terça-feira, 28 de maio de 2024

RUPTURA NA DEMOCRACIA

------------ Manuel Castells - Ruptura - A crise da democracia liberal* 1. A crise de legitimidade política: Não nos representam Era uma vez a democracia * Primeiro capítulo (parte) do livro. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2018 Democracia, escreveu faz tempo Robert Escarpit, é quando batem na sua porta às cinco da manhã e você supõe que é o leiteiro. Nós que vivemos o franquismo sabemos o valor dessa visão minimalista de democracia, que ainda não foi alcançada na maior parte do planeta. Contudo, após milênios de construção de instituições às quais possamos delegar o poder soberano que, teoricamente, nós cidadãos detemos, aspiramos a algo mais. E de fato é isso que o modelo de democracia liberal nos propõe. A saber: respeito aos direitos básicos das pessoas e aos direitos políticos dos cidadãos, incluídas as liberdades de associação, reunião e expressão, mediante o império da lei protegida pelos tribunais; separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário; eleição livre, periódica e contrastada dos que ocupam os cargos decisórios em cada um dos poderes; submissão do Estado, e de todos os seus aparelhos, àqueles que receberam a delegação do poder dos cidadãos; possibilidade de rever e atualizar a Constituição na qual se plasmam os princípios das instituições democráticas. E, claro, exclusão dos poderes econômicos ou ideológicos na condução dos assuntos públicos mediante sua influência oculta sobre o sistema político. Por mais simples que o modelo pareça, séculos de sangue, suor e lágrimas foram o preço pago para chegar à sua realização na prática institucional e na vida social, mesmo levando em conta seus múltiplos desvios em relação aos princípios de representação que aparecem em letra miúda nas leis e na ação enviesada de parlamentares, juízes e governantes. Por exemplo, quase nenhuma lei eleitoral aplica o princípio de “uma pessoa, um voto” na correspondência entre o número de votos e o número de assentos. E a estrutura do Poder Judiciário depende indiretamente do sistema político, incluindo os tribunais que interpretam os princípios constitucionais. Na realidade, a democracia se constrói em torno das relações de poder social que a fundaram e vai se adaptando à evolução dessas relações, mas privilegiando o poder que já está cristalizado nas instituições. Por isso não se pode afirmar que ela é representativa, a menos que os cidadãos pensem que estão sendo representados. Porque a força e a estabilidade das instituições dependem de sua vigência na mente das pessoas. Se for rompido o vínculo subjetivo entre o que os cidadãos pensam e querem e as ações daqueles a quem elegemos e pagamos, produz-se o que denominamos crise de legitimidade política; a saber, o sentimento majoritário de que os atores do sistema político não nos representam. Em teoria, esse desajuste se autocorrige na democracia liberal com a pluralidade de opções e as eleições periódicas para escolher entre essas opções. Na prática, a escolha se limita àquelas opções que já estão enraizadas nas instituições e nos interesses criados na sociedade, com obstáculos de todo tipo aos que tentam acessar uma corriola bem-delimitada. E pior, os atores políticos fundamentais, ou seja, os partidos, podem diferir em políticas, mas concordam em manter o monopólio do poder dentro de um quadro de possibilidades preestabelecidas por eles mesmos. A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio. Além disso, os partidos, como tais, experimentam um processo de burocratização interna, predito por Robert Michels desde a década de 1920, limitando a renovação à competição entre seus líderes e afastando-se do controle e da decisão de seus militantes. E mais, uma vez realizado o ato da eleição, dominado pelo marketing eleitoral e pelas estratégias de comunicação, com escasso debate e pouca participação de militantes e eleitores, o sistema funciona autonomamente em relação aos cidadãos. Tão somente tomando o pulso da opinião, nunca vinculante, através de pesquisas cujo desenho é controlado pelos que as encomendam. Mesmo assim, os cidadãos votam, elegem e até se mobilizam e se entusiasmam por aqueles em que depositam esperanças, mudando volta e meia quando a esperança supera o medo de mudança, que é a tática emocional básica na manutenção do poder político. Mas a recorrente frustração dessas esperanças vai erodindo a legitimidade, ao mesmo tempo que a resignação vai sendo substituída pela indignação quando surge o insuportável. Quando, em meio a uma crise econômica, bancos fraudulentos são salvos com o dinheiro dos contribuintes, enquanto são reduzidos serviços básicos para a vida das pessoas. Com a promessa de que as coisas vão melhorar se elas aguentarem e seguirem engolindo, e, quando não é assim, é preciso romper com tudo ou aguentar tudo. E o rompimento fora das instituições tem um alto custo social e pessoal, demonizado por meios de comunicação que, em última análise, são controlados pelo dinheiro ou pelo Estado, apesar da resistência muitas vezes heroica dos jornalistas. Em situação de crise econômica, social, institucional, moral, aquilo que era aceito porque não havia outra possibilidade deixa de sê-lo. E aquilo que era um modelo de representação desmorona na subjetividade das pessoas. Só resta o poder descarnado de que as coisas são assim, e aqueles que não as aceitarem que saiam às ruas, onde a polícia os espera. Essa é a crise de legitimidade. É o que está acontecendo na Espanha, na Europa e em grande parte do mundo. Mais de dois terços dos habitantes do planeta acham que os políticos não os representam, que os