Traçou um círculo
à superfície das águas, onde a luz confina com as trevas. As colunas do céu
estremecem e assustam-se com a sua ameaça. (Jó, XXVI, 10-11)
‘14 Essa variação é ressaltada se nos
determos aos significados dos nomes. De acordo com Pându & Pându
(1999), João significa “Deus é gracioso”, enquanto Godofredo quer
dizer “paz de Deus”. O nome Robério consiste numa fusão
de dois nomes: Roberto (“brilhante na glória”)
e Rogério (“afamado na lança”).’
OS TRES NOMES DE
GODOFREDO
Malu Schroeder
OS TRES NOMES DE GODOFREDO é uma
adaptação do conto de mesmo nome do Murilo Rubião, um dos poucos representantes
do Realismo Fantástico no Brasil. O filme coloca o espectador entre o real e o
imaginário e o obriga a refletir sobre a realidade, quando trata da rotina de
um casal e as repetições nas relações amorosas, que, muitas vezes funcionam
como um aprisionamento do indivíduo.
No link:
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Surrencontro
A narrativa visual “SURRENCONTRO” foi
desenvolvida no ano de 2015 como cena integrante do espetáculo multilinguagem
“Enquanto Dure”, cuja concepção previa a integração entre dança, teatro e
cinema. A partir do trabalho de três diretores relacionados a essas três
linguagens artísticas, o espetáculo mesclou influências híbridas entre corpo,
voz/som e imagem, o que pode ser observado também na narrativa visual em
questão. A montagem teatral se inspirou no conto “Os três nomes de Godofredo”,
de Murilo Rubião, autor produtor de uma literatura de linha fantástico/surreal.
No início dos trabalhos realizados com o texto, a equipe artística percebeu a
semelhança entre a história narrada por Rubião e um trecho da peça “A cantora
careca”, de Eugène Ionesco, dramaturgo vinculado à estética do Teatro do
Absurdo. Na peça de Ionesco, um casal se encontra numa sala de estar da casa de
outra família e, após uma conversação iniciada pelo homem, vai descobrindo
grandes coincidências na rotina de ambos até que, ao final, ele se recorda de
que são marido e mulher – cena próxima à descrita no início do conto de Rubião,
no qual um homem e uma mulher aparentemente estranhos jantam no mesmo
restaurante até a revelação, por parte dela, de que são casados. O estilo de
filmagem da narrativa visual foi inspirado no cinema noir, estilo cuja
denominação se deu em 1946 pelo crítico e cineasta Nino Frank em alusão à Série
Noire - coleção editada na França contendo obras da literatura hard-boiled (literatura
policial americana sobre detetives durões). Com fotografia em branco e preto e
cenário pouco iluminado, é utilizado neste estilo de cinema um jogo de luz e
sombra que realça ainda mais o alto contraste, o que contribui para a
construção de significações e sentidos para a história (MASCARELLO, 2006). Em
“SURRENCONTRO”, além da utilização do branco e preto, o cenário foi planejado
contendo apenas um jogo de chá para duas pessoas, uma mesa com tampo de vidro e
duas banquetas. O fundo foi totalmente anulado com a falta de iluminação. Essa
concepção foi planejada para que o espectador não pudesse identificar a
temporalidade ou a veracidade do que é retratado na tela. Além disso, a
figuração de duplicidade de ambas as personagens, em dois trechos do audiovisual,
reforça e influi no olhar e percepção do que é realizado verbalmente pelos
atores. A maquiagem e o figurino contribuem para o estranhamento do absurdo do
texto: a atriz com cabelo curto, lábios ressaltados pelo batom e olhos com
cílios postiços, mas vestida de terno, dá margem à possibilidade de que a ação
não acontece em um lugar destinado estritamente ao sexo feminino ou masculino,
além de promover uma homogeneização das figuras e confusão de gênero entre os
personagens. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA MASCARELLO, Fernando. Film Noir. In:
______ (org.). História do cinema mundial. Campinas/SP: Papirus, 2006. pp. 177
– 188.
