Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
domingo, 28 de abril de 2024
ESSES MOÇOS
'- o País está parado e não voltará a caminhar se continuarmos a transferir responsabilidades para os inimigos internos e a culpar o “capitalismo insaciável” pelos males que nos fazem sofrer.'
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"(...) Contudo, analogias são meras aproximações e não traçam o rumo inexorável das coisas. Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança."
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O texto reflete sobre a trajetória histórica de Portugal, especialmente no contexto do 25 de abril, destacando o papel do Aljube como um símbolo das transformações pelas quais o país passou. O autor, Luiz Sérgio Henriques, explora a ideia de que lugares como o Aljube, que antes foram associados à opressão e à violência, podem se tornar espaços de redenção e renovação.
Ele descreve como o Aljube, um edifício histórico em Lisboa, mantém as memórias sombrias do passado, incluindo tortura e morte durante o regime autoritário. No entanto, agora transformado em museu e local de memória, o Aljube evoca não apenas o sofrimento humano, mas também a esperança e o desejo de liberdade que emergiram daqueles tempos difíceis.
O texto também discute o impacto do 25 de abril na história de Portugal, destacando as transformações sociais e políticas que se seguiram à revolução. Henriques analisa as diferentes correntes políticas e ideológicas que surgiram após o evento, incluindo os embates entre comunistas e socialistas, e a subsequente consolidação da democracia.
Além disso, o autor aborda os desafios contemporâneos enfrentados pela democracia, tanto em Portugal quanto em outros lugares do mundo. Ele adverte sobre o surgimento de forças políticas de extrema direita que ameaçam minar as conquistas democráticas alcançadas ao longo das últimas décadas. No entanto, ele também expressa otimismo, sugerindo que mesmo os lugares mais sombrios da história podem se tornar fontes de esperança e renovação.
Em suma, o texto oferece uma reflexão profunda sobre a história e o futuro de Portugal, destacando a importância de lembrar do passado enquanto se olha para frente, em direção a um futuro de liberdade e democracia.
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Opinião Estadão
@opiniao_estadao
#EspaçoAberto | Luiz Sérgio Henriques:
'Portugal em abril - Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança' http://estadao.com.br/opiniao/luiz-sergio-henriques/portugal-em-abril/
📸Rafael Marchante/Reuters
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domingo, 28 de abril de 2024
Luiz Sérgio Henriques* - Portugal em abril
O Estado de S. Paulo
Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança
Edifício maciço que ladeia a milenar Sé Patriarcal de Lisboa, o Aljube é um destes lugares que desafiaram os séculos, mantendo-se absurdamente fiel à soturna vocação de abrigar tortura e morte. Uma modesta placa na fachada adverte que do silêncio das suas gavetas ou curros, celas obscenamente exíguas, bem como dos corpos desfigurados pela polícia política iria florir abril há exatos 50 anos. Cravos vermelhos e versos admiráveis pelas paredes redimem o ambiente, que agora, como museu e lugar de memória, evoca não só o ilimitado sofrimento humano, mas também o anseio de liberdade que brota de cada chaga e cada grito de dor.
A revolução quase sem sangue de 25 de abril não iria mudar só Portugal. Na conhecida visão de Samuel Huntington, ali teve início uma nova onda forte de democratização – uma onda que se espalharia na direção do Brasil e da América Latina, bem como dos países do Leste Europeu, antes do atual refluxo “desde-mocratizador”. O caso português, naturalmente, teve características específicas. Tratava-se, antes de mais nada, de estancar a sangria provocada pela guerra colonial tardia de um regime contemporâneo dos fascismos clássicos – e ele mesmo fascista à sua maneira.
O grupo de oficiais médios envolvidos na guerra – reunidos no Movimento das Forças Armadas – apresentou ao país um programa constituído de lema simples e forte: descolonizar, democratizar, desenvolver. A insurreição militar acabaria por deflagrar um agitado processo de transformações sociais e políticas que ainda hoje têm valor paradigmático. As Hipóteses de Abril – termo cunhado por Eduardo Prado Coelho à semelhança das famosas Teses de Abril formuladas por Lenin pouco antes da revolução bolchevique – logo implicariam basicamente a via revolucionária, sob o signo de assembleias e estatizações, e a via reformista, preconizada por sociais-democracias que então regulavam com êxito os capitalismos nacionais.
O duro confronto entre estas duas hipóteses de mudança encarnou-se nas figuras do comunista Álvaro Cunhal e do socialista Mário Soares, como que a repetir situações críticas anteriores na Europa e fora dela, opondo forças rivais da esquerda, suas diferentes alianças e visões de futuro. Façamos um pulo arriscado entre contextos díspares. Na Rússia, em 1918, a dissolução da Constituinte pelos bolcheviques representaria um marco na configuração do regime ditatorial a seguir implantado a ferro e fogo. Em Portugal, impensável uma solução dessa natureza. Em eleições livres e justas para a Constituinte de 1975, os socialistas recolheram cerca de 38% dos votos, ante 12% dos comunistas, sem falar no terço de eleitores, ou pouco mais, que preferiu um dos dois partidos moderados e conservadores.
Ao contrário do que supuseram os mais afoitos, nem por isso se deteve a profunda renovação política, econômica e cultural, rumo a um Estado de bem-estar suportado pelas possibilidades do país, de resto plenamente integrado nos anos 1980 à Comunidade Europeia.
O voto democrático tem consequências de toda ordem, como o comprovam, entre outros feitos, um sistema nacional de saúde e uma rede educacional pública de qualidade. Um estável centro político, ocupado alternativamente pela esquerda socialista e por um partido de centro-direita, nominalmente socialdemocrata, deu razoável conta de crises e vicissitudes das últimas cinco décadas. À esquerda, porém, ficaram as marcas do conflito inaugural: só em 2015, os comunistas e um mais recente Bloco de Esquerda entraram na área de governo com os socialistas. Não por acaso, a instável aliança de uma legislatura recebeu na pia batismal um nome surpreendente, a “geringonça”.
Hoje podemos compreender que a democracia, por “ser viagem, e não destino”, como dizem as praças deste abril, supõe mobilização permanente em sua defesa. Dispensável aqui falar da mudança epocal que perpassa nossas sociedades, bem como o correspondente mal-estar generalizado que ela implica. Na política emergem forças francamente subversivas, em geral de extrema direita, cuja meta é a destruição daquele centro que, regulando institucionalmente a luta social, confere estabilidade e define o terreno comum em que duelam adversários mutuamente legitimados. Como em tantas outras partes, também em Portugal um aspecto crucial é saber se a direita constitucional cruzará a fronteira que a separa daquelas forças da subversão, constituindo um bloco não exatamente conservador, mas reacionário, avesso às conquistas individuais e coletivas que assinalaram todo este tempo de vida em liberdade.
Não faltam analogias com a época dos velhos fascismos, entre os quais o Estado Novo salazarista, e com o cerco à democracia liberal que estabeleceram, simulando substituí-la com regimes alegadamente menos individualistas e mais orgânicos. Contudo, analogias são meras aproximações e não traçam o rumo inexorável das coisas. Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil
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A Turma Do Balão Mágico - Tem Gato na Tuba
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V.BELLINI - Abertura da Ópera "Norma"
OCCO Orquestra
1.971 visualizações 23 de abr. de 2013
ORQUESTRA DE CÂMARA de CASCAIS e OEIRAS
V.BELLINI - Abertura da Ópera "Norma"
Maestro, Nikolay Lalov
OCCO, Concerto de Ano Novo 2013
Auditório Senhora da Boa Nova, Galiza, Estoril, Portugal, 06-01-2013
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☝️28-Tuba ou Bombardão?
Tuba no YouTube
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"CONSELHEIRO - Eu duvido muito...
REI - Meu nobre Conselheiro, eu não te contratei para duvidar, mas para acreditar. Você tem que acreditar. Chame agora mesmo o Arauto Real."
BLACKOUT / FIM DA CENA 1
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[PDF] Literatura destinada às crianças: uma possível discussão de gênero Literature for children: a possible gender discussion
No livro de Leo Cunha, O reino adormecido (2012), a história
começa descrevendo um rei e uma rainha com características bem
associadas a estereótipos, ou seja, uma rainha que, mesmo querendo
expressar suas vontades, se cala diante do autoritarismo de seu
marido, um rei que governa soberano. O rei faz prevalecer sempre
suas decisões, mandando e desmandando, mesmo que suas ordens
ou atitudes possam prejudicar os outros. Somente no final do livro a
rainha rompe com o silêncio e posiciona-se diante da situação de
subalternidade que ela e o restante do reino estavam assujeitados.
Essa rainha pode despertar a crítica sobre as relações culturalmente
estabelecidas a partir de uma hierárquica entre os gêneros nas
sociedades patriarcais. Neste sentido,
O sexo feminino é, portanto, também o sujeito que não é uno. A relação
entre o masculino e o feminino não pode ser representada numa
economia significante em que o masculino constitua o círculo fechado
do significante e do significado. Paradoxalmente, Beauvoir prefigurou
essa impossibilidade em O segundo sexo, ao argumentar que os
homens não podiam resolver a questão das mulheres porque, nesse
caso, estariam agindo como juízes e como partes interessadas.
(BUTLER, 2018, p. 33)
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O Reino ADORMECIDO
Leo Cunha
Ilustrações André Neves
peça em 3 atos
galerinha RECORD
Rio de Janeiro
2019
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Marco Aurélio Nogueira - Parados no tempo
O Estado de S. Paulo
Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita
O Brasil estacionou. Tudo transcorre como se as cartas já tivessem sido lançadas e o antagonismo se reduzisse ou a ruídos congressuais ou a embates retóricos entre a esquerda oficial, devidamente entronizada no Palácio, e a direita extremada, agarrada a seus fantasmas e à fustigação moralizante contra tudo o que possa exalar direitos e democracia.
No meio disso tudo, a economia fica como a joia da Coroa. Se avança e é alcançada pelas reformas pontuais do ministro Haddad, os ares melhoram. Se trava, é um Deus nos acuda.
O que há de agitação vem dos guetos identitaristas, indiferentes à política prática e aos sentimentos das maiorias silenciosas. São guetos que conversam para dentro, não para fora. Produzem atritos contraproducentes, que quase nada acrescentam à luta política propriamente dita. Flutuam na esfera moral, de onde imaginam disparar flechas que conscientizem a população.
Os guetos trabalham com temas inegavelmente importantes – racismo, feminismo, reconhecimento, desigualdade, direitos –, mas traduzem isso em termos de guerra cultural, como se sua missão fosse forçar a população a interiorizar plataformas que não são didáticas e se perdem em teorizações acadêmicas. Como decorrência, alimentam as pautas da extrema direita, terminando por funcionar como se fosse seu sparring inconsciente.
