quinta-feira, 13 de abril de 2017

TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR

Bens culturais com juízo cambiante...
...e com práxis tanto rolante quanto fixa



Roberto Pompeu de Toledo: Hora do recreio
"Chávez liquida as instituições representativas e faz a vontade do povo, que beleza!"
Por Augusto Nunes

Publicado na edição impressa de VEJA

No Brasil o presidente Fernando Henrique Cardoso era um; no exterior era outro. Adeus às disputas, às intrigas, aos escândalos que lhe infelicitavam a vida. Lá fora, como evidencia o recém-publicado terceiro volume dos Diários da Presidência, cobrindo os anos de 1999 e 2000, era o prazer de encontros como os que teve com o americano Bill Clinton. Num deles, Clinton lhe falou da proposta que recebeu de Boris Ieltsin, então presidente da Rússia: “Você cuida do resto do mundo, e deixa a Europa para mim”. O presidente americano acrescentou que o russo, famoso pelas bebedeiras, não tinha “mais que 45 minutos de lucidez por dia”. Em outro, no auge da crise do Kosovo, província rebelde da Iugoslávia, Clinton comentou que o pai e a mãe do sanguinário ditador iugoslavo Slobodan Milosevic se suicidaram, e concluiu: “Quando o sacrifício é grande, o coração endurece”. FHC observa: “Os americanos são assim, sempre têm uma explicação psicológica para fatos sociais”.
Hugo Chávez, no início de mandato, era uma incógnita que Fernando Henrique tateava. “Não é nenhum insensato. (…) É um homem que tem o sentimento de seu povo e certa visão bolivariana, quem sabe fora de moda, mas que modifica as coisas na Venezuela”, registrou em julho de 1999, depois de reunião no México. Dois meses depois, a impressão era inversa: “Na verdade é um coronelão com generosidade e muito atropelo. Entretanto, no clima latino-americano isso abre uma janela de esperança para os desavisados ou os sem rumo, Lula à frente, já entusiasmado com o Chávez. Ele liquida as instituições representativas e faz a vontade do povo, que beleza!”.
Igualmente cambiante foi o juízo sobre o presidente argentino Fernando de la Rúa, empossado em dezembro de 1999. “Gosto cada vez mais do De la Rúa, é uma pessoa do meu jeito, simples, fala direto, não é pedante, muito agradável”, registrou em maio de 2000. No mês seguinte, o presidente argentino levou­-o a um sobrevoo por Buenos Aires em helicóptero. “Foi sensacional”, comenta Fernando Henrique. Em outubro, notou-o “um pouco ausente, sem controle da situação”. Em novembro, sentou-se ao lado da mulher de De la Rúa numa recepção e ouviu dela que a Presidência, para o marido, era “um aborrecimento contínuo”. De la Rúa, que a essa altura parecia ao presidente brasileiro “uma barata tonta”, renunciaria um ano depois, deixando como legado a ruína econômica, social e política de seu país.
FHC faz elogios entusiásticos ao primeiro-ministro de Portugal, António Guterres, “um dos maiores líderes do mundo contemporâneo”, com quem se encontrou várias vezes. “Se não fosse primeiro-ministro de Portugal, se fosse de um país um pouco maior, bastava a Espanha, teria reconhecimento mundial.” Hoje Guterres é secretário-geral da ONU. Na Alemanha, recebido pelo chanceler Gerhard Schroeder, FHC teve contato também com líderes de outros partidos, inclusive os da oposição, entre os quais “a presidente da CDU, já a conhecia, a moça que está substituindo o [Helmut] Kohl, ela sabe das coisas, uma pessoa de cabeça organizada e simpática – o quanto esse tipo de mulher ou de homem militante pode ser simpático”. O nome da moça, que FHC ainda não memorizara, era Angela Merkel.
Em Montevidéu, numa reunião do Mercosul, FHC ouviu uma anedota do presidente uruguaio Julio Sanguinetti: “O Mercosul é união entre o bom gosto e a sobriedade brasileira, a honestidade paraguaia, a alegria uruguaia, a simplicidade e humildade argentina e a sinceridade chilena”. Numa viagem a Cartagena, FHC sentiu de perto os problemas da Colômbia, assolada pelo narcotráfico e pela guerrilha. Na volta, leu um livro sobre os marechais de Napoleão, todos feitos duques, reis, mas no fim julgados, condenados, fuzilados. “A história é realmente bastante dura, cruel.”
“Por que estou dizendo isso?”, acrescenta o presidente. “Porque estou vindo da Colômbia e estava pensando: meu Deus, o que faz alguém querer ser presidente da Colômbia?” Como ele estava voltando às disputas, intrigas e escândalos da política brasileira, fica aos psicanalistas a sugestão de verificar se o que queria mesmo dizer era: “Meu Deus, o que faz alguém querer ser presidente do Brasil?”.



