segunda-feira, 20 de março de 2023

ORFEU E EURÍDICE DO SERTÃO

Elis Regina - Valsa de Eurídice *** ***
*** Sinhá Vitória (@SinhaVitoriaa) / Twitter *** PERDENDO O BONDE *** *** AO VIVO: WW - Edição especial | Políticas públicas no Brasil funcionam? - 19/03/2023 *** CNN Brasil Transmissão ao vivo realizada há 82 minutos Assista ao programa WW deste domingo, 19 de março de 2023, apresentado por William Waack. O tema deste programa é: Políticas públicas no Brasil funcionam? **********************************************************************
*** Antígona perante a morte de Polinice "Os caminhos que nos trouxeram aqui foram os da liberdade individual. Antígona, a personagem grega, simboliza essa luta. A liberdade é um grande valor ocidental. Mas o próprio autor da tragédia, Sófocles, acentuava que todas as ações humanas que ignoram limites levam à destruição." *** segunda-feira, 20 de março de 2023 Fernando Gabeira - Fake news e solidão O Globo Uma das causas profundas da crise democrática é a naturalidade com que se usou o termo realidade alternativa A leitura de alguns temas complicados me leva a escrever sobre uma palavra simples do nosso cotidiano: solidão. Rumos políticos, ecológicos e filosóficos apontam para ela. No momento em que se discute o controle das redes sociais, é preciso lembrar que vivemos uma política definida como pós-verdade. O tsunami de fake news, teorias conspiratórias e desinformação talvez seja apenas a face visível. Uma das causas profundas da crise democrática é a naturalidade com que se usou o termo realidade alternativa. Refiro-me a governos, não apenas a indivíduos. Trump, que se sentia no direito de contar o número de pessoas na sua posse de forma diferente de todos os outros observadores. Colin Powell foi à ONU, em fevereiro de 2003, e apresentou uma série de imagens sobre armas de destruição em massa do Iraque. Tudo fake news. A Rússia começou com a dezinformatsiya, termo cunhado pela KGB. Depois introduziu a maskirovka, uma forma de iludir. Hoje já tem métodos mais sofisticados como o controle reflexivo (upravlenie), que consiste em disseminar notícias que forcem o adversário a tomar como racional uma decisão que interessa aos próprios russos. A internet, com suas bolhas e rapidez de propagação, acabou consagrando o mundo da pós-verdade. Só que, como diz Hannah Arendt, precisamos de um mundo comum de fatos (a Terra gira em torno do Sol, dois mais dois igual a quatro). É nesse mundo que compartilhamos um senso comum. Alguém diz algo, e o outro sabe o que tem em mente ao usar a palavra. A perda desse senso comum é um desastre para a democracia. — Mais do que o estado de crise da democracia liberal contemporânea, a pós-verdade é o sintoma de um problema mais profundo que, em termos filosóficos, deveria ser classificado como hiperindividualização ou subjetivismo radical, algo expresso melhor usando uma palavra de nosso vocabulário comum: solidão — diz Mirko Alagna no artigo “O chão tremendo aos nossos pés: verdade, política e solidão”, publicado na revista Soft Power. Enquanto a crise democrática avança para a solidão, a ameaça é grande no campo ambiental. Muitos que reconhecem o aquecimento global defendem que o avanço tecnológico resolverá todos os problemas. Como lembrou John Gray, viveríamos numa espécie de bolha marcada por uma profunda solidão, já em curso com a progressiva extinção das espécies. O grande filósofo moderno Nietzsche, ao afirmar que Deus estava morto, acreditava sinceramente que caminhávamos para uma liberdade maior, livres da mortificação e culpa impostas pela religião. Mas a liberdade de criar seus próprios padrões morais era vista por ele também como um nomadismo, uma distância da sociedade, enfim, uma solidão olímpica do homem superior. Ao combater a metafísica, acabou se abraçando a ela. O resultado é também uma profunda solidão. Os caminhos que nos trouxeram aqui foram os da liberdade individual. Antígona, a personagem grega, simboliza essa luta. A liberdade é um grande valor ocidental. Mas o próprio autor da tragédia, Sófocles, acentuava que todas as ações humanas que ignoram limites levam à destruição. Camus perguntava na sua leitura de Nietzsche: liberdade de que ou liberdade para quê? Pode ser uma indagação útil para a formulação de uma política pós-liberal. Ainda não conheço seus contornos, mas acredito que regulamentar as redes sociais é um dos seus passos embrionários. Na semana passada, a revista Atlantic intitulava um trabalho sobre extremismo político e religioso nos EUA com a expressão “nova anarquia”. É possível que tenhamos chegado perto de uma nova expressão do anarquismo, mas sem o romantismo e a fundamentação do passado. Apenas um mundo de teorias conspiratórias, sem base real compartilhada, um espaço hostil a qualquer relação de confiança. ******************************************************************* *** Sobradinho Chico César Cifra: Principal (violão e guitarra) Favoritar Cifra Ouça "Sobradinho" no Amazon Music Unlimited (ad) Tom: E [Intro] E C#m E O homem chega e já desfaz a natureza D A9 Tira a gente põe represa, diz que tudo vai mudar E O São Francisco lá prá cima da Bahia D A9 Diz que dia menos dia vai subir bem devagar C G E passo a passo vai cumprindo a profecia C B7 Do beato que dizia que o sertão ia alagar G# C#m O sertão vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A G#m O mar também vire sertão C#m Vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A B7 O mar também vire sertão E C#m E C#m Lá, lá lá lá lá, lá, lá lá lá lá E Adeus Remanso, Casa nova, Sento-sé D A9 Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir E Debaixo d'água lá se vai a vida inteira D A9 Por cima da cachoeira o Gaiola vai subir C G Vai ter barragem no salto do Sobradinho C B7 E o povo vai se embora com medo de se afogar G#7 C#m O sertão vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A G#m O mar também vire sertão C#m Vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A B7 O mar também vire sertão E C#m E C#m Lá, lá lá lá lá, lá, lá lá lá lá E Adeus remanso, casa nova, sento-sé D A9 Adeus pilão arcado vem o rio te engolir E Debaixo d'água lá se vai a vida inteira D A9 Por cima da cachoeira o Gaiola vai subir C G Vai ter barragem no salto do Sobradinho C B7 E o povo vai se embora com medo de se afogar G# C#m O sertão vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A G#m O mar também vire sertão C#m Vai virar mar A G#m Dá no coração E C#m O medo que algum dia A B7 G# O mar também vire sertã--o ( C#m Em F#m Am ) ( E C#m ) E Remanso, casanova sento-sé C#m Pilão arcado, sobradinho Adeus, adeus, adeus Tocar/Pausar