Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
O fim da guerra e a antecipação da batalha por 2022
No início do mandato, movido pela euforia, Bolsonaro optou por uma “guerra de movimento” cujo objetivo era o estabelecimento de um regime iliberal autoritário. Confrontou o STF, o Congresso e um conjunto de instituições. Sem uma milícia realmente atuante nos padrões do fascismo, exagerou e teve que mudar de estratégia: adotou gradativamente a “guerra de posições”.
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Alberto Aggio*
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- Blog Horizontes democráticos
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A mudança necessitava novos arranjos. Mas veio a pandemia e o cenário se complicou. Uma ruinosa gestão sanitária o impediu de ganhar posições significativas, vieram as fraturas no governo e a queda na popularidade. A derrota nas eleições municipais sinalizou que só havia uma saída: aprofundar suas relações com os partidos do Centrão para garantir uma blindagem contra o impeachment, mantendo ainda o discurso reacionário para assegurar suas bases originais.
A “guerra de posições” dá agora seus primeiros resultados positivos: a vitória nas eleições para as presidências da Câmara dos deputados e do Senado. Na Câmara, venceu com candidato próprio e no Senado com quem não o fustiga diretamente. Mas, o mais importante é que derrotou em campo aberto tanto Rodrigo Maia, ex-presidente da Casa, quanto João Doria Jr., governador de São Paulo, visto por Bolsonaro como seu principal antagonista na corrida presidencial de 2022.
Apesar de ir em sentido contrário à queda na popularidade denotada nas pesquisas, a vitória no Legislativo altera muita coisa. A “aliança” com o Centrão relativiza o discurso bolsonarista como a única voz do poder. Apesar de ensaios, a bolsonarização de políticos do Centrão não parece ter estofo para se manter. Mas a reviravolta dá claros poderes a um grupo político que vive de recursos e cargos. Para se blindar, Bolsonaro cede poder e sua metamorfose ganha nova figuração.
Tudo parece indicar que, com a conquista da Câmara e a neutralização do Senado, a guerra cede lugar à política, a uma política pragmática que pode ir do conluio dos negócios privados à retomada de um discurso da “tradição republicana brasileira” (Werneck Vianna) de elogio à modernização e ao moderantismo. A partir de agora, o poder terá que buscar o equilíbrio entre os atores que dão sustentação ao governo: o Centrão, com sua imensa diferenciação de personagens; os militares governistas, deslizando para uma posição coadjuvante; e o bolsonarismo raiz, em posição secundária. Não à toa projeta-se uma reorganização ministerial que poderá mudar inteiramente a cara do governo, embora não se saiba ainda o que irá prevalecer: se Bolsonaro será capaz de comandar o Centrão ou se o Centrão subordinará Bolsonaro ou mesmo o anulará.
Uma mirada mais ampla, que ultrapasse a conjuntura, poderia apresentar avaliações curiosas. Uma delas diz que Bolsonaro poderia ter estabelecido um “governo militar sem AI5” e que a “alternativa Centrão” salvou o país de um “ensaio fascista”. Assim, o Bolsonaro que deve se apresentar em 2022 carregará as ambiguidades das metamorfoses que sofreu e não tem como ser idêntico ao de 2018.
Desnecessário dizer que o cenário se alterou também para as forças que se mostravam contrarias a Bolsonaro. O comportamento divisionista do Democratas, especialmente na Câmara, quebrou a espinha dorsal do bloco oposicionista que deveria agregar MDB, PSDB além de parte da esquerda. A derrota acarreta duras repercussões às forças do campo democrático, ampliando suas dificuldades de coesão. O Senado escapou da debacle porque o candidato eleito mostrou-se distinto do bolsonarismo e maleabilidade suficiente para não confrontá-lo.
A resultante é de aprofundamento das divisões no interior do “centro político” e entre este e a esquerda, além das discrepâncias internas em cada força política, o que faz emergir um conjunto de novos atritos e dificuldades, tardando a que se encontre um novo rumo. Nesse cenário, se a sedução por um oposicionismo frouxo a Bolsonaro aumenta, a fórmula salvadora da “frente democrática” se mostra de difícil efetivação.
