O antimarxismo atual não conhece Marx, é pura
ideologia, opera por sobre a espuma levantada pelas disputas em torno das
ideias marxistas
Marco Aurélio Nogueira
28 Dezembro 2018 | 19h37
Por Estadão
Não seria necessário que diversos integrantes do
futuro governo Bolsonaro insistissem na ideia de “libertar o Estado brasileiro
do marxismo cultural” para que se percebesse que um espectro voltou a circular
no Brasil em 2018.
Esse espectro atende pelo nome de Karl Marx,
filósofo e ativista político alemão (1818-1883), um dos fundadores do comunismo
moderno e patrono da mais influente teoria política contemporânea.
O mundo comemorou, ao longo de 2018, os 200 anos de
nascimento de Marx. Registros feitos por inúmeros seminários, congressos
científicos, livros, artigos, filmes e entrevistas dedicaram-se a homenagear o
pensador alemão e a verificar em que medida suas teses continuam a dialogar com
a realidade do mundo atual. O balanço foi positivo, mostrando que Marx, em que
pese o incontornável desgaste sofrido com a passagem da história, permanece
vivo como intérprete do nosso tempo e, em particular, das transformações do
capitalismo.
O Brasil não ficou fora das comemorações, mas
terminou o ano com o reposicionamento político dos inimigos de Marx,
concentrados agora no combate ao “marxismo cultural”, entendido como a
disposição de ocupar totalitariamente os espaços públicos via controle da
cultura e de suas instituições, da escola à imprensa e às artes, tudo
devidamente concentrado em cercear a liberdade de pensar e falar, modelar
mentes e impor agendas inadequadas à sociedade (gênero, aborto e clima, por
exemplo). Na versão simplória corrente, essa preponderância do “marxismo
cultural” estaria a impedir a “regeneração nacional” e a contaminar os
diferentes âmbitos da vida familiar e do Estado, indo da escola à política
externa.
O antimarxismo dos nossos dias não conhece Marx, não
leu seus livros nem as análises de seus intérpretes. É pura ideologia, que
opera por sobre a espuma levantada pela circulação das ideias marxistas e pelas
disputas ideológicas em torno delas. O que lhe falta de rigor filosófico e
conhecimento histórico é compensado por uma combatividade histriônica que pouco
se importa com o que Marx realmente disse ou com o significado de suas
proposições. Despreza tudo o que o marxismo trouxe de contribuição crítica –
por exemplo, sua teoria sobre o funcionamento do capitalismo – para vê-lo
exclusivamente pela lente do militante revolucionário, devidamente desfocada. É
um antimarxismo inquisitorial, que pressupõe que as ideias de Marx seriam
tóxicas a ponto de impregnar aqueles que delas se aproximam, como um vírus.
Os antimarxistas teriam muito a aprender, por
exemplo, com o livro do cientista político alemão Michael Heinrich, “Karl Marx
e o Nascimento da Sociedade Moderna”, uma alentada pesquisa em 3 volumes que
começou a ser publicada no Brasil pela Editora Boitempo. A obra não é um
panegírico e trata Marx de maneira fria e realista, situando-o na sua época e
vendo-o sem qualquer mitificação. O pressuposto é simples: cada geração
desenvolverá uma nova perspectiva em relação à vida, à obra e ao significado de
Marx, conforme as transformações das condições históricas.
O nosso tempo trouxe consigo um Marx já bastante
processado criticamente, saturado, manipulado de muitas maneiras. Já foi
responsabilizado pelos crimes do stalinismo, por ditaduras, assim como já foi
santificado e posto num pedestal como profeta da emancipação definitiva da
humanidade. O Marx com que lidamos hoje é bem diferente daquele das décadas
finais do século XX. As novas gerações o veem como um “clássico”, não como o
mestre infalível da revolução, até porque a própria ideia de revolução se
alterou bastante. A reprodução das condições gerais do capitalismo, porém, dão
a ele uma atualidade que muitos outros clássicos não têm.
O primeiro volume do livro de Heinrich – assim como
outras biografias mais recentes – nos ajuda a inserir Marx na história e a
vê-lo em sua pujança filosófica, em seu desejo de liberdade, em sua adesão
progressiva ao humanismo materialista, em sua relação com a dialética de Hegel.
É um Marx que assiste ao amadurecimento do mundo moderno e começa a
interpretá-lo.
Mais tarde, já depois de ter escrito com Engels o
famoso Manifesto Comunista, Marx sai da Alemanha, passa por Paris e
Bruxelas até se instalar em Londres. É o Marx mais conhecido, autor de O
Capital. Crítica da economia política e de ensaios políticos, ativista do
nascente movimento socialista. O Marx que passará para o século XX será
sobretudo esse, devidamente incorporado primeiro pela cultura da socialdemocracia
alemã e, depois, do comunismo soviético, do qual se espalhará pelo mundo.
Diferentemente do que pensam os antimarxistas
atuais, o marxismo continua a nos ajudar a compreender o mundo do capitalismo
globalizado, mesmo que esse capitalismo seja mais potente e diversificado,
disposto na vida como um sistema global irresistível, muito distante do
capitalismo do século XIX, que Marx visualizava como fadado a ingressar numa
crise terminal.
Mas não é preciso admitir o fim do capitalismo para
concluir que esse sistema todo-poderoso não conseguiu até agora apaziguar suas
contradições ou evitar crises recorrentes de natureza sistêmica. Desse ponto de
vista, Marx errou e acertou. Suas descobertas não só foram incorporadas ao modo
moderno de pensar a vida, como são fundamentais para que consigamos decifrar o
estado em que se encontra a Humanidade ao final da segunda década do século
XXI.
Estar em crise não significa estar à beira da morte.
O capital tem conseguido avançar mediante o processamento de seus limites e contradições,
usando isso para alavancar novos ciclos de expansão. Tem sido beneficiado,
paradoxalmente, por três coisas: pela desorganização da sociedade de classes,
pela democratização derivada das lutas sociais e da ampliação progressiva das
margens de liberdade, o que paradoxalmente esfriou o desejo de revolução, e
pela incapacidade prática da utopia marxista (a organização consciente da
produção social) de se traduzir efetivamente no terreno da vida cotidiana. Há
planejamento, racionalização e regulação, mas a economia continua fora de
controle, fazendo com que o sistema econômico despeje seus custos sobre as
costas dos mais frágeis e desprotegidos, os desempregados, os trabalhadores
precários, os migrantes e refugiados, os excluídos de todo tipo.
As ideias de Marx, nesse sentido, mantiveram-se como
uma advertência para o sistema. Revelaram suas entranhas, sua face perversa e
desumana. Permaneceram como uma espécie de “demônio antissistema” a desafiar o
coro dos contentes.
O marxismo profetizou uma revolução do proletariado,
que não teve como se realizar. Onde ela foi tentada os resultados deixaram a
desejar. Depois da queda do Muro e do fim dos “socialismos reais”, a partir de
1990, ficou a impressão de que o marxismo desfalecera irremediavelmente. Tornou-se
usual falar que “Marx estava morto”. No primeiro momento, Marx foi deslocado
para a margem. Lá, porém, permaneceu a latejar. Continuou a ser consagrado e
tratado de modo “religioso” por um séquito de milhares de cabeças, mas no
terreno do pensamento tornou-se muito mais profano e laico, passando a receber
tratamento mais distante e bem comportado, não como profeta de uma revolução
política que não ocorreria, não como inspirador de movimentos e partidos, mas
como impulsionador de uma visão abrangente do mundo. Marx perdeu algo de sua
potência contestadora mas se manteve como passagem obrigatória para qualquer
atitude interessada em se debruçar criticamente sobre a sociedade.
A permanência de Marx deixou de ser alimentada por
certos recursos de reprodução simbólica e de narrativa revolucionária. Os
partidos operários de primeira e segunda gerações – o movimento operário
histórico – foram soçobrando e assumindo outras características, nas quais Marx
e Engels não podiam seguir como “patronos”. Os Estados comunistas
desapareceram. A linhagem construída pela tradição tradicional foi posta em
xeque, e Marx deixou de ser o primeiro de uma sequência que passaria
“obrigatoriamente” por Engels, Lênin, Trotsky, Stalin, Mao e Fidel, além,
evidentemente, dos secretários-gerais dos partidos comunistas. O
“marxismo-leninismo” simplesmente evaporou. Heterodoxos de todo tipo ganharam a
luz do dia e se projetaram. Foi assim com Lukács, Rosa Luxemburg, Kautsky,
Korsch e, sobretudo, Gramsci – todos eles comunistas e marxistas, mas
invariavelmente atacados pela ortodoxia como “revisionistas”.
A dissolução dessa cultura reverencial fez bem ao
marxismo. Tornou-o mais livre para ser examinado criticamente, atualizado e
revisto com critérios científicos. O marxismo perdeu a aura sagrada que tinha
antes, mas suas ideias-força incorporaram-se ao pensamento prevalecente. Não só
passamos a aceitar o poder de determinação da economia, por exemplo, como nos
tornamos mais “totalizadores” e dialéticos, enxergando a sociedade como um complexo
composto de complexos, no qual tudo interage com tudo o tempo todo. A concepção
ético-política do marxismo não teve a mesma disseminação, mas no conjunto o
pensamento de Marx mostrou-se vitorioso.
Nada disso pode ser eliminado como se fosse um
dejeto do passado. O marxismo, sua história e seu significado precisam ser, ao
contrário, devidamente assimilados, parte da cultura moderna que são. A
inquisição antimarxista atual, porém, não dispõe de envergadura teórica,
sabedoria e inteligência democrática para se por criticamente diante de Marx e
de seu legado. Opta, por isso, pela estigmatização pura e simples, com o que
chega a uma caricatura do marxismo que só faz rebaixar o nível de um debate que
precisa ser mantido e proliferar.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
*** Apresentação de Luiz Sergio Henriques
Com este livro, organizado por Raimundo Santos,
começa a se delinear em sua inteireza o perfil do veterano dirigente comunista
Armênio Guedes, uma das referências político-intelectuais decisivas de décadas
da história do velho PCB, o Partidão, muito especialmente a partir dos
duros anos de clandestinidade, ainda no Estado Novo, e em seguida do segundo
pós-guerra.
De fato, a trajetória de Armênio está ligada a
aspectos cruciais da trajetória daquele partido, como, por exemplo, aqueles que
marcaram a grande crise do movimento no “inesquecível 1956”. Como se sabe,
naquele já distante ano teve início o tímido, mas irreversível, processo de
desestalinização na “pátria do socialismo”, com a denúncia dos crimes cometidos
por Stalin durante a coletivização forçada e em outros momentos da construção
do socialismo “num só país”. E, simultaneamente, no Brasil, a conjuntura
política parecia se mover em sentido progressista, com o acelerado
desenvolvimento econômico nos quadros da Constituição liberal de 1946.
Dinamizada por este duplo impulso, a política dos
comunistas – mesmo na ilegalidade ou, no máximo, discretamente tolerados a
partir do final da década de 1950 – buscava novo fôlego e novos horizontes: aí
então encontramos, já definida, a figura de Armênio, um dos redatores da
célebre “Declaração de Março de 1958” e um dos intelectuais que trabalharam com
este singular Astrojildo Pereira em inúmeras iniciativas, como, entre outras, a
revista Estudos sociais, expressão de um sopro de renovação da cultura da
nossa esquerda.
Derrotada em 1964 a hipótese de reforma do
capitalismo, segundo um padrão que deslocasse para o próprio país as decisões
fundamentais (a questão nacional) e implicasse a incorporação da massa rural ao
sistema econômico e social (a questão democrática, entendida
“substantivamente”), eis que deparamos novamente com Armênio, explorando em
profundidade, ao lado de outros grandes dirigentes, como Luiz Inácio Maranhão e
Marco Antônio Coelho, as razões da dura derrota e os meios mais produtivos de
chegar novamente à democracia.
Estas foram questões candentes no seu tempo:
questões que levaram a maior parte do PCB, importantes dissidências à parte, a
valorizar a política de frente democrática, bem como a apontar o rumo da
resistência propriamente política ao regime ditatorial, tendo como referência a
luta pela anistia, pela legalidade de todas as forças partidárias e,
finalmente, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Aquele tempo projeta sonhos, conquistas e,
naturalmente, promessas ainda não cumpridas sobre o Brasil dos nossos dias.
Restaurado o regime de liberdades, o velho Armênio mais uma vez inova
radicalmente: nele, a expressão “comunismo democrático” perde o caráter de
oximoro de difícil entendimento. Com Armênio, penetramos numa ordem nova de
possibilidades de mudança social, enraizada no respeito à legalidade
constitucional e no método do reformismo, palavra antes maldita no repertório
clássico da esquerda de matriz bolchevique.
Na sua introdução ao volume, Raimundo Santos
mergulha no passado da experiência comunista e, ao singularizar a personalidade
de Armênio, mostra-nos que, em meio a um século dramático, como foi o século
XX, inclusive no Brasil, é possível buscar um fio condutor para as lutas
sociais nas condições muitas vezes inéditas em que vivemos.
A aposta do organizador deste livro – a nossa aposta
– é que a figura de Armênio e tudo o que ela representa estão destinadas a se
tornarem bem maiores com o aprofundamento da vida num regime de liberdades. Uma
aposta a ser feita, coletivamente, por uma esquerda democrática e reformista
ainda em construção, que trate, com atenção, o legado de Armênio.
***Luiz Sérgio Henriques É ensaísta e editor
de Gramsci e o Brasil
200
anos de Karl Marx - A Relevância do Legado Marxiano para a Contemporaneidade
TVPUC
Publicado em 4 de mai de 2018
O Materialismo Histórico e Dialético no Pensamento
de Marx Antonio Carlos Mazzeo (Serviço Social) Marx e a Previsão da Revolução
Jason Borba (FEA) Marx e a Perspectiva da Emancipação Humana Bia Abramides
(Serviço Social) A Ontologia do Ser Social Presente 'O Capital de Karl Marx'
Maria Angélica Borges (FEA) Promoção: Faculdade de Ciências Sociais APROPUC
Gravado em: 02/05/2018 - Auditório: 239
Referências
https://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/o-ano-de-marx/
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiflcJiFQzyHs_lkurGEb7zw6qSyftoT2usoHsp5sXJsnKfEat5zVEqPVBp-8WbNarkD_V0m1KTvIrPkycBXjb1LrGSGQXEYS_4-BhjURZr3_smrQRaTIseX2eM9oK7kP02c7NO6WatDCFV/s200/capa_armenio.jpg
http://gilvanmelo.blogspot.com/2012/10/o-marxismo-de-armenio-guedes-luiz.html
https://youtu.be/ofynRARsT18
https://www.youtube.com/watch?v=ofynRARsT18
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