segunda-feira, 22 de julho de 2019

Um silêncio esperando no ar




Política, sexo e religião

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo”

Clássico da sociologia brasileira, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, é uma obra polêmica desde sua primeira edição, em 1933, pois desnudou aspectos da formação da sociedade que a elite da época se recusava a considerar. Teve mais ou menos o mesmo impacto de Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançado em 1902, a maior e mais importante reportagem já escrita no Brasil. Seu autor descreveu com riqueza de detalhes as características do sertão nordestino e de seus habitantes, além de narrar, como testemunha ocular, a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, uma tragédia nacional.

Nas palavras de Antônio Cândido, o lançamento de Casa-Grande & Senzala “foi um verdadeiro terremoto”. À época, houve mais críticas à direita do que à esquerda; com o passar do tempo, porém, Freyre passou a ser atacado por seu conservadorismo. Essa é uma interpretação errônea da obra, por desconsiderar o papel radical que desempenhou para desmistificar preconceitos e ultrapassar valores desconectados da nossa realidade: “É uma obra surpreendente e esclarecedora sobre a formação do povo brasileiro — com todas as qualidades e seus vícios”, avalia Cândido. Consagrou “a importância do indígena — e principalmente do negro — no desenvolvimento racial e cultural do Brasil, que é um dos mais complexos do mundo.”

O presidente Jair Bolsonaro talvez tenha lido Os Sertões, de Euclides da Cunha, porque a Guerra de Canudos faz parte dos currículos das academias militares. Esse foi o livro de cabeceira dos jovens oficiais que protagonizaram o movimento tenentista, servindo de referência para toda a movimentação tática da Coluna Prestes (1924-1927), que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do país. Certamente, porém, não leu Gilberto Freyre, obra seminal sobre a formação da cultura brasileira, traduzida em diversos países. Se o fizesse, talvez conhecesse melhor e respeitasse mais os “paraíbas”, como são chamados os nordestinos por aquela parcela dos cariocas que se acha melhor do que os outros. Ser paraibano é naturalidade, não é pejorativo.

Mas voltemos ao leito antropológico do sociólogo pernambucano. A ideia de que o livro defende a existência de uma “democracia racial” no Brasil, disseminada pelos críticos de Freyre, é reducionista. Casa-Grande &Senzala exalta a formação de nosso povo, mas não esconde as mazelas de uma sociedade patriarcal, ignorante e violenta. A origem dessa crítica é o fato de que o autor destaca a especificidade de nossa escravidão, menos segregacionista do que a espanhola e a inglesa. O colonizador português não era um fanático religioso católico como o espanhol nem um racista puritano como os protestantes ingleses.

Família unicelular
Tanto que Casa-Grande & Senzala escandalizou o país por causa dos capítulos sobre a sexualidade do brasileiro. Entretanto, não foram os indígenas nem os negros africanos que criaram a fama de promíscuo sexual do brasileiro. Foi o sistema escravocrata e patriarcal da colonização portuguesa, que serviu para criar um ambiente de precocidade e permissividade sexuais. Tanto os índios quanto os negros eram povos que viam o sexo com naturalidade, sem a malícia sensual dos europeus.

Freyre lutou como um gigante contra o racismo “científico”, que atribuía aos indígenas e ao africano as origens de nossas mazelas sociais. Há muito mais o que dizer sobre a sua obra, mas o que a torna mais atual é a agenda de costumes do presidente Jair Bolsonaro, que reproduz, em muitos aspectos, características atrasadas e perversas do patriarcado brasileiro, que estão na raiz da violência, da ignorância e do preconceito contra os índios, os negros e as mulheres.

Bolsonaro estabeleceu com eixo de sua atuação a defesa da fé, da ordem e da família. Há um forte ingrediente eleitoral nessa estratégia, mas não é somente isso. Há convicções de natureza “terrivelmente” religiosas e ideológicas, que não têm correspondência com o modo de vida e o imaginário da maioria da sociedade brasileira, com os nossos costumes e tradições, pautados pelo sincretismo e pela miscigenação. No Brasil, tudo é mitigado e misturado, não existe pureza absoluta. Além disso, não se pode fazer a roda da História andar para trás. A família unicelular patriarcal, por exemplo, é minoritária, nem o clã presidencial manteve esse padrão; não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo.

