Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sábado, 11 de março de 2023
DO PÚBLICO E DO PRIVADO
"A Constituição pressupõe, portanto, uma sociedade política, mas não a mera societas, em que o vínculo basilar é exclusivamente a comum titularidade de direitos, mas sim universitas, dotada de unidade de escopo, ligada pelo entendimento comum de perseguir finalidades fundamentais."
"O fato serve para mostrar ainda que a burocracia, por si só, não é um problema. É o excesso dela e a utilização sem razões claras que atrapalham as instituições e o País."
Mutatis Mutandis, os fatos servem para mostrar também que o processo, por si só, da mesma forma não é um problema. É o excesso dele e a utilização sem razões claras que atrapalham as instituições e o País.
Com a democracia e a transparência invertem-se as coisas de fato.
Por sí só a democracia e a transparência não é um problema. É a falta delas e a não utlização sem razões claras que atrapalham as instituições e o País.
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O BELO COM DUAS FERAS
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CNN entrevista Fernando Haddad; assista na íntegra | WW ESPECIAL - 10/03/2023
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CNN Brasil
Transmissão ao vivo realizada há 19 horas #CNNBrasil
Assista ao programa WW Especial - Entrevista exclusiva com Fernando Haddad desta sexta-feira, 10 de março de 2023.
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Cartaz de segurança, avisando os funcionários do escritório para fechar gavetas e colocar documentos em cofres quando não estiverem sendo usados
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"Os princípios fundamentais são os valores nucleares do sistema constitucional. Possuem as funções de estruturar o ordenamento jurídico, conferir coerência e lógica ao sistema, nortear a interpretação normativa e subsidiar as lacunas jurídicas."
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PÚBLICO E PRIVADO: OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA
MAURIZIO FIORAVANTI
RESUMO
Público e privado constituem as duas dimensões fundamentais da democracia. Dessa forma, parece inegável que uma das principais tarefas das Constituições democráticas – e da democracia constitucional como nova forma política emergente – é o estabelecimento do espaço
e da profundidade de um e do outro. Questiona-se, portanto, se há um verdadeiro modelo constitucional a partir do qual se possa orientar a relação entre ambos. A resposta aqui dada passa pela análise dos caracteres históricos essenciais da democracia constitucional, extraíveis
das Constituições democráticas do século XX. Parte-se, assim, da Constituição italiana de 1948, em análise que torna possível verificar que não se trata apenas de uma nova faceta da democracia parlamentar ou puramente popular – estritamente conectada à regra da maioria – como no
modelo antecedente. Com a afirmação da supremacia constitucional tem-se a construção da ideia de Constituição como garantia e limite, do caráter inviolável dos direitos fundamentais e do princípio da indivisibilidade dos direitos da pessoa. Demonstra-se que o ponto de equilíbrio da relação entre público e privado está na afirmação da Constituição contra o os desmandos e abusos de ambos. O público não pode mais se expressar com a linguagem do legislador onipotente, pensando poder normatizar todos os aspectos da vida individual e das relações travadas em sociedade, ao passo que o privado não pode se tornar espaço propício para o desenvolvimento de poderes desmedidos, sobretudo econômicos, incidentes de modo não menos perigoso sobre os direitos fundamentais. A Constituição pressupõe, portanto, uma sociedade política, mas não a mera societas, em que o vínculo basilar é exclusivamente a comum titularidade de direitos, mas sim universitas, dotada de unidade de escopo, ligada pelo entendimento comum de perseguir finalidades fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE
Público e privado; Democracia constitucional; Supremacia da Constituição; Sociedade política.
TEXTO COMPLETO:
PDF
DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v58i0.34862
Direitos autorais
Revista da Faculdade de Direito UFPR. ISSN: 0104-3315 (impresso – até 2013) e 2236-7284 (eletrônico).
https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/34862/21630
https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/34862
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sábado, 11 de março de 2023
João Gabriel de Lima* - O presidente e o servidor
O Estado de S. Paulo
A noção de bem público do presidente era mais abrangente e imprecisa que a do servidor
O presidente se chamava Jair Messias Bolsonaro. O servidor, Marco Antônio Lopes Santanna. O servidor – importante frisar – era público. O presidente queria incorporar ao seu patrimônio – privado – joias no valor de R$ 16,5 milhões que, pelo regulamento, pertenciam ao Estado. Eram, assim, públicas – mas a noção de bem público do presidente era mais abrangente e imprecisa que a do servidor.
“É importante fazer uma diferenciação entre Estado e governo”, diz Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. “Os servidores públicos são de Estado, representam instituições que permanecem para além dos governos de plantão.” Lotta é vice-presidente do conselho do Instituto República, organização voltada para a melhoria do serviço público – e é a entrevistada do minipodcast da semana.
Dois dias antes da conclusão de seu mandato, o presidente mandou um sargento reaver as joias, retidas no Aeroporto de Guarulhos aos cuidados do servidor em questão. Elas haviam entrado no País como contrabando, na mochila de um assessor. O sargento mostrou documentos na tela do celular, pediu que o servidor atendesse a ligações de seu superior – um coronel – e do superior dele – o secretário da Receita Federal. O servidor sabia o significado estrito da palavra “público” – e não atendeu os telefonemas.
