Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
Onde está a honestidade?
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
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Onde Está a Honestidade?
Noel Rosa
Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança nem parente
Só anda de automóvel na cidade
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e até felicidade
Vassoura dos salões da sociedade
Que varre o que encontrar em sua frente
Promove festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente
Composição: Noel Rosa e Francisco Alves.
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https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/397343/
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Cedula Brasil 1 conto de reis
Machado de Assis
26 de junho de 1888
BONS DIAS!
Eu se tivesse crédito na praça pedia emprestados a casamento uns vinte contos de réis, e ia comprar libertos. Comprar libertos não é expressão clara; por isso continuo.
Conhece o leitor um livro do célebre Gógol, romancista russo, intitulado Almas Mortas? Suponhamos que não conhece, que é para eu poder expor a somente da minha idéia. Aí vai em duas palavras.
Chamam-se almas os campônios que lavram as terras de um proprietário, e pelos quais, conforme o número, paga este uma taxa ao Estado. No intervalo do lançamento do imposto, morrem alguns campônios e nascem outros. Quando há déficit, como o proprietário tem de pagar o número registrado, primeiro que se faça outro recenseamento, chamam-se almas mortas os campônios que faltam.
Tchitchikof, um espertalhão da minha marca, ou talvez maior, lembra-se de comprar as almas mortas de vários proprietários. Bom negócio para os proprietários, que vendiam defuntos ou simples nomes, por dez-réis de mel coado. Tchitchikof, logo que arranjou umas mil almas mortas, registrou-as como vivas pegou dos títulos do registro, e foi ter a um Monte de Socorro, que, à vista dos papéis legais, adiantou ao suposto proprietário uns 200.00 rublos; Tchitchikof meteu-os na mala e fugiu para onde a polícia russa o não pudesse alcançar.
Creio que entenderam; vejam agora o meu plano, que é tão fino como esse, e muito mais honesto. Sabem que a honestidade é como a chita, há de todo o preço, desde meia pataca.
Suponha o leitor que possuía duzentos escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a lei de 13 de maio. Chegava eu ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe:
— Os seus libertos ficaram todos?
— Metade, só ficaram cem. Os outros cem dispersaram-se; - consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua.
— Quer o senhor vender-mos?
Espanto do leitor, eu, explicando:
— Vender-mos todos, tanto os que ficaram, como os que fugiram.
O leitor assombrado:
—Mas, senhor, que interesse pode ter o senhor...
— Não lhe importe isso. Vende-mos?
— Libertos não se vendem.
— É verdade, mas a escritura de venda terá a data de 29 de abril nesse caso, não foi o senhor que perdeu os escravos, fui eu. Os preços marcados na escritura serão os da tabela da lei de 1885 - mas e realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um.
Calcula o leitor:
— Duzentas cabeças a dez mil-réis são dous contos. Dous conto por sujeitos que não valem nada, porque já estão livres, é um bom negócio.
Depois refletindo:
— Mas, perdão, o senhor leva-os consigo?
— Não, senhor: ficam trabalhando para o senhor; só levo escritura.
— Que salário pede por eles?
— Nenhum, pela minha parte ficam trabalhando de graça. O senhor pagar-lhes-á o que já paga.
Naturalmente, o leitor, à força de não entender, aceitava o negócio. Eu ia a outro, depois a outro, depois a outro, até arranjar quinhentos libertos, que é até onde podiam ir os cinco contos emprestados, recolhia-me à casa, e ficava esperando.
Esperando o quê? Esperando a indenização, com todos os diabos quinhentos libertos, a trezentos mil-réis, termo médio, eram cento e cinqüenta contos; lucro certo: cento e quarenta e cinco.
Porquanto, isto de indenização, dizem uns que pode ser que sim outros que pode ser que não: é por isso que eu pedia o dinheiro casamento. Dado que sim, passa e casava (com a leitora, por exemplo); dado que não, ficava solteiro e não perdia nada, porque o dinheiro era de outro. Confessem que era um bom negócio.
Eu até desconfio que há já quem faça isto mesmo, com a diferença de ficar com os libertos. Sabem que no tempo da escravidão, os escravos eram anunciados com muitos qualificativos honrosos, perfeitos cozinheiros, ótimos copeiros, etc. Era, com outra fazenda, o mesmo que fazem os vendedores, em geral: superiores morins, lindas chitas, soberbos cretones. Se os cretones, as chitas e os escravos se anunciassem não poderiam fazer essa justiça a si mesmos.
Ora, li ontem um anúncio em que se oferece a aluguel não me lembra em que rua — creio que na do Senhor dos Passos, — uma insigne engomadeira. Se é falta de modéstia, eis aí um dos tristes frutos da liberdade, mas se é algum sujeito que já se me antecipou.
Larga Tchitchikof de meia tigela! Ou então vamos fazer o negócio a meias.
BOAS NOITES.