Bens Culturais - O caso da Pastelaria Mexicana de Juiz de Fora



Semana passada falamos sobre os bens culturais materiais e imateriais, seus valores e como devemos preservá-los. Juiz de Fora é repleta de bens como esses, hoje iremos analisar um caso emblemático: a pastelaria Mexicana.

Sua história começa na década de 50, quando o senhor José Victor Furtado, hoje falecido, começou a vender pastéis após sair do trabalho na Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, onde trabalhava, em feiras, escolas e nas ruas da cidade de Barbacena. Vendia mais de 100 pasteis por dia em um tabuleiro, sendo 20 de cada sabor; sr.Victor dizia que saia às 13:30 da fábrica e chegava a vender vários tabuleiros, com uma receita criada por ele mesmo. Seu jeito único com sotaque castelhano, um sombreiro e um bigode postiço o renderam o apelido de Mexicano, de onde surgiu o nome da pastelaria. O seu modo de tratar as pessoas chamando de “Artista”, rendendo a ele tal apelido, permanece até hoje entre os funcionários e clientes fixos. 

Com o crescimento dos negócios em Barbacena, sr. Victor largou o emprego e comprou um pequeno trailer, alavancando ainda mais o negócio, chegando a levar o trailer para outras cidades como Cabo Frio e Niterói. 

Sr.Victor explica a excentricidade característica da Mexicana ao dizer que “acabava que eu vendia muito mais pelo jeito com que eu anunciava o pastel.”

Em Juiz de fora, a pastelaria Mexicana existe desde 1976, inicialmente funcionava na Av. Rio Branco, próximo ao Esporte Clube mas o local não era muito favorável então se mudou para próximo à Santa Casa, também na Rio Branco, mas por ser muito diferente, um caminhão colorido em meio à avenida, havia um desconforto, por isso acabou tendo que se mudar de novo, indo para a Avenida Presidente Itamar Franco no cruzamento com a Av. Rio Branco, onde funciona desde 1978. 

A pastelaria é uma "lanchonete rolante”, como sugere o próprio letreiro, funciona em uma instalação feita em um caminhão, que é levado para o local todos os dias e atende o público das 16:30hs até enquanto há material para produzir os pasteis, que não passa de 1:00h. Quando o caminhão chega ao destino, guardas de trânsito param momentaneamente o fluxo das Avenidas Rio Branco e Itamar Franco para que o caminhão entre em sua posição. O local é uma instalação própria adaptada especialmente para o caminhão, há uma elevação com degraus para deixar os clientes na altura do trailer e durante o dia a baia fica vaga.



A localização da pastelaria no centro da cidade, em um cruzamento entre as principais artérias da cidade, influencia muito o seu movimento. No seu entorno há o banco HSBC, um pequeno mercado, padaria, açougue, alguns pontos de comércio e um colégio que funciona como faculdade a noite. O local possui um grande fluxo tanto de veículos quanto de pedestres durante todo o dia até mais a noite. Além disso, existe um ponto de ônibus próximo, aumentando ainda mais a circulação de pessoas. 

No local onde se situa o caminhão, existe um espaço para o seu estacionamento. Há um cenário de motivo mexicano que além de manter a temática do caminhão, destaca o local fora do horário de funcionamento e marca sua presença, dando a ideia de que algo diferente acontece ali. O local e a própria pastelaria se destacam do entorno pelas cores de suas pinturas.

O fato de ser um estabelecimento diferente dos tradicionais faz com que as pessoas se interessem em desfrutar algo novo e mais descontraído, além do mais, o pastel ali produzido e vendido possui uma qualidade inerente: seu tamanho é em média duas vezes maior do que os de outras pastelarias. O objetivo da Mexicana é atrair todos os tipos de clientes. O cardápio e o tamanho dos pastéis varia em grande escala. Fora o diferencial do atendimento e do ambiente. “A população de Juiz de Fora já nos adotou e acolheu.” declara uma das donas.