partidos (todos) priorizam os próprios interesses, que os parlamentos não são representativos e que os governos são corruptos, injustos, burocráticos e opressivos. Na percepção quase unânime dos cidadãos, a pior profissão que existe é a de político. Ainda mais quando se reproduzem eternamente e muito raro voltam à vida civil, enquanto puderem medrar pelos emaranhamentos da burocracia institucional. Esse sentimento amplamente majoritário de rejeição à política varia segundo países e regiões, mas se verifica em todas as partes. Em países como os da Escandinávia, inclusive, onde a limpeza democrática tem sido uma referência geradora de esperança, já faz algum tempo que a tendência da opinião pública vai no mesmo sentido. Por isso, tomo a liberdade de remeter o leitor ao compêndio estatístico de fontes confiáveis que se encontra no site relacionado a este livro,a para que possa fazer suas próprias constatações em diversas áreas do mundo. Contudo, como o livro foi escrito e publicado originalmente na Espanha, ilustrarei aqui o argumento com alguns dados desse país. Se, em 2000, 65% dos cidadãos não confiavam nos partidos políticos, a desconfiança subiu para 88% em 2016. Em relação ao Parlamento, aumentou de 39% em 2001 para 77% em 2016, enquanto que, em relação ao governo, passou de 39% para 77% no mesmo período. E sublinho o fato de que esse desmoronamento da confiança se refere tanto a governos socialistas quanto a populares. De fato, a maior queda foi a de 80% de desconfiança em 2011, precipitando a debandada do governo do Psoe (Partido Socialista Operário Espanhol) com Rodríguez Zapatero. Embora em menor medida, mais da metade dos espanhóis também não confia no sistema legal (54% em 2016, em comparação com 49% em 2001). As autoridades regionais e locais tampouco se saem bem, embora neste caso tenha havido uma redução no grau de desconfiança, de seu máximo de 79% em 2014 para 62% em 2017, após a eleição nos “municípios da mudança”b (liderados pelo Podemos e suas confluências) em 2015. Por fim, a polícia é a que tem a melhor avaliação. Somente 36% dos cidadãos revelavam desconfiança em 2014, e a tendência está em baixa: 24% em 2017. A intervenção policial contra a corrupção e o instinto de buscar uma ordem para além dos políticos parecem favorecer a ideia de que os servidores do Estado são mais confiáveis do que seus chefes. Não é de estranhar, visto que em 2016 quase três quartos dos espanhóis achavam que “os políticos não se preocupam com pessoas como eu” e que “não importa quem esteja no poder, eles sempre beneficiam seus interesses pessoais”. Pois bem, se as coisas são assim no âmbito mundial, mesmo ressalvando as diferenças, talvez seja esse o destino de qualquer instituição humana. E também da democracia liberal. Continuamos nos referindo frequentemente à célebre frase de Churchill em 1947, segundo a qual “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que foram experimentadas de tempos em tempos”. Pode ser. Contudo, para além de um debate metafísico sobre a essência da democracia, o que observo é que cada vez menos gente acredita nessa forma de democracia, a democracia liberal, ao mesmo tempo que a grande maioria continua defendendo o ideal democrático. Precisamente porque as pessoas querem crer na democracia, o desencanto é ainda mais profundo em relação à forma como a vivem. E desse desencanto nascem comportamentos sociais e políticos que estão transformando as instituições e as práticas de governança em toda parte. Isso é o que me parece importante analisar. Quanto à inevitabilidade da deturpação do ideal democrático, não creio ser muito útil filosofar sobre a malfadada natureza humana, discurso paralisante e justificador da continuidade desse estado de coisas. Mais relevante é investigar algumas das causas pelas quais a separação entre representantes e representados se acentuou nas duas últimas décadas, até chegar ao ponto de ebulição da rejeição popular aos que estão lá em cima, sem distinções. Algo que, do ponto de vista do establishment político e midiático, é pejorativamente denominado populismo, porque são comportamentos que não reconhecem os enviesados canais institucionais que se oferecem para a mudança política. Na realidade, as emoções coletivas são como a água: quando encontram um bloqueio em seu fluxo natural, abrem novas vias, frequentemente torrenciais, até inundar os exclusivos espaços da ordem estabelecida. ____________________________________________________________________________________ -----------
------------ "Ruptura na Democracia: A Crise de Legitimidade Política" Neste capítulo de "Ruptura - A crise da democracia liberal", Manuel Castells explora a crescente crise de legitimidade que afeta as democracias liberais contemporâneas. Ele analisa como a desconexão entre representantes políticos e cidadãos, alimentada por desconfiança e desilusão, está transformando as instituições democráticas e provocando profundas mudanças sociais e políticas. Resumo: O primeiro capítulo do livro "Ruptura - A crise da democracia liberal" de Manuel Castells, intitulado "A crise de legitimidade política: Não nos representam", aborda a crise de legitimidade política que afeta a democracia liberal. Castells inicia com uma citação de Robert Escarpit, que descreve a democracia como um sistema onde se supõe que quem bate na porta às cinco da manhã é o leiteiro, ilustrando uma visão minimalista que valoriza a segurança e previsibilidade oferecidas por regimes democráticos, em contraste com os regimes autoritários. Castells discute como, apesar de séculos de desenvolvimento de instituições destinadas a garantir a delegação do poder soberano dos