Num contexto de “democracia de audiência” e de aberta competição eleitoral, a ideia de frente democrática só tem sentido se for ressignificada. Sabendo que não partirá do PT – ele nunca aceitou a lógica e a composição das frentes contra o autoritarismo –, só terá lugar se o centro político conseguir formata-la em torno de uma candidatura competitiva que apresente propostas de superação da crise sanitária e econômica, e avance uma pauta concreta de reformas que reorganize o Estado, enfrentando a desigualdade social e recolocando o país numa perspectiva de cooperação mundial, recuperando sua vocação cosmopolita perdida nos últimos anos.
Caso contrário, restarão essas premissas como referencial às candidaturas de perfil democrático contra a de Bolsonaro, na expectativa de que o nosso sistema eleitoral de dois turnos seja terreno para uma competição eleitoral que não impeça a unidade em torno de uma proposta reformista em favor da reorganização política da Nação.
*Alberto Aggio, historiador, professor da Unesp
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domingo, 14 de fevereiro de 2021
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https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/02/alberto-aggio-o-fim-da-guerra-e.html
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O general Villas Bôas e o labirinto em que se meteu
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Nota para intimidar o Supremo Tribunal Federal era mais incendiária do que foi
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Ricardo Noblat
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- Blog do Noblat / Veja
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15 fev 2021, 05h09 - Publicado em 15 fev 2021
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Jair Bolsonaro com o ex-comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, na comemorações do Dia da Cavalaria e do 211º Aniversário do 1º RCG - 10/05/2019 Carolina Antunes/PR
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Reverenciado pela oposição e a mídia como um líder moderado e defensor da democracia à sua época de comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas conta em livro de memórias que a nota que divulgou em abril de 2018 para coagir o Supremo Tribunal Federal a não beneficiar Lula era mais incendiária na versão original. Deixou de ser por pressão de seus colegas.
Três ministros do governo Bolsonaro, todos, hoje, generais da reserva, foram consultados sobre a nota e, segundo Villas Bôas, o aconselharam a amenizá-la: Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral de Itaipu; Fernando Azevedo, então chefe do Estado Maior e agora ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria do Governo. Ramos respondia pelo Comando Militar do Leste.
No dia 4 de abril daquele ano, a seis meses do primeiro turno da eleição presidencial, o Supremo julgaria uma ação que, se aceita, revogava a possibilidade de prisão de condenado em segundo instância. Lula já fora condenado em segunda instância no processo do tríplex do Guarujá. Se o Supremo recusasse a ação, ele poderia ser preso e ficar impedido de concorrer com Bolsonaro.
A versão suavizada da nota de Villas Bôas, postada no Twitter na véspera do dia do julgamento, foi uma clara advertência aos ministros do Supremo: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”
E concluía sem ter o cuidado de disfarçar a intenção golpista do seu autor: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Imagine a versão abortada da nota original…
Uma vez que o Supremo, por 6 votos contra 5, manteve a prisão de condenado em segunda instância, Lula foi preso e levado para Curitiba em 7 de abril, ali permanecendo por 580 dias. Liderou as pesquisas de intenção de voto até meados de agosto. Apoiou então a candidatura de Fernando Haddad. Bolsonaro venceu Haddad no segundo turno. Villas Bôas e os generais celebraram a vitória.
Missão que se propuseram (evitar que a esquerda voltasse ao poder), missão cumprida com êxito! Villas Bôas reconhece que Lula como presidente foi generoso com as Forças Armadas dando-lhes dinheiro para a compra de equipamentos. Critica Dilma por ter instalado a Comissão Nacional da Verdade que investigou casos de tortura e de mortos pela ditadura militar de 64.
A ojeriza dos militares brasileiros à esquerda é uma questão ideológica que data do início do século passado. A revolução comunista russa foi em 1917. O Partido Comunista do Brasil é de 1922. Em 1935, uma intentona comunista tentou depor o governo de Getúlio Vargas, mas fracassou. Na 2ª Guerra Mundial, militares brasileiros e comunistas russos lutaram contra Hitler.