Um dos equívocos de Bolsonaro é acreditar que pode aprisionar a cultura nacional no âmbito dos seus dogmas. Quando investe contra o cinema nacional, a pretexto de que obras como Bruna Sufistinha, um blockbuster da nossa indústria cinematográfica, são mera pornografia e não um retrato da prostituição no Brasil, sua motivação é mais política do que religiosa. Na verdade, deve estar mais incomodado com filmes como Marighella e Democracia em vertigem, que glamoriza a luta armada e enaltece o ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva, respectivamente. Uma coisa é a crítica à obra cinematográfica, outra é o dirigismo oficial à produção cinematográfica, numa ótica que lembra o cinema produzido durante a II Guerra Mundial.

Pura perda de tempo. Com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o Cinema Novo emergiu como resposta à falta de recursos técnicos e financeiros. O que temos hoje no cinema brasileiro resulta da centralidade dada por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e outros cineastas à discussão dos problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e a uma linguagem inspirada na nossa própria cultura. “Domesticar” a cultura popular é uma tarefa tão inglória como foi a censura à música popular no regime militar, tanto quanto obrigar os jovens a manter a virgindade até o casamento e mandar os gays de volta para dentro dos armários.
Por: Luiz Carlos Azedo





O silêncio cinzento da espera

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Até hoje, nem o povo nem o governo definiram com clareza o que pretendiam e pretendem. o que já claro é que o projeto da nova ordem é o de transformar os brasileiros num povo barato

O governo eleito em 2018 chegou ao poder com um discurso nebuloso de desmonte do Estado que conhecíamos até o dia 31 de dezembro. Só isso. Nada dizia, porém, sobre o que era propriamente o desmonte. Foi eleito, com a cumplicidade de um eleitorado cansado, cuja prioridade era também desmontar o até então conhecido, vivido e, para muitos, sofrido.

Um inquietante sinal estava posto diante dos olhos de todos: a maioria queria desmontar, mas desmontar o quê? Sobretudo, quem seria o desmontador? E o que seria, propriamente, desmontado?

Até hoje, nem o povo nem o governo definiram com clareza o que pretendiam e pretendem. O que já está claro é que o projeto da nova ordem é o de transformar os brasileiros num povo barato. A cada avanço no projeto, a bolsa sobe. Mas as condições sociais da população continuam na incerteza.

A maioria que colocou o presidente no poder, claramente, queria o desmonte do Estado petista. O Estado corroído pelo populismo de Lula. Os que não queriam desmontar o Estado lulista nem queriam desmontar o Estado fisiológico e oligárquico do nosso passado republicano, também queriam desmontar algo, sem dizer exatamente o quê.

Extensa parcela da população ainda não se pronunciou. Estamos vivendo o silêncio cinzento da espera. Pode ser que daí resulte que o povo descubra sua real motivação transformadora e, liberta do aparelhismo de partidos e caudilhos, retome a opção pelos movimentos sociais, a alternativa forte para partidos fracos.

É preciso entender, porém, que só as revoluções desmontam o Estado. E o fazem em nome de um Estado que represente a concepção de poder de uma sociedade alternativa, a de um projeto histórico. Revoluções expressam inquietações sociais, consciência social das iniquidades próprias do distanciamento insuportável entre a realidade do vivido, o carecido e a possibilidade do novo e da inovação política.

Erram as esquerdas quando agem como se a bandeira da mudança social e política fosse bandeira da direita. Continuam não conseguindo decifrar o real. A direita desmuda, mas não muda a realidade. Imobiliza-a, tenta fazer a história recuar, anula conquistas sociais. Direita não faz revoluções, pois para fazê-las é preciso discernimento, isto é, consciência crítica e, com ela, a dimensão universal do humano.