A pastelaria é um dos pontos mais descontraídos da cidade, possui sua própria identidade e se mantém viva e atualizada até os dias de hoje. Atrai diferentes tipos de pessoas e com diversas idades. Foge da forma tradicional de ocupação do comércio das cidades e da intenção da busca exagerada de sofisticação. Supre a necessidade de uma refeição rápida dos juiz-foranos após o trabalho do dia-a-dia.

O cenário faz com que o local além de funcionar como ponto de referência, se destaque no meio de uma avenida movimentada e por isso, mesmo quando passamos de carro, o olhar se direciona para o local. A pintura personalizada de uma mulher mexicana foi modificada após ter se mantida muitos anos com a pintura original, o que trouxe uma certa estranheza por alguns clientes antigos. Segundo um deles, ainda que a pintura nova seja “bonita”, a antiga era característica e já estavam acostumados.

O funcionamento se dá diretamente através da janela lateral do caminhão/lanchonete. Não possui mobiliário para as pessoas sentarem, a não ser pela mureta ao lado do local, o que reforça ainda mais a idéia de fast food, sem permanências prolongadas.




Fora aplicado um questionário com perguntas à respeito das percepções dos clientes. De acordo com o resultado, foi possível perceber que ainda que a maioria dos usuários entrevistados só consome o pastel eventualmente ou raramente, o local tem muita importância, pois mesmo que a pastelaria não tenha sido utilizada, a lanchonete itinerante ainda é, para esses usuários, um marco importante da cidade. A imagem em si é muito marcante e a peculiaridade faz com que esteja presente na memória das pessoas, mas talvez não seja tão icônica isoladamente, já que muitas pessoas associam automaticamente a imagem do local ao pastel e sabe-se que algo só passa a fazer parte de fato de sua memória quando é vivenciado. 

O local em que funciona a pastelaria hoje em dia foi fundamental para que obtivesse sucesso, em detrimento dos demais lugares, em Juiz de Fora, pelos quais passou. Contudo, a combinação dos pastéis, com o atendimento, do local e do caminhão teve uma apropriação muito grande pela população juizforana em geral, de modo que estes fatores isoladamente talvez não se tornassem tão marcantes na memória coletiva local, mas juntos eles ajudam a caracterizar um fato urbano importante para a identificação da população de Juiz de Fora. 

Analisando os dados coletados, a entrevista com uma das proprietárias e as respostas ao questionário, pode-se concluir que há uma inegável importância, apropriação, vivência e memória por parte da população em relação à lanchonete rolante, envolvendo todas as suas peculiaridades: o pastel, o atendimento, o local e o caminhão. Dessa forma, podemos considerá-la tanto um bem material quanto um bem imaterial, sendo o pastel (o “saber fazer” detido somente pela família) o bem imaterial proposto, e o caminhão em sítio um bem material móvel. Tendo a pastelaria um forte caráter dinâmico, não caberia um processo de tombamento, pois, obrigatoriamente, acarretaria a modificação dessa essência. No entanto, reconhecendo seu valor e significado intrínseco à cidade de Juiz de Fora, é possível prever, hipoteticamente, a abertura de um processo de registro tornando a pastelaria Mexicana, o primeiro bem, que ao mesmo tempo é material e imaterial registrado de Juiz de Fora, e, portanto, protegido legalmente.


Agradecimento aos alunos Luiza Leite, Mayara Carvalho e Rodrigo Pontes do 7º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.




MARSHALL BERMAN

TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR

A AVENTURA DA MODERNIDADE





Pastelaria Mexicana - Juiz de Fora


Bens tanto materiais quanto imateriais

Não sujeitos a tombamentos por sua dinâmica

Hora do Recreio

Horário do Trabaho

Fazendo do Recreio Trabalho...
...e do Trabalho Recreio

Referência

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/roberto-pompeu-de-toledo-hora-do-recreio/
http://othaudoblog.blogspot.com.br/2013/03/bens-culturais-o-caso-da-pastelaria.html
http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Berman,%20Marshall/Tudo%20o%20que%20%C3%A9%20s%C3%B3lido%20desmancha%20no%20ar.%20A%20aventura%20da%20modernidade.pdf
https://youtu.be/EOkSwjaje58

Glossário

Juízo
Cambiante
Práxis
Rolante
Tombamento
Dinâmica
Hora
Recreio
Horário

Trabalho

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