Logo depois começou a chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e seus aliados, um deles o Brasil, e a União Soviética e seus aliados. Capitalismo x comunismo. A União Soviética desmoronou em 1991. O mundo tornou-se unipolar. A China se diz comunista, mas é tão capitalista quanto os Estados Unidos e, em breve, sua economia será a maior do planeta.
O comunismo, hoje, resiste em Cuba, na Coreia do Norte e onde mais? Serve de espantalho a governantes autoritários que querem se perpetuar no poder, e aos seus apoiadores, fardados ou não. Serve também de aríete para corroer a democracia mundo afora.
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https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/02/ricardo-noblat-o-general-villas-boas-e.html
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domingo, 14 de fevereiro de 2021
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Elio Gaspari - Villas Bôas contou, reviu e errou
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- O Globo / Folha de S. Paulo
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O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas. Num caso, porém, sua memória (revista) falhou feio.
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Está nas livrarias “General Villas Bôas: Conversa com o comandante”. É o resultado de 13 horas de entrevistas do professor Celso Castro com o general Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2015 a 2019. O texto foi revisto pelo general até maio de 2020 e devolvido com acréscimos que engordaram o livro em 30%.
“VB”, como é chamado pelos colegas, rememora sua vida, da infância de Cruz Alta aos dias tensos do impedimento de Dilma Rousseff e da eleição de Jair Bolsonaro.
Ele tratou do seu famoso tuíte de 2018, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (“um alerta, muito antes que uma ameaça”) e do agradecimento que Bolsonaro lhe fez pouco depois de ter sido empossado:
“Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por estar aqui. Muito obrigado, mais uma vez.”
O general explicou: “Morrerá entre nós! Garanto que não foi um tema de caráter conspiratório.”
O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas.
Num caso, porém, sua memória (revista) falhou feio. Ele conta:
“O presidente Sarney relata que, após a morte de Tancredo Neves, houve uma reunião para deliberar como se processaria a nova sucessão. O deputado Ulysses Guimarães tentou impor sua posição que consistia na realização de um novo pleito. O ministro Leônidas (general Leônidas Pires Gonçalves) posicionou-se no sentido de que, conforme a legislação vigente, o cargo de presidente caberia ao senador Sarney (que havia sido eleito para a vice-presidência). Ato contínuo, voltou-se para ele, prestando uma continência disse: ‘Boa noite, presidente.’ Com seu arbítrio, o fato estava consumado, o que assegurou uma transição sem percalços”.
Sarney nunca relatou isso. Ele vestiu a faixa na manhã de 15 de março de 1985, e Tancredo só morreu no dia 21 de abril.
As incertezas com relação à posse do dia 15 foram desencadeadas na noite da véspera, quando Tancredo foi levado para o Hospital de Base de Brasília, para uma cirurgia de emergência. A posse estava marcada para horas depois.
Sarney chegou ao hospital às 21h30m.
Nas suas palavras:
“Lá encontro Ulysses. Tenho os olhos marejados. Rasga-me a alma o sofrimento de Tancredo. Ulysses me desperta ríspido: ‘Sarney, não é hora de sentimentalismos. Nossa luta não pode morrer na praia. Temos de tomar decisões. Você assume amanhã, como manda a Constituição, na interinidade do Tancredo.’
‘Não, Ulysses, assume você. Só assumo com Tancredo.’
‘Você não pode acrescentar problemas aos que estamos vivendo. É a democracia que temos de salvar.’”
O general Leônidas, ministro do Exército escolhido por Tancredo, jantava na Academia de Tênis quando soube que o presidente eleito estava no hospital. Foi para lá defendendo a posse de Sarney. Conseguiu uma gravata emprestada e seguiu com uma pequena comitiva de políticos para um encontro com o chefe da Casa Civil, professor Leitão de Abreu. Sarney ficou no hospital e depois foi para casa.