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DIÓGENES, O CÍNICO
Machado de Assis
26 de julho de 1896
Apaguemos a lanterna de Diógenes; achei um homem. Não é príncipe, nem eclesiástico, nem filósofo, não pintou uma grande tela, não escreveu um belo livro, não descobriu nenhuma lei científica. Também não fundou a efêmera república do Loreto, conseguintemente não fugiu com a caixa, como disse o telégrafo acerca de um dos rebeldes, logo que a província se submeteu às autoridades legais do Peru. O ato da rebeldia não foi sequer heróico, e a levada da caixa não tem merecimento é a simples necessidade de um viático. O pão do exílio é amargo e duro; força é barrá-lo com manteiga.
Não, o homem que achei, não é nada disso. É um barbeiro, mas tal barbeiro que, sendo barbeiro não é exatamente barbeiro. Perdoai esta logomaquia; o estilo ressente-se da exaltação da minha alma. Achei um homem. E importa notar que não andei atrás dele. Estava em casa muito sossegado, com os olhos nos jornais e o pensamento nas estrelas quando um pequenino anúncio me deu rebate ao pensamento, e este desceu mais rápido que o raio até o papel. Então li isto: "Vende-se uma casa de barbeiro fora da cidade, o ponto é bom e o capital diminuto; o dono vende por não entender..."
Eis aí o homem. Não lhe ponho o nome, por não vir no anúncio, mas a própria falta dele faz crescer a pessoa. O ato sobra. Essa nobre confissão de ignorância é um modelo único de lealdade, de veracidade, de humanidade. Não penseis que vendo a loja (parece dizer naquelas poucas palavras do anúncio) por estar rico, para ir passear à Europa, ou por qualquer outro motivo que à vista se dirá, como é uso escrever em convites destes. Não, senhor; vendo a minha loja de barbeiro por não entender do ofício. Parecia-me fácil, a princípio: sabão, uma navalha, uma cara, cuidei que não era preciso mais escola que o uso, e foi a minha ilusão, a minha grande ilusão. Vivi nela barbeando os homens. Pela sua parte, os homens vieram vindo, ajudando o meu erro; entravam mansos e saíam pacíficos. Agora, porém, reconheço que não sou absolutamente barbeiro, e a vista do sangue que derramei, faz-me enfim recuar. Basta, Carvalho (este nome é necessário à prosopopéia), basta, Carvalho! É tempo de abandonar o que não sabes. Que outros mais capazes tomem a tua freguesia...
A grandeza deste homem (escusado é dizê-lo) está em ser único. Se outros barbeiros vendessem as lojas por falta de vocação, o merecimento seria pouco ou nenhum. Assim os dentistas. Assim os farmacêuticos. Assim toda a casta de oficiais deste mundo, que preferem ir cavando as caras, as bocas e as covas, a vir dizer chãmente que não entendem do ofício. Esse ato seria a retificação da sociedade. Um mal barbeiro pode dar um bom guarda-livros, um excelente piloto, um banqueiro, um magistrado, um químico, um teólogo. Cada homem assim devolvido ao lugar próprio e determinado. Nem por sombras ligo esta retificação dos empregos ao fato do envenenamento das duas crianças pelo remédio dado na Santa Casa de Misericórdia. Um engano não prova nada: e se alguns farmacêuticos autores de iguais trocas, têm continuando a lutuosa faina, não há razão para que a Santa Casa entregue a outras pessoas a distribuição dos seus medicamentos, tanto mais que pessoas atuais os não preparam, e, no caso ocorrente, o preparado estava certo: a culpa foi das duas mães. A queixa dada pela mãe da defunta terá o destino desta, menos as pobres flores que Olívia houver arranjado para a sepultura da vítima. Também há céu para as queixas e para os inquéritos. O esquecimento público é o responso contínuo que pede o eterno descanso para todas as folhas de papel despendidas com tais atos.
Sobre isto de inquéritos, perdi uma ilusão. Não era grande; mas as ilusões, ainda pequenas dão outra cor a este mundo. Cuidava eu que os inquéritos eram sempre feitos, como está escrito, pelo próprio magistrado, mas ouvi que alguns escrivães (poucos) é que os fazem e redigem, supondo presente a pessoa que falta como no whist se joga com um morto. Creio que é por economia de tempo, e tempo é dinheiro, dizem os americanos. O maior mal desse ato é não ser verídico, não o ser ilegal ou irregular. Se as dores humanas se esquecem, como se não hão de esquecer as leis? E dado seja simples praxe, as praxes alteram-se. O maior mal, digo eu, é não ser verídico, posto que aí mesmo se possa dizer que a verdade aparece muita vez envolta na ficção, e deve ser mais bela. As Décadas não competem com os Lusíadas.