O sargento deu a carteirada final: disse que as joias pertenciam ao presidente, que sairia do governo dali a dois dias: “Não pode ter nada do antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”. Não colou. E assim o servidor Marco Antônio Lopes Santanna, que continua no cargo, impediu o malfeito do presidente Jair Messias Bolsonaro, hoje fora do posto.
“O servidor precisa de estabilidade para, em momentos de confronto, defender o Estado de algo que seja ilegal ou imoral”, diz Gabriela Lotta. Não que ele não possa ser demitido. “Há regulamentos, estabilidade não significa permissividade.” O ato de Santanna nada tem de heroico. Ele simplesmente cumpriu sua função de forma correta. Se não cumprisse, poderia enfrentar um processo administrativo.
A reportagem sobre as joias é de autoria de Adriana Fernandes e André Borges, da sucursal de Brasília do Estadão. O time comandado por Andreza Matais se tornou uma referência no jornalismo investigativo brasileiro. Nosso país pode ter vários problemas, mas o episódio das joias mostra que por aqui existem pelo menos duas coisas boas: servidores dignos da palavra “público” – que honram como um sobrenome nobre – e uma imprensa que não se curva aos poderosos, mesmo que sejam presidentes da República.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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Põe na Conta: A apuração das denúncias das 'joias das arábias'
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Estadão
10 de mar. de 2023
Adriana Fernandes repercute os principais acontecimentos econômicos na coluna Põe na Conta, no Jornal Eldorado, de 2ª, 4ª e 6ª, às 7h35.
O escândalo das “joias das Arábias” confirma a máxima de que tudo o que começa errado vai errado até o fim, e esse é exatamente o caso da interferência política do então presidente Jair Bolsonaro em todos os órgãos de Estado e de investigação nos últimos quatro anos. Ele não “apenas” rachou e estressou ao máximo a sociedade brasileira, mas também a máquina pública.
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sábado, 11 de março de 2023
Adriana Fernandes - Quem não deve não teme
O Estado de S. Paulo.
Caso das joias serve para mostrar que a burocracia, por si só, não é problema
Cerca de seis meses atrás, um passageiro desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, num voo que chegava do exterior.
Passou pela alfândega brasileira e pegou a fila menos frequentada do aeroporto, aquela de quem traz bens a declarar com valores acima de US$ 1 mil.
O passageiro apresentou uma joia que seria para a sua esposa e a nota fiscal do item. Não era uma peça qualquer. Tratava-se de uma joia de aproximadamente R$ 20 milhões. Com o imposto de 50% que é cobrado, ele teria de pagar em torno de R$ 10 milhões. E assim o fez. No balcão, o servidor da Receita emitiu a guia de recolhimento do imposto a pagar.
O passageiro, então, encaminhou-se para o guichê bancário, como foi orientado pelos fiscais. Pagou na hora, retornou, pegou o presente para a esposa e saiu do aeroporto.
Esse episódio, real, foi relatado à coluna pelo chefe da Receita Federal em Guarulhos, delegado Mario de Marco Rodrigues Sousa.
A ironia no escândalo relevado pelo Estadão, há uma semana, das joias milionárias doadas pelo regime da Arábia Saudita apreendidas no mesmo local em que o fato acima aconteceu é que, no caso do presente das Arábias para Michelle e Jair Bolsonaro, não haveria imposto a pagar se o presente fosse apresentado como peças destinadas ao patrimônio público.
Bastava o assessor do exministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que teve a bagagem revistada, ter declarado devidamente o bem na entrada do País.
A prova de que não havia boa-fé nessa rocambolesca história é que os envolvidos não seguiram o rito oficial para incorporar o presente ao acervo público via o famoso ADM, o Ato de Destinação de Mercadoria.
Ao contrário, deixaram o presente “abandonado” na Receita durante as eleições, para que o caso não viesse à tona e comprometesse o desempenho de Bolsonaro nas urnas. A urgência para reaver as joias só apareceu no fim do ano, com o resultado da corrida eleitoral já conhecido, com a vitória de Lula.
O fato serve para mostrar ainda que a burocracia, por si só, não é um problema. É o excesso dela e a utilização sem razões claras que atrapalham as instituições e o País.
Quando se trata de um procedimento correto, que é seguido por servidores comprometidos com suas funções, o resultado é o que se viu neste episódio, com o devido cumprimento da lei, o que evitou um ato criminoso.