Leitão estava em dúvida (ou fingia estar em dúvida), se deveria ser empossado o vice ou o presidente da Câmara (Ulysses). Nesse encontro Ulysses e Leônidas queriam a posse do vice-presidente. Fernando Henrique Cardoso testemunhou a cena. Ela aconteceu nas primeiras horas da madrugada do dia 15. Àquela altura, achava-se que em alguns dias Tancredo estaria recuperado.
Às 3h da madrugada tocou o telefone na casa de Sarney. Era o general Leônidas, que começou a conversa com um “boa noite, presidente”. Sarney repetiu que não queria assumir, e Leônidas disse-lhe que “não temos espaço para erros”. Despediu-se com outro “boa noite, presidente.”
A cena contada por Villas Bôas nunca aconteceu. Tancredo não estava morto. Ulysses nunca quis uma nova eleição e sempre defendeu a posse de Sarney. O general Leônidas era formal, mas não dava continência falando ao telefone.
O Lavajatismo de Bretas
Enquanto o Supremo Tribunal Federal resolvia o destino das conversas promíscuas de procuradores de Curitiba, algumas das quais envolvem o ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes dava uma entrevista a Felipe Recondo e Fábio Zambeli. Nela, descascou as impropriedades praticadas durante a Operação Lava-Jato e perguntou:
“Como nós chegamos até aqui? (...) O que nós fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso que se produziu. (....) Sabiam que estavam fazendo uma coisa errada, mas fizeram.”
Gilmar reconheceu as limitações do Judiciário, condenou a “blindagem” com que a imprensa protegeu a turma da Lava-Jato e foi ao essencial: “O que nós devemos fazer para evitar que esse fenômeno se repita?”
Nesse mesmo dia, o juiz Marcelo Bretas, lavajatista do Rio de Janeiro, ouvia o ex-governador Luiz Fernando Pezão. A certa altura, Pezão disse ter certeza de que seu parceiro Sérgio Cabral e dois de seus colaboradores haviam combinado as versões de suas delações enquanto estavam na cadeia.
Pezão estava no meio do seu raciocínio quando o procurador Carlos Aguiar interrompeu-o, dizendo que ele estava fazendo “juízo de valor sobre as colaborações”.
Vá lá, porque é conhecido o espírito de corpo do Ministério Público, mas o juiz Bretas entrou no diálogo, informando a Pezão que não lhe cabia, como testemunha, avaliar se a colaboração “é justa ou correta”. Vá lá, juízes adoram dar aulas, mas Bretas foi adiante:
“É preciso ter cuidado quando se afirma que certa irregularidade aconteceu, porque é preciso provar.”
Em seguida, Pezão mudou o tom.
O repórter Athos Moura noticiou o fato. O que aconteceu?
Nadinha, pois, tomando cuidado, chegara-se àquilo.
Faz tempo que se chega.
Em 1974, quando Elzita Santa Cruz de Oliveira procurava seu filho Fernando, escreveu cartas a chefes militares contando seu caso, e um tenente-coronel acusou-a de caluniar o Exército, pois “seria desonrar todo nosso passado de tradições, se nos mantivéssemos calados diante de injúrias ora assacadas contra nossa conduta de soldados da Lei e da Ordem que abominam o arbítrio, a violência e a prepotência”.
Meses depois, o mesmo tenente-coronel estava na sala do comandante do II Exército, general Ednardo D’Avila Mello, quando o ministro Sylvio Frota interpelou-o por que um oficial da Polícia Militar de São Paulo “tinha sido insultado e agredido a socos durante um interrogatório” no DOI.
Nas palavras de Frota:
“Não é possível, Ednardo, que isso aconteça! Você deve tomar enérgicas providências. É preciso mudar, logo, alguns dos oficiais que trabalham no DOI; substituí-los, porque estão ocorrendo exageros que não podemos admitir.”
Fernando, filho de Elzita, era o pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Nunca foi encontrado.