O País continua o mesmo, só que, agora, não há quem organize os conflitos e a contestação social. Fica tudo meio solto, exacerbado, ao sabor dos ódios, dos afetos e das paixões que se compõem nas redes sociais. É fácil imaginar por que não se formam consensos.
O que tem havido de progresso vem dos influxos externos (da dinâmica incessante do capitalismo, da revolução tecnológica dos nossos dias), não da ação explícita do Estado ou de sujeitos nacionais. Lula 3 não consegue repetir o que houve de avanço em seus dois governos anteriores. Governa agarrado ao fisiologismo do Legislativo e sob as asas do Judiciário. Como não há uma oposição democrática que o chame à razão política e o ajude a privilegiar o fundamental – boas políticas públicas, um programa claro e consistente de governo –, o governo justifica sua inação alegando que está cercado pela extrema direita. É um argumento falso, especialmente porque a variante extremista está mais preocupada com manter ativos seus nichos de seguidores fiéis, sem se importar muito com o que faz ou deixa de fazer o governo, confiante de que se sairá bem nas eleições municipais e valorizará seu passe para as presidenciais de 2026.
A palavra de ordem deveria ser renovação. Trocar modos de pensar, abandonar o vocabulário de gueto, convergir para algum centro de coordenação da democracia progressista, que traga consigo uma nova forma de comunicação política, novos hábitos e procedimentos. Seria ótimo se surgisse um centro democrático que misturasse progressistas sensatos e direitistas liberais, que civilizasse a política nacional e desse um rumo de longo prazo ao País.
Isso poderia compensar a presença atabalhoada de uma esquerda oficializada, sem inserção social, sem pegada programática, aprisionada a jargões antigos e a flertes inconsequentes com atores internacionais pouco confiáveis, como se a guerra fria não tivesse terminado e as relações internacionais fossem as mesmas de antes. A esquerda brasileira ainda não processou o que há de novo no mundo e em cada sociedade. Não consegue interagir com os personagens da vida digitalizada (os empreendedores, os trabalhadores de aplicativos, os uberizados), com as novas igrejas e com as multidões de pessoas em estado de angústia, decepção e sofrimento. Soube atrair vários partidos para sua base legislativa, mas não consegue governar sem sobressaltos e com resultados efetivos.
Uma esquerda envelhecida e sem programa, quando chega ao poder, transfere ao governo mais problemas do que soluções.
A esquerda não se viabilizará dizendo à população que sua tarefa é impedir a volta da extrema direita. Precisa entregar mais do que isso. Se a direita tem crescido ao prometer Deus, pátria, família, propriedade e “liberdade de expressão”, o que a esquerda pode oferecer no lugar disso tudo? Defender-se da virulência bolsonarista? É muito pouco. A ameaça direitista nada oferece em termos de políticas públicas. Seu alvo é a destruição institucional. Há um espaço enorme para que a esquerda democrática se recomponha, se modernize, amplie sua articulação e diga qual seu papel no Brasil atual.
Tudo isso é fácil de ser proclamado e muito difícil de ser levado à prática. Mas não deveríamos fechar os olhos para a realidade que se descortina: o País está parado e não voltará a caminhar se continuarmos a transferir responsabilidades para os inimigos internos e a culpar o “capitalismo insaciável” pelos males que nos fazem sofrer. Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita. Há muito mais coisas no céu do que aviões de combate.
O, ô , ô, ô, ô, ô / O trem tá atrasado ou já passou
Composição: Sérgio Porto
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O Samba do Crioulo Doido
Quarteto em CY
Foi em Diamantina / Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa / A se casar com Tiradentes
Lá iá lá iá lá ia / O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá / O bode que deu vou te contar
Joaquim José / Que também é
Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas / Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta / O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro / E acabou com a falseta
Da união deles dois / Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão/ E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história/ Que é dos dois a maior glória
Da.Leopoldina virou trem / E D.Pedro é uma estação também
O, ô , ô, ô, ô, ô / O trem tá atrasado ou já passou
Composição: Sérgio Porto
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Ronnie Von - BANDA DA ILUSÃO - Alberto Luiz
luciano hortencio
23.851 visualizações 13 de jun. de 2015
Ronnie Von - BANDA DA ILUSÃO - Alberto Luiz.
Álbum: A Voz de Ronnie Von.
Foto ilustrativa: Banda de Música de Tatui-SP.
É dia de fanfarra e eu não posso me atrasar
Se digo que não vou a banda vem pra me buscar
No meio da retreta vou tocar meu bombardão
Num cano de saudade vou soprando a solidão
Garrafas atiradas no caminho já deixei
Vazias da certeza que com elas procurei
Na banda da ilusão tocando bombardão
Eu digo sim, a vida disse não
São tantos instrumentos pela vida
E essa gente distraída vai levando a sua cruz
Tem uns que tocam tudo e outros nada
Vai tocando nessa estrada, quem não toca não traduz
Eu toco essa amargura atravessada, essa dor desesperada
Essa vontade sem vontade de viver
É a lei da vida amor, tocar pra não morrer
É grande a minha história, nem dá tempo de escrever
No meio de uma frase qualquer dia eu vou morrer
E as contas que ficarem no meu terço vou rezar
São versos de um poema que eu nem pude terminar
À noite eu sempre durmo na esperança de morrer
Mas logo vem a banda me acordando pra viver.
luciano hortencio
https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=1jF30nvL9rE
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ÉPOCA
POLÍTICA
Picante autobiografia de José Dirceu expõe o lado Don Juan do líder petista
Entre histórias da infância, da clandestinidade e da chegada do PT ao poder, Dirceu dedicou bom espaço às próprias conquistas amorosas. Os relatos fazem jus aos apelidos de "Ronnie Von das Massas" e "Alain Delon dos Pobres", que o acompanharam no movimento estudantil
Bernardo Mello Franco
25/08/2018 - 15:00 / Atualizado em 27/08/2018 - 18:57
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O então líder estudantil José Dirceu, apelidado de Ronnie Von das Massas, na Galeria do Rock em São Paulo Foto: FolhaPress
O então líder estudantil José Dirceu, apelidado de Ronnie Von das Massas, na Galeria do Rock em São Paulo Foto: FolhaPress
O ex-ministro José Dirceu, de 72 anos, escreveu na cadeia o que diz ser o primeiro tomo de Zé Dirceu – Memórias (Geração Editorial). Rascunhou o texto à mão, em letra miúda, com o papel e a caneta esferográfica que tinha à disposição nos quase dois anos em que esteve preso em Pinhais, no Paraná. O original passava de 400 páginas. [ LEIA AQUI um capítulo do livro ]
Dirceu já foi preso quatro vezes. A primeira, na ditadura militar, com cerca de 1.000 estudantes que participavam do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna. As outras três, na democracia. Ele foi condenado por corrupção no mensalão e na Lava Jato. O juiz Sergio Moro assinou as últimas duas sentenças. Nelas, as penas somam 32 anos de prisão.
O petista chegou a dizer a amigos que temia passar o resto de seus dias numa cela. Foi salvo em maio, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal mandou soltá-lo. A decisão foi confirmada na última terça-feira.
Nas memórias redigidas no cárcere, o ex-ministro preferiu pular a fase mais recente e polêmica de sua biografia. Interrompeu as lembranças em 2006, quando ainda não havia sido julgado pela compra de apoio político ao governo Lula. O resultado é um relato engajado, com muitos ataques a adversários e a quem chama de perseguidores — entre eles, a imprensa.
Entre histórias da infância, da clandestinidade e da chegada do PT ao poder, Dirceu dedicou bom espaço às próprias conquistas amorosas. Os relatos fazem jus aos apelidos de “Ronnie Von das Massas” e “Alain Delon dos Pobres”, que o acompanharam no movimento estudantil.
No livro, o memorialista emerge como um maoista entre lençóis. “As mulheres conseguem sustentar metade do céu”, dizia o líder comunista chinês Mao Tsé-tung. ÉPOCA pinçou os trechos mais apimentados de Zé Dirceu — Memórias e os reproduz a seguir.
SAIBA MAIS
ÉPOCA
Leia um capítulo da autobiografia de José Dirceu: "Zé Dirceu – Memórias"
Logo da Época
ÉPOCA
Fernando Haddad, o vice que não é vice, mergulha na política como ela é
O ex-prefeito Fernando Haddad diante de foto de Lula durante encontro nacional do PT. A possível candidatura o transformou num “político político Foto: Léo Pinheiro / FramePhoto/Agência O Globo
ÉPOCA
Luiz Estevão conta como exerce sua influência na penitenciária de Brasília
O ex-senador e empresário Luiz Estevão durante entrevista na Papuda Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
TRANSAS FANTÁSTICAS
A Baixada do Glicério, onde ficava o Parque Shangai de diversões e a Igreja Nossa Senhora da Paz, era um ponto de encontro e namoros para nós. Lá também vivia um conterrâneo de Passa Quatro, o José André Motta. Foi nessa época que tive um longo relacionamento com uma mulher mais velha que eu, mulata, paixão dos domingos com almoço e transas fantásticas. Guardei na minha memória a lembrança da primeira mulher que fumava maconha, como se fosse normal. Na verdade, a Baixada já era a boca quente dos anos 1970.
MAÇÃ DOURADA
Havia um pouco de tudo, festivais de rock, muita música e alegria, além de debates, disputas políticas e amores como era próprio de nossa geração. Muito se falou de meus namoros na sala de aula de grego — um pouco de lenda. A realidade é que estávamos vivendo o auge do “amor livre”, da pílula anticoncepcional, da vida independente e longe da casa dos pais, uma época em que todos namoravam e muito. Fiquei com a fama, nem sempre verdadeira. Uma das histórias que contam dessa época, com várias versões, cada qual de um jeito, é que fui seduzido e espionado por uma jovem a serviço do Deops que tinha o codinome de Maçã Dourada. A história é verdadeira, mas bastante simples.
Começou assim: quase todos os dias dávamos entrevistas à imprensa. Há, inclusive, uma foto famosa, da lousa negra onde se vê escrito “Imprensa burguesa, fique sentadinha”, algo assim. Sempre fizemos tudo abertamente. Numa dessas entrevistas, notei uma linda jovem de cabelos longos, com umas costas maravilhosas, pernas longas, um pedaço de perdição, sentada numa das cadeiras, lendo e pouco ouvindo a entrevista. Naquele momento fiquei intrigado, mas depois acabei me esquecendo.
Mas, de novo, lá estava ela. Aí me interessei, abordei e comecei a “ficar” com ela numa das escapadas para a sala de grego. O seu nome era Heloisa Helena Magalhães. Chegamos à sala, que na verdade era um quarto, para eu descansar e dormir em segurança. Fomos nos despindo, eu de olho nas suas lindas costas, um fetiche, e não prestei atenção, num primeiro momento, na forma como ela pegou meu revólver 22, abriu o tambor e olhou as balas. Mas, logo em seguida, meu instinto me alertou que havia algo de errado ali. Como uma menina de 19, 20 anos maneja uma arma com essa intimidade? Não deu outra, chamei a segurança, e Heloísa, depois de negar e negar, confessou.