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Censura
Cartaz de segurança, avisando os funcionários do escritório para fechar gavetas e colocar documentos em cofres quando não estiverem sendo usados
A censura voluntária de informações atômicas começou antes do Projeto Manhattan. Após o início da guerra na Europa em 1939, cientistas norte-americanos começaram a evitar a publicação de pesquisas militares e, em 1940, jornais científicos começaram a pedir à Academia Nacional de Ciências que aprovasse os artigos. William L. Laurence, do The New York Times, que escreveu um artigo sobre fissão atômica para o The Saturday Evening Post em setembro de 1940, mais tarde soube que os funcionários do governo solicitaram aos bibliotecários em todo o país em 1943 que retirassem a edição.[235] Entretanto, os soviéticos notaram o silêncio. Em abril de 1942, o físico nuclear Georgy Flyorov escreveu a Stalin sobre a ausência de artigos sobre a fissão nuclear em jornais norte-americanos; isso resultou no estabelecimento pela União Soviética do seu próprio projeto de bomba atômica.[236]
O Projeto Manhattan operava sob forte esquema de segurança para evitar que a sua descoberta induzisse as Potências do Eixo, especialmente a Alemanha nazista, a acelerar seus próprios projetos nucleares ou a realizar operações secretas contra o projeto.[237] O Gabinete de Censura do governo, pelo contrário, contou com a imprensa para cumprir um código de conduta voluntário que ele publicou. No início de 1943, os jornais começaram a publicar relatórios sobre uma grande construção no Tennessee e em Washington, com base em registros públicos, e o gabinete começou a discutir com o projeto uma forma de manter o sigilo. Em junho, o Gabinete de Censura solicitou aos jornais e radiodifusores que evitassem discutir sobre "esmagamento de átomos, energia atômica, fissão atômica, divisão atômica ou qualquer de seus equivalentes. O uso para fins militares de rádio ou materiais radioativos, água pesada, equipamentos de descarga de alta tensão, cíclotrons". O gabinete também pediu para evitar a discussão de "polônio, urânio, itérbio, háfnio, protactínio, rádio, rênio, tório, deutério"; somente o urânio era sensível, mas foi listado com outros elementos para esconder a sua importância.[238]
Projeto Manhattan
https://pt.wikipedia.org/wiki/Projeto_Manhattan
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sábado, 11 de março de 2023
Adriana Fernandes - Quem não deve não teme
O Estado de S. Paulo.
Caso das joias serve para mostrar que a burocracia, por si só, não é problema
Cerca de seis meses atrás, um passageiro desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, num voo que chegava do exterior.
Passou pela alfândega brasileira e pegou a fila menos frequentada do aeroporto, aquela de quem traz bens a declarar com valores acima de US$ 1 mil.
O passageiro apresentou uma joia que seria para a sua esposa e a nota fiscal do item. Não era uma peça qualquer. Tratava-se de uma joia de aproximadamente R$ 20 milhões. Com o imposto de 50% que é cobrado, ele teria de pagar em torno de R$ 10 milhões. E assim o fez. No balcão, o servidor da Receita emitiu a guia de recolhimento do imposto a pagar.
O passageiro, então, encaminhou-se para o guichê bancário, como foi orientado pelos fiscais. Pagou na hora, retornou, pegou o presente para a esposa e saiu do aeroporto.
Esse episódio, real, foi relatado à coluna pelo chefe da Receita Federal em Guarulhos, delegado Mario de Marco Rodrigues Sousa.
A ironia no escândalo relevado pelo Estadão, há uma semana, das joias milionárias doadas pelo regime da Arábia Saudita apreendidas no mesmo local em que o fato acima aconteceu é que, no caso do presente das Arábias para Michelle e Jair Bolsonaro, não haveria imposto a pagar se o presente fosse apresentado como peças destinadas ao patrimônio público.
Bastava o assessor do exministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que teve a bagagem revistada, ter declarado devidamente o bem na entrada do País.
A prova de que não havia boa-fé nessa rocambolesca história é que os envolvidos não seguiram o rito oficial para incorporar o presente ao acervo público via o famoso ADM, o Ato de Destinação de Mercadoria.
Ao contrário, deixaram o presente “abandonado” na Receita durante as eleições, para que o caso não viesse à tona e comprometesse o desempenho de Bolsonaro nas urnas. A urgência para reaver as joias só apareceu no fim do ano, com o resultado da corrida eleitoral já conhecido, com a vitória de Lula.
O fato serve para mostrar ainda que a burocracia, por si só, não é um problema. É o excesso dela e a utilização sem razões claras que atrapalham as instituições e o País.
Quando se trata de um procedimento correto, que é seguido por servidores comprometidos com suas funções, o resultado é o que se viu neste episódio, com o devido cumprimento da lei, o que evitou um ato criminoso.
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sábado, 11 de março de 2023
Alvaro Costa e Silva - Muambeiro como em velhos tempos
Folha de S. Paulo
O capitão volta ao tempo da caserna, quando tinha fama de muambeiro
Para desviar a atenção do escândalo das joias, vale tudo. Até subir na tribuna da Câmara de peruca e completar o papel ridículo atacando mulheres trans no Dia Internacional da Mulher. O exibicionismo do deputado federal de extrema direita, o mais votado do país nas últimas eleições, visava testar os limites do novo Congresso e reverter a situação nas redes. Em seu campo preferido de atuação, o bolsonarismo se vê encurralado com postagens em tom de denúncia e com pedidos de explicações e cumprimento da lei.
Flávio Bolsonaro também tentou uma manobra diversionista. Anunciou o que seria a volta triunfal do papai, que em dezembro se mandou para os EUA, torrando dinheiro dos cofres públicos e implorando um encontro com Trump. Marcou a data: dia 15 deste mês. Com a repercussão negativa, apagou o tuíte 14 minutos depois.
O estilo da publicação estava revestido de bolor: "O nosso Johnny Bravo volta para o Brasil. Já pode pendurar a bandeira verde e amarela e vestir as cores do nosso país. Juntos, vamos fazer uma oposição forte e responsável". O senador foi cobrado objetivamente sobre a série de ações na Justiça Eleitoral que devem resultar na perda dos direitos políticos do ex-presidente.
