Bens culturais com juízo cambiante...
...e com práxis tanto rolante
quanto fixa
Roberto Pompeu de Toledo: Hora do
recreio
"Chávez
liquida as instituições representativas e faz a vontade do povo, que
beleza!"
Por Augusto
Nunes
Publicado
na edição impressa de VEJA
No
Brasil o presidente Fernando Henrique Cardoso era um; no exterior era outro.
Adeus às disputas, às intrigas, aos escândalos que lhe infelicitavam a vida. Lá
fora, como evidencia o recém-publicado terceiro volume dos Diários da
Presidência, cobrindo os anos de 1999 e 2000, era o prazer de encontros como os
que teve com o americano Bill Clinton. Num deles, Clinton lhe falou da proposta
que recebeu de Boris Ieltsin, então presidente da Rússia: “Você cuida do resto
do mundo, e deixa a Europa para mim”. O presidente americano acrescentou que o
russo, famoso pelas bebedeiras, não tinha “mais que 45 minutos de lucidez por
dia”. Em outro, no auge da crise do Kosovo, província rebelde da Iugoslávia,
Clinton comentou que o pai e a mãe do sanguinário ditador iugoslavo Slobodan
Milosevic se suicidaram, e concluiu: “Quando o sacrifício é grande, o coração
endurece”. FHC observa: “Os americanos são assim, sempre têm uma explicação
psicológica para fatos sociais”.
Hugo
Chávez, no início de mandato, era uma incógnita que Fernando Henrique tateava.
“Não é nenhum insensato. (…) É um homem que tem o sentimento de seu povo e
certa visão bolivariana, quem sabe fora de moda, mas que modifica as coisas na
Venezuela”, registrou em julho de 1999, depois de reunião no México. Dois meses
depois, a impressão era inversa: “Na verdade é um coronelão com generosidade e
muito atropelo. Entretanto, no clima latino-americano isso abre uma janela de
esperança para os desavisados ou os sem rumo, Lula à frente, já entusiasmado
com o Chávez. Ele liquida as instituições representativas e faz a vontade do
povo, que beleza!”.
Igualmente
cambiante foi o juízo sobre o presidente argentino Fernando de la Rúa,
empossado em dezembro de 1999. “Gosto cada vez mais do De la Rúa, é uma pessoa
do meu jeito, simples, fala direto, não é pedante, muito agradável”, registrou
em maio de 2000. No mês seguinte, o presidente argentino levou-o a um sobrevoo
por Buenos Aires em helicóptero. “Foi sensacional”, comenta Fernando Henrique.
Em outubro, notou-o “um pouco ausente, sem controle da situação”. Em novembro,
sentou-se ao lado da mulher de De la Rúa numa recepção e ouviu dela que a
Presidência, para o marido, era “um aborrecimento contínuo”. De la Rúa, que a
essa altura parecia ao presidente brasileiro “uma barata tonta”, renunciaria um
ano depois, deixando como legado a ruína econômica, social e política de seu
país.
FHC
faz elogios entusiásticos ao primeiro-ministro de Portugal, António Guterres,
“um dos maiores líderes do mundo contemporâneo”, com quem se encontrou várias
vezes. “Se não fosse primeiro-ministro de Portugal, se fosse de um país um
pouco maior, bastava a Espanha, teria reconhecimento mundial.” Hoje Guterres é
secretário-geral da ONU. Na Alemanha, recebido pelo chanceler Gerhard
Schroeder, FHC teve contato também com líderes de outros partidos, inclusive os
da oposição, entre os quais “a presidente da CDU, já a conhecia, a moça que
está substituindo o [Helmut] Kohl, ela sabe das coisas, uma pessoa de cabeça
organizada e simpática – o quanto esse tipo de mulher ou de homem militante
pode ser simpático”. O nome da moça, que FHC ainda não memorizara, era Angela
Merkel.
Em
Montevidéu, numa reunião do Mercosul, FHC ouviu uma anedota do presidente
uruguaio Julio Sanguinetti: “O Mercosul é união entre o bom gosto e a
sobriedade brasileira, a honestidade paraguaia, a alegria uruguaia, a
simplicidade e humildade argentina e a sinceridade chilena”. Numa viagem a
Cartagena, FHC sentiu de perto os problemas da Colômbia, assolada pelo
narcotráfico e pela guerrilha. Na volta, leu um livro sobre os marechais de
Napoleão, todos feitos duques, reis, mas no fim julgados, condenados,
fuzilados. “A história é realmente bastante dura, cruel.”
“Por
que estou dizendo isso?”, acrescenta o presidente. “Porque estou vindo da
Colômbia e estava pensando: meu Deus, o que faz alguém querer ser presidente da
Colômbia?” Como ele estava voltando às disputas, intrigas e escândalos da
política brasileira, fica aos psicanalistas a sugestão de verificar se o que
queria mesmo dizer era: “Meu Deus, o que faz alguém querer ser presidente do
Brasil?”.