A CHINESA
Meu trabalho com Vicente terminou no dia em que, mais uma vez, atrasei-me para o trabalho, causando sérios prejuízos para a rotina dele; eu andava encantado com uma nova namorada chinesa, a Lee. O sonho de trabalhar com ele acabou ficando para trás, deixando-me sem trabalho e sem a namorada que, anos depois, reencontrei no Crusp, o Conjunto Residencial de Estudantes da USP, com um jovem estudante, certamente seu novo amor.
SEXO NO CINEMA
Fiz também algo surreal, um curso de projetista de filmes num cinema, o Cine Yara, na Calle 23 com a 27. Toda noite eu trabalhava algumas horas treinando, até que um dia fui chamado e, com cuidado, me pediram que parasse de namorar dentro da cabine durante a exibição dos filmes. Era meu aviso prévio.
A TCHECA
Durante um outro período, trabalhei no Instituto de Cinema organizando a biblioteca da presidência e auxiliando na versão dos filmes brasileiros para o espanhol, na verdade, para o cubano, com todas as suas idiossincrasias e modo de falar próprio. Era uma função que me agradava e dava oportunidade de rever o nosso Cinema Novo. Também, como era filho de gráficos, trabalhei numa gráfica e empresa de revistas em quadrinhos, onde conheci uma tcheca, técnica em HQ, simplesmente encantadora, mas que não cedeu aos meus encantos, um tanto juvenis para ela.
A MULATA, A JUDIA E A BASCA
Esse período foi de poucos amores e namoradas, por medida de segurança. Tragicamente mal recordo o nome, apesar da lembrança fotográfica de cada uma: da mulata santiagueira que conheci na Biblioteca Municipal Abel Santamaria Cuadrado — dirigente do Diretório Revolucionário, herói e comandante do assalto ao palácio presidencial em 1957 —, da cidade de Santiago de Cuba, na província Oriental de Cuba, a Bahia cubana, terra do rum, da santería, cidade rebelde, berço da revolução e onde se situa a famosa Sierra Maestra. Depois, a mulata mudou-se para Havana para ficar mais perto de mim, para desespero dos meus assistentes do Departamento América do PCC. Zarattini e eu éramos assíduos frequentadores da Biblioteca de Santiago, local ideal para ler, pesquisar e paquerar.
Outro namoro foi com uma judia que perdi no tempo, mas não no esquecimento, névoas do passado. Morava nos fundos da sinagoga de Havana entre 13 e 15, Calle l, se não me engano. Passamos momentos maravilhosos no aconchego do seu minúsculo apartamento, atrás da sinagoga. Namoros e romances-relâmpagos, como com a basca, do ETA, que conheci no hotel de trânsito do Icaic, quando me restabelecia da depressão e do acidente (que contarei mais adiante), e que logo voltou para seu país, Euskal Herria — o nome do País Basco.
ANA
Minha parceria com Ana foi decisiva para nossa volta e para criar relações no exterior. Ana domina o espanhol e o francês, além de se virar com outras línguas como o inglês e o italiano. Ela fez de tudo para eu retomar a fala e a leitura que aprendera com os padres franceses em Passa Quatro, uma perda de tempo devido a minha indisciplina para o estudo de línguas, que se repetiria em 2006-7. Éramos parceiros no estudo e nas pesquisas, na produção de avaliações sobre o Brasil e sua economia e política. Ana é de uma disciplina e vontade política únicas. Com o tempo e a convivência diária, além da atração mútua, acabamos mantendo uma relação afetiva com altos e baixos, natural naqueles tempos em que a vida e a luta uniam e separavam pessoas, assim de repente. Nessa fase, meus namoros eram raros pela necessidade de compartimentação e semiclandestinidade, já que nossas identidades não eram as reais. Tive alguns casos no prédio em que morávamos, no Vedado, depois que fui liberado, e nada mais.
DONA DO HOTEL
Depois de algumas peripécias, como o namoro com a filha do dono do hotel em Placas e a amizade com o dono de uma boate, foi ele que se apaixonou por mim, mas não foi correspondido. Fui ao encontro de um senhor na rodoviária do Crato, a caminho de Salgueiro. Vestido como sertanejo, terno de linho, camisa branca sem colarinho, sandálias boas e bonitas, ele me pareceu triste e ensimesmado. Buscando puxar conversa e ter uma companhia na viagem — medida básica de segurança —, descobri que ele tinha sido roubado e, envergonhado, não pedira socorro a ninguém.
IARA E SUZANA
Meu namoro com Iara foi uma volta à adolescência perdida, ela era uma menina, mas já adulta pela luta e politizada pelo exemplo dos pais, Zilda e João Batista. Apaixonada pelos irmãos, dura na discussão política, às vezes sectária, tivemos um breve namoro, uma luz na solidão e no banzo que me atacava de tempos em tempos. Nosso relacionamento era de passeios, idas ao cinema, a parques de diversão e “pousadas” que, na verdade, eram pequenos motéis, já que não morávamos juntos. Nosso namoro não era bem-visto e aceito pela mãe e irmãos, creio que mais pelas questões políticas do que pelo namoro propriamente dito ou por mim mesmo. Acabou de repente, Iara se afastou, sofri muito, mas nada como a luta, o treinamento e outros amores para curar as dores da paixão.