Apenas os fanáticos da seita –que passaram pano para as rachadinhas, o cheque de Queiroz para a primeira-dama, os imóveis comprados com dinheiro vivo, o orçamento secreto e a corrupção dos pastores na Saúde– acreditam na salvação de Bolsonaro. Sua imagem de homem simples e honesto está destruída. O PL já o abandonou; tenta agora investir na improvável candidatura a presidente de Michelle Bolsonaro.
Revelada com depoimentos e imagens, a operação para liberar o pacote de joias milionárias envolveu assessores do ex-presidente, militares e a cúpula da Receita Federal. Longe do poder, o capitão volta ao tempo da caserna, quando gozava a fama de açambarcador e muambeiro.
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A Constituição da República Italiana (em italiano: Costituzione della Repubblica Italiana) foi promulgada pela Assembleia Constituinte em 22 de dezembro de 1947,[1] com 453 votos a favor e 62 contra. O texto, que já foi alterado 13 vezes, foi promulgado na edição extraordinária do Gazzetta Ufficiale n. 298 em 27 de dezembro de 1947.[1] A Assembleia Constituinte foi eleita por sufrágio universal em 2 de junho de 1946, ao mesmo tempo como um referendo sobre a abolição da monarquia. A constituição entrou em vigor em 1 de janeiro de 1948, um século após o Statuto Albertino ter sido promulgado. Embora este tenha permanecido em vigor após a Marcha sobre Roma de 1922, tornou-se destituído de valor efetivo.
A XIII disposição final da constituição republicana proibiu os descendentes masculinos da antiga família real, a Casa de Saboia, de entrar no território italiano; depois de muitos pedidos[2] porém esta disposição foi revogada em 2002.
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.154. Iniciamos com um esclarecimento de caráter propriamente histórico, e que tem relação com a Itália, mas não apenas com ela. O tempo dos nossos Constituintes, recém-encerrada a guerra, não era certamente um tempo do mercado. Era um tempo de economia regulada. A Carta constitucional italiana, do ponto de vista da história nacional, nesse sentido, é corretamente inserida em um ciclo histórico que é o da lei bancária de 1936, das leis de criação dos entes públicos econômicos nos anos trinta, do próprio Código civil nos primeiros anos da década de quarenta. Um ciclo dominado pela falência do mercado, gerador de conflitos sociais, de insolvência de grandes dimensões, e de desemprego. Estava sendo fundada uma República, e se tinha conhecimento de quanto um cenário desse tipo havia influenciado o insucesso da primeira República democrática europeia, a República de Weimar, de 1919. Assim se afirmava, com força, a necessidade do papel do Estado, e certamente não apenas na Itália. Não é por isso, porém, que se deve falar de um “modelo constitucional” flagrantemente publicístico, ou de uma formulação “estatalista” da Constituição. Uma coisa é ser cauteloso quanto ao automatismo do mercado, outra é confiar na virtude do Público e, em particular, de sua forma estatal. Certamente, a Carta constitucional precedente, o Estatuto Albertino, considerava “inviolável” a propriedade (art. 29), enquanto a Constituição atual se limita a afirmar que a propriedade privada “é reconhecida e garantida pela lei”, devendo-se assegurar “a função social” e a acessibilidade a todos os cidadãos (art. 42). Estão evidentemente sobre duas bases conceituais diferentes. Mas isso não é outra coisa que o fruto de uma passagem histórica ocorrida entre os séculos XIX e XX, que é ainda mais ampla, que interessa a toda a sociedade europeia, e que é a mesma coisa que antes de sua realização fazia com que o Estatuto afirmasse que “a liberdade individual é garantida” (art. 26) e, agora, faz com que a nossa Constituição diga que “a liberdade pessoal é inviolável” (art. 13). Essa inversão de termos, para a qual o que é inviolável não mais é a propriedade privada, mas sim a liberdade pessoal, e que não era assim considerada ao tempo do Estatuto, talvez deva ser considerada um regresso, sinal da dominante ideologia estatalista dos nossos Constituintes? Nós cremos que não. Na realidade, de todo esse assunto muitas vezes não se capta o aspecto mais importante, que está contido na palavra “pessoal”: a liberdade não é mais, como no modelo constitucional precedente, a do simples “sujeito”, o “indivíduo”, seguindo o modelo do indivíduo proprietário do Código, mas é, precisamente, a liberdade da “pessoa”, que é a subjetividade, nova e diversa, mais ampla e complexa a que faz referência a nova fonte, a Constituição democrática do século XX, tal qual a italiana.