Repetir Volume 00:34 / 02:17Configuração Mini player Modo teatro Tela inteira Composição de Sá & Guarabyra *****************************************
*** Novos ricos: vida da família de Timbó muda em Mar do Sertão *** TIMBÓ/TÊ - O povo precisa de água. Não é de óleo não. De água mesmo. De água. De estudo. E livros. Que agora eu tô aprendendo a ler. Oia, o príncipe já leu o senhor Graciliano Ramos? Xi Maria que a Sinhá Vitória sou eu todinha. Parecia mais que aquele homem me conhecia. Virgem Maria! (12:00 - 13:00) Capítulo de 17/03/2023 Mar do Sertão Globo Play **********************************
*** esquina RASTAQUERAS E CHARLATÕES Brasileiros na vida e na obra de Proust Mario Sergio Conti | Edição 86, Novembro 2013 *** Os brasileiros eram uns rastaqueras na Paris de Marcel Proust. Não só eles, os latino-americanos todos. Com o passar do tempo, a palavra foi empregada em relação aos ibéricos, aos eslavos, aos judeus e a todos os estrangeiros. Quem ensina isso é o professor Rubén Gallo, diretor de Estudos Latino-Americanos da Universidade Princeton. Ele nasceu no México, formou-se em Yale, doutorou-se em Columbia e é da diretoria do Museu Freud, em Viena. No ano que vem, lançará o livro Marcel Proust’s Latin Americans. Gallo esteve no mês passado no Brasil e falou numa palestra na Universidade de São Paulo sobre os rastaqueras. À beira do desuso, a palavra no português oral é sinônima de fuleiro, pouca porcaria, tranqueira. Já no Aurélio e no Houaiss o seu sentido é semelhante ao francês: o indivíduo que chama atenção pelos gastos extravagantes e pela ostentação. O significado não é idêntico nos dois idiomas porque, na Paris da Belle Époque, o rastaquera vinha dos trópicos com maus modos e dinheiro à beça, e o detonava com estrondo. Rubén Gallo achou um rastaquera brasileiro n’A Prima Bette, romance de Balzac que integra A Comédia Humana. É o barão Henri Montes de Montejanos, um tipo sulfuroso e selvagem como o país de onde veio. Um segundo personagem foi criado por Jacques Offenbach, compositor dos mais populares na França da segunda metade do século XIX. Ele se chama Brasileiro e figura na opereta-bufa A Vida Parisiense. Num rondó, ele canta o que pode ser traduzido assim: Cheguei do Rio há uma hora E Paris é toda minha agora! Já vim aqui duas vezes antes, Mas trago agora na bagagem Ouro em penca e diamantes. Quanto irá durar a sacanagem? Pois durou umas seis amantes, Uns duzentos amigos elegantes, Poucos meses de porres galantes. Ó Paris só de comerciantes! O brasileiro novo-rico, que passa por malandro em casa, é um otário depenado inapelavelmente em Paris. O rastaquera sabe disso, já que ele mesmo diz: “Vim para que vocês me roubem tudo o que roubei là-bas”, no Brasil. Tanto A Prima Bette como a primeira versão de A Vida Parisiense foram feitos antes de Proust nascer, em 1871. Mas é possível que ele tenha tido contato com o romance e a opereta, e não apenas porque fizeram sucesso. Ainda que não estivesse entre os seus escritores prediletos, Proust certa vez publicou um pastiche hilariante de Balzac. E um dos autores do libreto de A Vida Parisiense era pai de um colega e amigo seu, Daniel Halévy. A palavra “rastaquera” se firmou no vocabulário francês mais para o final do século, num contexto vivido pelo autor de À Procura do Tempo Perdido. Ela passou a designar políticos latino-americanos que foram destronados e, podres de ricos, se exilaram em Paris. É o caso de dois presidentes, o venezuelano Antonio Guzmán Blanco e o mexicano Porfirio Díaz. Na conferência na USP, Gallo perguntou à plateia se algum político brasileiro poderia caber na galeria. Mas ele sabia muito bem que dom Pedro II, ao ser derrubado pela República, exilou-se na França. Também viveram lá André Rebouças e Joaquim Nabuco, abolicionistas e monarquistas. Como não era xenófobo, Proust estava alheio ao universo rastaquera e raramente empregava a palavra. Francês arraigado, ele não falava outras línguas e foi ao exterior só em curtas temporadas, para visitar Veneza, ir a estações de água alemãs e ver quadros na Bélgica e na Holanda. Mas tinha algo de estrangeiro, de esquerdo: burguês, queria entrar no mundo da aristocracia; judeu, sofreu antissemitismo; homossexual, viveu num meio machista; seu primeiro namorado, e amigo por toda a vida, foi o venezuelano Reynaldo Hahn; pediu à mãe que fizesse traduções literais de John Ruskin para verter o crítico inglês para o francês. Embora não haja evidências, é plausível que Proust soubesse de dom Pedro II. O imperador, afinal, era um sangue azul de boa cepa, um Habsburgo. E também porque o seu genro, o Conde d’Eu, foi um Orléans que viveu o exílio no seu castelo na Normandia, região que o romancista percorria em férias de verão. Proust pode ter se interessado pelas aventuras francesas de Santos Dumont. O inventor frequentava salões semelhantes aos descritos pelo escritor, que por sua vez era fascinado por novidades tecnológicas como o telefone, os automóveis e sobretudo os aviões. Quando seu grande amor, o chofer Alfred Agostinelli, ameaçou abandoná-lo, Proust prometeu comprar-lhe um aeroplano. Pagou um curso para que ele aprendesse a pilotar. Foi com milhares de francos nas mãos que Agostinelli perdeu o controle do aviãozinho numa das aulas. Para horror de quem o via da praia, caiu no Mediterrâneo e se afogou. O chofer serviu de modelo para a Albertine de Tempo Perdido, cujo centenário da publicação do primeiro volume, como lembrou o professor Gallo, se comemora agora, em 14 de novembro. Há apenas um brasileiro no romance de Proust. Ele é mencionado em O Lado de Guermantes, e sua aparição é tão fugaz que nem nome ele tem. É apenas “um médico brasileiro” de sorriso pusilânime e meigo, um “ar de interrogação tímido, interessado e suplicante”. Esse médico, a quem o narrador recorre para tratar de sufocamentos asmáticos, lhe receitou “inalações absurdas de essências vegetais”. Não era um rastaquera. Mas levava jeito de charlatão. Mario Sergio Conti
*** Mario Sergio Conti *** Mario Sergio Conti é jornalista e autor de Notícias do Planalto, da Companhia das Letras. Foi diretor de redação de piauí de 2006 a 2011 *********************************************************************
*** A narrativa dos sobreviventes: movimento, miséria e história em Vidas Secas Robson dos Santos[1] (...) marcharemos com nosso amargor. E algum dia os exércitos da amargura irão pelo mesmo caminho. E eles todos caminharão juntos, e haverá então um terror de morte. - John Steinbeck, As Vinhas da Ira O romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos tem o privilégio (ou a desvantagem) de já ter sido demasiadamente