Também no CBA e no escritório de Airton Soares conheci Suzana Lisboa, gaúcha, judia, viúva de Luiz Eurico Lisboa, outro assassinado pela ditadura. Suzana lutava para esclarecer o assassinato de seu companheiro. Acabou localizando os restos mortais de Luiz Eurico e foi uma parceira constante dos pais de Sônia de Moraes Angel, em busca do paradeiro da filha e de seu companheiro, Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, também assassinada pela ditadura em um acidente forjado de carro no Rio, em 1976. Artista da moda brasileira, Zuzu granjeara fama internacional. Desfilava suas criações em Nova York, onde sua clientela incluía personalidades do show business como Liza Minelli e Joan Crawford. Impetuosa, denunciou a crueldade do regime militar ao secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e ao senador democrata Edward Kennedy. Representava uma ameaça à tirania e, por isso, foi perseguida e morta. Suzana foi minha primeira namorada em São Paulo. Não chegamos a morar juntos e nos tornamos grandes amigos. Sua dedicação à luta pela anistia e à busca dos mortos e desaparecidos me impactou para além de sua beleza e coragem.
ÂNGELA
Foi minha primeira saída com Ângela, empurrando uma Brasília ladeira abaixo e correndo o risco de ser preso. Só seria pior na noite em que a convidei para jantar. Preparei uma macarronada à carbonara, cheia de bacon, e, surpreso, descobri que Ângela era vegetariana. Ela morava sozinha numa casinha branca e azul, na Rua Harmonia, Vila Madalena, em São Paulo, um bairro ainda bucólico, sem prédios, uma pequena comunidade libertária, de esquerda, musical e alegre, na esquina de uma pizzaria da outra sócia da escola, Gisela.
Mudei-me para lá após meses de namoro. Ângela era filha de uma militante política sindical, Irene Terras Saragoça, perseguida pela ditadura. Seu pai, Manuel, português de Aveiro, vivia no litoral sul de São Paulo, e a mãe, em Santos. Seu irmão, também Manuel, era médico nefrologista no Hospital São Paulo. Começava uma nova relação, uma nova família.
PEDRO CAROÇO
A aproximação de Clara mudou tudo e deu um sentido a minha vida no Paraná. Era uma loira alta dirigindo seu carro, sempre ativa, conversando, entrando e saindo dos bancos, farmácias, lojas, e dona de pequenas boutiques, uma em Cruzeiro, na rua atrás da minha alfaiataria. Toda vez que a via descer do carro, com seu sorriso, os olhos claros, botas de cano longo e saia rodada, me prendia a atenção. Nós nos fitávamos, estudávamos, mas não ousávamos trocar uma palavra.
Até que, no cair de uma tarde, quando seguia para jantar na pensão, perdi minha lente de contato. Anoitecia e não conseguia encontrá-la no asfalto escuro. Eis que surge um carro com farol aceso. Dele alguém desce e, pelas botas e pernas, vi que era Clara. “O que procuras?”, perguntou.
Minha vida se ligaria à de Clara, não somente uma vida afetiva e familiar — de que sentia falta —, mas também profissional. Logo a cidade percebeu que o “estrangeiro” roubara de seus filhos uma de suas flores, no caso uma mulher independente, bem-sucedida, bonita e dona de quatro pequenas boutiques.
Desconfiança e inveja foram as primeiras reações. Algo como “esse aventureiro vai roubar nossa jovem empresária e depois a abandonará ou, pior, dará um golpe e desaparecerá. Ou vai se casar com ela”. Logo me colocaram o apelido de “Pedro Caroço”, alusão à letra da música cantada por Genival Lacerda, “Severina Xique Xique” — que traz este verso: “Ele tá de olho é na boutique dela!”. Isso me aborrecia, mas, ao mesmo tempo, me tornava uma pessoa da cidade, “um dos nossos”, desaparecendo o distanciamento com o “intruso e concorrente”.
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Adriana Calcanhotto - Esses Moços (Ao Vivo)
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Esses Moços
Lupicínio Rodrigues
Coisas Minhas: Lupicínio Rodrigues 90 Anos
Esses moços , pobre moços
Ah se soubessem o que eu sei
Não amavam não passavam
Aquilo que eu já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que eu peço a esses moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam
Que há um lindo futuro
Só o amor
Nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu
Por ser escuro
E vão ao inferno
À procura de luz
Eu também tive
Nos meus belos dias
Essa mania que muito me custou
Pois só as mágoas que eu trago hoje em dia
E essas rugas
O amor me deixou
Esses moços , pobre moços
Ah se soubessem o que eu sei
Composição: Lupicinio Rodrigues
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O artigo de Luiz Carlos Azedo publicado no Correio Braziliense oferece uma análise histórica que lança luz sobre a relação entre o governo e o Congresso no Brasil, especialmente destacando a situação atual sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A narrativa começa com uma revisão das reformas propostas durante os anos 1960, especialmente as reformas de base sob a presidência de João Goulart, que enfrentaram forte resistência do Congresso, dominado por uma maioria conservadora na época. O texto destaca como a falta de apoio legislativo acabou contribuindo para a instabilidade política e, eventualmente, para o golpe militar de 1964.
A partir desse contexto histórico, Azedo faz uma transição para o presente, argumentando que a relação entre o governo de Lula e o Congresso conservador enfrenta desafios semelhantes. Ele adverte contra a ideia de uma aliança entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) para subjugar o Congresso, enfatizando a independência dos poderes e a importância do Legislativo como representante dos votos dos cidadãos.