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.16Voltaremos mais tarde a esse ponto da “pessoa”, que talvez seja o central. E agora vamos completar nosso horizonte sobre o título terceiro da parte primeira da Constituição, que é acusado de ser fruto de concepções antigas de colorido estatalista e hiperpublicista. São estatalistas as normas contidas nos já citados artigos 36 e 38? É estatalista a aspiração a fornecer a todos os trabalhadores “uma existência livre e digna”? É estatalista o critério das “necessidades vitais” diante da doença, do infortúnio e da velhice? Qual é aqui a intenção dos nossos Constituintes, se não aquela de garantir o valor e a dignidade da pessoa humana? E também diante do artigo 41, um dos mais discutidos, não encontramos novamente a “dignidade humana” como limite a iniciativa econômica privada?Não pretendo prosseguir neste ponto, mesmo que se possam citar outros artigos, em minha opinião, qualquer coisa diferentes de “estatalistas”, como o artigo 46, sobre a colaboração dos trabalhadores na gestão das empresas, ou o seguinte, 47, sobre poupança e crédito, matérias mais que atuais. Apenas duas palavras a mais sobre este ponto, com respeito à fórmula da “utilidade social” (art. 41) como limite à iniciativa econômica privada. Um dos pontos mais delicados e mais discutidos. O debate é: pode ser essa fórmula veículo de legitimação de instrumentos planificadores rígidos e centralizados? Talvez. Talvez possa haver uma versão “estatalista” da utilidade social. A este respeito, no entanto, assiste uma consideração de caráter geral, que pode valer também em outros casos. Por que ler a fórmula da utilidade social à luz da cultura da planificação dos anos trinta e quarenta? Por que dar-lhe necessariamente uma leitura de colorido efetivamente estatalista? No fundo, as Constituições vivem, sem prejuízo da rigidez do núcleo fundamental dos princípios nelas contidos, através da interpretação, que muda de sentido e de direção com o mudar da sociedade, da cultura constitucional e da própria cultura difusa. A utilidade social é hoje diferente e, portanto, se pode e se deve dar uma leitura menos estatalista, mais personalista e que também recupere o pleno significado da qualificação da “utilidade” em sentido “social”. O que eu quero dizer é que a iniciativa econômica privada é legitimamente limitada, nos termos do artigo 41, quando efetivamente se desenvolve de forma tal a causar prejuízo às pessoas, singularmente ou em grupo, que são, enquanto tais, providas de direitos fundamentais à saúde, à educação, à informação. Todos bens constitucionalmente protegidos que podem ser ameaçados não apenas por uma autoridade pública, mas também por uma força econômica privada. Essa é a utilidade social que a Constituição protege. É a utilidade concreta das pessoas, e não aquela aprioristicamente representada pelo Estado. Que aquela utilidade
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.17seja protegida também contra o Privado não deve ser interpretado como um sinal de “estatalismo”. É, ao contrário, um sinal talvez ainda maior da transformação ocorrida entre o século XIX e XX, que consiste na oponibilidade da Constituição como norma jurídica a todos os sujeitos agentes na sociedade, sejam públicos ou privados. Não é, portanto, o Estado que faz uso do artigo 41 e da utilidade social para mortificar a iniciativa econômica dos privados, mas é a Constituição que, em nome dos direitos da pessoa, pretende limitar todos os poderes, e também o poder privado. É algo bem diferente. Não mais o se está diante do público que se expande em demasia em detrimento do Privado, mas ambos, Público e Privado, limitados pela Constituição, dimensionados pela Constituição. Essa, no plano histórico, é a grande novidade ocorrida na relação entre Público e Privado na história constitucional da democracia na Europa.É, verdadeiramente, algo de importância capital na tormentosa história dos direitos fundamentais na Europa. Algo que traz um conteúdo substancial mais amplo às democracias constitucionais de hoje. Se é verdade que o valor primário das Constituições da segunda metade do século XX, quando a democracia constitucional começou a tomar forma – como já observamos – é o de constituir uma barreira intransponível em nome dos direitos fundamentais da pessoa, civis, políticos e sociais; bem, esse limite é posto agora não apenas contra o poder arbitrário dos governantes, mas também contra os poderes que na própria sociedade podem se tornar incomensuráveis nas mãos dos próprios privados em matérias que a própria Constituição considera de primeira relevância, como o meio ambiente, a saúde, a informação. Lesam-se os direitos fundamentais não apenas através da prisão arbitrária perpetrada pela autoridade de segurança pública ou de uma autoridade pública, no caso mais clássico de violação à liberdade originária, da liberdade pessoal, mas também através da poluição do meio ambiente ou da concentração desmedida dos meios de informação por obra de agentes privados. A Constituição, nascida pensando-se nos palácios do poder político, para limitar o soberano em sentido público e político, no curso do século XX se pôs em marcha em direção à sociedade, à fábrica, ao local de trabalho, aos meios de comunicação. É um caminho que acaba de se iniciar quando se olha para os tempos longos da história. Deve-se, portanto, ter paciência se os resultados nessa via são ainda não raras vezes parciais, oscilantes ou até mesmo decepcionantes. Por um lado, se deve pensar na plurisecular, e continuamente recorrente, batalha do constitucionalismo contra o arbítrio político. Se este último terreno tradicional é difícil – e nós sabemos o quanto é –, pensemos o quanto pode ser esse novo, que está sendo cultivado há algumas décadas, e que pretende conduzir a uma prescritividade bem