cidadãos, a democracia liberal enfrenta uma crise de legitimidade. Este sistema idealmente promove direitos básicos e políticos, separação de poderes, eleições livres e periódicas, e a submissão do Estado ao controle dos cidadãos. No entanto, a realidade frequentemente se afasta desses princípios devido a várias distorções, como a desigualdade na representação eleitoral e a dependência do Judiciário do sistema político. O autor argumenta que a democracia se constrói e se adapta em torno das relações de poder social, frequentemente privilegiando aqueles que já detêm o poder institucionalizado. A representação política só é efetiva se os cidadãos sentirem que estão sendo representados. Quando esse vínculo subjetivo é rompido, surge uma crise de legitimidade política, onde os cidadãos sentem que os políticos não os representam, resultando em uma erosão da confiança nas instituições democráticas. Castells observa que, em teoria, a democracia liberal poderia se autocorrigir através da pluralidade de opções e das eleições periódicas. Na prática, contudo, as escolhas são limitadas a opções que já estão enraizadas nas instituições e interesses estabelecidos, com obstáculos significativos para novas opções. A política se profissionaliza, criando uma classe política que, na maioria das vezes, defende seus próprios interesses acima dos dos cidadãos que deveriam representar. O autor também destaca o processo de burocratização interna dos partidos políticos, que limita a renovação e distancia a tomada de decisão dos militantes. Além disso, após as eleições, o sistema funciona de forma autônoma em relação aos cidadãos, usando pesquisas de opinião não vinculativas para medir o pulso da sociedade. A frustração contínua com o desempenho dos políticos leva à indignação e à crise de legitimidade, especialmente quando, em crises econômicas, os bancos são salvos com o dinheiro dos contribuintes enquanto os serviços básicos são reduzidos. Essa situação leva os cidadãos a perceberem que as instituições políticas não os representam, resultando em uma rejeição generalizada da política e dos políticos. Castells usa a Espanha como exemplo para ilustrar essa crise de confiança. Ele apresenta dados que mostram o aumento significativo da desconfiança em relação aos partidos políticos, ao Parlamento, ao governo e até ao sistema legal entre 2000 e 2016. Apenas a polícia mantém um nível relativamente baixo de desconfiança. Finalmente, Castells sugere que a crise de legitimidade não é exclusiva da Espanha, mas é um fenômeno global que varre até mesmo democracias que antes eram vistas como modelos, como as da Escandinávia. A desilusão com a democracia liberal é profunda, mas o ideal democrático continua a ser amplamente defendido, levando a transformações sociais e políticas em todo o mundo. O desafio, portanto, é investigar as causas dessa desconexão entre representantes e representados e encontrar maneiras de reverter a tendência de descrédito das instituições democráticas. _________________________________________________________________________________________________________ -----------
SUPREMOCRACIA DESAFIADA May 2024REI - REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS 10(2):248-269 May 202410(2):248-269 DOI:10.21783/rei.v10i2.833 LicenseCC BY-NC 4.0 Authors: ----------
----------- Rubens Glezer Fundação Getulio Vargas Oscar Vilhena Download full-text PDF References (33) https://www.researchgate.net/publication/380346240_SUPREMOCRACIA_DESAFIADA _________________________________________________________________________________________________________ ----------- A SUPREMOCRACIA DESAFIADA1 RUBENS GLEZER 2 OSCAR VILHENA 3 INTRODUÇÃO A vandalização da sede do Supremo Tribunal Federal, em 8 de janeiro de 2023, marca o ápice de um processo sistemático de demonização do Supremo promovido pelo então presidente Jair Bolsonaro e reverberada de maneira coordenada por seus apoiadores mais radicais nas redes sociais. A profunda hostilidade da extremadireita em relação ao Supremo decorre não apenas de uma reação à instituição que impôs limites ao comportamento abusivo do governo e seus apoiadores, mas também de uma a hostilidade desses seguimentos às próprias regras do jogo democrático, aos limites estabelecidos pelo estado direito para legítimo exercício do poder, assim como aos direitos e políticas públicas “progressistas” estabelecidos pela Constituição. A animosidade em relação ao Supremo não se encontra, no entanto, confinada à extrema direita e a setores conservadores. Operadores do direito, membros da comunidade acadêmica e da mídia especializada têm sido cada vez mais vocais no exercício do direito de analisar e criticar o comportamento de determinados ministros e mesmo dos vícios contidos nos processos decisórios do tribunal. A ampliação e o recrudescimento das críticas ao comportamento do Supremo e diversos de seus ministros também não é recente. Está associado a própria expansão dos poderes do tribunal promovida pela Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal vem se consolidando nas últimas décadas como um ator central no sistema político brasileiro. Não houve tema relevante, de natureza política, econômica, moral ou criminal que não tenha exigido uma decisão __________________________________________________ 1 Agradecemos pela leitura da versão preliminar deste ensaio pela Professora Ana Laura Pereira Barbosa e pela pesquisadora Ana Beatriz Santos Pires, que ofereceram comentários argutos e construtivos, para ajudar que o argumento alcançasse esta forma final. Os erros, contudo, são de exclusiva responsabilidade dos coautores. 