O autor também critica a postura de Lula de recorrer à prerrogativa institucional de questionar a constitucionalidade das decisões do Congresso, argumentando que isso pode levar a um cenário de "iliberalismo" político. Ele enfatiza que, nas regras do jogo democrático, é o Congresso que tem o poder de destituir o presidente em situações de crise, através do processo de impeachment.
Em resumo, o artigo de Azedo oferece uma análise perspicaz sobre a dinâmica política brasileira, destacando a importância do equilíbrio de poderes e a necessidade de respeitar as instituições democráticas para garantir a estabilidade e a governabilidade.
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domingo, 28 de abril de 2024
Luiz Carlos Azedo - Com o Congresso, tudo; sem o Congresso, nada
Correio Braziliense
Um passeio pela história serve para reflexão sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e STF para domar o Congresso
Na década de 1960, as reformas de base eram um conjunto de mudanças de caráter liberal-social, faziam sentido diante das necessidades de modernização do país. Consistiam nas reformas agrária (distribuição de títulos de terras, desapropriação de terras improdutivas e produção para o mercado interno), administrativa (sistema de compras, meritocracia e regras orgânicas), eleitoral (voto para militares de baixa patente e analfabetos), bancária (controle da inflação por órgão central), tributária (sistema de arrecadação e combate a fraudes e evasão fiscal) e constitucional (necessária para viabilizar as demais).
Algumas foram parcialmente realizadas durante o regime militar, a maioria foi consagrada na Constituição de 1988 e a tributária, agora, está na ordem do dia. Era um programa herdado do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), que fora reapresentado pelo PTB, partido do vice-presidente João Goulart, como plataforma eleitoral. Na época, a vice-presidência era disputada separadamente. Entretanto, o vitorioso nas eleições foi Jânio Quadros, que tinha um projeto oposto e, na Presidência, tomava decisões muito contraditórias. Realizou uma reforma cambial ultraliberal e, ao mesmo tempo, condecorou o revolucionário Ernesto Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana.
A instabilidade e contradições políticas de seu governo levaram Jânio à renúncia. Os ministros da Guerra, general Odílio Denis; da Marinha, vice-almirante Sílvio Heck; e da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss, porém, tentaram impedir a posse de Goulart. O Congresso Nacional não aceitou o golpe dos militares, mas impôs uma solução parlamentarista, para dar posse ao vice em 7 de setembro de 1961. No poder, as reformas de base passaram a ser seu programa de governo, com apoio das forças de esquerda, agrupadas na Frente de Mobilização Popular (FMP), na União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), no Pacto de Unidade e Ação (PUA) e na Frente ParlamentarNacionalista (FPN).
Em 6 de janeiro de 1963, por meio de um plebiscito, o regime presidencialista foi restabelecido. Logo a seguir, Goulart enviou ao Congresso os projetos de reforma agrária e bancária. A reforma agrária, proposta pelo PTB, foi rejeitada pelo Legislativo, que também rechaçou a lei de remessas de lucros proposta por Jango. A maioria no Congresso não aceitava as reformas de base. À época, era um dogma da esquerda brasileira a tese de que o país não se desenvolveria com monocultura de exportação e sem nacionalizar as empresas de capital estrangeiro.
Era uma incompreensão do que estava ocorrendo no Brasil, onde o capitalismo no campo já era uma realidade, liderado pelo agronegócio, e a industrialização se dava com forte presença do capital estrangeiro, sobretudo no setor de bens de consumo duráveis. A radicalização política se deu muito mais em bases ideológicas, sem que a esquerda levasse em conta a real correlação de forças na sociedade nem prever a via de modernização conservadora que seria posta em prática, em marcha forçada, pelos governos militares. Em vez de recuar em ordem, com apoio popular, Goulart apostou na radicalização.
A grande contradição
Em 13 de março de 1964, foi realizado o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de duzentas mil pessoas, no qual Goulart anunciou a desapropriação de terras improdutivas e a estatização de refinarias. O comício serviu de pretexto para que militares e políticos de direita, com forte apoio do clero católico e da classe média, intensificasse a conspiração golpista, que foi financiada pelos Estados Unidos. A tentativa de mobilizar a sociedade para fazer a reforma agrária por decreto, como fizera com a lei de remessa de lucros em janeiro de 1964, resultou na crise política com o Congresso e no golpe de estado que destituiu Goulart, há 60 anos.
Por ironia da História, foi um Congresso transformado em colégio eleitoral, de maioria conservadora, o mesmo que barrou a emenda das eleições diretas, que viria a pôr fim ao regime militar, ao eleger Tancredo Neves, em 1985, com respaldo amplo da sociedade civil. Derrotados, os militares se retiraram em ordem, num processo político iniciado aos trancos e barrancos, e muita repressão, pelo presidente Ernesto Geisel, na segunda metade da década de 1970, porém, sendo mais bem-sucedido do que o seu projeto de capitalismo de estado nacional-desenvolvimentista, autárquico e concentrador de renda. A última prova desse sucesso político talvez tenha sido o fracasso do projeto golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro, que não teve respaldo do alto-comando das Forças Armadas, cujo profissionalismo é uma herança de Geisel.
Mas, voltando o Congresso Nacional, esse passeio pela história serve para reflexão sobre a contradição existente entre o governo Lula e a maioria conservadora do Legislativo, que flerta com o semipresidencialismo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) para domar o Congresso. Não cabe ao Supremo legislar sobre as políticas públicas, embora tenha o dever de zelar pela constitucionalidade das leis e pelos direitos dos cidadãos.
Se toda vez que for derrotado no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorrer à sua prerrogativa institucional de argüir a inconstitucionalidade das decisões tomadas pelo Legislativo, como no caso da derrubada dos vetos às desonerações fiscais, mesmo que tenha o respaldo daquela Corte, estaremos nos trilhos traiçoeiros que levam ao “iliberalismo” político. Nas regras do jogo, os poderes são independentes e harmoniosos, mas é o Congresso que representa a totalidade dos votos dos cidadãos. Tanto que pode, em situações de grave crise, destituir o presidente da República, por meio do impeachment.
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O artigo publicado pela Revista Veja traz uma análise contundente do cientista político Alberto Aggio sobre a atual situação política e econômica do Brasil. Aggio argumenta que o país está submerso em uma política do "eu quero o meu", na qual os setores mais organizados, como o Judiciário, exercem grande influência na definição do orçamento, enquanto outros segmentos, como os professores, recebem aumentos salariais irrisórios.
Ele ressalta que mesmo partidos e líderes políticos tradicionais, como o PT e o ex-presidente Lula, perderam a capacidade de articular alianças e democratizar o orçamento. Aggio aponta que Lula e o PT são obrigados a fazer alianças com diversos interesses, inclusive aqueles representados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para evitar um isolamento político semelhante ao que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.
O cientista político também destaca a falta de renovação e lideranças no PT, que continua sendo um partido de "cabeças brancas". Ele argumenta que, na ausência de uma administração eficaz por parte do presidente, prevalece a política do interesse próprio, na qual o governo Lula se torna uma "barafunda" na qual o interesse partidário é priorizado.
No entanto, Aggio reconhece que o cenário econômico pode não ser totalmente desfavorável, com melhorias em termos de emprego, mas ressalta que isso não é suficiente para superar os desafios estruturais enfrentados pelo país.
Em suma, o artigo deixa claro que o Brasil está em uma encruzilhada política e econômica, onde as velhas estruturas de poder ainda exercem influência significativa, enquanto a capacidade de liderança e renovação no cenário político parece estar em declínio.
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domingo, 28 de abril de 2024
Para cientista, o país está sob o domínio da política do ‘eu quero o meu’
Para o professor Alberto Aggio, da Universidade Estadual de São Paulo, o governo e o PT são parte desse sistema
Por Hugo Marques / Revista Veja
Diante de um orçamento apertado, o Congresso está em vias de aprovar a PEC do Quinquênio, que vai engrossar aumentar as despesas em estimados 42 bilhões de reais em vantagens que serão pagas a juízes e outras categorias do serviço público. Reportagem de VEJA desta semana mostra este descompasso com o mundo real. No município baiano de Dias D’Ávila, por exemplo, os professores foram “agraciados” com um reajuste salarial de inacreditáveis 46 centavos. Para o cientista político Alberto Aggio, da Universidade Estadual Paulista, os setores mais organizados têm prevalecido cada vez mais na definição do Orçamento, inclusive porque atores políticos importantes do passado perderam força. Para ele, o próprio PT não tem mais a capacidade de articular com segmentos da sociedade para tentar democratizar o Orçamento. Essa é a realidade. E o governo Lula é parte dela.
O Senado pode aprovar uma lei que vai destinar 42 bilhões a juízes e outras categorias. Enquanto isso, na Bahia, os professores recebem aumento de 46 centavos. Qual a razão dessa disparidade?
Os setores mais organizados, com peso estrutural no estado brasileiro, como o Judiciário, acabam mostrando sua força nessa dinâmica da montagem orçamentária. Mesmo um partido como o PT e lideranças como o Lula não conseguem mais cimentar acordos como faziam antes. Quem fez a carreira política valorizando associativismo, o mundo dos interesses, como o Lula e o PT, não conseguem mais controlar isso, a não ser fazendo alianças.
O governo e o PT, então, são reféns desse sistema?
Lula e o PT são obrigados a fazer alianças com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e com todos os interesses que ele representa. Caso não faça essas alianças, Lula pode seguir um caminho igual ao da então presidente Dilma Rousseff, que se isolou e sofreu impeachment. Mas não reféns. As coisas não estão difíceis para o presidente Lula porque o mundo é mau, mas porque Lula participou da construção desse mundo, do qual ele faz parte. Um sociólogo do Rio de Janeiro disse que o Lula ‘está sendo acossado pela Faria Lima’. Não, o Lula não está sendo acossado pela Faria Lima, pelo Judiciário, pelo Arthur Lira. Ele é parte desse mundo.
O senhor vê alguma perspectiva de mudança nesse cenário?
O Brasil está desafiado a enfrentar um momento de reestruturação da dinâmica da sociedade com o Estado. O PT perdeu o controle disso, não mostra mais para a sociedade capacidade para fazer isso. O partido não tem novas lideranças. Aliás, as lideranças que tentam emergir vivem sob a batuta do presidente. Veja o que o Lula fez com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que foi cobrado em público. O PT envelheceu, é um partido de cabeças brancas.
Qual é a consequência disso na prática?
A partir do momento em que há uma incapacidade de administração do grande ator democratizador, que é o presidente, o que fica é a marca do PT, na qual o interesse do partido é o que prevalece. Na democracia lulista, o meu interesse vale tudo. Se o meu interesse vale tudo, é legítimo o que fazem os homens do Judiciário, por exemplo. É a política do ‘eu quero o meu’. O governo Lula é uma barafunda, e só não está pior porque as circunstâncias econômicas melhoraram — em termos. O emprego aumentou, mas todo mundo sabe que isso não pode ser considerado nem um voo de galinha.
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