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.18mais ampla da Constituição, praticamente global, contra todo o poder incidente sobre direitos fundamentais, seja Público ou Privado. Muito mais difícil, então, se a violação do direito não é de tipo invasivo, como no caso da prisão arbitrária, contra a qual existem remédios bem conhecidos e mais ou menos comprovados, mas de tipo omissivo, porque falta de modo evidente uma retribuição equitativa ou de tratamento justo. A constrição a dar, dirigida a um sujeito privado, como a um público, é de fato, intuitiva e praticamente, mais difícil do que uma simples constrição a observar uma proibição.5. Sobre o plano histórico, porém, deve-se pronunciar uma palavra de otimismo, porque a via, ainda que longa, incerta e tormentosa, é certamente aquela que sumariamente indicamos; a via dos direitos da pessoa garantidos pela Constituição como norma suprema. Isso foi recentemente confirmado pela própria Europa, com a Carta dos direitos fundamentais da União Europeia, conhecida como Carta de Nice, que já tivemos oportunidade de citar.Convém recordar brevemente um pouco da história dessa Carta. Nascida através de uma proclamação – desde o início invocada pelos juízes, mas certamente de duvidosa prescritividade jurídica – num certo ponto da história constitucional europeia parecia ser, dentro do projeto de Tratado constitucional europeu, o receptáculo dos princípios fundamentais em matéria de direitos, à imagem e semelhança das Constituições nacionais, como a italiana. Agora, com o Tratado de Lisboa, criou-se uma solução intermediária, que, porém, atinge o essencial, atribuindo à Carta o mesmo valor jurídico dos Tratados.É o início de uma nova fase da transformação em curso. E é duplamente significativa, porque era momento, em razão da tremenda ignorância das classes políticas europeias, de mandar tudo pelos ares. Mas isso não aconteceu. Isso porque evidentemente o movimento que se abriu na metade do século passado em nome dos direitos fundamentais da pessoa e da supremacia da Constituição não pode ser interrompido e tende, assim, a se alastrar como uma mancha de óleo, lenta, mas progressivamente, do plano nacional ao supranacional, no nosso caso europeu. A transformação é historicamente única, porquanto articulada em diversos níveis. Para compreendê-la é necessário frisar os aspectos comuns mais do que enfatizar as diferenças de perspectiva, como por vezes se faz, contrapondo a assim chamada Europa dos mercados às democracias nacionais e sua insuprimível característica social. Na verdade, os dois níveis estão dando passos de gigante em direção à aproximação: as Constituições nacionais, promulgadas em um clima cultural e político de colorido dirigista, tem mostrado grande elasticidade – como vimos a propósito do conceito de utilidade social – na releitura progressiva dos próprios
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.19princípios à luz dos princípios da livre troca e da livre concorrência, a partir dos quais surgiu a Europa comum, arriscando-se a proceder, segundo alguns – com o que não concordamos –, neste caminho uma própria e verdadeira disposição do patrimônio de democracia constitucional acumulado no nível nacional; mas, pelo contrário, a Europa, por sua vez, sempre advertiu sobre a exigência de uma integração não meramente econômica e, portanto, teve de se confrontar, ainda que muitas vezes de modo incerto, com os problemas clássicos da legitimação política, dos mesmos direitos fundamentais para além do aspecto econômico, em uma palavra, com o problema da unidade política, ainda que de modo diverso da tradição estatal e nacional. Para dizer de modo mais esquemático: os Estados têm caminhado em direção ao mundo do mercado e das relações econômicas, a Europa tem caminhado em direção ao mundo da política e da Constituição. A tentativa é encontrar um ponto de equilíbrio, em certo sentido, no meio do caminho, uma vez que ambos caminharam no mesmo ritmo. Apenas a partir desses pressupostos se pode ler com clareza e sem preconceitos a Carta de Nice, que representa verdadeiramente o atual ponto de equilíbrio, o que até o momento se conseguiu. Ou seja, o contrário daquela atitude, um pouco de caça às bruxas, que vê como revanche de um neoindividualismo burguês, proprietário e mercantil contra as democracias sociais nacionais. Cita-se, assim, invariavelmente, o bem conhecido artigo 17, que mais uma vez reafirma a propriedade como “direito de gozar da propriedade dos bens adquiridos legalmente”; mas, para além do limite do “interesse geral” ao uso da propriedade, também presente nesse artigo, muitas vezes se esquece, como se esse não fosse mais do que o direito-príncipe, como era ao tempo do direito codificado liberal e burguês. A propriedade é certamente um dos direitos da pessoa do Título II da Carta, mas é precedido do direito à liberdade e à segurança, do direito à proteção dos dados pessoais, à liberdade de pensamento, de consciência, de religião, de expressão, de informação, do direito à educação. O ponto crucial, portanto, não é o individualismo proprietário. A supernorma, se realmente olharmos para ela, é a mesma das Constituições nacionais e está centrada na pessoa, na sua segurança, na livre disposição de si mesma, do próprio pensamento e, por fim, também nos próprios bens. Mas não se limita a isso. E não há apenas as normas do Título IV sobre a solidariedade, a que já nos referimos, mas também aquelas sobre as condições de trabalho justas e equitativas (art. 31) ou sobre a assistência social (art. 34). Normas que, por outro lado, testemunham como na coleta e consolidação das chamadas “tradições constitucionais comuns dos Estados-membros” – pois é o