2 Doutor em Teoria do Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito e Desenvolvimento (FGV-SP). Professor da Graduação e Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Coordenador do Supremo em Pauta e do Núcleo de Justiça e Constituição, ambos da FGV Direito/SP. 3 Pós-doutor pelo Centre for Brazilian Studies (St. Antonies College, Oxford University), Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Mestre em Direito pela Universidade de Columbia e em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1991). Diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO SP) e Ex-Presidente da Law Schools Global League (LSGL). _________________________________________________________________________________________________________ ---------- do Supremo. Esse protagonismo é resultado da arquitetura constitucional adotada em 1988, que conferiu enormes poderes ao tribunal, mas também do comportamento dos demais poderes políticos que, ao longo dessas décadas, favoreceram o engrandecimento do Supremo, quando não transferiram deliberadamente para o tribunal a responsabilidade para proferir a última palavra sobre questões que deveriam ser articuladas pelos órgãos de representação. A judicialização da política brasileira é em grande medida consequência da própria incapacidade do sistema político de arbitrar conflitos, coordenar políticas e criar consensos, que reduzam a conflituosidade política e social. Não se deve desconsiderar, no entanto, que avanço do Supremo no campo da política também é responsabilidade do próprio tribunal, que foi incapaz de estabelecer doutrinas de autocontenção ou de conter ações e comportamentos estratégicos por parte de seus membros. Esse protagonismo político, assumido por uma instituição não representativa, que não responde eleitoralmente pelas escolhas políticas que faz, tem acarretado um forte desgaste à reputação do tribunal. Ao tornar-se uma espécie de juiz universal, que sobre tudo opina ou decide, o Supremo foi paulatinamente colocando em risco sua autoridade de árbitro imparcial, capaz de aplicar o direito com rigor e consistência. Ao enfrentar de forma aberta e sistemática questões que dividem a sociedade, o Supremo passou a ser visto pelos derrotados como uma instituição que toma partido. Seus membros mais salientes passaram a ser apontados como líderes políticos da situação ou da oposição, dependendo de quem os acusa. Ao se afastarem de certas liturgias inerentes ao exercício da autoridade judicial, alguns de seus membros tornaram-se extremamente vulneráveis aos seus críticos. O julgamento do mensalão marca uma mudança importante na percepção da opinião pública sobre o Supremo Tribunal Federal. Embora aqueles que acompanham a vida política e jurídica nacional de maneira mais intensa já apontassem para um protagonismo cada vez mais acentuado do Supremo, foi somente com o mensalão e o televisionamento das suas sessões de julgamento que o tribunal e seus ministros passaram a ser conhecidos pelo grande público. Com a condenação de diversos líderes políticos associados ao governo do PT, a esquerda passou a ver o Supremo Tribunal Federal com maior ceticismo e animosidade. Essa tensão será ainda ampliada pelo respaldo oferecido à operação Lava Jato pela maioria dos ministros do Supremo, o que contribuiu para o impeachment da expresidente Dilma Roussef e a própria prisão, após condenação em segunda instancia, do então ex-presidente Lula. O Supremo, no entanto, também viu a confiança dos setores mais conservadores e à direita se esvair nos últimos anos, tanto em função de uma série de decisões consideradas “progressistas” ou “ativistas”, sobretudo no campo moral, como em função da flutuação de sua jurisprudência que permitiu a retorno do presidente Lula ao cenário eleitoral. A expressão mais eloquente dessa hostilidade dos setores conservadores e de extrema _________________________________________________________________________________________________________ ------------ direita foi a mensagem publicada pelo general Vilas Boas, então comandante do Exército, ameaçando o Supremo Tribunal Federal, caso concedesse Habeas Corpus em favor do ex-presidente Lula. A atuação vigilante do Supremo Tribunal Federal durante os anos Bolsonaro, seja em função da pandemia, como na defesa do processo eleitoral e nas investigações e julgamentos de crimes contra o Estado Democrático de Direito, transformaram o Supremo no principal alvo da extrema direita e mesmo dos conservadores brasileiros. Embora essa animosidade não seja simétrica, pois as críticas de setores liberais e democráticos não têm como objetivo deslegitimar a autoridade do Supremo e nem subverter a ordem constitucional, o fato é que esse ambiente de animosidade e hostilidade em relação ao tribunal que hoje permeia o debate público tem favorecido uma série de iniciativas no âmbito do Congresso Nacional voltadas a limitar e constranger os poderes do Supremo Tribunal Federal. Nosso objetivo nesse artigo é melhor compreender a relação entre a percepção de legitimidade do STF e as condições para que o Tribunal exerça autoridade. 