Lula e o petismo, desprovidos de uma teoria da práxis, apesar da retórica de esquerda, representaram a ascensão política do popularismo de ascensão social da baixa classe média. A que usurpou as esperanças dos pobres e trabalhadores.

Baseada em vagas ideias sobre as possibilidades históricas da cultura popular, dos grupos populares e dos movimentos populares, inventou o neopopulismo embutido no popularismo de cooptação. O popular não é necessariamente emancipador nem de esquerda. A cultura popular está cheia de concepções de recuo nas conquistas sociais. Manifestou-se nas eleições de 2018.

Bolsonaro e seu difuso e confuso consórcio político não são diferentes, a não ser no fato de que ele está aquém de Lula. A escolaridade de Lula é insuficiente, e ele se orgulha disso, deprecia os intelectuais, jactava-se de ser capaz de governar sem diplomas universitários e leituras. Mas ele é excepcionalmente inteligente. É capaz de ouvir antes de falar. Sabe aprender. Errou na prática por ouvir demais assessores menores do que ele, que confundiram populismo com popularismo. Foi benevolente com os bajuladores, que abriram a sepultura para o seu carisma.

Bolsonaro não se orgulha de sua escolaridade notoriamente modesta. Diferente de Lula, não percebe suas insuficiências de compreensão da realidade política e da realidade social. Faz afirmações desinformadas, como a de que na universidade pública brasileira não há pesquisa científica, quando a pesquisa de ponta, no Brasil, é feita na universidade pública, laica, gratuita e democrática.

Com afirmações como essa, causa danos às instituições, desestimula os cientistas, abate seu ânimo. Louva os sofríveis, usa os toscos para praticar sua guerrilha ideológica de direita e desviar a vigilância cívica dos desacertos de seu governo errante e pobre de perspectiva e de projetos. Tem dificuldade para perceber a diferença entre o popular e o ridículo, como se viu na encenação em torno da copa recente, quando Tite e um jogador recusaram-se a apertar-lhe a mão oportunista. Expõe e desgasta a instituição da Presidência. Entrega o protagonismo da governação a terceiros e se perde na cultura superficial do espetáculo político.

Não será no jogo de pingue-pongue ideológico, que tanto a esquerda quanto a direita assumiram, que o Brasil encontrará a saída civilizada, justa e culta para a democracia e a justiça social.
Por: José de Souza Martins*

*José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “Moleque de Fábrica” (Ateliê Editorial).




"Um Grito Parado no Ar":

“com encenação de António Mercado, o texto de Gianfrancesco Guarnieri sobre ao palco pela companhia O Teatrão. A peça está em cena na Oficina Municipal do Teatro em Coimbra, até dia 5 de Janeiro.”





“Texto do teatro do absurdo.”

“Wladimir e Estragon se encontram todos os dias para esperar Godot que nunca chega. Na adaptação, apresentada no festival de Esquete da Casa de Cultura Elbe de Holanda no dia 17 de novembro de 2007, as mulheres interpretaram a personagem Wladimir e os homens interpretaram a personagem Estragon. O texto foi dirigido e interpretado pelo professor Hiran Costa Júnior e estrelado por Fabrício Molica, Fabrício Santos, Lívia Santos, Geruza Mamari, Enildo Delatorre, Janete Delatorre e Dilermando Didi.”





Literatura Fundamental 06 - Esperando Godot - Fábio de Souza Andrade

“O assunto deste programa é a peça de teatro Esperando Godot, escrita em 1949 pelo dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett. Para falar sobre ela, Ederson Granetto recebe o professor Fábio de Souza Andrade, do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.”



Referências

http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/07/luiz-carlos-azedo-politica-sexo-e.html?m=1
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/07/jose-de-souza-martinso-silencio.html
https://youtu.be/B1IuuRL_4-g
https://www.youtube.com/watch?v=B1IuuRL_4-g
https://youtu.be/kTsMYrUU8WQ
https://www.youtube.com/watch?v=kTsMYrUU8WQ
https://youtu.be/zx5kV1QEQPo
https://www.youtube.com/watch?v=zx5kV1QEQPo

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