analisado, criticado, celebrado, relembrado, etc., isto é, ganhou uma posição na história da literatura brasileira com poucos equivalentes. A situação canônica do livro pode representar, paradoxalmente, uma assombrosa barreira à sua leitura. Afinal, nada parece haver de novo para ser expresso sobre ele. Por outro lado, uma releitura acaba sempre por fornecer outra perspectiva: um detalhe, uma nuance, uma possibilidade pode surgir. Nesse curto artigo buscamos tentar compreender a maneira pela qual a idéia de viagem, da necessidade de fugir, do exílio surge em Vidas Secas, buscando vislumbrá-lo também sob a idéia de uma literatura de testemunho, que almeja exprimir uma situação limite. Como destaca Márcio Seligmann-Silva[2], a literatura de testemunho implica também no sentido de “sobreviver”, de ter-se passado por um evento-limite, radical, passagem essa que foi também “atravessar a morte”. Tal tema não surge apenas em obras escritas pelos sobreviventes de alguma tragédia, mas há também um teor testemunhal da literatura de um modo geral, que se torna mais explícito nas obras nascidas de ou que têm por tema eventos-limite. Esta me parece ser a situação de Vidas Secas. ***** Vidas Secas é publicado em 1938. No ano seguinte inicia-se aquilo que talvez constitua a principal catástrofe já registrada pela história: a Segunda Guerra mundial. O absurdo do conflito mundial revela-se no holocausto, no extermínio indiscriminado de inimigos construídos pelo nazismo e na utilização das mais avançadas técnicas de assassinato em massa. Instala-se a perseguição generalizada, que gera a fuga, o movimento forçado das vítimas. Ao lembrar tal período para adentrarmos em Vidas Secas não queremos estabelecer nenhum equivalente ou qualquer forma de comparação entre tragédias, essas não se comparam. Se Vidas Secas é o romance sobre indivíduos que são expulsos de sua terra pela miséria e tornam-se exilados dentro de seu próprio território, a guerra, o holocausto e a diáspora são incomparáveis na tarefa de gerar exilados dentro de seus próprios países. Em Vidas Secas a miséria cumpre tal papel. A história de Fabiano e de sua família – ou poderíamos dizer de Baleia e sua família – é a narrativa de uma viagem sem um roteiro traçado, mas ininterrupta. O início do livro e seu final relatam o drama da obrigação de migrar infinitamente, de caminhar para qualquer destino que aparente ser menos miserável que a situação em que se encontram. “Mudança” e “Fuga”, respectivamente, o primeiro e o último capítulo do livro. Ambos nomeiam situações de movimento, tentativas de escapar de algum perseguidor, seja esse a destruição ou a fome. “Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas”. Isso no início. No último capítulo o movimento é retomado e a diáspora causada pela seca se refaz: “mas quando a fazenda se despovoou, [Fabiano] viu que tudo estava perdido, combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do amo. Não poderiam nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe restava jogar-se ao mundo, como negro fugido”. A comparação feita por Graciliano entre a situação da família de Fabiano e a de escravos que tentavam fugir de seus proprietários nos faz recordar outra grande diáspora: a dos negros que eram capturados em diversas regiões da África e conduzidos brutalmente às regiões do Novo Mundo. A viagem surge aqui como uma forma de violência que tinge as rotas do Atlântico com as tonalidades do absurdo e da dor. A família de Fabiano caminha rumo a algo que desconhece. Os escravos capturados navegavam cegos ao ritmo do oceano. Ambos moviam-se sob o signo da incerteza. O relato de Vidas Secas não é a história dos navios negreiros e seus porões obscuros.; não é sobre o horror do holocausto ou sobre a diáspora judaica, mas compartilha com tais tragédias e principalmente com os indivíduos que a vivenciaram a incerteza daqueles que são obrigados a abandonar seus países, suas aldeias, suas comunidades, seus amigos, familiares, suas crenças e amores para escaparem da morte ou serem conduzidos a ela. O primeiro capítulo de Vidas Secas caracteriza-se pelo movimento extremamente lento dos viventes que atravessam o sertão, numa metáfora quase bíblica, em busca de algum lugar em que a miséria seja menos cruel, um lugar em que os animais de estimação não precisem tornarem-se alimento, tal como o papagaio que é devorado no início do livro. A fazenda que encontram no caminho interrompe a jornada, mas não significa o fim da miséria. Talvez seja apenas o anúncio da vida que já tentou existir ali e que insiste em deixar seus vestígios como que querendo alertar sobre a impossibilidade de viver, ao menos naquele local. “Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido”. A decisão de permanecer na fazenda resulta apenas da impossibilidade de optar por outro destino. Isso, contudo, devolve ao vaqueiro certo otimismo para com a existência e o futuro da família. “ Eram todos felizes. Sinha Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinha Vitória remoçaria, as nádegas bambas de sinha Vitória engrossariam, a roupa encarnada de sinha Vitória provocaria a inveja dos outros (...) Uma ressurreição. As cores da saúde voltavam à cara triste de sinha Vitória. Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras – chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria verde”. A viagem que é temporariamente interrompida reativa a esperança da família e a libido de Fabiano. A seca tosta os corpos, sufoca suas feições eróticas. Os toques, quando ocorrem, são os significantes da violência. Não há afeto, nem palavras reconfortantes, ou sequer palavras. Os gestos em conjunto com os murmúrios compõe a linguagem de Vidas Secas. A parada na fazenda reativa a necessidade de desejar, seja os contornos de sinha Vitória, seja as brincadeiras singelas das crianças. A viagem que ocorre em Vidas Secas tem como panorama a terra esturricada pela ausência de chuva. Graciliano ao dispor seus personagens em tal ambiente intenta denunciar a miséria nordestina e brasileira. No entanto, busca expor uma contradição inerente ao processo histórico do Brasil. Os anos 30 comportam e sintetizam muitas das perenes contradições do país. A superação do atraso nacional fornecia as diretrizes ao Estado autoritário de Vargas. A busca pela modernização exigia a eliminação daquilo que significava o velho. A burguesia urbana e industrial do Sul-Sudeste olhava com desânimo para os remanescentes ainda vigorosos da oligarquia rural Nordestina. Tal contradição sustentava um intenso debate entre as mais variadas posições intelectuais presentes no cenário cultural e político. A