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.20que foi feito com a Carta de Nice – não foi possível se esquecer da matéria social, que de modo bastante forte caracteriza a tradição europeia em seu complexo. O que queremos enfatizar é a evolução da matéria de direitos fundamentais que se está realizando pela Europa. Preocupa-se a Carta mais uma vez com a matéria social, sob dois perfis. O primeiro está contido de modo particularmente claro no artigo 15 da Carta de Nice: “Toda pessoa possui o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceita”. Esse artigo não deve ser lido com os olhos voltados para o passado, para o tempo da Comunidade econômica e do valor exclusivo da livre circulação, não só das mercadorias, mas também dos homens e das profissões, mas com os olhos voltados para o futuro, para uma nova estação dos direitos da pessoa que se está abrindo. Queremos dizer que este artigo fornece uma leitura não administrativa, não estatalista, do célebre direito ao trabalho do artigo quarto da nossa Constituição. O direito ao trabalho se afirma diretamente, assim, como direito da pessoa, consideradas e avaliadas as suas inclinações, as suas escolhas livres. Não é uma providência obtida do alto, do Estado-aparato, como pensava Tocqueville em 1848 – como vocês se lembrarão – quando via no próprio direito ao trabalho a perigosa raiz de um Estado que se estendia demasiadamente no campo das relações econômicas. Assim, o princípio europeu retroage sobre o princípio constitucional nacional, esclarecendo definitivamente aquilo que já se sustentava em parte: que a República que nosso artigo quarto chama a promover as condições que tornam efetivo o direito ao trabalho não é, em primeiro lugar, o Estado-aparelho com a sua administração, mas sim o Estado-ordenamento, ou seja, o conjunto dos poderes publicamente relevantes, não importa se de matriz institucional ou associativa, pública ou privada. Em suma – e aqui está a raiz da evolução em curso – os direitos em matéria social, como é o direito ao trabalho, os direitos referentes ao desenvolvimento de políticas sociais atuadoras dos princípios constitucionais, mas ainda nas mãos dos partidos políticos, dos parlamentos e dos governos – terreno que não se deve abandonar, mas não é mais exclusivo – tendem a fazer surgir posições jurídicas subjetivas do indivíduo enquanto pessoa e como tal destinado, mais cedo ou mais tarde, a buscar satisfação pela importante via de jurisdição.Enfim, como segundo aspecto não se pode não recordar dos artigos 24 e seguintes da Carta de Nice, inseridos no Título III, sobre a Igualdade, dedicados aos direitos dos menores, dos idosos, das pessoas com deficiência. Na Europa tem continuidade, assim, a tendência já presente nas Constituições nacionais, de não entender a igualdade apenas como proibição de discriminação entre aqueles que
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.21a própria Constituição considera iguais, mas também entendida como promoção, através de medidas diversas, do acesso aos bens fundamentais de existência a todos aqueles que deles são desprovidos. Pode-se dizer: direitos concebidos para aqueles que são mais fracos. E é significativo o fato de que essa tendência, na passagem do plano das Constituções nacionais à Europa, longe de se atenuar, se estenda: dos direitos dos trabalhadores, parte fraca por excelência na tradição das Constituições nacionais, aos outros sujeitos fracos, aos menores, aos idosos, às pessoas com deficiência.6. Estamos agora prontos para lidar com a parte final, em que vamos tentar oferecer uma resposta às perguntas que fizemos e, em particular, àquela principal: Em que tipo de democracia vivemos? O que propõem as Constituições contemporâneas como modelo de relacionamento entre Público e Privado? Por uma parte do itinerário que percorremos estivemos dedicados, mais que qualquer coisa, a remover os obstáculos, os dados de muitos preconceitos: não é verdade que as soluções presentes nas Constituições nacionais, como a italiana, são de tipo “estatalista”, assim como não é verdade que a Europa representa, a respeito desse alegado caráter das Constituições nacionais, uma revanche do tipo proprietário e liberal. É bem verdade, historicamente, que uma grande transformação – uma só, em vários níveis – teve início em meados do século passado, expressando-se, em primeiro lugar, nas Constituições do pós-guerra, passando, em seguida, por sua difícil implementação e, por fim, através da atual e difícil passagem da Europa. É um movimento único, com altos e baixos, e não a sucessão esquizofrênica de soluções opostas.Mas, acima de tudo, é uma transformação ainda em curso e que, para mim, tem uma importância não inferior àquela que a precedeu. O que estamos testemunhando é uma luta pela afirmação de um novo tipo histórico de democracia, a democracia constitucional, fundada sobre os direitos da pessoa, que, por sua vez, fundam-se na supremacia da Constituição. É uma luta dura porque a supremacia da Constituição tira poderes, reduz arbítrios, impõe obrigações e, sobretudo – como nós vimos – tende a impor-se a todos os poderes, públicos e privados. É compreensível, assim, que se trate de uma supremacia a que fortemente se opõe. Em suma, que tem muitos inimigos.Porém, a Constituição existe. Existe no plano nacional e está se formando no plano supranacional. Os direitos da pessoa são firmados de modo claro. Enquanto houver violações das esferas das pessoas e de sua dignidade, ou enquanto houver pessoas privadas dos bens essenciais, existirá um problema de implementação da Constituição. Desse dilema as democracias contemporâneas não podem se
