80 anos. Sua eficácia avassaladora e seu custo humano são comprovados mais uma vez.
As Forças de Defesa de Israel ignoraram as advertências dos serviços de inteligência israelense, egípcio e americano. Elas falharam durante as incursões do Hamas no dia 7 porque suas atenções estavam voltadas para as prioridades do governo de Binyamin Netanyahu: a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia e o acesso de fiéis judeus ao complexo da Mesquita de Al-Aqsa.
O governo israelense não concede alvará de construção para palestinos na Cisjordânia e demole casas novas, assim como as residências das famílias de palestinos acusados de atos de violência. Ao mesmo tempo, financia a construção de novas moradias e a criação de novos assentamentos para judeus na Cisjordânia.
Essa política tem elevado as tensões e fomentado a atuação de células terroristas e de ataques de palestinos contra colonos judeus e contra as forças de segurança israelenses. Os judeus podem andar armados; os palestinos, não.
Os colonos, muitos deles recém-chegados da Europa e dos Estados Unidos, invadem casas de palestinos cujas famílias moram na Cisjordânia há muitas gerações, e os agridem, gritando frases como “vão embora, aqui não é a sua terra”. Algumas vezes, sob o olhar de aprovação de soldados israelenses.
REGRA. O ministro de Segurança Itamar Ben-Gvir, líder dos colonos judeus da Cisjordânia, defende o livre acesso de fiéis judeus ao complexo da Mesquita de Al-Aqsa. Grupos religiosos judeus acreditam que suas orações nesse local dariam início à construção do 3.º Templo. O 2.º Templo foi destruído pelos romanos no ano 70.
No mesmo local foi construída a mesquita entre 685 e 715. Os tratados de Paris e de Berlim, que regem o acesso a lugares sagrados em áreas disputadas, firmados em 1856 e 1878 respectivamente, determinam que só os judeus rezem no Muro das Lamentações, as fundações que restaram do 2.º Templo, e só os muçulmanos tenham acesso à parte de cima.
Israel tradicionalmente respeitou essa regra, violada pelo atual governo ultranacionalista. No terceiro dia da festa judaica dos Tabernáculos, dia 1.º, a polícia israelense ordenou que os palestinos fechassem suas lojas na Cidade Velha de Jerusalém, e impediu o acesso dos muçulmanos, para garantir a entrada de judeus no complexo de Al-Aqsa.
O Hamas denominou a incursão no dia 7 de “Inundação de Al-Aqsa”. Segundo seu comandante militar, Mohammed Deif, a operação começou a ser planejada em maio de 2021, depois que policiais israelenses invadiram a mesquita, durante o mês sagrado muçulmano do Ramadã, espancaram e arrastaram palestinos de dentro de lá, alegando que eles os haviam atacado.
O Hamas venceu as eleições de 2006 na Faixa de Gaza e seu rival palestino, o Fatah, ganhou na Cisjordânia. Mas Estados Unidos e União Europeia anunciaram o corte da ajuda de meio bilhão de dólares cada para os palestinos, se o Hamas assumisse, por considerá-lo organização terrorista. O Fatah então continuou governando Gaza até o ano seguinte, quando o Hamas tomou o poder no território à força.
Desde então, houve cinco guerras entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, que está sob bloqueio israelense. Metade da população do território está desempregada. Segundo o Programa de Alimentos da ONU, 1,84 milhão de palestinos não tem comida suficiente, ou seja, um terço da população nos dois territórios e mais Jerusalém Oriental. Desses, 1,1 milhão vive em “grave insegurança alimentar” – 90% deles na Faixa de Gaza.
Esse ambiente estimula o radicalismo palestino. Os ultranacionalistas israelenses sabem disso. A perpetuação do conflito interessa a ambos. Fazer essa análise não é justificar a violência. É entender suas causas. E, nesse sentido, honrar suas vítimas.
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domingo, 15 de outubro de 2023
Luiz Carlos Azedo - O antissemitismo estrutural que emerge na guerra de Gaza
Correio Braziliense
Sim, árabes e judeus são semitas. Na Antiguidade, fenícios, hebreus, babilônicos, arameus e outros se deslocaram da Península Arábica para a Mesopotâmia, 3 mil anos antes de Cristo
O movimento negro brasileiro consolidou o conceito de racismo estrutural e desconstruiu a tese de que o Brasil é uma democracia racial, devido à miscigenação e ao voto direto, secreto e universal, que garante a negros, mulatos e pardos — classificação agora considerada “politicamente incorreta” — os mesmos direitos políticos da “elite branca”. O racismo estrutural, porém, limita o alcance desses direitos do ponto de vista econômico, social e mesmo político, se considerarmos as estruturas de poder.
Consiste na organização da sociedade de maneira a que privilegie um grupo de certa etnia ou cor em detrimento de outro, percebido como subalterno. A exclusão e discriminações complexas mascaram o fenômeno. O racismo estrutural é uma forma de exploração e opressão, enraizada na estrutura social e nas relações institucionais, econômicas, culturais e políticas.
Uma outra forma de racismo estrutural é o antissemitismo, que tem características completamente diferentes, porque não está associado à condição econômica e social subalterna, ao contrário, mas à condição étnica, especificamente, e ao preconceito cultural. Enquanto em relação aos negros, o racismo vem dos tempos da escravidão, no início do século XVI, o nosso antissemitismo tem origem na atuação da Inquisição católica, nos tempos da Reconquista, que expulsou árabes e judeus da Península Ibérica.
Sim, árabes e judeus são semitas. Na Antiguidade, fenícios, hebreus (judeus), babilônicos, arameus e outros se deslocaram da Península Arábica para a Mesopotâmia, 3 mil anos antes de Cristo. O termo semita como designação para esses povos do Oriente Médio foi cunhado pelo historiador alemão August Ludwig von Schloezer, em 1871, a partir de referências bíblicas. Apesar das diferenças religiosas e étnicas, segundo o Antigo Testamento, todos eram descendentes de um dos três filhos de Noé: Sem.
Entretanto, o termo antissemitismo é usado para designar o ódio e a aversão contra judeus por conta dos eventos históricos que resultaram na migração desses povos para vários cantos do mundo, como aconteceu com as famílias sefarditas na Espanha e Portugal. A primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel (Rocha de Israel), foi fundada no Recife, em 1641, durante a dominação holandesa (1630-1657), pelo rabino luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca. Com a derrota dos invasores holandeses na Batalha dos Guararapes, os judeus migraram de Pernambuco para Nova Amsterdã, atual Nova York, onde formaram a Congregação Shearith Israel, a primeira sinagoga da América do Norte.
Sionismo
O surgimento do movimente sionista no século XIX, em resposta à diáspora e à milenar perseguição aos judeus, com objetivo de reocupar a Palestina e construir um Estado-nação, apartou árabes e judeus. Sion significa Jerusalém, a cidade sagrada para os judeus, muçulmanos e cristãos, cujo lado oriental, que era administrado pela Jordânia, foi ocupado por Israel em 1967, na Guerra dos Seis Dias.
Sempre houve resistência ao sionismo entre os judeus, principalmente entre os judeus assimilados da Europa. A filósofa judia-alemã Hannah Arendt chegou a participar do movimento sionista, mas se desvinculou na década de 1940. Autora de A Condição Humana e Raizes do Totalitarismo, Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal”para explicar o Holocausto, ao descrever o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann.
Sequestrado num subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense, em 1960, Eichmann foi levado para Jerusalém. No mais importante julgamento de um criminoso nazista depois do tribunal de Nuremberg, em vez do monstro sanguinário, surgiu um burocrata medíocre e carreirista, incapaz de refletir sobre os próprios atos ao receber uma ordem. Para Arendt, o processo desnudou a capacidade de o Estado transformar o exercício da violência homicida em organogramas e mero cumprimento de metas.
O julgamento legitimou a grande vitória sionista que fora a criação do Estado de Israel, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, com objetivo de evitar um novo Holocausto, como o perpetrado pelo líder da Alemanha nazista, Adolph Hitler, na Segunda Guerra Mundial. Entretanto, os palestinos (de maioria muçulmana), que já viviam no atual território de Israel, não aceitaram a hegemonia judaica. Desde então, conflitos e guerras inviabilizaram a criação de um Estado palestino.
O radicalismo político e religioso de ambas as partes inviabilizou todos os acordos. No atual conflito, o ataque terrorista do Hamas, inimaginável e inaceitável, não justifica o que ocorre em termos humanitários em Gaza, onde a população civil está sem água, energia elétrica, combustível, alimentos e remédios, forçada ao êxodo por bombardeios indiscriminados do Exército israelense.
O pior é que essa crise desperta o antissemitismo em quase todos os lugares. No caso do Brasil, árabes e judeus se integraram à vida nacional e convivem em harmonia, traduzem sua cultura para a nossa realidade (viva o Arranco de Varsóvia!), sem chauvinismo nem perda de identidade. É uma conquista civilizatória à qual não devemos nunca renunciar.
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Miserere (latim)
Músicas Católicas
Miserere (latim)
Miserere mei, Deus
Secundum magnam misericordiam tuam
Et secundum multitudinem miserationum tuarum
Dele iniquitatem meam
Amplius lava me ab iniquitate mea
Et a peccato meo munda me
Quoniam iniquitatem meam ego cognosco
Et peccatum meum contra me est semper
Tibi soli peccavi, et malum coram te feci
Ut justificeris in sermonibus tuis, et vincas cum judicaris
Ecce enim in iniquitatibus conceptus sum
Et in peccatis concepit me mater mea
Ecce enim veritatem dilexisti
Incerta et occulta sapientiae tuae manifestasti mihi
Asperges me hysopo, et mundabor
Lavabis me, et super nivem dealbabor
Auditui meo dabis gaudium et laetitiam
Et exsultabunt ossa humiliata
Averte faciem tuam a peccatis meis
Et omnes iniquitates meas dele
Cor mundum crea in me, Deus
Et spiritum rectum innova in visceribus meis
Ne proiicias me a facie tua
Et spiritum sanctum tuum ne auferas a me
Redde mihi laetitiam salutaris tui
Et spiritu principali confirma me
Docebo iniquos vias tuas
Et impii ad te convertentur
Libera me de sanguinibus, Deus, Deus salutis meae
Et exsultabit lingua mea justitiam tuam
Domine, labia mea aperies
Et os meum annuntiabit laudem tuam
Quoniam si voluisses sacrificium, dedissem utique
Holocaustis non delectaberis
Sacrificium deo spiritus contribulatus
Cor contritum, et humiliatum, Deus, non despicies
Benigne fac, domine, in bona voluntate tua sion
Ut aedificentur muri ierusalem
Tunc acceptabis sacrificium justitiae, oblationes, et holocausta
Tunc imponent super altare tuum vitulos
Misericórdia
Tem misericórdia de mim, ó Deus
Segundo sua misericórdia infinita
E segundo sua compaixão, apaga
Minhas transgressões
Lava-me inteiro da minha iniquidade
E purifica-me do meu pecado
Pois reconheço minhas transgressões
E diante de mim está sempre meu pecado
Pequei somente contra ti, pratiquei o que é mau aos teus olhos
Tens razão, portanto, ao falar, e tua vitória se manifesta ao julgar
Eis que eu nasci na iniquidade
Minha mãe concebeu-me no pecado
Eis que ama a verdade no fundo do ser
E me ensinas a sabedoria no segredo
Purifica meu pecado com o hissopo e ficarei puro
Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve
Faz-me ouvir o júbilo e a alegria
E dancem os ossos que esmagastes
Esconde a tua face dos meus pecados
E apaga minhas iniquidades todas
Ó Deus, cria em mim um coração puro
Renova o Espírito firme no meu peito
Não me rejeites para longe de tua face
Não retires de mim teu Santo Espírito
Devolve-me o júbilo da tua salvação
E que o Espírito generoso me sustente
Vou ensinar teus caminhos aos transgressores
Para que os pecadores voltem a ti
Livra-me do sangue, ó Deus: Deus, meu salvador
E minha língua aclamará tua justiça
Ó Senhor, abre os meus lábios
E minha língua anunciará o teu louvor
Pois tu não queres um sacrifício
Um holocausto não te agrada
Sacrifício a Deus é um espírito contrito
Coração contrito e esmagado, Tu não desprezas, ó Deus
Faze o bem a Sião, por teu favor
Reconstrói as muralhas de Jerusalém
Então te agradarás dos sacrifícios de justiça e holocausto
E em teu altar se oferecerão novilhos
Composição: G. Allegri.
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