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https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/02/elio-gaspari-villas-boas-contou-reviu-e.html
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
Marcus André Melo* - Ministérios e corrupção
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- Folha de S. Paulo
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Partilha de poder não produz necessariamente corrupção; ausência de controles sim
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O toma lá dá cá tradicional foi um dos alvos de Bolsonaro em 2018, e uma das suas medidas iniciais foi o enxugamento do portfólio ministerial de 39, sob Dilma, para 22 pastas. Na ausência de parceiros partidários, sua opção foi nomear para os ministérios e estatais os únicos atores que conhecia: os militares. Sim, esta foi a principal razão para esta escolha, na qual muitos analistas só enxergaram autoritarismo e ameaça à democracia. Também ocuparam ministérios soldados da guerra cultural.
A redução no número de ministérios representou uma camisa de força para o presidente quando ele se viu impelido a romper com a paralisia decisória em seu governo e a formar um escudo legislativo contra as instituições de controle. Agora terá que expandir aquele número.
Em princípio, não há nada perverso na partilha do portfólio ministerial com parceiros. É assim na Dinamarca; é assim na Itália. Aliás, o caso italiano atual é ilustrativo: o minúsculo Viva Itália, que detinha 2 pastas ministeriais (total = 22) e 3% de apoio no eleitorado, acaba de sair do governo, provocando sua queda.
Governo de coalizão é a norma e a solução para sociedades plurais. Quase 2/3 das democracias são presidencialistas ou semipresidencialistas; o resto é parlamentarista. Neste grupo as coalizões multipartidárias chegam a 80%; no primeiro chega a mais da metade.
Metade dos gabinetes na Europa entre 1944 e 2005 contava com menos de 17 pastas ministeriais. O tamanho dos gabinetes é função da intensidade de conflitos no interior dos partidos e entre eles. No primeiro caso para manter disciplina; no segundo, na montagem da própria coalizão, como mostram Indridason e Bowler.
A patologia dos ministérios hiperdimensionados e disfuncionais fica clara em contextos ultrafragmentados —onde o conflito é não só partidário mas tribal— e onde o estado de direito não está enraizado. O gabinete confunde-se com predação: são 71 ministérios em Uganda, 54 na Nigéria, etc. Arranjos predatórios evitam a escalada do conflito, como argumenta Leonardo Arriola, mas o impacto sobre o desenvolvimento é previsível e perverso.
No Brasil, a barganha sobre as pastas ministeriais e diretorias de estatais degenerou em distribuição do butim —o Petrolão pintado por Malu Gaspar em detalhes em “A Organização” é estarrecedor— mas isso não quer dizer que a formação de gabinetes multipartidários seja sempre marcada pela corrupção. O que garante que em países como a Holanda ou Dinamarca não seja assim são as instituições de controle e o império da lei.
Estávamos rompendo com o regime de predação, mas o assalto à Lava Jato prenuncia seu retorno.
*Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/02/marcus-andre-melo-ministerios-e.html
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Sérgio Abranches: "Bolsonaro não fez uma coalizão, ele fez um acordo de cumplicidade."
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Marco Antonio Villa
577 mil inscritos
O nascimento do conceito de "Presidencialismo de Coalizão."
A cultura política brasileira.
O federalismo no Brasil.
Bolsonaro, o Centrão e o presidencialismo de coalização.
O cenário eleitoral de 2022.
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https://www.youtube.com/watch?v=9MjV_iepKpQ
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ADEUS, NAZI-FASCISTAS: HÁ 75 ANOS, BRASIL CANTAVA O ‘FIM’ DA SEGUNDA GUERRA
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Pedro Paulo Malta
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Tocar fonogramas
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Fonte:
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IMS INSTITUTOMOREIRASALLES
Lá se vão 75 anos desde a melhor notícia de 1945: foi numa segunda-feira, dia 7 de maio, que circularam os primeiros jornais brasileiros anunciando a rendição das tropas alemãs na Segunda Guerra Mundial. “Acabou a Guerra!”, exclamou O Globo em sua primeira página (reproduzida na imagem deste post), numa edição extra publicada naquele dia. Terminavam, enfim, os combates na Europa, confirmando-se a expectativa geral criada a partir de fatos então recentes, como as mortes de Benito Mussolini (fuzilado, no dia 28 de abril) e Adolf Hitler (dois dias depois, por suicídio). O fim da guerra só se consumaria de fato no dia 2 de setembro daquele ano, com a rendição das tropas japonesas, mas a derrota de nazistas e fascistas serviu de motivo para boa parte mundo comemorar – já em maio – a volta da paz.