necessidade que orientava as discussões, independente do lado em confronto, era a superação do tal atraso nacional e a inserção do país na modernização capitalista. Isso exigia a elaboração de um “projeto de nação”, um corpo de sugestões que pudesse orientar o desenvolvimento do país. Nesse universo marcado pelo confronto político, as disputas ideológicas sofrem um acirramento, principalmente durante a década de trinta: integralistas e comunistas digladiam-se no campo intelectual, enquanto isso Getulio Vargas gesta uma Estado autoritário que identificava nos confrontos ideológicos do período uma ameaça a ordem: eis que surge o Estado Novo. A civilização urbana e moderna era a solução que seduzia a maioria dos políticos e intelectuais. Exagerando os limites do bom senso, poderíamos indagar em que medida Vidas Secas representa uma rejeição à harmonia que almejava o Estado Novo. Ao que me parece o livro ilustra aquilo que a nova situação recusa e com isso explicita a contradição com cores quentes. A modernização capitalista é restrita e excludente, isso é óbvio. Menos clara é a maneira pela qual o desenvolvimento seria efetivado e suas benesses distribuídas. Vidas Secas parece sugerir que elas não o seriam. O parêntese aberto é muito longo, mas não de todo inútil. Longe dos objetivos deste pequeno texto reduzir Vidas Secas a algum panfleto político. Porém, o movimento imposto a Fabiano não se esgota no nível da ficção. Basta recordarmos as massas de pessoas do Nordeste e de outras regiões do país, que foram e continuam sendo obrigadas a abandonarem seus lares em busca de melhores condições sociais. Busca raramente bem sucedida. Seja em direção às metrópoles do Sudeste ou para qualquer local que forneça a ilusão de uma existência menos restrita. Essa é a mesma esperança que mobiliza Fabiano e a família a abandonarem a fazenda: “E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos”. A miséria em Vidas Secas impõe o movimento, a mudança, fornece uma fluidez e uma instabilidade às vidas, pois obriga a fuga permanente. Essa miséria, contudo, encarcera, limita e restringe a existência, tanto sugerindo a fome como um companheiro eterno, quanto sugando as forças necessárias ao movimento. Em Vidas Secas a existência parece sempre encontrar-se numa situação limite. Narrar esta é o projeto de Graciliano, mesmo que o absurdo raramente possa ser narrado. Aqueles que suportaram situações limite dificilmente encontram uma forma de relatar sua experiência de maneira completa. Primo Levi, em “É isto um homem?”, a narrativa de sua experiência como prisioneiro de um campo de concentração, afirma em certa altura de sua obra que as palavras das quais as diversas línguas dispõe são incapazes de fornecerem os recursos necessários para traduzir o absurdo de um campo de concentração ou de qualquer outra experiência com a dor extrema, o horror, enfim, situações-limite. Não é gratuita a escassez de palavras que Graciliano impôs em sua construção. Os membros da família de sinha Vitória não se comunicam verbalmente, afinal não dominam esse recurso. Mas também Graciliano se recusa a preencher seu texto com excessos, pois esses seriam inúteis e soariam artificiais. A “Mudança” e a “Fuga” comprimem o relato da tragédia narrada por Graciliano. A viagem interrompida é retomada e a miséria volta a cumprir seu papel. O absurdo continua obscuro e pouco esclarecido à espera das palavras que irão lhe destroçar a lógica e desnudar seus mecanismos. A viagem enfrentada por Fabiano não fornece qualquer tipo de recordação paradisíaca de alguma imagem deslumbrante, de algum novo amigo, ou qualquer outra referência que poderia fazer com que ele olhasse com saudosismo o chão deixado para trás. O saldo de sua jornada é a degustação de um membro da família e a morte de outro. Diáspora, navios negreiros, retirantes, imigrantes, todos organizam-se e definem-se a partir da locomoção obrigatória, do movimento forçado, da expulsão. Para atualizarmos os termos, poderíamos pensar na mão-de-obra dos países subdesenvolvidos que arriscam a vida para transpor as fronteiras extremamente vigiadas do mundo globalizado e “ganhar a vida” nos países desenvolvidos. Retirantes modernos ou pós-modernos perseguem expectativas similares e enfrentam pavores que os mantém sob a instabilidade da “Mudança” e da “Fuga”. [1] Mestrando em Ciências Sociais no IFCH/UNICAMP [2] SELINGMANN-SILVA, Márcio (org.). História, Memória, Literatura – O testemunho na Era das Catástrofes. Ed. Unicamp. Campinas, 2003. https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/BaleianaRede/numero2/maispalavras3.htm ****************************
*** A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues Igor Barbosa Cardoso1 DOI: http://dx.doi.org/10.25187/codex.v5i1.10173 Resumo: O mito de Orfeu foi reelaborado diversas vezes pelo cinema brasileiro. Procura-se contrapor a katábasis produzida por Cacá Diegues à de Marcel Camus, com Orphée Noir (1958), em dois momentos, em A cidade grande (1966) e Orfeu (1999). Argumenta-se que o bandido social e o traficante de drogas são personagens centrais para a produção de distintas composições do inferno feitas por Diegues. Palavras-chave: Cacá Diegues; recepção da cultura clássica; bandido social; traficante de drogas Abstract: The Orpheus myth was reworded several times by the Brazilian cinema. The intention is to compare the katábasis produced by Carlos Diegues to Marcel Camus, with Orphée Noir (1958), in two moments, A cidade grande (1966) and Orfeu (1999). The social bandit and drug dealer are central characters to produce different compositions of hell made by Diegues. Keywords: Cacá Diegues; classical reception; social bandit; drug dealer Doutorando em História pela UFMG (bolsista CAPES), na linha de pesquisa História e Culturas Políticas, possui 1 graduação e mestrado na mesma instituição. Atualmente, pesquisa recepção da cultura clássica no período da ditadura militar brasileira, em especial as produções escritas e cinematográfica de Roberto Freire. Tem interesse em História Antiga, Literatura, Cinema e Direitos Humanos. Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 31 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues Cacá Diegues fez Orfeu descer ao Brasil algumas vezes . Uma dessas descidas, de forma 2 indireta, pode ser vista em seu filme de 1966, A grande cidade. Nele, a personagem de Anecy Rocha, a retirante Luzia, percorre a cidade do Rio de Janeiro em busca de seu noivo Jasão, interpretado por Leonardo Villar, que saíra sozinho das Alagoas em busca de um futuro melhor para o casal. Mas, tendo se transformado em um assassino profissional afamado nos jornais cariocas, Jasão havia se desacreditado dos sonhos planejados inicialmente, nos quais Luzia ainda mantinha fé. É ela então que descia ao inferno de Jasão e que, como uma luz na escuridão, procurava trazê-lo de volta ao mundo da utopia e dos projetos de transformação e ascensão social. Nessa perspectiva, sugiro que A grande cidade possa ser interpretada pela dupla tentativa de diferenciação: primeiramente, em relação ao mito de Orfeu, que, relido a partir da experiência brasileira, serviria de contraposição à estereotipada representação produzida por Marcel Camus em Orfeu Negro (1959); em segundo lugar, em relação à representação do bandido social, que, inserido no momento pós-golpe militar, qualificava historicamente esse inferno encenado no Rio de Janeiro. Maria Cecília Coelho teceu importantes comentários acerca da presença do mito de Orfeu em A grande cidade como contraponto ao filme de Camus por este apresentar uma brasilidade exótica, romântica e francófona . No artigo, a autora demonstra quão cuidadosa foi a caracterização 3 da cidade do Rio de Janeiro como cenário infernal da trama. Já de início, como num prólogo, na baía de Guanabara, a personagem Calunga, encarnada por Antonio Pitanga, anuncia num tom farsesco que “essa terra é um paraíso terrestre”, para, logo em seguida, direcionando-se ao espectador, com ar de quem prenuncia uma tragédia, perguntar como se já soubesse a resposta: “Quantas terras no mundo são um paraíso terrestre?”. Com questionamentos que referenciam o mundo do trabalho, como “que horas o senhor acordou?”, “quantas horas trabalha?”, “o que o senhor faz no final de fim de semana?”, “a que horas Erling B. Holtsmark (1991) apresentou alguns filmes que se inspiraram na katábasis, tema frequente na cultura antiga 2 que se referia à descida do herói ao mundo subterrâneo, onde ele ganhava, após o retorno, alguma responsabilidade ou liderança com base nas suas experiências infernais. Como Holtsmark, não interessa aqui a representação moderna estritamente literal da descida ao inferno, mas o modo como alguns filmes colocaram em discussão certos padrões narrativos provenientes da Antiguidade Clássica. Segundo Ivana Bentes, o filme de Camus “trabalha com uma miséria já transubstanciada em ‘primitivismo’, 3 ‘arcaísmo’, simplicidade. A miséria não aparece no filme, os personagens vivem de forma ‘primitiva’, mas não de forma miserável. A miséria desaparece sob a capa de uma segunda natureza e de uma pobreza não-problemática” (BENTES, 2007, p. 247). Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 32 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues vocês se amam?”, feitas a transeuntes quaisquer, a personagem Calunga coloca em evidência as implicações materiais do existir, sem as quais seria impossível pensar até mesmo a produção do cinema nacional. Por isso, o questionamento diretamente feito aos espectadores, “o que é que estão fazendo no cinema?”, solicita ao público que lide com o que o cinema é, “o templo de mágicas, a fábrica de sonhos, o antro da memória”, segundo as palavras de Calunga. Certamente, a passagem mais incisiva que ajuda a desenhar a cidade grande como espaço do inferno se dá quando Luzia, cansada do modo vulgar de Calunga, manda-o para o inferno e este lhe responde assim: “já estou nele, não está sentindo? Bota o cheiro pra dentro de você que até acostuma. Vira o que você pensar: perfume francês, cheiro de flor... respira, bota o inferno pra dentro de você”. Sem ficar contrariada com os modos de Calunga, Luzia agora cede um sorriso, acenando positivamente ao convite de katábasis ao inferno. É justamente por aprender a viver sem culpa, roubando e amando sem medida, que Calunga podia servir de guia a Luzia para transitar no inferno da cidade grande em busca de seu Jasão. O evidente contra-exemplo do malandro é visto em Inácio de Loyola, um retirante religioso e apaixonado por Luzia, que vive no passado com a esperança de retorno à terra natal que sempre se avizinha e nunca chega. Vemos que, na roda de samba, onde tocam fortes tambores como se dessem início a um rito, Luzia encontra Jasão, denominado na cidade apenas por Vaqueiro, alcunha que demarca seu eterno lugar de estrangeiro, ainda que não se habituasse a essa posição. De todo modo, parece não ser ao acaso a escolha do nome Jasão, designação intimamente conectada ao mito de Orfeu, uma vez que as personagens participam em conjunto, na cultura clássica, da expedição da nau Argo, a fim de encontrar o Velocino de Ouro. Nela, enquanto Orfeu servia de guia espiritual devido a suas experiências infernais, Jasão era o reconhecido líder . Já com o filme de Diegues, mesmo na 4 condição de bandido poderoso e conhecido de toda a gente, Jasão se acovardava diante de Luzia, preferindo fugir de seus penetrantes olhares, sentindo-se envergonhado do que se tornara. Mais uma vez seria Calunga que serviria de meio para a aproximação entre os dois amantes. É flagrante o desencontro entre o casal, observado por Luzia logo no primeiro encontro, visto que Jasão já não guardava qualquer imagem de santo na parede. Sua atividade na cidade, muito diferente da profissão almejada quando planejava sua saída do sertão, era a própria marca da Sobre a relação entre Orfeu e Jasão na cultura clássica, ver ROBBINS, 1982. 4 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 33 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues descrença de um futuro melhor, figurada na manchete do jornal Última Hora: “Assaltante mata senador”. Vale a pena observar que o noticiário sobre o assassinato do senador vem acompanhado da reportagem sobre a instalação do segundo Ato Institucional, que propunha “novas cassações de mandatos”, o fechamento do Congresso por dois meses, a elaboração de uma nova Constituinte, além do incentivo de “mais prisões”. Para além de uma recusa individual às novas forças sociais que impõem um poder cuja autoridade é parcialmente sancionada pela sociedade, caracterização do bandido social segundo o conceito do historiador Eric Hobsbawm (1983; 2001), o distúrbio contra a ordem vigente representado no filme de Cacá Diegues é também o sintoma de um mal-estar insolúvel . 