quarta-feira, 18 de abril de 2018

A Infância – Brincadeiras


Exercícios de ser criança

No aeroporto o menino perguntou: – E se o avião tropicar num passarinho? O pai ficou torto e não respondeu. O menino perguntou de novo: – E se o avião tropicar num passarinho triste? A mãe teve ternuras e pensou: será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso? Ao sair do sufoco o pai refletiu: – Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças. E ficou sendo (Barros, 1999, p. 469).

Brincadeiras
Manoel de Barros

No quintal a gente gostava de brincar com as palavras
mais do que de bicicleta.
Principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
para nós não era despropósito.
Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três
logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n'água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou:
Mais alto do que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no
quintal, nosso amigo. Ele obedecia a desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia a gente destampamos a cabeça do Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore árvore árvore
Nenhuma idéia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.


MANOEL DE BARROS, EM MEMÓRIAS INVENTADAS: A INFÂNCIA



“ (...) verifica-se que o texto literário não se limita a descrever o mundo ao qual se refere. A ficção elaborada por Manoel de Barros, ao afastar-se das normas tradicionais da linguagem, parece criar uma realidade que ganha existência e diz o mundo. Em outras palavras, reconhece-se que o poeta opera com recursos inusitados da linguagem, imprimindo-lhe contornos literários e filosóficos por meio da transgressão em relação aos padrões convencionais da narrativa. Isto posto, trata-se, com Manoel de Barros, de acompanhar uma narrativa híbrida, entre prosa e poesia, que força a linguagem a se voltar para um movimento sobre si mesma, a transgredir. (...)”

Brincadeiras

No quintal a gente gostava de brincar com palavras mais do que de bicicleta. Principalmente porque ninguém possuía bicicleta. A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim: O céu tem três letras, o sol tem três letras, o inseto é maior. O que parecia um despropósito. Para nós não era despropósito. Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três. Logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?). Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada. Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma. Ele disse que sofisma é risco n’água. Entendemos tudo (Barros, 2003, s.p.).

Infância: entre história e “despropósitos”

Um livro, uma página de livro apenas, por menos ainda, uma simples gravura em um exemplar antigo, herdado talvez da mãe ou da avó, poderá fertilizar o terreno no qual a primeira e delicada raiz desse impulso começa a se desenvolver (Benjamin, 1984, p. 48).

“(...) a realidade deve ser lida nos mínimos detalhes, nos pequenos gestos, pois o fragmento o todo contém, sendo a possibilidade de sua apreensão o instante de um relâmpago. Considerando uma bela imagem escrita pelo filósofo, lembro que: (...)”

Quem pretende se aproximar do próprio passado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Os fatos nada são além de camadas que apenas à exploração mais cuidadosa entregam aquilo que recompensa a escavação. E se ilude, privando-se do melhor, quem só faz o inventário dos achados e não sabe assimilar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho (Benjamin, 1987, p. 239).



Literatura e infância: entre filosofia, história e “despropósitos” Márcia Cabral da Silva1

A literatura pode ser definida como exercício criativo que ocorre por intermédio da palavra. Trata-se da possibilidade de transfiguração do real em matéria fictícia. Nesta chave, retoma-se a esfera criativa que dialoga com o estranhamento, com a indagação e, por assim dizer, com a dimensão filosófica da linguagem.

Benjamin (1984, 1987) já tratava em seus ensaios dos livros infantis e questionava a função instrumental que adquiriram nas sociedades industrializadas. Tecia severa crítica em relação à utilidade dos livros ficcionais infantis, ao empobrecimento das ilustrações, de um lado. De outro, apontava a inexorável aproximação dos livros infantis das gramáticas orientadas pelos pedagogos. Todavia, os seus escritos convidariam, por outro viés, à indagação: como reencontrar o caráter artesanal de um objeto que passara a responder ao pragmatismo, à utilidade de todas as coisas, tal como os demais objetos que deveriam atender em primeiro lugar a uma lógica da produção no desenvolvimento das sociedades capitalistas? Nesse sentido, o caráter artístico e o convite à imaginação criadora haviam sido transferidos a um segundo plano?

Em uma chave semelhante, Vygotsky (1987) apontava para a importância da imaginação e da arte no período que se convencionou denominar infância. Segundo o autor, fantasia e realidade consistiriam em dimensões complementares, e não polos excludentes, como se costuma indicar na educação das crianças. Ademais, segundo essa linha de consideração, na vida diária, seria possível exercitar plenamente a imaginação criadora.

Neste artigo, retomam-se algumas dessas reflexões no âmbito da relação entre literatura e infância. Se a experiência e a história são derivadas da fratura entre a infância do homem e a emergência da linguagem, na perspectiva filosófica indicada por Agamben (2005), como essa fratura ocorreria na literatura? Em que condições a linguagem literária permitiria ascender à história e à experiência? Essas são algumas questões gerais sobre as quais se busca refletir neste estudo. Trata-se de pensar sobre a dimensão filosófica da linguagem em diálogo com obras literárias contemporâneas que trazem ao primeiro plano a infância. De um lado, desenvolve-se uma reflexão sobre a relação ficção e infância, com especial acento na produção protagonizada por personagens crianças. De outro, ressalta-se a análise de estratégias literárias capazes de causar estranhamento em relação ao caráter descritivo e comunicativo da linguagem cotidiana. Com vistas a desenvolver o estudo, privilegiam-se as seguintes obras: Exercícios de ser criança (1999) e Memórias inventadas: a infância (2003), de Manoel de Barros.

1 Doutora em teoria e história literária e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: marciacs@ism.com.br



Guató


Jovem Guató, atravessando de canoa a baía Uberaba. Foto: Suki Ozaki, 2006


Os Guató, considerados o povo do Pantanal por excelência, ocupavam praticamente toda a região sudoeste do Mato Grosso, abarcando terras que hoje pertencem àquele estado, ao estado de Mato Grosso do Sul e à Bolívia. Podiam ser encontrados nas ilhas e ao longo das margens do rio Paraguai, desde as proximidades de Cáceres até a região do Caracará, passando pelas lagoas Gaíba e Uberaba e, na direção leste, às margens do rio São Lourenço. No interior deste vasto território sua presença foi registrada desde o século XVI por viajantes e cronistas.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura.
Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.

Já no início, a autora busca ampliar o conceito de leitura que está muito limitado à decodificação de palavras, pois o leitor, no seu sentido mais amplo, surge muito antes de aprender a decodificar as palavras escritas, uma vez que as coisas que nos rodeiam podem ser lidas, como por exemplo: os gestos, os sons, alguns objetos em diferentes contextos, etc. Para fazer essas leituras não há necessidade de a pessoa estar ou ser alfabetizada, basta interpretar e dar algum sentido ou significado ao que a cerca. Rita de Cássia Garcia Silva COELHO







Referências
http://manualdebarros.blogspot.com.br/2010/08/infancia-brincadeiras.html
http://www.scielo.br/pdf/elbc/n46/2316-4018-elbc-46-00197.pdf
http://img.socioambiental.org/d/312016-1/Guat__+013.jpg
http://www.scielo.br/pdf/elbc/n46/2316-4018-elbc-46-00197.pdf
file:///D:/Usu%C3%A1rio/Documents/luisa/Modelo%20TCC%20definitivo@hotmail_files/REV.CIENTIFICA.FCARP.N1.pdf

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