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.22livrar, pelo menos até quando existir a Constituição. E, por outro lado, “sair da Constituição” significa realmente abandonar o modelo de relação entre Público e Privado por essa desenhado, e que limita ambos: o primeiro não pode mais se expressar com a linguagem do legislador onipotente, pensando que pode normatizar todos os aspectos da vida individual e das relações, e portanto, não pode arbitrariamente invadir a esfera dos cidadãos; mas também o segundo não pode ser terreno para o desenvolvimento de poderes desmedidos, sobretudo econômicos, incidentes de modo não menos perigoso sobre os direitos fundamentais da pessoa. A Constituição, em suma, não prega nenhuma virtude, nem do Estado, nem do mercado, simplesmente porque pensa que tanto um quanto o outro podem violar os direitos da pessoa. E, assim, é cautelosa em relação a ambos, especialmente quando um ou outro tendem ao excesso, a exorbitar.A partir daqui, dessa raiz, surge finalmente a resposta à pergunta que colocamos: o modelo constitucional de relação entre Público e Privado é, em última análise, o da dupla limitação e, portanto, do duplo valor da Constituição, que se opõe sempre a um e a outro se ela mesma, e os direitos fundamentais nela consagrados, todas as vezes que as razões de um e de outro tornam-se imoderadas, sejam as razões de um Público que pretende invadir a esfera dos indivíduos, ou a de um Privado que, em razão de sua potência econômica, pretende dominar a cena pública. Pode-se dizer também: a Constituição socorre sempre o mais fraco, o Público quando é invadido arbitrariamente pelo Privado, e vice-versa. Abandonar esse modelo significa, portanto, correr riscos gravíssimos para os dois lados.Tenha-se atenção, portanto, ao tratar a Constituição como uma simples lei politicamente reformável e emendável. A história da relação entre Público e Privado ensinou que na Constituição é fixado um pilar, um muro de contenção, um essencial ponto de equilíbrio. Sem a Constituição, sem esse tipo de Constituição que começamos a construir na metade do século passado, e sem esse pilar, não temos um problema de democracia, para o mais ou para o menos, mas provavelmente o início da dissolução da forma política democrática, no sentido específico de retorno a um predomínio indiscriminado dos poderes arbitrários, sejam públicos ou privados. A supremacia da Constituição é, portanto, afirmada em primeiro lugar contra o exercício arbitrário desses poderes. E os arbítrios que ela impede ou limita – sejam esses de proveniência pública ou privada, como vimos – têm um invariável objetivo subjacente: proteger recursos que servem para satisfazer imediatamente posições especiais de poder. Se essas tendências parciais fossem deixadas ao desdobramento livre, tornar-se-ia impossível qualquer cálculo sobre as necessidades individuais e coletivas a médio e longo prazo, porque todos os
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.23recursos seriam queimados no curto prazo. A única política possível se tornaria a da maioria do momento. Mas hoje, por motivos que são bastante evidentes, não é possível governar desse modo. Desse ponto de vista, há um núcleo duro nos problemas que temos diante de nós, uma objetividade das coisas destinada a se impor, a menos que não se decida deliberadamente caminhar em direção ao precipício. Que se tratem hoje das necessidades sociais primárias, da alimentação à moradia, da saúde, da assistência, do meio ambiente, chega-se sempre à mesma conclusão: quase nenhuma dessas problemáticas é resolvível se não em um sentido estrutural, enquanto muito pouco se resolve com a política do momento, com a maioria do momento. As Constituições, e aqui também as contemporâneas, como normas pela sua própria natureza predispostas a durar no tempo, são portanto destinadas a desenvolver esta função essencial e imprescindível: catalogar os bens essenciais da pessoa que qualquer maioria possui o dever de proteger, e representar, nesse sentido, a continuidade, a dimensão profunda e duradoura das necessidades sociais que somente a Constituição pode adequadamente exprimir no tempo e que se coloca, em sua objetividade, bem distante e acima das meras políticas de maioria, com as quais se chega somente até um certo ponto, insuficiente para um governo sério das sociedades e das democracias contemporâneas.Há apenas um ponto obscuro na supremacia da Constituição, mas que não é insignificante. Diz respeito ao futuro da sociedade democrática. A sociedade dos nossos Pais Constituintes, na Itália e na Europa, em pleno século XX, era organizada nos partidos. Hoje não temos mais aqueles partidos, naquela mesma forma. A nossa sociedade parece estar, de fato, à procura de novas instituições, de novas solidariedades, em suma, de uma nova identidade. Pode ser que se trate de uma busca que se revelará fértil no transcurso do tempo. É a todos evidente, no entanto, a atual condição de fragilidade e de incerteza. Aqui está o ponto crítico. Isso porque a Constituição pode se defender de modo mais ou menos eficaz em face dos poderes incomensuráveis. Mas não está sozinha. O melhor e mais sólido fundamento da Constituição – de resto, o único possível – é precisamente a consciência de sua necessária dependência de qualquer coisa outra que a precede. Em uma palavra, aquilo que a Constituição pressupõe para se colocar como norma suprema é a própria existência de uma sociedade suficientemente coesa, dotada de instrumentos que a permitam ser uma sociedade política, e não simplesmente uma sociedade de indivíduos dotados de direitos mais ou menos perfeitamente garantidos. E, portanto, não apenas uma simples societas, na qual o vínculo basilar é exclusivamente a comum titularidade de direitos, mas também uma universitas, ou seja, uma unidade de escopo, à qual se liga por compartilhamento, ligado pelo
Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 58, p. 7-24, 2013.24entendimento comum de perseguir algumas finalidades fundamentais. Em uma palavra, uma sociedade política e não apenas uma sociedade civil. Essa é hoje a questão na ordem do dia das democracias contemporâneas. Não há supremacia da Constituição sem sociedade política, e não há sociedade política sem instrumentos estáveis de participação e sem a procura, conturbada e problemática, de um princípio de unidade. Sem tudo isso, a Constituição vacila. Em suma, é verdade que podemos contar com a Constituição como protetora dos nossos direitos, como limite à exorbitância de todos os poderes, sejam públicos ou privados, mas não podemos jamais nos esquecer de que também a Constituição, por seu turno, conta conosco. Recebido: 15/09/2013Aprovado: 23/11/201
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