Exercícios de ser criança
No aeroporto o menino perguntou: – E se o avião
tropicar num passarinho? O pai ficou torto e não respondeu. O menino perguntou
de novo: – E se o avião tropicar num passarinho triste? A mãe teve ternuras e
pensou: será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o
bom senso? Ao sair do sufoco o pai refletiu: – Com certeza, a liberdade e a
poesia a gente aprende com as crianças. E ficou sendo (Barros, 1999, p. 469).
Brincadeiras
Manoel de Barros
No quintal a gente gostava de brincar com as
palavras
mais do que de bicicleta.
Principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
para nós não era despropósito.
Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três
logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n'água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou:
Mais alto do que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no
quintal, nosso amigo. Ele obedecia a desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia a gente destampamos a cabeça do Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore árvore árvore
Nenhuma idéia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.
mais do que de bicicleta.
Principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
para nós não era despropósito.
Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três
logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n'água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou:
Mais alto do que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no
quintal, nosso amigo. Ele obedecia a desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia a gente destampamos a cabeça do Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore árvore árvore
Nenhuma idéia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.
MANOEL DE BARROS, EM MEMÓRIAS INVENTADAS: A
INFÂNCIA
“ (...) verifica-se que o texto literário não se
limita a descrever o mundo ao qual se refere. A ficção elaborada por Manoel de
Barros, ao afastar-se das normas tradicionais da linguagem, parece criar uma
realidade que ganha existência e diz o mundo. Em outras palavras, reconhece-se
que o poeta opera com recursos inusitados da linguagem, imprimindo-lhe
contornos literários e filosóficos por meio da transgressão em relação aos
padrões convencionais da narrativa. Isto posto, trata-se, com Manoel de Barros,
de acompanhar uma narrativa híbrida, entre prosa e poesia, que força a
linguagem a se voltar para um movimento sobre si mesma, a transgredir. (...)”
Brincadeiras
No quintal a gente gostava de brincar com palavras
mais do que de bicicleta. Principalmente porque ninguém possuía bicicleta. A
gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim: O céu tem três letras, o
sol tem três letras, o inseto é maior. O que parecia um despropósito. Para nós
não era despropósito. Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três. Logo
o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?). Meu irmão que era estudado falou
quê lógica quê nada. Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma. Ele disse que
sofisma é risco n’água. Entendemos tudo (Barros, 2003, s.p.).
Infância:
entre história e “despropósitos”
Um livro, uma página de livro apenas, por menos
ainda, uma simples gravura em um exemplar antigo, herdado talvez da mãe ou da
avó, poderá fertilizar o terreno no qual a primeira e delicada raiz desse
impulso começa a se desenvolver (Benjamin, 1984, p. 48).
“(...) a realidade deve ser lida nos mínimos
detalhes, nos pequenos gestos, pois o fragmento o todo contém, sendo a
possibilidade de sua apreensão o instante de um relâmpago. Considerando uma
bela imagem escrita pelo filósofo, lembro que: (...)”
Quem pretende se aproximar do próprio passado deve
agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao
mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o
solo. Os fatos nada são além de camadas que apenas à exploração mais cuidadosa
entregam aquilo que recompensa a escavação. E se ilude, privando-se do melhor,
quem só faz o inventário dos achados e não sabe assimilar no terreno de hoje o
lugar no qual é conservado o velho (Benjamin, 1987, p. 239).
Literatura
e infância: entre filosofia, história e “despropósitos” Márcia Cabral da Silva1
A literatura pode ser definida como exercício
criativo que ocorre por intermédio da palavra. Trata-se da possibilidade de
transfiguração do real em matéria fictícia. Nesta chave, retoma-se a esfera
criativa que dialoga com o estranhamento, com a indagação e, por assim dizer,
com a dimensão filosófica da linguagem.
Benjamin (1984, 1987) já tratava em seus ensaios dos
livros infantis e questionava a função instrumental que adquiriram nas
sociedades industrializadas. Tecia severa crítica em relação à utilidade dos
livros ficcionais infantis, ao empobrecimento das ilustrações, de um lado. De
outro, apontava a inexorável aproximação dos livros infantis das gramáticas
orientadas pelos pedagogos. Todavia, os seus escritos convidariam, por outro
viés, à indagação: como reencontrar o caráter artesanal de um objeto que
passara a responder ao pragmatismo, à utilidade de todas as coisas, tal como os
demais objetos que deveriam atender em primeiro lugar a uma lógica da produção
no desenvolvimento das sociedades capitalistas? Nesse sentido, o caráter
artístico e o convite à imaginação criadora haviam sido transferidos a um
segundo plano?
Em uma chave semelhante, Vygotsky (1987) apontava
para a importância da imaginação e da arte no período que se convencionou
denominar infância. Segundo o autor, fantasia e realidade consistiriam em
dimensões complementares, e não polos excludentes, como se costuma indicar na
educação das crianças. Ademais, segundo essa linha de consideração, na vida
diária, seria possível exercitar plenamente a imaginação criadora.
Neste artigo, retomam-se algumas dessas reflexões no
âmbito da relação entre literatura e infância. Se a experiência e a história
são derivadas da fratura entre a infância do homem e a emergência da linguagem,
na perspectiva filosófica indicada por Agamben (2005), como essa fratura
ocorreria na literatura? Em que condições a linguagem literária permitiria
ascender à história e à experiência? Essas são algumas questões gerais sobre as
quais se busca refletir neste estudo. Trata-se de pensar sobre a dimensão
filosófica da linguagem em diálogo com obras literárias contemporâneas que
trazem ao primeiro plano a infância. De um lado, desenvolve-se uma reflexão
sobre a relação ficção e infância, com especial acento na produção
protagonizada por personagens crianças. De outro, ressalta-se a análise de
estratégias literárias capazes de causar estranhamento em relação ao caráter
descritivo e comunicativo da linguagem cotidiana. Com vistas a desenvolver o
estudo, privilegiam-se as seguintes obras: Exercícios de ser criança (1999) e
Memórias inventadas: a infância (2003), de Manoel de Barros.
1 Doutora em
teoria e história literária e professora da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: marciacs@ism.com.br
Guató
Jovem
Guató, atravessando de canoa a baía Uberaba. Foto: Suki Ozaki, 2006
Os Guató, considerados o povo do Pantanal por
excelência, ocupavam praticamente toda a região sudoeste do Mato Grosso,
abarcando terras que hoje pertencem àquele estado, ao estado de Mato Grosso do
Sul e à Bolívia. Podiam ser encontrados nas ilhas e ao longo das margens do rio
Paraguai, desde as proximidades de Cáceres até a região do Caracará, passando
pelas lagoas Gaíba e Uberaba e, na direção leste, às margens do rio São
Lourenço. No interior deste vasto território sua presença foi registrada desde
o século XVI por viajantes e cronistas.
MARTINS,
Maria Helena. O que é leitura.
Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense,
2003.
Já no início, a autora busca ampliar o conceito de
leitura que está muito limitado à decodificação de palavras, pois o leitor, no
seu sentido mais amplo, surge muito antes de aprender a decodificar as palavras
escritas, uma vez que as coisas que nos rodeiam podem ser lidas, como por
exemplo: os gestos, os sons, alguns objetos em diferentes contextos, etc. Para
fazer essas leituras não há necessidade de a pessoa estar ou ser alfabetizada,
basta interpretar e dar algum sentido ou significado ao que a cerca. Rita de
Cássia Garcia Silva COELHO
Referências
http://manualdebarros.blogspot.com.br/2010/08/infancia-brincadeiras.html
http://www.scielo.br/pdf/elbc/n46/2316-4018-elbc-46-00197.pdf
http://img.socioambiental.org/d/312016-1/Guat__+013.jpg
http://www.scielo.br/pdf/elbc/n46/2316-4018-elbc-46-00197.pdf
file:///D:/Usu%C3%A1rio/Documents/luisa/Modelo%20TCC%20definitivo@hotmail_files/REV.CIENTIFICA.FCARP.N1.pdf
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