5 Caso ouçamos o eco das palavras ditas por Calunga anteriormente, a saber, que o cinema é “o templo de mágicas, a fábrica de sonhos, o antro da memória”, é possível que se apreenda que os sonhos de um Brasil revolucionário, frustrados após o golpe militar de 1964, ganhavam gradativamente o lugar do esquecimento. Contra um poder que se apoderava arbitrariamente da memória coletiva, o cinema fornecia os artifícios para a resistência possível. Mas Jasão representaria justamente o sonho vencido, envelhecido tão precocemente, desacreditado de Deus e de qualquer possibilidade de mudança. Num dos momentos mais dramáticos do filme, em que Jasão revela a Luzia sua completa desesperança na grande cidade, o transtorno social, político e não menos psicológico é explicitado, fazendo evidenciar o próprio expectador, isto é, o povo, como o responsável pela produção do tempo infernal: Primeiro foi só pra matar a fome, mas o sangue gruda na gente, cola na mão, no corpo, entra nos olhos e a gente se acostuma e o ódio se mistura com o amor. Eu odeio o povo porque ele pensa que não é culpado. Só a morte muda. Tomara que ela venha logo para mim, porque no inferno eu já estou. Ismail Xavier já observou, a partir da produção de Glauber Rocha, a proposta no Cinema Novo de uma “visão de 5 passado e presente como contextos homogeneamente alienadores, focos estruturais de injustiça, diante dos quais a violência do oprimido ganha legitimidade como forma de resposta à violência institucional, muitas vezes invisível” (XAVIER, 2007, p. 149). É preciso ter em mente, portanto, que a figura do bandido social era socialmente compartilhada no Brasil, sendo largamente utilizada pelos artistas para responder a questões próprias do período. Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 34 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues O bandido que mata o senador é o mesmo incapaz de agir para além do ato individual, pois não há projeto político de povo que sustente qualquer reação contrária ao estado implantado pelo golpe. Como bem notou Maria Cecília Coelho, é extremamente relevante que o reencontro fatal entre Jasão e Luzia ao final do filme se dê na estação das barcas, no centro do Rio de Janeiro, mesmo local onde Eurídice (Marpessa Dawn), no filme Orfeu negro, chegava à cidade (o que geograficamente é inverossímil, pois ela teria de vir de Niterói). Mesmo sendo avisada por Inácio e Calunga de que os policiais, descobrindo o encontro amoroso marcado, usariam-na para descobrir o paradeiro de Jasão, Luzia parte para a estação das barcas na tentativa de salvá-lo, colocando-se, contudo, rumo ao inescapável final trágico de amor. Contrariamente ao filme de Camus, o famoso olhar para trás do mito de Orfeu em Cacá Diegues remete não meramente ao melodrama do amor, mas ao passado ilusório, fantasmagórico, criado por intérpretes que romantizaram o povo brasileiro. Assim, se, por um lado, refutava-se radicalmente a ideia de um povo amistoso, fraterno e feliz, por outro, a denúncia de Diegues também falava de si, ao projetar a procura vã de um povo que não saiu às ruas para se proteger contra o golpe anti-revolucionário . 6 Assim, a história de migração e amor, para qual o mito de Orfeu serviu de inspiração ao formular o ambiente infernal pelo qual o país passava, funda-se na frustração política e moral de um povo ainda não encontrado. No entanto, é preciso notar uma vez mais Calunga, personagem anárquica e amoral, qualificado pelos policiais que mataram Jasão e Luzia como quem “não vale nada”. Por viver às margens da institucionalidade, do jogo político, Calunga sabia sobreviver no inferno, com seu jeito malandro, alegre e despojado. Como apontou Ivana Bentes (2007), a temática da favela levava cineastas brasileiros dos anos 1960 a duas questões 6 centrais. Numa perspectiva ética, perguntavam-se pelo modo de representar a pobreza sem que se caísse no folclore, no paternalismo ou num humanismo conformista. Numa perspectiva estética, perguntavam-se pelo modo de levar o expectador a experimentar a radicalidade dos efeitos da pobreza. Segundo Marcelo Ridenti (2000), a resposta encontrada pelos cineastas ligados ao Cinema Novo não deixaria de perpetuar certo romantismo, entendido como retorno a um passado mítico, mas também não se confundiria com o romantismo autoritário encontrado nas posturas políticas leninistas ou fascistas. Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 35 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues De certo modo, é possível associar na figura de Calunga certa remissão à sobrevivência marginal do orfismo contra a religião cívica no período clássico da Antiguidade . Pois, para o ano 7 de 1966, era como a um órfico que Calunga transitava na cidade grande, fazendo do inferno um paraíso possível para aqueles que se sabiam estrangeiros. Há outras descidas de Orfeu produzidas pela lente de Cacá Diegues e algumas delas privilegiam a história de amor, como Veja esta canção (1994). Mas a segunda descida de Orfeu ao Brasil por Cacá Diegues, considerado o enfoque político e o contraponto mais direto ao que ele criticava no filme de Camus, deu-se 32 anos mais tarde. Em 1999, o filme Orfeu partia declaradamente da peça teatral de Vinícius de Moraes, Orfeu da Conceição, escrita em 1954, sobre a qual também Marcel Camus se inspirou para realizar seu filme Orfeu negro. Temos em Orfeu, por um lado, a aproximação ainda mais explícita do mito órfico para refutar o argumento de Marcel Camus; por outro, ocorre um distanciamento entre os dois filmes de Diegues, caso levemos em conta as demandas do novo momento histórico. Gostaria de demonstrar que, se na década de 1960 o pária da sociedade foi construído na figura do malandro/marginal, já no final da década de 1990, a figura do traficante de drogas, o vagabundo, é quem tomava a cena e era capaz de aprofundar os conflitos no interior do morro . 8 Lucinho, interpretado por Murilo Benício, é, portanto, uma das figuras centrais no enredo para que se caracterize o Morro da Carioca, onde quase toda a narrativa se desenvolve, incluindo o enlace de amor entre Orfeu (Toni Garrido) e Eurídice (Patrícia França), como espaço da violência difusa e periférica. Isto porque a violência perpetrada por Lucinho e seu bando não só atinge seu inimigo imediato e externo ao morro, a polícia, mas também toda a comunidade, que fica sujeita ou dependente ao poder exercido sem medidas. A meu ver, essa violência difusa e periférica caracteriza o ambiente infernal do morro. Não é fortuito, por exemplo, que a primeira cena que Eurídice vê, ao chegar do Acre pela primeira vez ao Rio de Janeiro, no Morro da Carioca, no momento em que toda a comunidade se volta para os preparativos para o desfile de carnaval, seja a violenta entrada da polícia, que atira Ao pregar que deus está em todos os homens, contrariamente à concepção tradicional de que a apenas algumas figuras 7 privilegiadas era dada a proximidade com os deuses, o orfismo se colocava como alternativa estranha “à cidade, às suas regras, aos seus valores” (VERNANT, 1992, p. 89). Por isso que a recusa pelo orfismo do sacrifício sangrento, ato ritual mais importante da religião política antiga, também servia de negação a certo tipo de comunicação entre os homens e os deuses (FESTUGIÈRE, 1988). Sobre a marginalidade do orfismo no período clássico e sua reverberação no período helenístico, cf. BRANDÃO, 1990. Sobre os conceitos de malandro, marginal e vagabundo, ver MISSE, 1999. 8 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 36 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues como se ninguém transitasse ali. A resposta de um dos policiais, quando perguntado se aquele em que atirou não seria um “vagabundo”, é reveladora: “não sei, mas se correu é porque deve estar devendo”. Sob o signo do tráfico, todo o espaço da comunidade é condenado à morte. Outra esfera de domínio mais sutil, mas também denunciada pela representação no filme, é o poder de consumo que Lucinho proporciona à comunidade. Quando o jovem Maykoll, nome significativo para indicar a produção de desejos por um mundo “hollywoodiano”, defronta Orfeu em vista de um “tênis irado” visto na televisão, não há qualquer pudor em acrescentar que, caso ele, Orfeu, não lhe desse o que desejava, Lucinho não hesitaria em presenteá-lo, o que parece se concretizar numa cena mais à frente, quando Maykoll aparece com um novo tênis. A cena de dependência entre moradores e traficante se repete em outros momentos, inclusive após um brutal assassinato feito pelo bando. O tiroteio entre traficantes e policiais é também motivo que leva uma família a se mudar do morro da Carioca. Nesse conflito, todos são convidados a tomarem distância. Num primeiro momento, por exemplo, Orfeu se coloca a favor do jovem Piaba a fim de protegê-lo da prisão, sem saber que ele estava recém ligado ao tráfico, o que lhe rende a repreensão do sargento Pacheco (Stepan Nercessian), ironicamente, padrinho de Lucinho. A intrigante e complexa relação que se desenvolve no morro, permeado de violência em todos os âmbitos, faz com que Eurídice perceba esse espaço como impossível para a realização plena de seu futuro e de sua felicidade. O drama chega ao limite quando ela decide ir embora do morro ao se perceber impotente para impedir o julgamento feito por Lucinho, que culmina no assassinato de um homem acusado de violência sexual. É somente nesse limite, quando Eurídice ameaça romper definitivamente com qualquer possibilidade de relacionamento com Orfeu, que o enfrentamento entre dois caminhos possíveis, muito distintos, pode então ser radicalizado. Anteriormente a esse momento, quando Lucinho questionava por que Orfeu continuava a viver no morro, já que a fama de sambista permitir-lhe-ia condições de vida melhores em outro lugar, a resposta explicitava a tensão entre duas perspectivas de enxergar as dificuldades de viver na favela, elevada sob um enquadramento da câmera que procurava definir as escolhas díspares: “porque eu quero que todo mundo veja que pra se dar bem na vida não precisa ser igual a você”, dizia Orfeu a Lucinho. Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 37 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues Dessa vez, Orfeu é quem dava o ultimato a Lucinho para que este fosse embora definitivamente do morro e todos pudessem desfrutar de um futuro menos tenebroso. A complexidade da trama, que apresenta a polícia corrupta e associada ao tráfico, não nos impede de afirmar que a representação infernal reside fundamentalmente na figura do traficante de drogas. É ele também, sem dúvida, a despeito do amor enciumado de Mira (Izabel Fillards), o elemento central que perturba a harmonia criada pelo amor entre Orfeu e Eurídice. Se em A cidade grande, Luzia descia ao inferno de Jasão para tirá-lo do inferno, agora Eurídice é quem vai ao inferno de Orfeu para fazê-lo fundar um novo tempo que cesse o inferno imposto por Lucinho. Orfeu tem a consciência do seu papel local e nacional na construção de outro imaginário do popular. Como lembra Ivana Bentes, ele tem “consciência que só é respeitado pela polícia e venerado pelo pessoal do morro porque tem mídia, sua arte é reconhecida fora dali. Orfeu é uma figura mítica e da mídia”, que renasce junto a Eurídices, ao final do filme, pelas imagens da televisão (BENTES, 2007, p. 248). Cacá Diegues não associa a figura do traficante de drogas ao próprio mal. Não existe sequer uma condenação veemente contra a personagem, visto que até mesmo se atribui uma perspectiva histórica que a humaniza, fazendo dela apenas uma engrenagem no moinho de moer gente do sistema capitalista. Lucinho é assim o trabalhador falho, aquele que não conseguiu ascender socialmente através de nenhuma habilidade que lhe permitisse não morrer como um desconhecido, feito o “otário” de seu pai, em seu próprio jargão. Tanto em Camus, quanto em Diegues, a estetização da pobreza sobe o morro do Rio de Janeiro; mas ao contrário de Camus, Diegues faz com que suas personagens saibam se apropriar da mídia e de seus recursos de sedução, espetáculo e performance para existirem socialmente. Atento às mudanças de seu próprio tempo, Cacá Diegues soube representar dois infernos muito distintos e que procuraram se contrapor ao olhar mitificador sobre a favela brasileira representada por Marcel Camus. Embora distintos, os infernos de 1966 e de 1999 são produtos e produtores de uma cultura política de esquerda no Brasil, na qual se procurou, a cada momento, traduzir a tragédia de personagens periféricos na história do país . Caberia avaliar, entretanto, o 9 mito que se engendra com essas descidas ao inferno. Para o conceito de cultura política de esquerda, ver HERMETO, 2010. 