sábado, 8 de abril de 2017

A Presidenta que falava Javanês

"Janete em Harvard
Brasil 08.04.17 14:11
Dilma participa agora da Brazil Conference, organizada pelos alunos brasileiros do MIT e de Harvard. Assista à apresentação (com tradução simultânea para o inglês. O áudio em português não está disponível)." O Antagonista







Dilma Rousseff e Sérgio Moro: palestras em Harvard
POR CLEO GUIMARÃES
28/03/2017 10:50


Dilma Rousseff e Sérgio Moro | Divulgação

Estão esgotados os ingressos para as palestras do “Brazil Conference”, em Harvard, no mês que vem. O time de palestrantes inclui o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, o juiz Sérgio Moro, o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Jorge Paulo Lemann.



Dilma fará palestra em Harvard em evento com coordenador da Lava Jato e fundador do Vem Pra Rua
Além da ex-presidente, também participarão do evento Fernando Haddad, Deltan Dallagnol, Luiza Trajano e Jorge Paulo Lemann.

Dilma fará palestra em Harvard em evento com coordenador da Lava Jato e fundador do Vem Pra Rua – InfoMoney



Por que Harvard e MIT vão reunir Dilma, Olavo de Carvalho, Moro e Wagner Moura?
Ricardo Senra
Da BBC Brasil em Washington
5 abril 2017

O que têm em comum o juiz federal Sergio Moro, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ator Wagner Moura, o bilionário Jorge Paulo Lemann, o filósofo Olavo de Carvalho, o vereador Eduardo Suplicy, a líder da Rede, Marina Silva, e os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso?
Fora o fato de que todos deverão participar, no próximo final de semana, da principal conferência sobre o Brasil nos Estados Unidos, bem pouco.
O que há de real por trás do mito dos Illuminati?
E é justamente por isso que eles estarão por lá.
"No Brasil, a direita e a esquerda simplesmente não conversam", disse à BBC Brasil o pesquisador David Pares, um dos presidentes da Brazil Conference, realizada pela Universidade de Harvard e pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
"As pessoas só compartilham o que já acreditam. Entendemos isso como falta de diálogo entre ideais diferentes e esse é o maior problema da polarização. A ideia da conferência é ajudar as pessoas a desmistificarem o polo oposto", afirmou.
Pares se refere à noção de "pós-verdade", termo que virou febre nos Estados Unidos no ano passado, sobretudo durante a eleição que elegeu Donald Trump.
Pares explica: "Não acontece só no Brasil. Aqui houve uma surpresa enorme com a eleição de Trump. Os progressistas simplesmente não entendiam por que ele ganhou. Na pós-verdade, as pessoas ignoram coisas que são contraditórias ao pensamento delas e só procuram aquilo que alimenta suas convicções."
Uma das falas de abertura da conferência será do diplomata Dan Shapiro, embaixador dos Estados Unidos em Israel no governo Barack Obama e professor em Harvard. O tema é oportuno: "Como criar pontes entre pessoas com diferentes perspectivas?".
Dilma+Moro
Mais de cem palestrantes e moderadores deverão circular pelos corredores de Harvard e do MIT nesta sexta-feira e no sábado.
A conferência é organizada por estudantes das duas universidades e tem patrocinadores poderosos, como a Fundação Lemann e o banco BTG Pactual.


Direito de imagemDIVULGAÇÃO ALESSANDRO MOLONImage captionMesas da edição do ano passado da conferência chegaram a reunir 300 pessoas

Dilma e Moro se apresentarão separadamente. "Mas eles não foram convidados para fazer discursos. Serão entrevistados ao vivo e em público", afirmou Pares.
Ainda não é possível prever, entretanto, o tom das entrevistas.
A ex-presidente será entrevistada por Frances Hagopian, professora de estudos sobre Brasil do departamento de Governo de Harvard. A docente já disse que o impeachment "não foi golpe porque obedeceu preceitos constitucionais", mas que "remover presidentes só porque são impopulares não abre um bom precedente".
Moro conversará com outro juiz federal, o também brasileiro Erick Navarro. Em março do ano passado, quando Moro foi criticado por divulgar gravações telefônicas entre Dilma e o ex-presidente Lula, Navarro foi um dos 280 magistrados a assinarem uma carta de apoio ao juiz.
"Construímos a estrutura da conferência para realmente não ter atritos. Não queremos que as pessoas 'se batam' durante as conversas. Isso não irá agregar nada", justificou o presidente da conferência. "A ideia é pensar em como transformar o país na prática, não importa se você é de direita ou esquerda."
Olavo, Suplicy, Dallagnol e Haddad
Uma das mesas mais aguardadas debaterá o tema "Violência urbana: causas e possíveis soluções".
A sessão reunirá José Mariano Beltrame, ex-secretário de segurança do Rio e criador do programa das UPPs (Unidades de Policia Pacificadora), o ator Wagner Moura (o capitão Nascimento, dos filmes Tropa de Elite), a advogada Luciana Boiteux (vice na chapa de Marcelo Freixo à Prefeitura do Rio em 2016) e o ativista do movimento negro paulistano Douglas Belchior.


