“Uma vez Flamengo sempre Flamengo.”
Primeiro Verso de certo Hino
“Mesmo que eu fosse um Drácula,
teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que inunda a
cidade. Eu não sei se o time do Flamengo, como time, mereceu o título. Mas a
imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais.”Nelson
Rodrigues (O Globo, 17/12/1963)
O Flu como em 1995?
Fluminense 3 x 2 Flamengo - Final
do Campeonato Carioca 1995
Ou o Fla como em 1965:
Flamengo Campeão Carioca de 1965
Se der Flu, os flamenguistas seguirão
cantando:
HINO DO FLAMENGO
Se der Fla, os derrotados em campo
poderão fora dele seguir tricolores, como o maior de seus torcedores,
conformando-se com:
Crônica de Nelson Rodrigues sobre a
finalíssima de 1963:
Continuo Tricolor
Amigos,
ao terminar o grande Fla-Flu, o profeta tratou de catar os trapos e saiu do
Maracanã, mas de cabeça erguida. Era um vencido? Jamais. Vencido, como, se
temos de admitir esta verdade límpida e clara - o Fluminense jogou mais. Não cabe,
contra a evidência da nossa superioridade, nenhum argumento, sofisma ou dúvida.
Alguém dirá que o profeta não previa o empate.
Exato.
Mas vamos raciocinar. Houve lances, no Fla-Flu, que escapariam à vidência até
de um Maomé, até de um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um momento, em
que Marcial estava batido, irremediavelmente. O arco rubro-negro abria seus
sete metros e quebrados. E que fez Escurinho? Enfiou a bola na caçapa? Consumou
o "goal" de cambaxirra?
Simplesmente,
Escurinho levantou para Marcial. Deu a bola na bandeja como se fosse a cabeça
de São João Batista. E eu diria que nem Joana D’Arc, com suas visões lindas, ou
Maomé pendurado no seu camelo, ou o Moisés de Cecil B. de Mille, do alto de
suas alpercatas - podia imaginar tamanha ingenuidade. Escurinho teria de chutar
rente à grama, ou alto, se quisesse, mas teria de chutar e nunca suspender a
bola.
E
tem mais. Os profetas de ambos os sexos jamais poderiam contar com a trave. No
segundo tempo, Escurinho mandou uma bomba. Nenhum "goal" foi tão
merecido. Pois bem: - vem a trave e salva. Além do mais que Maomé, ou que
Moisés podia calcular que Solich ia fazer jogo para empate? Dirá o próprio que
não foi esta a sua intenção. Mas o fato incontestável é que ele armou o time
para o hediondo 0 x 0.
É
obvio que, desde o primeiro minuto, o Fluminense teria de se atirar todo para a
frente. Era preciso forçar a decisão, o"goal", a vitória, já que o
empate seria a catástrofe. O tricolor jogou bem e, no entanto, não deu, nunca,
a sensação de fome e sede de "goal". Faltavam uns 15 minutos, e os
nossos jogadores ainda tramavam, ainda faziam tico-tico, ainda perdiam tempo
com passes curtos, para os lados e para trás. Sim, o Fluminense jogou bem e não
cabe preciosismo num último Fla-Flu.
Já
contra o Bangu, aconteceu o seguinte: - sempre que Oldair avançava, eis que
Solich erguia-se na boca do túnel e fazia um comício. Oldair marcou dois
"goals" por desobediência e repito, por indisciplina tática. Ontem,
ele estava cá atrás, defendendo um empate que seria a vitória do Flamengo.
Vejam que tristeza horrenda: - jogamos bem e errado.
Dizia
eu que o profeta estava certo no mérito da questão. O tricolor é o melhor, foi
melhor, teve mais time. Mas há, claro, um campeão oficial, que é o Flamengo. E
aqui, abro um capítulo para falar da alegria rubro-negra, santa alegria que
anda solta pela cidade. Nada é mais bonito do que a euforia da massa flamenga.
À saída do estádio, eu vi um crioulão arrancar a camisa diante do meu carro.
Seminu, como um São Sebastião, ele dava arrancos medonhos. Do seu lábio, pendia
a baba elástica e bovina do campeão.
Mesmo
que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que
encharca, que inunda a cidade. Eu não sei se o time do Flamengo, como time,
mereceu o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra
merece muito mais. Cabe então a pergunta: - quem será o personagem da semana de
um abnegado Fla-Flu tão dramático para nós? Um nome me parece obrigatório: -
Marcial. E nessa escolha, está dito tudo. Quando o goleiro é a figura mais
importante de um time, sabemos que o adversário jogou melhor. Castilho teve
muito menos trabalho. Claro que eu não incluo, entre os méritos de Marcial, o
"goal" que Escurinho não fez. Tão pouco falo na bomba que o mesmo
Escurinho enfiou na trave. Assim mesmo Marcial andou fazendo intervenções
decisivas, catando bolas quase perdidas.
Amigos,
eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode
responder: - "Pior para os fatos!" É só.
(O Globo, 17/12/1963)
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