9 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 31-39 38 Igor Barbosa Cardoso – A katábasis de Orfeu no Brasil, por Cacá Diegues Referências bibliográficas: BENTES, Ivana. “Sertões e favelas no cinema brasileiro contemporâneo: estética e cosmética da fome”. Alceu, v. 8, n. 15, jul./dez. 2007, p. 242-255. BRANDÃO, Jacyntho Lins. “O orfismo no mundo helenístico”. In: CARVALHO, Sílvia Maria (org.). Orfeu, orfismo e viagens a mundos paralelos. São Paulo: UNESP, 1990. COELHO, Maria Cecília. “Revendo A grande cidade, de Cacá Diegues: o orfismo às avessas da periferia”. HAMBURGER, Esther [et al.] (org.). Estudos de cinema Socine. São Paulo: Anablumme; Fapesp; Socine, 2008. FESTUGIÈRE, André (et al.). Grécia e mito. Tradução Leonor Rocha Vieira. Lisboa: Gradiva, 1988. HERMETO, Miriam. ‘Olha a gota que falta’: um evento no campo artístico-intelectual brasileiro (1975-1980). Belo Horizonte: UFMG, 2010. (Tese) HOBSBAWM, Eric. Rebeldes primitivos: estudio sobre las formas arcaicas de los movimientos sociales en los siglos XIX y XX. Barcelona: Ariel, 1983. ______. Bandidos. Barcelona: Crítica, 2001. HOLTSMARK, Erling B. “The katabasis theme in modern cinema”. In: WINKLER, Martin (ed.). Classics and cinema. Lewisburg: Bucknell University Press, 1991. MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999. ROBBINS, Emmet. “Famous Orpheus”. In: WARDEN, John (ed.). Orpheus: the metamorphoses of a myth. Toronto: University of Toronto Press, 1982. RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da tv. Rio de Janeiro: Record, 2000. VERNANT, Jean-Pierre. Mito e religião na Grécia antiga. Tradução Constança Marcondes Cesar. Campinas: Papirus, 1992. XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac Naify, 2007. Recebido em Maio de 2017 Aprovado em Junho de 2017 **************************************
*** CD ORFEU - Trilha Sonora do Filme Gravadora: Natasha Catálogo: 292.105 Ano: 1999 Artistas: Diversos Compartilhar: FAIXASVOLTAR 1 O Enredo De Orfeu (História Do Carnaval Carioca) (Caetano Veloso/Gabriel O Pensador) Intérpretes: Toni Garrido/Caetano Veloso/Gabriel O Pensador 2 Sou Você (Caetano Veloso) Intérpretes: Toni Garrido 3 Valsa de Eurídice (Vinicius de Moraes) Intérpretes: Heitor TP Violão 4 Cântico à Natureza (Nelson Sargento/Alfredo Português/José Bispo ''Jamelão'') Intérpretes: Zezé Motta/Nelson Sargento 5 Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá/Antônio Maria) Intérpretes: Toni Garrido 6 Os Cinco Bailes da História do Rio (Silas de Oliveira/Dona Ivone Lara/Bacalhau) Intérpretes: Caetano Veloso 7 A Felicidade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) Intérpretes: Maria Luisa Jobim 8 Se Todos Fossem Iguais A Você (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) Intérpretes: Caetano Veloso 9 Sou Você (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra Asa Delta 10 A Polícia Sobe O Morro (Caetano Veloso) Intérpretes: Heitor TP/Ramiro Musotto Improvisação 11 Valsa de Eurídice (Vinicius de Moraes) Intérpretes: Orquestra Lua, Lua, Lua, Lua (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra 12 Alucinação (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra 13 Eu e o Meu Amor (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) Intérpretes: Orquestra Carmen no Desfile 14 Orfeu Leva Eurídice (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra 15 Batuque Final (Caetano Veloso) Intérpretes: Ramiro Musotto Improvisação 16 Mira Mata Orfeu (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra 17 Orfeu Dorme (Caetano Veloso) Intérpretes: Orquestra 18 Sou Você (Caetano Veloso) Intérpretes: Toni Garrido Rádio Remix 19 O Enredo De Orfeu (História Do Carnaval Carioca) (Caetano Veloso/Gabriel O Pensador) Intérpretes: Toni Garrido/Caetano Veloso/Gabriel O Pensador Rádio Remix FICHA TÉCNICA: Produção: Caetano Veloso Arranjos de Orquestra e Regência: Jaques Morelenbaum https://immub.org/album/orfeu-trilha-sonora-do-filme ************************************************************* *** Valsa de Eurídice Baden Powell Tantas vezes já partiste Que chego a desesperar Chorei tanto, sou tão triste Que já nem sei mais chorar Oh, meu amado não partas Não partas de mim Oh, uma partida que não tem fim Não há nada que conforte A falta dos olhos teus Pensa que a saudade Mais do que a própria morte Pode matar-me Adeus Tocar/Pausar Repetir Volume 01:28 / 04:05Configuração Mini player Modo teatro Tela inteira Composição de Vinícius de Moraes *** *** Valsa de Eurídice (Eurídice) Vinicius de Moraes ************************************
*** Frederic Leighton, Orfeu e Eurídice (1864) *** Mito de Orfeu e Eurídice Daniela Diana Professora licenciada em Letras Na mitologia grega, Orfeu, filho de Apolo e da musa Calíope, e Eurídice, eram dois amantes que se apaixonaram perdidamente. Orfeu e a Lira Mito de Orfeu e Eurídice Frederic Leighton, Orfeu e Eurídice (1864) Além de poeta, Orfeu era músico e cantor. Seu pai lhe presenteou com uma lira, o que o transformou num dedicado músico. Assim, quando a tocava, qualquer pessoa ficava encantada e tranquila com sua melodia. Além de seres humanos, os animais e a natureza no geral (árvores, rios, lagos, etc.) ficavam fascinados ao som de suas notas. Resumo Perdidamente apaixonados, Orfeu e Eurídice resolveram se casar. No entanto, pouco antes do casamento, Eurídice foi mordida por uma cobra, ao tentar fugir de um admirador, Aristeu, o que acarretou em sua morte. Desconsolado, Orfeu resolveu descer ao mundo de mortos e pedir a Hades, deus dos mortos, e sua esposa Perséfone, sua amada de volta. Comovidos com a história e extasiados com sua música de sua lira, ambos resolveram devolvê-la ao seu amante com uma condição: que não olhasse para seu ela até eles chegarem ao mundo superior. Ao sair do mundo dos mortos, e desconfiado do acordo com o deus do mundo inferior, resolveu olhar para trás e conferir se sua amada o seguia. Ao desobedecer Hades e Perséfone, Eurídice foi levada ao mundo dos mortos, sem previsão de volta. Com uma tristeza profunda, Orfeu ficou perambulando durante dias sem comer e beber. Depressivo, resolveu nunca mais amar nenhuma mulher, o que levou a fúria das mênades (bacantes) que tentavam conquistá-lo. Sem resposta de Orfeu, elas resolvem matá-lo. Com sua morte, ele finalmente consegue encontrar seu amor. Reza a lenda que depois de seu corpo ser atirado no rio Ebro, ele foi sepultado próximo do monte Olímpio e ali onde jazia seus retos mortais, os rouxinóis entoaram belas canções. Por sua vez, as mênades, mulheres furiosas da Trácia, que decidiram matá-lo foram punidas pelos deuses, que as transformaram em carvalhos e rochas. Veja também: Tragédia Grega Filme Orfeu Baseada na tragédia grega de Orfeu e Eurídice, foi produzido em 1999 o longa metragem "Orfeu". Trata-se de um drama brasileiro dirigido pelo cineasta Cacá Diegues. Adaptado à realidade das favelas do Rio de Janeiro, o filme aborda sobre o amor impossível entre Orfeu e Eurídice. *** *** Veja também: Mitologia Grega Daniela Diana Licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2014. Amante das letras, artes e culturas, desde 2012 trabalha com produção e gestão de conteúdos on-line. https://www.todamateria.com.br/mito-de-orfeu-e-euridice/ ************************************************************ *** Valsa de Euridice - Sebastiao Tapajos Composed by Vinicius de Moraes, arranged for guitar by Sebastiao Tapajos Brazilian Classical Fingerstyle https://www.soundslice.com/slices/JGsfc/ https://www.youtube.com/watch?v=j9eWC7rLrQc ********************************************

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