Aqui na música brasileira, no entanto, já se cantava vitória nos anos anteriores. Como em outubro de 1943, quando a dupla Zé e Zilda lançou o divertido “Fim do Eixo”, samba-choro do próprio Zé da Zilda (ou José Gonçalves, como assinava suas composições) que zombava por antecipação da derrota do bloco formado por Alemanha, Itália e Japão. Como numa charge, a letra descreve seus respectivos líderes já derrotados, fazendo trabalhos forçados na Pedreira São Diogo:
Hitler com uma broca na mão
Uma marreta, uma enxada e um enxadão
E Mussolini numa grande sinuca
Bancando o mestre‐cuca
Em volta de um caldeirão de macarrão
E Hirohito no carrinho de mão
Carregando macadame
Para encher um caminhão
Quem também cantou vitória antes da hora foi Francisco Alves, que em 20 de novembro de 1944 entrou no estúdio da Odeon para gravar “A guerra acaba amanhã”, samba de Herivelto Martins e Grande Otelo lançado em disco em janeiro de 45. Diferentemente do quadro humorístico pintado na música anterior, nesta é mais forte o apelo emotivo, especialmente na referência aos soldados brasileiros, que desde julho de 1944 engrossavam as tropas aliadas nos campos de batalha italianos. “Nossos irmãos haveremos de abraçar”, canta o Rei da Voz, antes de prever que a festa será ao som de samba: “Trocaremos seus cantis, suas mochilas, seus fuzis... Por tamborins, pandeiros e violões.”
Outro lançamento de janeiro de 1945 que antecipou o resultado da Segunda Guerra foi “Vitória”, samba melodioso de Saint-Clair Senna gravado por Manoel Reis que, com vozeirão à Francisco Alves, é acompanhado pelo conjunto Napoleão e Seus Soldados Musicais, do maestro e trompetista Napoleão Tavares. Seguindo a tradição das canções ufanistas posteriores a 1939 (ano de “Aquarela do Brasil”), neste samba abundam as referências pictóricas, a começar pela introdução cantada:
Rompe a aurora fulgurante
Lá no céu do meu Brasil
E um jovem brasileiro
Que foi para a Guerra
Empunhando um fuzil
Sorriu pra mim e cantou assim...
Igualmente grandiloquente é a marcha-hino “Paz”, uma parceria de Aldo Cabral e Benedito Lacerda entoada pelo cantor Ericsson Martha que guarda a peculiaridade de ter sido gravada no dia 9 de maio de 1945, ou seja, apenas dois dias após o fim dos combates. “Graças a Deus findou a Guerra... Emudeceram os canhões!”, saúda a marcha, lançada em disco no mês de julho.
Outra gravação feita em cima do laço foi a do samba “A vitória é nossa”, composição de Príncipe Pretinho levada ao estúdio no dia 11 de maio de 1945, quando foi cantada pelo Trio de Ouro, em sua primeira formação: Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas. “O samba só pode ir para a frente, porque para trás o samba não pode andar”, diz a letra, com versos que, como observa o jornalista Franklin Martins (no livro “Quem foi que inventou o Brasil”), revelam uma contradição que seria decisiva para o fim do Estado Novo, regime no qual Getúlio Vargas comandava o país com mão de ferro, desde 1937: “Afinal, não fazia sentido lutar pela democracia na Itália e viver sob uma ditadura no Brasil.”