Bens Culturais - O caso da Pastelaria
Mexicana de Juiz de Fora
Semana
passada falamos sobre os bens culturais materiais e imateriais, seus valores e
como devemos preservá-los. Juiz de Fora é repleta de bens como esses, hoje
iremos analisar um caso emblemático: a pastelaria Mexicana.
Sua história começa na década de 50, quando o senhor José Victor Furtado, hoje falecido, começou a vender pastéis após sair do trabalho na Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, onde trabalhava, em feiras, escolas e nas ruas da cidade de Barbacena. Vendia mais de 100 pasteis por dia em um tabuleiro, sendo 20 de cada sabor; sr.Victor dizia que saia às 13:30 da fábrica e chegava a vender vários tabuleiros, com uma receita criada por ele mesmo. Seu jeito único com sotaque castelhano, um sombreiro e um bigode postiço o renderam o apelido de Mexicano, de onde surgiu o nome da pastelaria. O seu modo de tratar as pessoas chamando de “Artista”, rendendo a ele tal apelido, permanece até hoje entre os funcionários e clientes fixos.
Sua história começa na década de 50, quando o senhor José Victor Furtado, hoje falecido, começou a vender pastéis após sair do trabalho na Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, onde trabalhava, em feiras, escolas e nas ruas da cidade de Barbacena. Vendia mais de 100 pasteis por dia em um tabuleiro, sendo 20 de cada sabor; sr.Victor dizia que saia às 13:30 da fábrica e chegava a vender vários tabuleiros, com uma receita criada por ele mesmo. Seu jeito único com sotaque castelhano, um sombreiro e um bigode postiço o renderam o apelido de Mexicano, de onde surgiu o nome da pastelaria. O seu modo de tratar as pessoas chamando de “Artista”, rendendo a ele tal apelido, permanece até hoje entre os funcionários e clientes fixos.
Com
o crescimento dos negócios em Barbacena, sr. Victor largou o emprego e comprou
um pequeno trailer, alavancando ainda mais o negócio, chegando a levar o
trailer para outras cidades como Cabo Frio e Niterói.
Sr.Victor
explica a excentricidade característica da Mexicana ao dizer que “acabava que
eu vendia muito mais pelo jeito com que eu anunciava o pastel.”
Em
Juiz de fora, a pastelaria Mexicana existe desde 1976, inicialmente funcionava
na Av. Rio Branco, próximo ao Esporte Clube mas o local não era muito favorável
então se mudou para próximo à Santa Casa, também na Rio Branco, mas por ser
muito diferente, um caminhão colorido em meio à avenida, havia um desconforto,
por isso acabou tendo que se mudar de novo, indo para a Avenida Presidente
Itamar Franco no cruzamento com a Av. Rio Branco, onde funciona desde
1978.
A
pastelaria é uma "lanchonete rolante”, como sugere o próprio letreiro,
funciona em uma instalação feita em um caminhão, que é levado para o local
todos os dias e atende o público das 16:30hs até enquanto há material para
produzir os pasteis, que não passa de 1:00h. Quando o caminhão chega ao
destino, guardas de trânsito param momentaneamente o fluxo das Avenidas Rio
Branco e Itamar Franco para que o caminhão entre em sua posição. O local é uma
instalação própria adaptada especialmente para o caminhão, há uma elevação com
degraus para deixar os clientes na altura do trailer e durante o dia a baia
fica vaga.
A
localização da pastelaria no centro da cidade, em um cruzamento entre as
principais artérias da cidade, influencia muito o seu movimento. No seu entorno
há o banco HSBC, um pequeno mercado, padaria, açougue, alguns pontos de
comércio e um colégio que funciona como faculdade a noite. O local possui um
grande fluxo tanto de veículos quanto de pedestres durante todo o dia até mais
a noite. Além disso, existe um ponto de ônibus próximo, aumentando ainda mais a
circulação de pessoas.
No
local onde se situa o caminhão, existe um espaço para o seu estacionamento. Há
um cenário de motivo mexicano que além de manter a temática do caminhão,
destaca o local fora do horário de funcionamento e marca sua presença, dando
a ideia de que algo diferente acontece ali. O local e a própria
pastelaria se destacam do entorno pelas cores de suas pinturas.
O
fato de ser um estabelecimento diferente dos tradicionais faz com que as
pessoas se interessem em desfrutar algo novo e mais descontraído, além do mais,
o pastel ali produzido e vendido possui uma qualidade inerente: seu tamanho é
em média duas vezes maior do que os de outras pastelarias. O objetivo da
Mexicana é atrair todos os tipos de clientes. O cardápio e o tamanho dos
pastéis varia em grande escala. Fora o diferencial do atendimento e do
ambiente. “A população de Juiz de Fora já nos adotou e acolheu.” declara uma
das donas.