Direito de imagemARQUIVO PESSOAL/JOAO FELLETImage captionVereador petista Eduardo Suplicy (à esq.) dividirá mesa sobre programas sociais com filósofo Olavo de Carvalho
Mas apesar da preocupação dos organizadores em evitar atritos, haverá eventos com convidados tidos como "água e óleo" pela pouca afinidade ideológica ou intelectual.
O filósofo Olavo de Carvalho se encontrará, por exemplo, com o vereador por São Paulo Eduardo Suplicy (PT) em uma discussão sobre programas sociais no Brasil.
Também em lados opostos na política, o ex-prefeito de SP Fernando Haddad dividirá com ACM Neto (DEM), prefeito de Salvador, uma mesa sobre inovação no setor publico.
O ministro do STF Gilmar Mendes, também responsável pelo julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, deverá integrar duas mesas.
Primeiro, ao lado de José Eduardo Cardozo, ex-advogado geral da União e defensor de Dilma no processo de impeachment, discutirá reformas no financiamento de campanhas. Depois, debaterá o sistema prisional brasileiro com Rafael Custódio, da ONG de direitos humanos Conectas, e a professora de Harvard Isabela Ferrari.
Marina Silva, da Rede, também fala em dois momentos sobre sustentabilidade e desenvolvimento a longo prazo no Brasil.
A lista de convidados inclui ainda Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Deltan Dallagnol, procurador da operação Lava Jato, e Alessandro Molon, deputado federal pela Rede. Incluirá ainda personalidades como o apresentador Luciano Huck, em rodada sobre tecnologia e inovação, o jogador Kaká, que falará sobre jogadores de futebol brasileiros nos Estados Unidos, e os músicos Gilberto Gil e Yamandu Costa.
As palestras e mesas redondas serão transmitidas ao vivo na página daBrazil Conference no Facebook (https://www.facebook.com/brazilconference/). Os ingressos para o evento presencial estão esgotados.



O homem que sabia javanês
Lima Barreto




Por Projeto Releituras


Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver. Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.

O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:

— Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!

— Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado!

— Cansa-se; mas não é isso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.

— Qual! Aqui mesmo, meu Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês?

— Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?

— Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.

— Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?

— Bebo.
Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:

— Eu tinha chegado havia pouco ao Rio e estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anúncio seguinte:

"Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas etc".

Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir, mas entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi.

Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e à língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo malaio-polinésio, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.

A Enciclopédia dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras.

Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.

À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente. Convenci-me de que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:

— Senhor Castelo, quando salda a sua conta?

Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:

— Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e... Por aí o homem interrompeu-me:

— Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?

Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem.

— É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?

Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portugueses:

— Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe disso, Senhor Castelo?

Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.

Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao Doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que número. É preciso não te esqueceres de que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar responder "como está o senhor"? e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.

Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil — pode ficar certo — aprender o javanês... Fui à pé. Cheguei suadíssimo; e, com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir simpatia pela natureza...

Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava maltratada, mas não sei por que me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos, estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou malcuidadas.

Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam, porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelos de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.
Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antigüidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...

Esperei um instante o dono da casa.Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.

— Eu sou — avancei — o professor de javanês, de que o senhor disse precisar.

— Sente-se — respondeu-me o velho. — O senhor é daqui, do Rio?

— Não, sou de Canavieiras.

— Como? — fez ele. — Fale um pouco alto, que sou surdo.

— Sou de Canavieiras, na Bahia — insisti eu.

— Onde fez os seus estudos?

— Em São Salvador.

— Em onde aprendeu o javanês? — indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.

Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de uma navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.

— E ele acreditou? E o físico? — perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.

— Não sou — objetei — lá muito diferente de um javanês. Estes meu cabelos corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço malaio... Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.

— Bem — fez o meu amigo —, continua.

— O velho — emendei eu — ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, e pareceu que me julgava de fato filho de malaio, e perguntou-me com doçura:

— Então está disposto a ensinar-me javanês?

— A resposta saiu-me sem querer. Pois não.

— O senhor há de ficar admirado — aduziu o Barão de Jacuecanga — que eu, nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas...

— Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito fecundos...

— O que eu quero, meu caro senhor...?

— Castelo — adiantei eu.

— O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou siamês que lho dera em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me que mo deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo caso, guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que teu filho o entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz." Meu pai — continuou o velho barão — não acreditou muito na história; contudo guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto desgosto, tantas desgraças têm caído sobre a minha velhice que me lembrei do talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, e não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro que preciso entender o javanês. Eis aí.

Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o livro. Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém, estava reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.

Veio o livro. Era um velho calhamaço, um inquarto antigo, encadernado em couro, impresso em grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.

Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda folheando o cartapácio, à laia de quem sabe magistralmente aquela espécie de vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora, comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.

Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.

A filha e o genro ( penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram coisa boa para distraí-lo.

Mas com que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa única! Ele não se cansava de repetir: "É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!"

O marido de Dona Maria da Glória ( assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.

Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!... Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia a seus olhos! Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. Passava, enfim, uma vida regalada.

Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a coisa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.

Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo de que me aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. — "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso.

O diretor chamou os chefes de seção: "Vejam só, um homem que sabe javanês — que portento!"

Os chefes da seção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"

O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.

A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, consertou o pince-nez no nariz e perguntou: " Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um consulado na Àsia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil no congresso de Lingüística. Estude, leia o Hove-Iacque, o Max Müller, e outros!"

Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.

O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.

Pus-me com afã no estudo das línguas malaio-polinésias; mas não havia meio!

Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aos outros: "Lá vai o sujeito que sabe javanês." Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de entender o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do Commércio, um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e moderna...

— Como, se tu nada sabias? — interrompeu-me o atento Castro.

— Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas poucas de geografia, e depois citei a mais não poder.

— E nunca duvidaram? — perguntou-me ainda o meu amigo.

— Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo bronzeado que só falava em língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês — uf!

Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na seção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter dado aquela seção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano-brasileiro, me estava naturalmente indicada a seção do tupi-guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.

Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle, em Berlim, em Turim e em Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.

Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da República, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.

Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis anos e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.

— É fantástico — observou Castro, agarrando o copo de cerveja.

— Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser?

— Quê?

— Bacteriologista eminente. Vamos?

— Vamos.

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e aqui morreu em 1922. Estudou engenharia, mas interrompeu o curso e foi ser funcionário da secretaria do Ministério da Guerra. Dedicou-se, desde o tempo de estudante, às letras. Escreveu nas principais revistas de sua época, como "Fon-Fon", "Careta", "O Malho", "Brás Cubas" e muitas outras. Grande parte de sua notável obra literária foi de cunho satírico e humorístico, servindo de exemplo "Os Bruzundangas" e "Triste Fim de Policarpo Quaresma". Merecem também destaques seus romances "Recordações do Escrivão Isaias Caminha", "Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá" e "Clara dos Anjos". Deixou muitos contos, além dos constantes de seu livro "Histórias e Sonhos".

O texto acima, que tem uma história engraçada envolvendo a revista Veja e o escritor Luis Fernando Veríssimo, foi considerado o mais ferino, malicioso e cáustico escrito por Lima Barreto. Extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira S. A. — Rio de Janeiro,1957, pág. 204.



Dilma fará palestra na Universidade de Harvard
A ex-presidente estará no país de 8 a 22 de abril onde participará de uma extensa agenda
por Taciana Carvalho
seg, 27/03/2017 - 20:27


Reprodução/Facebook

A ex-presidente Dilma Rousseff, no próximo mês, irá ministrar uma palestra em Harvard, nos Estados Unidos, considerada uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Rousseff estará no país de 8 a 22 de abril onde também irá participar de outros eventos. 
No início deste mês, ela fez um “tour” pela Europa, bem como em Portugal, onde participou de um debate na Fundação José Saramago. Em suas explanações, Dilma usa um discurso parecido: o do “golpe“ que sofreu no Brasil. A petista ainda deverá participar de outros quatro eventos em Washington. 
Numa entrevista concedida na Venezuela, Dilma chegou a dizer que Temer não tinha política própria e que ele era um “presidente decorativo”. “Ele apenas respalda a política do PSDB. Ele passou de vice-presidente decorativo a presidente decorativo”, disparou na ocasião. 
Recentemente, em Lisboa, ela ressaltou que o Brasil precisa de paz. “Nós precisamos de eleições livres e também precisamos de paz para voltar a crescer. É fundamental. Nós precisamos da solidariedade e da atenção de vocês”. Dilma também falou sobre perder. “Perder, dentro da democracia, não é vergonha nenhuma”, frisou. 
Confira a agenda completa: 
8 de Abril – Boston, Harvard “Brazil Conference”
10 de Abril – Universidade de Brown
11 de Abril – Universidade de Columbia
12 de Abril – New School
13 de Abril – Princeton
14 de Abril – Democracy Now e Defend Democracy Brazil
Washington, entre 16 e 20 de Abril
– George Washington University
–  Brazil Expats
– Entrevista Foreign Policy
– Reunião com AFL-CIO

Referências


http://www.oantagonista.com/posts/janete-em-harvard
https://s2.glbimg.com/gqKgrm0xzTALfwT1Ftkd7_vDhsY=/top/i.glbimg.com/og/ig/infoglobo1/f/original/2017/03/27/collage.jpg
http://blogs.oglobo.globo.com/gente-boa/post/dilma-rousseff-e-sergio-moro-palestras-em-harvard.html
http://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/6140566/dilma-fara-palestra-harvard-evento-com-coordenador-lava-jato-fundador
https://ichef-1.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/C8B0/production/_95467315_molon-brazil-conference-2016-1-site.png
https://ichef-1.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/EBD8/production/_95467306_suplicyolavo1.jpg
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39498756
http://www.releituras.com/biofotos/limabarreto.jpg
http://www.releituras.com/limabarreto_javanes.asp
http://www.leiaja.com/sites/default/files/field/image/politica/topo/2017/03/dilm_0.jpg
http://www.leiaja.com/politica/2017/03/27/dilma-fara-palestra-na-universidade-de-harvard/

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