A dupla de compositores Wilson Batista e Haroldo Lobo também previu os ventos do pós-guerra soprando por aqui no samba “Cabo Laurindo”, mais uma composição feita sobre o fim da Segunda Guerra, esta centrada na figura de um personagem fictício: o sambista-combatente Laurindo, “amigo da verdade, defensor da liberdade”. “Dizem que lá no morro vai haver transformação”, canta Jorge Veiga, na gravação realizada em 18 de junho de 1945 e lançada no mês seguinte. Também ficcional é a história contada no “Samba da vitória” (Waldemar Silva e Ari Monteiro), que saiu em dezembro daquele ano com o próprio pracinha – interpretado por Roberto Paiva – dizendo com emoção que, depois de cantar o samba em Berlim, foi recebido com abraços pela doce amada: “Eu não sabia se sorria ou se chorava de emoção...”
Já do universo sertanejo vem a moda viola “Vitória final”, composição de Benedito Mendonça e Raul Torres (este último cantor da gravação, em dueto com Florêncio) que resenha o fim da “grande guerra mundiar”, como diz a letra, em português matuto. Gravada em 19 de setembro de 1945, com lançamento em dezembro daquele ano, a música faz referência a líderes vitoriosos: do presidente brasileiro, Getúlio Vargas (“governador popular”) ao recém-falecido estadunidense Franklin Roosevelt (“morreu no trabalho”), passando pelo soviético Josef Stalin (“valoroso marechar”) e o monarca britânico George VI, que na letra é simplesmente o “rei Jorge”.
Outro capítulo importante do pós-guerra mencionado pelos compositores da época foi o “carnaval da vitória”, como ficou conhecida a folia de 1946, na qual os brasileiros aproveitaram para extravasar as emoções provocadas durante os conflitos. Houve até a ameaça de suspensão do carnaval durante a guerra, como lembra o compositor Janet de Almeida no samba “Deus que me dê saúde”, no qual o folião – na voz do próprio Janet – relata que “andava tão tristinho, sem vontade de sambar”, mas agora vai se acabar. Gravação lançada em dezembro de 1945, assim como o samba “Carnaval da vitória” (Leonel Trombone e Rubens Santos), que – cantado por Rubens Santos – era mais um que mirava o mês de fevereiro de 1946:
Está provada a nossa fibra de herói
E regressamos todos cobertos de glória
De norte a sul gritam todos os brasileiros
Vamos festejar o carnaval da vitória!
Um convite em forma de versos que, como podemos ouvir aqui no site da Discografia Brasileira, é também um registro do orgulho que os brasileiros sentiram pela contribuição do país na luta contra a tirania.
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TITULO / AUTOR
INTÉRPRETE
ACOMPANHAMENTO
ANO
FIM DO EIXO
(José Gonçalves)
Zé / Zilda
Regional
1943
A GUERRA ACABA AMANHÃ
(Herivelto Martins, Grande Otelo)
Francisco Alves
Abel com Claudionor Cruz e Seu Conjunto
1945
VITÓRIA
(Saint-Clair Senna)
Manoel Reis
Napoleão e Seus Soldados Musicais
1945
PAZ
(Benedito Lacerda, Aldo Cabral)
Ericsson Martha
Benedito Lacerda e Sua Orquestra
1945
A VITÓRIA É NOSSA
(Príncipe Pretinho)
Trio de Ouro
Benedito Lacerda e Seu Conjunto com Abel
1945
CABO LAURINDO
(Haroldo Lobo, Wilson Batista)
Jorge Veiga
Benedito Lacerda e Seu Conjunto
1945
SAMBA DA VITÓRIA
(Waldemar Silva, Ari Monteiro)
Roberto Paiva
Benedito Lacerda e Seu Grande Conjunto
1945
VITÓRIA FINAL
(Raul Torres, Benedito G. Mendonça)
Raul Torres / Florêncio
Conjunto
1945
DEUS QUE ME DÊ SAÚDE
(Janet de Almeida)
Janet de Almeida
Benedito Lacerda e Seu Grande Conjunto
1945
CARNAVAL DA VITÓRIA
(Leonel Trombone, Rubens Santos)
Rubens Santos
Conjunto
1945
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