A
pastelaria é um dos pontos mais descontraídos da cidade, possui sua própria
identidade e se mantém viva e atualizada até os dias de hoje. Atrai diferentes
tipos de pessoas e com diversas idades. Foge da forma tradicional de ocupação
do comércio das cidades e da intenção da busca exagerada de sofisticação. Supre
a necessidade de uma refeição rápida dos juiz-foranos após o trabalho do
dia-a-dia.
O
cenário faz com que o local além de funcionar como ponto de referência, se
destaque no meio de uma avenida movimentada e por isso, mesmo quando passamos de
carro, o olhar se direciona para o local. A pintura personalizada de uma mulher
mexicana foi modificada após ter se mantida muitos anos com a pintura original,
o que trouxe uma certa estranheza por alguns clientes antigos. Segundo um
deles, ainda que a pintura nova seja “bonita”, a antiga era característica e já
estavam acostumados.
O
funcionamento se dá diretamente através da janela lateral do
caminhão/lanchonete. Não possui mobiliário para as pessoas sentarem, a não ser
pela mureta ao lado do local, o que reforça ainda mais a idéia de fast
food, sem permanências prolongadas.
Fora
aplicado um questionário com perguntas à respeito das percepções dos clientes.
De acordo com o resultado, foi possível perceber que ainda que a maioria
dos usuários entrevistados só consome o pastel eventualmente ou raramente, o
local tem muita importância, pois mesmo que a pastelaria não tenha sido
utilizada, a lanchonete itinerante ainda é, para esses usuários, um marco
importante da cidade. A imagem em si é muito marcante e a peculiaridade faz com
que esteja presente na memória das pessoas, mas talvez não seja tão icônica
isoladamente, já que muitas pessoas associam automaticamente a imagem do local
ao pastel e sabe-se que algo só passa a fazer parte de fato de sua memória
quando é vivenciado.
O
local em que funciona a pastelaria hoje em dia foi fundamental para que
obtivesse sucesso, em detrimento dos demais lugares, em Juiz de Fora, pelos
quais passou. Contudo, a combinação dos pastéis, com o atendimento, do local e
do caminhão teve uma apropriação muito grande pela população juizforana em
geral, de modo que estes fatores isoladamente talvez não se tornassem tão
marcantes na memória coletiva local, mas juntos eles ajudam a caracterizar um
fato urbano importante para a identificação da população de Juiz de Fora.
Analisando
os dados coletados, a entrevista com uma das proprietárias e as respostas ao
questionário, pode-se concluir que há uma inegável importância, apropriação,
vivência e memória por parte da população em relação à lanchonete rolante,
envolvendo todas as suas peculiaridades: o pastel, o atendimento, o local e o
caminhão. Dessa forma, podemos considerá-la tanto um bem material quanto um bem
imaterial, sendo o pastel (o “saber fazer” detido somente pela família) o bem
imaterial proposto, e o caminhão em sítio um bem material móvel. Tendo a
pastelaria um forte caráter dinâmico, não caberia um processo de tombamento,
pois, obrigatoriamente, acarretaria a modificação dessa essência. No entanto,
reconhecendo seu valor e significado intrínseco à cidade de Juiz de Fora, é
possível prever, hipoteticamente, a abertura de um processo de registro
tornando a pastelaria Mexicana, o primeiro bem, que ao mesmo tempo é material e
imaterial registrado de Juiz de Fora, e, portanto, protegido legalmente.
Agradecimento aos alunos Luiza Leite, Mayara Carvalho e Rodrigo Pontes do 7º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.
Agradecimento aos alunos Luiza Leite, Mayara Carvalho e Rodrigo Pontes do 7º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.
MARSHALL BERMAN
TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR
A AVENTURA DA MODERNIDADE
Pastelaria Mexicana - Juiz de Fora
Bens
tanto materiais quanto imateriais
Não
sujeitos a tombamentos por sua dinâmica
Hora
do Recreio
Horário
do Trabaho
Fazendo do Recreio Trabalho...
...e do Trabalho Recreio
Referência
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/roberto-pompeu-de-toledo-hora-do-recreio/
http://othaudoblog.blogspot.com.br/2013/03/bens-culturais-o-caso-da-pastelaria.html
http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Berman,%20Marshall/Tudo%20o%20que%20%C3%A9%20s%C3%B3lido%20desmancha%20no%20ar.%20A%20aventura%20da%20modernidade.pdf
https://youtu.be/EOkSwjaje58
Glossário
Juízo
Cambiante
Práxis
Rolante
Tombamento
Dinâmica
Hora
Recreio
Horário
Trabalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário