Justa causa, pedalar faz mal,
situação fiscal e desespero lulopetista
Golpes
mesmo vieram da presidente agora afastada, jogando o País nas cordas da crise
Roberto Macedo
18
Agosto 2016 | 03h07
ESTADÃO
OPINIÃO ESPAÇO ABERTO
Tudo
indica estar bem próxima a demissão de Dilma Rousseff como presidente da
República. Impeachment é um anglicismo desnecessário e mesmo traduzido não é de
entendimento geral. Demissão todo mundo sabe o que é.
Dilma
fez por merecê-la pelos crimes de (ir)responsabilidade cometidos na sua
calamitosa gestão das finanças públicas federais. Eles estão no cerne da imensa
crise econômica e social que o País sofre. Quem a vê como inocente, ou se
confunde quanto a esta questão, ou é porque não se ateve aos crimes de que é
culpada, citados mais à frente. Há também a minoria que a inocenta por
convicções ideológicas que obscurecem a visão do que se passou.
Também
é fundamental entender o processo de demissão. É essencialmente político e seus
juízes são os deputados federais, numa primeira instância, e os senadores, na
etapa final, que se aproxima. A presença do presidente do STF no julgamento
pelo Senado tem por objetivo apenas presidir às reuniões e garantir que sigam
os trâmites legais. Mas não vota, e assim os juízes são políticos por natureza.
São
513 deputados federais e 81 senadores. Primeiro na Câmara e depois no Senado,
para aprovar uma demissão presidencial é preciso arregimentar dois terços dos
membros, 342 deputados e 54 senadores. Assim, a demissão não teria passado na
Câmara se 172 deputados federais houvessem votado contra, não comparecessem à
votação ou se abstivessem de votar. Mas só 146 deputados assim se comportaram.
No Senado, na última votação sobre o assunto, só houve 21 votos favoráveis a
Dilma, sem ausências nem abstenções, exceto a do presidente da Casa. E seriam
necessários 28. Ou seja, Dilma não tem apoio político para se sustentar no
cargo.
E
mais: seus defensores alegam que o processo só começou na Câmara porque seu
desafeto, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, forçou esse caminho. Mas
tal iniciativa não teria prosperado se Dilma tivesse apoio político para
interrompê-la. Cunha nunca teve força para arregimentar dois terços dos
deputados só por sua vontade. No Senado, Renan Calheiros sempre se aliou a
Dilma, mas abandonou-a quando viu que o quórum para a demissão estava
assegurado.
Passando
às razões, predominantes na avaliação do Congresso, elas são fortíssimas e a
defesa de Dilma não conseguiu desmontá-las. São dois crimes. Seu governo tomou
empréstimos de bancos estatais, como BB, Caixa e BNDES. Tais operações de
crédito, financeiramente incestuosas, pois que realizadas numa mesma família
institucional, são conhecidas como pedaladas. Outro crime foi abrir créditos
orçamentários suplementares, ou autorizações de mais gastos, sem aprovação do
Poder Legislativo, o que chamo de aceleradas fiscais.
Do
lado dilmista, argumenta-se que tais ações foram meros atos administrativos.
Mas a Lei Complementar 101, de Responsabilidade Fiscal, proíbe pedaladas
(artigo 36) e a Constituição federal (artigo 167, V) veda explicitamente as
aceleradas. A Constituição também diz (artigo 85, VI) que são crimes de
responsabilidade os atos presidenciais atentatórios ao seu texto e,
especialmente, contra a lei orçamentária, impactada pelas pedaladas e
aceleradas. E mais: a Lei 1.079, que trata da demissão (artigo 10, 4), repete
esse dispositivo de proteção à lei orçamentária. E também diz (artigo 11, 2)
que as aceleradas fiscais são crimes “contra a guarda e legal emprego dos
dinheiros públicos”.
Tais
ações tiveram origem no propósito dilmista de a qualquer custo se reeleger em
2014 e desembocaram na crise que dura até hoje, a qual também influenciou a
posição do Congresso. Quem o assessora nas contas públicas é o Tribunal de
Contas da União. E seus juízes, por unanimidade, condenaram as contas da
presidente em 2014, pelas razões citadas, e ela continuou pedalando no seu
mandato seguinte, em 2015.
Outro
argumento contra Dilma não vi usado no debate. Em dezembro de 2015 a União
pagou R$ 72,4 bilhões de suas pedaladas no BB, BNDES, Caixa e FGTS. Se não via
nada de errado nesses débitos, por que pagá-los? Além disso, o debate sobre o
assunto teria sido ainda mais esclarecedor se chamada como testemunha a
repórter Leandra Peres, do jornal Valor Econômico. Ela ganhou recentemente
um prêmio de jornalismo pela extensa matéria que publicou em 11/12/2015,
intitulada O aviso foi dado: pedalar faz mal. Mostrou que desde meados de 2013
técnicos do Tesouro Nacional advertiam seus superiores sobre irregularidades
fiscais que Dilma perpetrava (www.valor.com.br/pedaladas).
Mais
recentemente, Dilma mostrou falta de sintonia com sua defesa, ao dizer que o PT
precisa reconhecer todos os erros que cometeu em suas práticas de “... condução
de todos os processos de uso de verbas públicas”.
Em
síntese, ela se revelou uma estranha no ninho dos políticos e se mostrou
irresponsável ao conduzir o governo e suas contas, no que infringiu as leis do
País e lhe causou imensos danos. A propósito, no prefácio que escreveu em livro
recente, o economista Edmar Bacha lembrou frase atribuída ao então governador
paulista Orestes Quércia: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”. Bacha
sugere que Dilma parafraseasse Quércia afirmando: “Quebrei o País, mas me reelegi
presidente”. Caberia acrescentar: “E depois fui demitida”.
“Inequívoco
golpe” contra si, conforme a carta que divulgou anteontem? Ora, não houve
ruptura institucional que caracterizasse golpe. Tudo vem transcorrendo em
respeito às leis brasileiras. Golpes mesmo vieram de Dilma, pois socou o País
até jogá-lo nas cordas da crise. Lamentos quanto à demissão até cabem, mas
porque ela veio atrasada, estendendo a agonia em que o Brasil se encontra, e
sem uma punição mais dura.
Na
mesma carta, de novo ela se diz inocente. Ficaria menos mal na História se
anunciasse sua renúncia.
*Economista
(UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
Guido
Mantega e Arno Augustin, em foto de 2009: área técnica do Tesouro alertou a
cúpula da Fazenda sobre o risco da construção da fábrica de pedaladas
POR LEANDRA PERES,
de Brasília
11/12/2015
Valor
Dois
anos e meio antes de as “pedaladas fiscais” justificarem a abertura do processo
de impeachment da presidente Dilma Rousseff e pelo menos um ano antes do início
da campanha pela reeleição, técnicos do Tesouro Nacional elaboraram, em julho
de 2013, um diagnóstico de 97 páginas sobre a situação fiscal e econômica do
país. Mantido sob sigilo até agora, o relatório, ao qual o Valor teve
acesso, continha um claro alerta à cúpula do governo: “O prazo para um possível
‘downgrade’ é de até 2 anos”; “Ao final de 2015 o TN [Tesouro Nacional] estaria
com um passivo de R$ 41 bilhões” na conta dos subsídios em atraso;
“Contabilidade ‘criativa’ afeta a credibilidade da política fiscal”.
Novos
avisos foram incluídos em uma versão revisada, de setembro de 2013. O caixa do
Tesouro estava muito baixo e foi citado no documento como “risco para 2014”. Os
técnicos do Tesouro projetavam um “déficit sem perspectiva de redução”, falavam
em “esqueletos” que teriam que ser explicitados e recomendavam “interromper
imediatamente quaisquer operações que produzam resultado primário sem a
contrapartida de contração da demanda agregada ou que gere efeitos negativos
sobre o resultado nominal e/ou taxa implícita da dívida líquida”.
O
trabalho foi concluído em novembro de 2013 e apresentado ao então secretário do
Tesouro, Arno Augustin. As 97 páginas do documento original foram resumidas em
16 slides. Em uma linguagem mais suave, as preocupações continuavam lá. Mas o
documento foi tratado pela cúpula do Ministério da Fazenda apenas como um ato
de rebelião dos escalões inferiores.
Pouco
mais de dois anos depois, em setembro de 2015, o rebaixamento da nota do Brasil
ao grau especulativo foi anunciado pela Standard&Poor’s, principal agência
de avaliação de risco soberano. O descrédito da política fiscal passou a ser
considerado um dos principais fatores responsáveis pela recessão de mais de 3%
projetada para este ano. As pedaladas fiscais foram reprovadas pelo Tribunal de
Contas da União (TCU) e alimentam a crise política enfrentada pela presidente
da República.
Nos
últimos três meses o Valor conversou com mais de 20 autoridades que
ocuparam ou ainda ocupam cargos no governo e teve acesso exclusivo a documentos
inéditos que permitem recontar a história fiscal do primeiro mandato da
presidente Dilma.
O
que é possível mostrar agora é que em momentos-chave, como o da adoção da
contabilidade criativa de 2012, o esforço da área técnica do Tesouro para
barrar novas operações em 2013 e a construção da fábrica de pedaladas de 2014,
não faltaram avisos sobre os riscos que o país corria.
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