4 O cumprimento das decisões do Supremo Tribunal Federal depende de uma adesão coletiva voluntária, tanto de ampla maioria dos jurisdicionados que devem cumprilas, dos demais poderes que em muitas circunstâncias são contrariados pelas decisões do Supremo, quanto dos agentes públicos incumbidos de executá-las. Essa cooperação voluntária é sustentada pela expectativa de que a maioria dos demais jurisdicionados e atores políticos e institucionais também irá cumprir com a vasta maioria das decisões. Essa expectativa, por sua vez, é sustentada pela percepção que o tribunal exerce suas atribuições dentro do campo de autoridade política e __________________ 4 Tanto “legitimidade” quanto “autoridade” são conceitos profundamente controvertidos, neste artigo como pressuposto a teoria de autoridade formulada por Joseph Raz (a ser aprofundada em tópico próprio). Raz distingue três situações básicas: (i) a autoridade legítima que está justificada em exercer coerção, (ii) o agente ou grupo que utiliza a força a bruta e a coerção de forma injustificada sem qualquer pretensão de legitimidade, para reconhecer por último (iii) a autoridade de facto, que exerce a coerção sem preencher todos os requisitos de legitimidade, mas possui a aparência de legitimidade; ou pelo menos é tratada como se tivesse legitimidade. Raz considera que autoridades legítimas oferecem efetivas razões para serem obedecidas, enquanto autoridade de facto são em larga medida tratadas como se fossem autoridade legitimas, ainda que injustificadamente. No que se refere à multiplicidade de sentidos do termo “legitimidade”, com ênfase em Cortes Constitucionais, iremos adotar a categorização proposta por Richard Fallon (a se detalhada na seção adequada). Fallon distingue entre três concepções distintas: (i) legitimidade jurídica, que trata do respeito aos limites argumentativos e procedimentais que um tribunal deve seguir, (ii) legitimidade moral, que trata do dever de tribunais promoverem determinados valores de relevância moral, e (iii) legitimidade sociológica, que trata da percepção social sobre a confiabilidade do Tribunal, bem como o grau de respeito que essa população projeta em suas decisões. _________________________________________________________________________________________________________ ----------- jurídica que lhe foram atribuídas pela Constituição. O respeito às suas decisões decorre, portanto, da percepção de que o Supremo exerce legitimamente a autoridade que lhe foi conferida. Nesse sentido, se uma parcela relevante dos atore políticos e de setores da sociedade entende que a atuação do Tribunal se dá à margem da autoridade que lhe foi conferida, essa autoridade e suas decisões ficam ameaçadas. Para evitar mal-entendidos sobre as críticas ao comportamento do Supremo e seus alguns dos seus ministros é preciso diferenciar pelo menos três níveis diferentes de crítica sobre a atuação do Supremo. O primeiro é teórico e abstrato. Postulam um primado absoluto da vontade da maioria, atribuindo às Cortes Constitucionais uma função contra majoritária, por natureza ilegítima. Há aqui uma oposição ao modelo constitucional que estabelece mecanismos contra majoritários, independentemente da qualidade das suas decisões e do contexto. Tendem a ser argumentos a favor da primazia do Legislativo ou da Administração Pública, pregando um minimalismo judicial. O segundo nível de crítica é de natureza institucional e associado ao comportamento concreto dos tribunais no exercício de suas funções contra majoritárias. São críticas que visam o aperfeiçoamento institucional do tribunal, denunciando problemas nos seus processos de deliberação, nos excessos individuais, na inconsistência da jurisprudência, na amplitude da competência etc. Tendem a ser argumentos que visam a implementação de mecanismos de controle e auto-contenção na atividade jurisdicional. O terceiro nível pode ser mais conjuntural, mas também normativo, e se coloca contra o mérito de determinadas ou conjunto de decisões proferidas pelos tribunais. São críticas à fundamentação que o tribunal empregou para julgar em determinado sentido, ou contra os resultados políticos, morais, sociais ou econômicos da decisão. Nesse terceiro nível, as críticas podem ser realizadas de forma coerente (de princípio) ou oportunista (de ocasião). As críticas desse primeiro e segundo nível foram e são produzidas, principalmente, pela filosofia política e pela teoria constitucional. As críticas de terceiro nível sempre tiveram espaço, especialmente na prática jurídica, na qual é praxe dizer que determinado tribunal julgou bem ou mal certo caso. Nesse campo, tais críticas são confrontadas por outros discursos, seja para reforçá-las, mitigá-las ou confrontá-las, com certo comedimento. Tradicionalmente esses debates não extravasavam os ciclos de especialistas ou setores diretamente envolvidos em litígios constitucionais. Em decorrência de uma década de forte instabilidade política e econômica, em que o Supremo teve uma participação ativa, o tribunal ficou exposto a uma audiência nova e muito mais ampla, que passou a tratá-lo como mais um ator político. Mais do que isso, favoreceu a mobilização por lideranças anti-sistema de uma pauta política e eleitoral anti-Supremo. Agentes políticos passaram a veicular ostensivamente críticas ao Supremo Tribunal Federal, com uma particularidade: articulando a linguagem das críticas de primeiro e segundo nível, para realizar uma _________________________________________________________________________________________________________ ------------ crítica conjuntural e oportunista contra o conteúdo de determinadas decisões. Além disso, a natureza eleitoral dessa crítica, a impregnou de um tom extremado, maniqueísta e violento. Passou-se a questionar a legitimidade do STF, para tentar derrubar esta ou aquela decisão judicial. Se trata de uma campanha de desautorização do Supremo, aumentando a possibilidade e o risco de descumprimento de suas decisões. Mais do que isso, os ataques ao Supremo encobrem um ataque ao próprio sistema constitucional contra o qual se contrapõe as forças antissistema O cenário se torna mais desafiador ao Tribunal, na medida em que o risco de declínio de sua autoridade é ampliado pelo modo como lida com as ameaças. Se o Tribunal se acovarda e abre mão de exercer sua competência constitucional – especialmente de sua função contramajoritária, de garantir direitos e de controle sobre agentes políticos - estará simplesmente declinando de sua autoridade. Caso o Tribunal tente reforçar sua autoridade, ampliando o emprego de instrumentos de coerção, com medidas heterodoxas e de legitimidade questionável, contribuirá para reforçar as críticas que lhe são feitas e, com isso, contribuirá com o processo de erosão da sua própria autoridade. Caso o STF opte por reforçar os elementos de legitimidade no exercício de seus amplos poderes constitucionais, precisará se esforçar para que a correção de sua conduta também seja percebida como legítima por diferentes setores da população. Para realizar esse argumento, na primeira seção deste texto, apresentamos as razões pelas quais o Supremo sofreu uma acentuada queda na percepção de sua legitimidade ao longo da última década, indicando que o cenário permanece desafiador para a instituição, mesmo após o final do Governo Bolsonaro. Na segunda seção, apresentamos a relação entre percepção social e a autoridade das instituições políticas. Na terceira seção, indicamos como os argumentos sobre a autoridade política se comunicam com os requisitos de legitimidade de cortes constitucionais. Ao final, consolidamos nosso diagnóstico e oferecemos exemplos de solução para que o Supremo Tribunal Federal possa escapar desse processo de perda de autoridade. 2. DA SUPREMOCRACIA À DESAUTORIZAÇÃO O Supremo Tribunal Federal é uma instituição política central ao regime democrático brasileiro. Não apenas pelo fato de ser uma Corte Constitucional, mas também pelas suas peculiaridades que decorrem da conjugação de características institucionais e culturais. Sob o ponto de vista institucional, o Supremo possui um mandato para decidir sobre qualquer assunto relevante para a comunidade política, dada sua acumulação de competências e a extensão de temas abordados pela Constituição Federal. Esse mandato amplo é exercido por meio de vastos poderes que lhe foram conferidos pela Constituição e pela legislação processual. O Supremo exerce esses poderes em meio a uma cultura jurídica bastante fragmentada e flexível, que não trata as questões da consistência, dos precedentes (...) 10 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2024) Revista Estudos Institucionais, v. 10, n. 2, p. 248 - 269, maio/ago. 2024 _________________________________________________________________________________________________________ -----------
----------- Análise da Política e do Poder Judiciário: Reflexões de Luiz Carlos Azedo Luiz Carlos Azedo, em seu artigo no Correio Braziliense, reflete sobre a atuação polêmica do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, destacando a influência de decisões monocráticas e o protagonismo político de alguns de seus ministros. Ele traça um paralelo entre as preocupações de James Madison sobre o controle do poder político e a atual situação do STF. Reflexões de James Madison e Alexander Hamilton James Madison, um dos principais arquitetos da Constituição dos Estados Unidos, argumentava que "se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos". Ele sublinhava a necessidade de mecanismos de controle e balanço para impedir abusos de poder. Alexander Hamilton, por sua vez, defendia a independência do Judiciário para evitar que este fosse contaminado pelo facciosismo político. Judiciário Brasileiro: Influências e Desafios O sistema jurídico brasileiro é híbrido, combinando elementos do direito romano-germânico (civil law) com influências do common law anglo-saxão. Embora a legislação brasileira codifique as leis, a crescente judicialização da política e o ativismo judicial têm aproximado o STF de práticas mais associadas ao sistema americano, onde decisões judiciais criam precedentes e influenciam a evolução da lei. Polarização e Desafios da Democracia Limitações da Lógica Formal e IA Ao analisar a complexidade das crises políticas e sociais contemporâneas, a lógica formal e os algoritmos de IA enfrentam várias limitações: Complexidade e Contexto: Exemplo: "A atuação da Corte é polêmica, seja por causa do protagonismo político de alguns ministros, seja por decisões contraditórias." Limitação: A IA pode identificar padrões de polarização, mas é desafiada a compreender plenamente as motivações políticas e contextos históricos que influenciam essas decisões. Incerteza e Ambiguidade: Exemplo: "Decisões monocráticas de ministros do STF parecem mais pautadas pelo jogo político e grandes interesses econômicos do que pela legislação vigente." Limitação: Algoritmos de IA podem struggle com a previsão de comportamentos específicos de indivíduos em posições de poder devido à imprevisibilidade e complexidade das motivações humanas. Perguntas Maliciosas: Frase: "Confesso que não sei, Majestade. Eu não posso fazer o tempo parar." Limitação: A IA pode ter dificuldades em interpretar o sarcasmo ou a ironia nesta resposta, limitando sua capacidade de fornecer uma resposta contextualizada e relevante. Conclusões A análise de Luiz Carlos Azedo sublinha a complexidade e os desafios da atuação do STF no Brasil contemporâneo, refletindo sobre as influências históricas e as dinâmicas de poder que moldam o comportamento dos magistrados. Ele destaca a necessidade de um controle recíproco entre os poderes e a importância de uma liderança moral por parte do Judiciário. Recomendações de Leituras Para aprofundar a compreensão das questões discutidas por Azedo e a relação entre política, poder judicial e IA, recomenda-se as seguintes leituras: "The Federalist Papers" de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay - uma leitura essencial para entender as bases teóricas da separação de poderes e a independência judicial. "Judicial Politics in the United States" de Mark C. Miller - oferece uma visão detalhada do papel e do funcionamento do sistema judiciário americano, comparando-o com outras jurisdições. "The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning Machine Will Remake Our World" de Pedro Domingos - para entender melhor as capacidades e limitações dos algoritmos de aprendizado de máquina em contextos complexos. Reflexão Final A complexidade das crises políticas e sociais e a atuação do STF no Brasil refletem a necessidade de um equilíbrio cuidadoso entre os poderes. Enquanto a IA pode oferecer insights valiosos, sua capacidade de prever e interpretar nuances humanas e contextuais é limitada, sublinhando a importância da liderança moral e da responsabilidade institucional em tempos de polarização crescente. ------------ _________________________________________________________________________________________________________ "Cabe à corte, como instituição, exercer uma liderança moral perante a sociedade. Entretanto, sua atuação muitas vezes é polêmica, seja por causa do protagonismo político de alguns ministros, seja por decisões contraditórias e/ou incompreensíveis para a sociedade, a maioria monocráticas. Cabe à Corte conter o seu próprio poder." _________________________________________________________________________________________________________ -----------
----------- Luiz Carlos Azedo - Não há anjos na política, nem mesmo no STF Correio Braziliense A atuação da Corte é polêmica, seja por causa do protagonismo político de alguns ministros, seja por decisões contraditórias Quarto presidente norte-americano, James Madison teve um papel fundamental na elaboração da Constituição e da Declaração de Direitos dos Estados Unidos, com Alexandre Hamilton e John Jay, nos ensaios de “O federalista”, a publicação do fim do século 18 que se tornou um clássico da ciência política. “Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”, resumiu (“O federalista”, nº 51), ao se referir aos políticos de um modo geral. A citação é oportuna porque estamos diante de polêmicas decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que parecem mais pautadas pelo jogo político e grandes interesses econômicos do que pela legislação vigente. Madison dedicou especial atenção à necessidade de controlar os detentores do poder, porque os homens não são governados por anjos, mas por outros homens: “Ao constituir-se um governo — integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens —, a grande dificuldade em que se deve habilitar primeiro o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo”. Acrescentou: “Não se pode negar que o poder é, por natureza, usurpador e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhe foram fixados” (“O federalista”, nº 48). Foi com esse objetivo que outro federalista, Alexander Hamilton, elaborou os seis capítulos (78 a 83) de “O federalista”, nos quais defende a independência do Poder Judiciário e trata de três questões: a escolha dos juízes, seus mandatos e divisão de competências com os demais poderes. Defendeu a nomeação dos magistrados pelo presidente da República, mas com supervisão do Senado, para que houvesse controle recíproco do Executivo e do Judiciário. Na Convenção Constituinte, uma ala conservadora resistia à ideia de que a Suprema Corte pudesse dar a última palavra em questões constitucionais e resolução de conflitos. Sem peias, Hamilton disse que o facciosismo político envenenaria as fontes da Justiça, sendo desaconselhável subordinar o Judiciário ao Legislativo, impregnado de política e luta entre os partidos. Temia-se que o poder de dar a palavra final sobre a Constituição à suprema corte poderia transformá-la num instrumento de tirania, uma vez que não havia limitação de mandato de seus integrantes. A tese de que a legitimidade popular deveria subordinar a magistratura, porém, foi rejeitada na Constituição de 1787, que vigora até hoje. O Judiciário brasileiro é híbrido. Embora inspirado na Suprema Corte norte-americana, nossa legislação adota o direito romano-germânico (civil law), enquanto o sistema jurídico dos Estados Unidos é anglo-saxão (common law). O objetivo de garantir justiça é o mesmo, porém, a abordagem e a aplicação das leis são diferentes. No direito romano-germânico, as leis são codificadas. As decisões judiciais não têm o mesmo peso que no common law, no qual os juízes criam direito, ao tomar decisões com base na jurisprudência, que evolui ao longo do tempo. Esse sistema é baseado na ideia de que a lei deve evoluir de acordo com as circunstâncias e as necessidades da sociedade. Liderança moral No direito romano-germânico, as normas são hierarquizadas de acordo com sua fonte de origem, sendo a Constituição a norma fundamental e superior a todas as outras normas. Entretanto, aqui no Brasil, cresce a influência “americanista” na magistratura, embalada pela judicialização da política pelos partidos. O chamando “ativismo judicial” em grande parte decorre de um fator estrutural: o Supremo é instância de recurso e julga tudo, não apenas as inconstitucionalidades. Montesquieu estabeleceu a teoria dos três poderes com base na experiência de “governo misto” da Inglaterra, no qual a realeza, a nobreza e o povo são obrigados a cooperar em regime de liberdade, com a divisão em três funções básicas: a legislativa, a executiva e a judiciária. Nos Estados Unidos, o “governo misto” foi descartado pela própria independência, o que