O ideal da praxe é a cabeleira do speaker. Os ingleses mudarão a face da terra, antes que a cabeça do presidente da Câmara. Este há de estar ali com a eterna cabeleira branca e longa, até meia-noite, e agora até mais tarde, se é exato o telegrama desta semana, noticiando haver a Câmara dos Comuns resolvido levar as sessões além daquele limite. Não é que o não tenha feito muitas vezes; basta um exemplo célebre. Quando Gladstone deitou abaixo Disraeli em 1852, acabou o seu discurso ao amanhecer, — um triste e frio amanhecer de inverno, que arrancou ao ministro caído esta palavra igualmente fria: "Ruim dia para ir a Osborne!" Agora vai ser sempre assim, tenham ou não os ministros de ir a Osborne pedir demissão. E o presidente firme, com a eterna cabeleira metida pela cabeça abaixo. Sim, eu gosto da tradição; mas há tradições que aborrecem, por inúteis e cansativas. De resto, cada povo tem as suas qualidades próprias e a diferença delas é que faz a harmonia do mundo. Desculpai o truísmo e o neologismo.
Mas eu que falo humilde, baixo e rude, devia lembrar-me, a propósito de inquéritos, que a clareza do estilo é uma das formas da veracidade do escritor. Parece-me ter falado um tanto obscuramente na semana passada acerca das prédicas do Padre Júlio Maria em Porto Alegre. Alguns amigos supuseram ver uma crítica ao padre naquilo que era apenas uma alusão às palmas na igreja, e ainda assim por causa de meu ouvido, que já está bom, dou-lhes esta notícia. Que culpa tem o padre de ser eloqüente? Ainda agora acabo de ler o discurso que ele proferiu na Santa Casa, em juiz de Fora, a 5 de janeiro deste ano. O assunto era velho: a caridade. Mas o talento está em fazer de assuntos velhos assuntos novos, — ou pelas idéias ou pela forma, e o Padre Júlio Maria alcançou este fim por ambos os processos. Também ali foi aplaudido. Em verdade, se ele prefere os discursos como os escreve, é natural que os próprios ouvintes de Porto Alegre se sentissem arrebatados e esquecessem o templo pela palavra que o enchia. Um ouvido curado faz justiça a todos.
E já que falo em palmas convido-os a enviá-las ao Congresso de São Paulo, que votou ou está votando a estátua do Padre Anchieta. Ó Padre Anchieta, ó santo e grande homem, novo mundo não esqueceu teu apostolado. Aí vais ser esculpido em forma que relembre a cultos e incultos o que foste e o que fizeste nesta parte da terra. Os paulistas bem merecem da história. Não é só a piedade que lhes agradecerá; também a justiça reconhecerá esse ato justo. Tão alta e doce figura, como a do Padre Anchieta, não podia ficar nas velhas crônicas, nem unicamente nos belos versos de Varela. Mais palmas a S. Paulo, que acaba de votar o subsídio e a pensão a Carlos Gomes e seus filhos. Salvador de Mendonça, um dos que saudaram a aurora do nosso maestro (há quantos anos!), mandou no serum dos cancerosos de New York uma esperança de cura para o autor do Guarani.
Oxalá o encaminhe à vida, como o encaminhou à glória. E, pois que trato de música, palmas ainda uma vez ao nosso austero hóspede Moreira de Sá, que teve a sua festa há quatro dias. A crítica disse o que devia do artista, a imprensa tem dito o que vale o homem. Eu subscrevo tudo, tão viva, trago comigo a sensação que me deu o seu violino mestre e mágico.
Enfim, e porque tudo acaba na morte, uma lágrima por aquele que se chamou Dr. Rocha Lima. Não sei se lágrima; quando se padece tanto e tão longamente, a morte é liberdade, e a liberdade qualquer que seja a sua espécie, é o sonho de todos os cativos. Rocha Lima deve ter sonhado durante a agonia de tantos meses, com este desencadeamento que lhe tirou um triste suplício inútil.
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Santa Casa foi fundada há 166 amos pelo Barão da Bertioga (Fotos: Acervo Santa Casa)
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https://tribunademinas.com.br/especiais/publieditoria/01-06-2020/santa-casa-e-juiz-de-fora-uma-historia-de-cuidado-e-carinho-com-a-populacao.html
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Machado de Assis - um Homem Honesto [crônica]
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Leitura (Audiobook) da crônica de Machado de Assis - um Homem Honesto - por Le Conde.
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https://www.youtube.com/watch?v=977HGJg5lxY
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Onde está a honestidade?
Beth Carvalho
Letra, canción
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Música e Trabalho: Onde está a honestidade? (Beth Carvalho)
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O poeta Noel Rosa já observava, em sua época, a incoerência entre as origens, o discurso e o modo de vida de certos políticos corrompidos e deslumbrados pelo poder. E com um samba afiado denuncia, na voz de Beth Carvalho.
Onde Está a Honestidade?
(Composição: Noel Rosa e Francisco Alves/1933)
Intérprete Beth Carvalho
Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança nem parente
Só anda de automóvel na cidade
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e até felicidade
Vassoura dos salões da sociedade
Que varre o que encontrar em sua frente
Promove festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente
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https://www.youtube.com/watch?v=sbgAEye09fw
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