https://www.youtube.com/watch?v=IHXjgSHYICg&t=9s
DOI: 10.14393/LL63-v34n2a2018-7
Os lados do círculo
em “Os três nomes de Godofredo”, de Murilo Rubião
The sides of the circle in “Os três nomes de Godofredo” by
Murilo Rubião
Raul da Rocha Colaço*
investigação da figura geométrica do círculo no conto “Os
três nomes de Godofredo”, de Murilo Rubião. Para isso, dialogamos com diversas
áreas do saber (Matemática, Artes Plásticas, Física, Psicologia, entre outras)
e dividimos o trabalho nos seguintes tópicos: 1) Andando em círculos: o ciclo
labiríntico do espaço, da ação e do tempo (abarca tanto as ações repetitivas
dos personagens e os seus deslocamentos circulares, quanto o tempo que se
aproxima do mítico, no qual passado, presente e futuro constituem um só tempo);
2) Circunferência retabular (resgate da ideia de "tudo ao mesmo tempo e
agora", todos os eventos expostos num mesmo plano); 3) Círculo escrito,
circunscrito (análise das menções às figuras circulares e a tudo o que remete a
elas); 4) Circuito em série: a relação texto e epígrafe (abrange a influência
recíproca entre as epígrafes e a narrativa abordada, num jogo circular
infinito). Assim, nos foram úteis, principalmente, os estudos de Robert Cumming
(1996), de Gotthold Ephraim Lessing (1998), de Carl Gustav Jung (2008) e de
Jorge Schwartz (1981). No que concerne aos resultados, assinalamos que o
círculo funciona como elemento norteador do conto ora analisado, na medida em
que Rubião se aproveita do círculo para deformá-lo, abrindo, assim, fendas para
a inserção do leitor no seu texto.
PALAVRAS-CHAVE: Geometria. Círculo. Circunferência. Murilo
Rubião.
eometric figure of the circle in Murilo ubião’s short story
“Os três nomes de Godofredo”. To this end, we dialogue with ifferent areas of
knowledge (Mathematics lastic Arts, Physics, Psychology and others) n four
topics: 1) Walking in circles: the abyrinth cycle of space, action and time
ncluding both the characters’ repeated ctions and circular displacements and
the time hat approaches the mythical space where past resent and future are
just as one; 2) The etable circumference (the rescue of the idea of all at once
and now,” all the events on the ame plan); 3) The written, circumscribed ircle
(na analysis of mentions to the circular gures and everything that refers to
them); 4) erial circuits: the text-epigraph relationship ncluding the
reciprocal influence between pigraphs and the narrative in an infinite ircular
game). Studies by Robert Cumming 1996), Gotthold Ephraim Lessing (1998) arl
Gustav Jung (2008) and Jorge Schwartz 1981) were useful to the presente
analysis he findings point out that the circle works as guiding element of the
short story, inasmuch s Rubião takes advantage of the circle to eform it,
opening up cracks for the ntrodution of the reader to his text.
KEYWORDS: Geometry. Circle ircumference. Murilo Rubião.
* Mestrando do curso de Teoria da Literatura do Programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde
realiza a pesquisa, sob orientação da Profa. Dra. Brenda Carlos de Andrade, “As
ruínas circulares de Amilcar Bettega Barbosa e de Murilo Rubião”, na qual se
dedica a investigar a figura geométrica do círculo em ambos autores. E-mail: rauldarochacolaco@gmail.com.
Para que esse mapeamento circular fique ainda mais claro, recorremos à
figura: Figura 1: Mapa circular de “Os três nomes de
Godofredo”. Fonte: nossa elaboração.
Figura 1: Mapa circular de “Os três nomes de Godofredo”. Fonte: nossa
elaboração.
https://www.researchgate.net/publication/329995660_O_Pirotecnico_Murilo_Rubiao/fulltext/5c284bdb299bf12be3a1a92d/O-Pirotecnico-Murilo-Rubiao.pdf
Conto: Os três
nomes de Godofredo
04.08.2017
https://static.wixstatic.com/media/54fdb6_736e80de7c924359804eb35ea5a07a87~mv2.jpg/v1/fill/w_551,h_441,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01/54fdb6_736e80de7c924359804eb35ea5a07a87~mv2.webp
Os contos que trazem o realismo fantástico ganharam
grande notoriedade com Edgard Allan Poe e aqui no Brasil quem mais utilizou
deste recurso foi Murilo Rubião. Suas narrativas trazem o sobrenatural como
forma de questionar os conflitos da realidade, o fantástico aparece como uma
forma de exercer uma função crítica e gerar reflexões. No conto Os três nomes
de Godofredo, Murilo traz uma sucessão de acontecimentos inesperados e irreais
que aparecem como simples fatos corriqueiros, além de mostrar a extrema solidão,
a interminável procura e eminentes desencontros.
“De uma data que não poderia precisar, todos os
dias, ao almoço e ao jantar, ela sentava-se à minha frente na mesa onde por
quinze anos seguidos fui o único ocupante. Ao me certificar da sua constante
presença, considerei o fato perfeitamente natural. O lugar não me pertencia por
nenhum direito e além do mais minha vizinha nada fazia que me importunasse. Nem
sequer me dirigia a palavra. Também o seu comportamento durante as refeições
era discreto, alheio a qualquer ruído que chamasse a atenção”
.
Trata-se da história de um homem atormentado por
suas falhas de memória, a ausência de lembranças. Ao ver uma mulher
desconhecida que afirma ser sua companheira, fica completamente desorientado.
Para piorar, descobre que assassinou sua primeira esposa. Inicialmente chamado
por João de Deus, sua segunda esposa Geralda o convence a ir para casa. Por um
período ele acaba aproveitando o convívio de sua atual mulher. Passado algum
tempo, a monotonia acaba com o prazer e também com a vida de Geralda quando
esta é enforcada pelo marido.
“Uma tarde, olhava para as paredes sem nenhuma
intenção aparente e enxerguei uma corda dependurada num prego. Agarrei-a e
disse para Geralda, que se mantinha abstrata, distante:
- Ela lhe servirá de colar.
Nada objetou. Apresentou-me o pescoço, no qual, com delicadeza, passei a corda.
Em seguida puxei as pontas. Minha mulher fechou os olhos como se estivesse
recebendo uma carícia. Apertei com força o nó e a vi tombar no assoalho.Como
fosse hora de jantar, maquinalmente, rumei para o restaurante, onde procurei a
mesa habitual. Sentei-me distraído, sem que nada me preocupasse. Pelo
contrário, envolvia-me doce sensação de liberdade”.
Ao retornar ao costumeiro restaurante, João de Deus
conheçe uma nova mulher que tem as mesmas características de Geralda, que agora
usa o cabelo loiro e o chamou de Robério. Para desfazer o equívoco provocado,
ele disse que seu nome real é Godofredo. Vendo que sua tentativa é em vão, foge
para casa, lá encontra uma terceira mulher, semelhante às anteriores. No desespero
após abraçá-la, aperta-lhe o pescoço até a morte. Dentro de casa na sala de
estar, outra mulher igual às outras três, Isabel, que diz ser sua noiva.
“A fita de veludo, que prendia um medalhão antigo
ao pescoço de Isabel, me fascinou por alguns segundos. Desviei os olhos para o
prato, já servido, e percebi que perdera a fome. Ao levantar de novo a cabeça,
ocorreu-me formular algumas perguntas, possivelmente as mesmas que fizera à
minha segunda mulher, naquela noite, no restaurante. Desisti, preocupado em
redescobrir uma cidade que se perdera na minha memória”.
Desta vez, Godofredo desiste das perguntas e
explicações, verifica então a incessante repetição de sua vida. Fica claro
neste conto que o personagem está em um processo de insanidade, de idas e
vindas. Todos os contos de Murilo apresentam epígrafes bíblicas. O autor
utiliza o texto bíblico, retirando-lhes a espiritualidade, a religiosidade,
para trabalhar as palavras. A epígrafe deste conto é: “As sombras cobrem a sua
sombra, os salgueiros da torrente o tornearão”. Essas epígrafes são utilizadas
como pistas ou enigmas sobre o que Murilo vai escrever na história.
O fato de Godofredo ter três nomes é uma
característica muito utilizada por Murilo Rubião em seus textos, denominada
como metamorfose por muitos dos seus estudiosos. Os seres de Rubião estão
condenados a um desejo ilimitado, a um fazer ilimitado, a metamorfoses
sucessivas, que não escondem a fragilidade da condição humana. Trata-se de um
autor surrealista, que tornou-se pioneiro na literatura fantástica brasileira.
Não se preocupe se este conto ou outro de sua autoria causar certo
estranhamento, pois uma das propostas de suas obras é justamente, lidar com
estranhamentos e absurdos. Merece ser lido sempre.
https://www.livroscamera.com.br/single-post/2017/08/04/Conto-Os-tr%C3%AAs-nomes-de-Godofredo
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