gerou um impasse entre os constituintes. Grande parte da elite política local era aristocrática e escravocrata, como o próprio Madison. Como garantir a liberdade do povo, refreando as ambições e interesses dos mais poderosos? Na monarquia, as ameaças à liberdade partiam do Executivo; no regime republicano, o poder se desequilibraria em favor do Legislativo. A solução encontrada pelos federalistas foi criar um regime bicameral, no qual o Senado conteria as ambições da Câmara. Ao mesmo tempo, reforçou-se o Judiciário. O mais fraco entre os poderes, a Suprema corte foi destituída de iniciativa política, porém, ganhou autonomia e o poder de interpretação final sobre o significado da Constituição. Desde a proclamação da República, no Brasil, o papel do Judiciário foi neutralizado pelo Executivo ou usurpado pelos militares, com exceção de breves momentos de predomínio do Legislativo, como nas Constituintes de 1945 e de 1987 e nos 17 meses de regime parlamentarista do governo Jango (1961-1962). A Constituição de 1988 restituiu a autonomia do Judiciário. A importância do Supremo como guardião do nosso Estado democrático de direito foi mais do que demonstrada durante o governo Bolsonaro e, principalmente, na tentativa de destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 8 de janeiro de 2023. Cabe à corte, como instituição, exercer uma liderança moral perante a sociedade. Entretanto, sua atuação muitas vezes é polêmica, seja por causa do protagonismo político de alguns ministros, seja por decisões contraditórias e/ou incompreensíveis para a sociedade, a maioria monocráticas. Cabe à Corte conter o seu próprio poder." -----------
------------ A Complexa Atuação do STF: Reflexões de Luiz Carlos Azedo Luiz Carlos Azedo, em seu artigo no Correio Braziliense, aborda a polêmica atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, destacando a necessidade de liderança moral e autocontenção da Corte em um contexto de intensa judicialização da política e protagonismo de seus ministros. Ele usa como referência os pensamentos dos federalistas americanos, especialmente James Madison e Alexander Hamilton, para contextualizar os desafios enfrentados pelo Judiciário brasileiro. Referências Históricas: Madison e Hamilton James Madison, um dos principais arquitetos da Constituição dos Estados Unidos, enfatizava que "se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos". Ele alertava para a necessidade de controlar os detentores de poder, pois "o poder é, por natureza, usurpador e precisa ser contido para não ultrapassar os limites fixados" (O Federalista nº 48). Alexander Hamilton, por sua vez, defendia a independência do Judiciário, argumentando que a subordinação do Judiciário ao Legislativo contaminaria a Justiça com facciosismo político. O Judiciário Brasileiro: Híbrido e Polêmico O sistema jurídico brasileiro é híbrido, combinando elementos do direito romano-germânico (civil law) e influências do common law anglo-saxão. Embora a legislação brasileira codifique as leis, o aumento da judicialização da política e o ativismo judicial têm aproximado o STF de práticas do sistema americano, onde decisões judiciais criam precedentes e influenciam a evolução da lei. Desafios e Críticas ao STF A atuação do STF tem sido marcada por decisões monocráticas e o protagonismo político de alguns de seus ministros. Essa dinâmica gera controvérsia e críticas, muitas vezes devido à falta de clareza e coerência nas decisões judiciais, o que pode minar a confiança pública na Corte. Decisões Monocráticas: Muitos ministros do STF tomam decisões de forma individual, o que pode resultar em uma falta de uniformidade e previsibilidade nas decisões judiciais. Protagonismo Político: Alguns ministros são acusados de agir com motivação política, influenciando decisões que deveriam ser estritamente legais. Judicialização da Política e Ativismo Judicial O "ativismo judicial" no Brasil decorre em grande parte de um fator estrutural: o STF funciona como uma instância de recurso e julga uma ampla gama de questões, não apenas inconstitucionalidades. Essa expansão do papel do Judiciário é vista por alguns como necessária para garantir justiça em um contexto onde os outros poderes podem falhar, mas por outros como uma usurpação de funções que deveriam pertencer ao Legislativo e ao Executivo. A Importância da Liderança Moral e da Autocontenção Luiz Carlos Azedo destaca a importância do STF como guardião do Estado democrático de direito, especialmente em momentos de crise, como durante o governo Bolsonaro e a tentativa de destituir o presidente Lula em janeiro de 2023. Ele argumenta que a Corte deve exercer uma liderança moral perante a sociedade, mantendo a imparcialidade e evitando o protagonismo político. Conclusão O artigo de Azedo ressalta a necessidade de o STF conter seu próprio poder e agir com responsabilidade, evitando decisões que possam ser vistas como politicamente motivadas ou contraditórias. A liderança moral e a autocontenção são essenciais para preservar a integridade e a confiança pública na instituição, especialmente em um cenário de crescente polarização e judicialização da política. Reflexão Final A complexidade das crises políticas e sociais no Brasil sublinha a necessidade de um equilíbrio cuidadoso entre os poderes. O STF, como guardião da Constituição e do Estado democrático de direito, deve exercer sua função com prudência e responsabilidade, garantindo justiça enquanto evita o ativismo excessivo que pode minar a confiança pública na Justiça. ________________________________________________________________________________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário