domingo, 30 de junho de 2019

Republicanos oportunistas...


...Um balancê de 130 anos de República...

Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê


— Pó quer dizer progresso!


De Sadi Carnot (1837-1894) a Emmanuel Macron (1977- )

De Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892) a Jair Messias Bolsonaro (1955-)


De Manuel a Washington

De Washington a Jair



O PATRIOTA WASHINGTON

(Doutor Washington Coelho Penteado)
O sol ilumina o Brasil na manhã escandalosa e o Doutor Washington Coelho Penteado no rosto varonil. Há trinta e oito anos Deodoro da Fonseca fundou a República sem querer. O doutor pensa bem no acontecimento e grita no ouvido do chofer:

— Toca pra Mogi das Cruzes!

Minutos antes arrancara da folhinha do EMPÓRIO UCRANIANO a folha do dia 14. Cercado pelos filhos escrevera a lápis azul na do dia 15: Viva o Brasil! E obrigara o Juquinha a tirar o gorro marinheiro porque ainda não sabia fazer continência.
Muitíssimo bem. Agora segue de Chevrolet aberto para Mogi das Cruzes. Algum dia no mundo ia se viu uma manhã tão linda assim?
Êta Brasil.
Êta.
Na lapela uma bandeirinha nacional. Conservada ali desde a entrada do Brasil na grande conflagração. Ou bem que somos ou bem que não somos. O doutor é de fato: brasileiro graças a Deus. Onde desejava nascer? No Brasil está claro.
Ao lado dele a mulher é assim assim. Os filhos sabem de cor o hino nacional. Só que ainda não pegaram bem a música. Em todo o caso cantam às vezes durante a sobremesa para o doutor ouvir. A bandeira se balançando na sacada do Teatro Nacional lembra ao doutor os admiráveis versos do poeta dos Escravos.

— Sim senhor! É bem a brisa de que fala Castro Alves.
— Que brisa, Nenê?
— Nada. Você não entende.

Ele entende. E goza a brisa que beija e balança.

— O Capitão Melo me afirmou que não há parque europeu que se compare com este do Anhangabaú.
— Exagero...
— Já vem você com a sua eterna mania de avacalhar o que é nosso! Pois fique sabendo...

Fique sabendo, Dona Balbina. Fique a senhora sabendo que o que é nosso é nosso. E vale muito. E vale mais que tudo. Vá escutando. Vá escutando em silêncio. E convença-se de uma vez para não dizer mais bobagens.

— Veja o movimento. E hoje é feriado, hein! Não se esqueça! Paris que é Paris não tem movimento igual. Nem parecido.
— Você nunca foi a Paris...

Isso também é demais. O melhor é não responder. Homem: o melhor é estourar.

— Meu Deus do céu! Não fui, mas sei! Toda a gente sabe! Os próprios franceses confessam! Mas você já sabe: é a única pessoa no mundo que não reconhece nada, não sabe nada!

Guiados pelo fura-bolos do doutor todos os olhares se fixam na catedral em começo.

— Vai ser a maior do mundo! E gótica, compreenderam? Catedral gótica!

Na cabeça.
Gostosura de descer a toda a Ladeira do Carmo e cair no plano do Parque D. Pedro II.

— Seu professor, Juquinha, não lhe ensinou que D. Pedro era amicíssimo, do peito mesmo, de Victor Hugo, gênio francês?

Juquinha nem se dá ao trabalho de responder.

— Pois se não ensinou fez muito mal. Amizades como essa honram o pais.

O chofer não deixa escapar um só buraco e Dona Balbina põe a mão no coração. Washington Coelho Penteado toma conta do cláxon.

— São um incentivo para as crianças. Quando maiores procurarão cultiválas também.

O vento desvia as palavras do doutor, dos ouvidos da família. O Chevrolet não respeita bonde nem nada. Pomba só levanta o vôo quando o automóvel parece que já está em cima dela.

— Este Brás! Este Brás! Não lhes digo nada!

Dez fósforos para acender um cigarro.

Dona Balbina olha a paineira. Mesma cousa que não olhasse. Juquinha vê um negócio verde. Washington Júnior um negócio alto. O doutor mais uma prova da pujança primeira-do-mundo da natureza pátria.
 Interjeição admirativa. Depois:

— Reparem só na quantidade de automóveis. Dez desde São Miguel! E nenhum carro de boi!

60 por hora.
O Chevrolet perde-se na poeira. Dona Balbina se queixa. Juquinha coça os olhos.

— Pó quer dizer progresso!

Palavras assim são ditas para a gente saborear baixinho, repetindo muitas vezes. Pó quer dizer progresso. Logo surge uma variante: Pó, meus senhores, quer dizer tão simplesmente progresso. Na antiga Grécia... Mas uma dúvida preocupa o espírito do doutor: a frase é dele mesmo ou ele leu num discurso, num artigo, numa plataforma política? Talvez fosse do Rui até. Querem ver que é do bichão mesmo? Engano. Do Rui não é. Do Epitácio, do Epitácio também não. Não é nem do Rui nem do Epitácio então é dele mesmo. É dele.

Washington Júnior com o dedo no cláxon esta torcendo para que apareça uma curva.
Velocidade.

— O Brasil é um gigante que se levanta. Dentro em breve...

Era uma vez um pneumático.

— Aquele telhado vermelho que vocês estão vendo é o Leprosário de Santo Ângelo.

É preciso ser bacharel e ter alguns anos de júri para descrever assim tão bem os horrores da morféia também cognominada mal de Hansen, esse flagelo da humanidade desde os mais remotos tempos.
Dona Balbina se impressiona por qualquer cousa. Mas agora tem sua razão.
Altamente patriótica e benemérita a campanha de Belisário Pena. A ação dos governos paulistas igualmente. Amanhã não haverá mais leprosos no Brasil. Por enquanto ainda há, mas isso de ter morféia não é privilégio brasileiro. Não pensem não. O mundo inteiro tem. A Argentina então nem se fala. Morfético até debaixo d'água. E não cuida seriamente do problema não. Está se desleixando.
É. Está. Daqui a pouco não há mais brasileiro morfético. Só argentino. Povo muito antipático. Invejoso, meu Deus. Não se meta que se arrepende. Em dois tempos... Bom. Bom. Bom. Silêncio que a espionagem é brava.
As casas brancas de Mogi das Cruzes.

— Qual é o número mesmo daquele automóvel que está parado ali?
— P. 925.
— Veja você! P. 925!

Uma volta no largo da igreja. Parada na confeitaria para as crianças se refrescarem com Mocinha. Olhadela disfarçada em quatro pernas de anjo. Saudação vibrante ao progresso local.
Chevrolet de novo.

— Toca pra São Paulo!

Primeira. Solavanco. Segunda. Arranco. Terceira. Aquela macieza.

— Não! Pare!
— Pra quê, Nenê?
— Uma cousa. Onde será o telégrafo?

Onde será? Que tem, tem.

— O patrício pode me informar onde fica o telégrafo?

Muito fácil. Seguir pela mesma rua. Tomar a primeira travessa à direita. Passar o largo. Passar o sobradão vermelho. Virar na primeira rua à direita.

— Primeira á direita?

Primeira à direita. Depois da terceira é o prédio onde tem um pau de bandeira.

— Pau, não senhor. Bandeira desfraldada porque hoje é 15 de Novembro. Muito agradecido.

Faz a família descer também. Puxa da caneta-tinteiro, floreiozinho no ar, começa: Ex. Sr. Dr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Palácio do Catete. Vale a pena pôr a rua também? Não. O homem tem que ser conhecido por força. Bem. Rio de Janeiro. Desta adiantada cidade tendo vindo Capital Estado uma hora dezessete minutos magnífica rodovia enviamos data tão grata corações patrióticos efusivos quão respeitosos cumprimentos erguendo viva República V. Ex.a. Que tal?

Ótimo, não? Só isso de República V. Ex.a é que está meio ambíguo. Parece que a República é de S. Ex.a. Não está certo. A República é de todos. Assim exige sua essência democrática. Assim sim fica perfeito: República e V. Ex.a Bravo. Dr. Washington Coelho Penteado, senhora e filhos.

— Quinze e novecentos.
— E eu que ainda queria pôr uma citação!

Não precisa. Como está muito bonito.
— É bondade sua. Uma cousinha ligeira, feita às pressas...
Enquanto o telegrafista declama os dizeres mais uma vez Washington Coelho Penteado passa os quinze mil e novecentos réis.

Em plena rodovia de repente o doutor murcha. Emudece. Dona Balbina que estava dorme-não-dorme espertou com o silêncio. O doutor quieto. Mau sinal. Procurando adivinhar arrisca:

— Que é que deu em você? O preço do telegrama?

O gesto deixa bem claro que isso de dinheiro não tem a mínima importância.
Dona Balbina pensa um pouquinho (o doutor quieto) e arrisca de novo:

— Medo que o chefe saiba que você usa o automóvel de serviço todos os domingos? Domingos e dias feriados? O gesto manda o chefe bugiar no inferno.
O Chevrolet corre atrás dos marcos quilométricos.
Só ao entrar em casa o doutor se decide a falar.

— Esqueci-me de pôr o endereço para a resposta!...
— I-DI-O-TA!

Olhem só o gozo das crianças.









Mundo
No G20, Bolsonaro convida Macron para visitar Amazônia
Em encontro com presidente brasileiro, Donald Trump disse que visitará o Brasil, mas não forneceu uma data
Por Da Redação
28 jun 2019, 13h16 - Publicado em 28 jun 2019, 09h32


Jair Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, durante reunião paralela dos líderes do G20 sobre Economia Digital em Osaka no Japão: brasileiro reafirmou seu compromisso com o Acordo de Paris para o clima - 28/06/2019 (Frederico Mellado/ARG/Flickr)

O presidente Jair Bolsonaro reuniu-se nesta sexta-feira, 28 com o presidente da França, Emmanuel Macron, e dos Estados Unidos, Donald Trump, às margens da cúpula do G20 no Japão. Com o francês, em um encontro “informal”, o brasileiro reafirmou seu compromisso com o Acordo de Paris para o clima e convidou Macron para visitar a Amazônia.
A conversa entre os líderes aconteceu quatro horas depois de o governo brasileiro ter anunciado o cancelamento de uma reunião bilateral, que constava do programa da viagem de Bolsonaro a Osaka.
Segundo a BBC Brasil, membros da delegação de Macron afirmaram que ficaram sabendo do encontro pela imprensa, pois na agenda oficial do presidente francês só havia, desde o início, a previsão de uma breve conversa informal com Bolsonaro.
E foi o que aconteceu, segundo o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros. “Foi um encontro amistoso, por que não seria?”, declarou o general, sem mencionar as recentes críticas de Macron à política climática do Brasil.
Os dois presidentes abordaram, entre outros temas, o Acordo de Paris sobre o clima e as negociações para o tratado UE-Mercosul, sobre o qual o porta-voz declarou que está “muito avançado” e que espera um anúncio sobre o acordo “o mais rápido possível”.

O ambicioso acordo comercial que começou a ser negociado em 1999 está sendo finalizado em Bruxelas e pode tornar-se realidade em breve, apesar das dúvidas de alguns países europeus, em especial da França, que deseja proteger seu setor agrícola.
Já a Presidência francesa informou que a discussão entre ambos foi “muito direta” e que Macron “insistiu sobre a necessidade de que o Brasil permaneça no acordo de Paris” sobre o clima, apesar de Bolsonaro ter afirmado que não tem a intenção de abandonar o mesmo.
O Palácio do Eliseu anunciou ainda que o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, visitará o Brasil em julho.
A reunião entre Bolsonaro e Macron, prevista inicialmente como bilateral (o que dá um status oficial) foi finalmente “informal” por questões de agenda, afirmou o porta-voz, que minimizou a diferença e destacou que o mais importante é que o encontro aconteceu.
Macron ameaçou na quinta-feira 27 não assinar o tratado comercial UE-Mercosul se o Brasil abandonar o Acordo de Paris sobre o clima. O país está sob uma tempestade de críticas de ONGs e de alguns governos, incluindo a Alemanha, por sua política de desmatamento.
A luta contra a mudança climática é um dos principais temas do encontro do G20, que reúne nesta sexta-feira e no sábado, 29, 20 países desenvolvidos e emergentes. O aquecimento global, contudo, é uma questão que alguns países, liderados pelos Estados Unidos, não querem ver mencionada no comunicado final.
Estados Unidos
Bolsonaro também participou nesta sexta de uma reunião bilateral com o presidente americano Donald Trump. A repórteres após o encontro, o líder dos Estados Unidos disse que visitará o Brasil, mas não forneceu uma data.
“Na reunião com o presidente @realDonaldTrump, retomamos assuntos tratados na visita a Washington e introduzimos a ideia de um acordo de livre comércio para fortalecer ainda mais nossa parceria econômica. Trabalhando juntos, Brasil e EUA podem ter impacto muito positivo no mundo”, disse Bolsonaro em suas redes sociais após o encontro.
O presidente brasileiro também reiterou apoio à reeleição de Trump na corrida presidencial americana de 2020. Esta é a segunda vez que os dois líderes se reúnem, depois de Bolsonaro visitar a Casa Branca em março.
No G20, as autoridades voltaram a tratar da crise com a Venezuela e da entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O americano mencionou a possibilidade de aumentar sanções ao governo venezuelano de Nicolás Maduro e destacou a importância do apoio brasileiro na questão.
Trump também reiterou o apoio para que o Brasil ingresse como novo membro da OCDE. Em contrapartida, o governo brasileiro concordou em abrir mão de vantagens comerciais na Organização Mundial do Comercial (OMC).
O americano ainda declarou que Bolsonaro é um “homem especial, muito amado pelo povo do Brasil”, enquanto o brasileiro voltou a dizer que os dois países “nunca estiveram tão próximos”.
Como Trump, Bolsonaro é considerado um cético da mudança climática. O brasileiro também segue o modelo do presidente americano de uso intenso das redes sociais.
39 quilos de cocaína
Durante a reunião de cúpula do G20, Bolsonaro disse ter agradecido pessoalmente ao presidente espanhol Pedro Sánchez pela atuação das autoridades do seu país na apreensão de 39 quilos de cocaína em um avião da FAB em Sevilha.
“Aproveitei para agradecê-lo pelo modo como as autoridades espanholas estão lidando com o caso dos entorpecentes apreendidos em avião da FAB e reafirmei minha defesa por punição severa para o tráfico”, escreveu Bolsonaro no Twitter.
O presidente brasileiro e o espanhol se encontraram brevemente durante almoço de trabalho que deu início ao encontro do G20.

Brics
A agenda de Bolsonaro nesta sexta ainda incluiu uma reunião informal com os líderes dos quatro países que integram os Brics ao lado do Brasil – Rússia, Índia, China e África do Sul. O brasileiro presidiu o encontro com Vladimir Putin, Narendra Modi, Xi Jinping e Cyril Ramaphosa.
Bolsonaro disse buscar convergências com os líderes dos outros países. “Nosso governo pretende trabalhar ativamente pelo fortalecimento desse grupo. Menciono como exemplo bem-sucedido da cooperação dos Brics o novo Banco de Desenvolvimento”, declarou.


O tom adotado pelo presidente no discurso durante a conferência foi diferente do que o que chegou a ser ensaiado nos bastidores da delegação brasileira. Um dos rascunhos da fala do presidente brasileiro continha crítica ao processo de globalização, defesa do nacionalismo e um pedido aos demais países para que apoiem a transição de governo na Venezuela.
No evento, contudo, Bolsonaro optou por uma linha mais moderada. No lugar de referências à globalização, defendeu o sistema multilateral e a reforma da OMC, em linha com o comunicado do grupo. As críticas foram direcionadas para o protecionismo no comércio.
O discurso no evento dos Brics foi o primeiro de Bolsonaro no Japão. A ideia do presidente brasileiro é aproveitar a vitrine internacional da cúpula das 20 maiores economias do globo para modular a imagem que tem no exterior. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro se queixa de como foi retratado em veículos internacionais.
A prévia do discurso de Bolsonaro sugeria que o presidente abordasse que um dos desafios do momento é o de “dar face humana ao processo de globalização”. Um dos trechos que constavam no rascunho e foram retirados do discurso final afirmava: “Não queremos, porém, que a globalização destrua nossas identidades nacionais, mas que seja um fator a reforçá-las. Nossos povos têm em comum esse anseio e precisamos trabalhar para atendê-los”.
A defesa do nacionalismo, tradicionalmente bandeira do chanceler, Ernesto Araújo, e do assessor de assuntos internacionais do Planalto, Filipe Martins, foi substituída pelo apoio enfático ao sistema multilateral de comércio.
“Em meu governo, o Brasil reafirmou seu apoio ao sistema multilateral de comércio, por ter certeza de que o dinamismo da economia mundial depende dele. Estamos plenamente dispostos a seguir colaborando para a reforma da OMC e para a construção de uma agenda negociadora equilibrada”, afirmou Bolsonaro no evento. Correntes protecionistas e práticas econômicas desleais foram citadas pelo presidente como fonte de tensões comerciais e risco para a estabilidade das regras internacionais de comércio.
Outros encontros
O presidente brasileiro ainda teve tempo de se reunir com o presidente do Banco Mundial, David Malpass, e com o secretário-geral da OCDE, José Ángel Gurría Treviño.
Com o dirigente do Banco Mundial, Bolsonaro disse ter discutido as perspectivas da “já sólida parceria” entre o Brasil e o banco. “Nosso governo tem interesse em seu apoio ao setor produtivo e em maior atuação sua no financiamento de infraestrutura no Brasil”, afirmou o presidente.
Bolsonaro destacou ter conversado com o secretário-geral da OCDE sobre os próximos passos para uma relação ainda mais forte com a organização. Segundo ele, Gurría Treviño mostrou grande entusiasmo com a agenda de reformas do Brasil.
(Com Reuters, Estadão Conteúdo e AFP)





As várias visões: livro faz balanço dos 130 anos da República
Ensaios de 38 especialistas analisam, década a década, o período entre 1889 e 2019

Elias Thomé Saliba*, Especial para o Estado de S. Paulo

“Quando vamos pescar alguma coisa nesse oceano sem fundo que é a memória, o anzol já vai molhado do presente”. Assim o escritor Pedro Nava definia os impasses de suas narrativas, ancoradas num presente sempre móvel e mutante já que, a cada vez que relembrava algo, acabava modificando o passado. Muito semelhante ao que acontece com a História, com uma pequena (e crucial) diferença: o anzol do historiador (para ficar na mesma metáfora de Nava) também já sai molhado do presente, mas acaba voltando ressecado da realidade dos fatos e testemunhos. Talvez, por isto, ao contrário do que se pensa, a História não forneça lições duradouras mas, apenas novas e surpreendentes perspectivas.

Melhor ainda se estas perspectivas do passado nos chegam através de múltiplos olhares de historiadores, cientistas políticos, economistas e juristas, entrecruzando visões das suas disciplinas as quais, isoladas com suas próprias ferramentas e métodos, seriam incapazes de nos oferecer. Esta é a principal novidade de 130 Anos: Em Busca da República, que reúne pequenos ensaios de 38 autores, cada um abordando uma das 13 décadas da história brasileira, examinadas da perspectiva da História, do Direito e da Economia. Sabemos que em cada uma das três áreas é mas fácil fornecer a receita do que fazer o bolo. Mas não é o caso do raro caleidoscópico de estudiosos reunidos na coletânea, os quais, afinal, já se arriscaram em fazer o bolo: todos com larga experiência em suas áreas, sendo que quase a metade dos colaboradores já exerceram, ou ainda exercem, algum cargo na vida pública.

Já na introdução, Pedro Malan - um dos organizadores - parece reconhecer aquela mesma gangorra instável do anzol de Nava, entre memória e História, recorrendo à bela metáfora de outro escritor, o francês Alfred de Musset: “Ao longo destes 130 anos de República, não sabíamos (como não sabemos hoje) se ao caminhar estávamos pisando nas cinzas do passado ou nas sementes do futuro, juntas e misturadas, como sempre, sob nossos pés e em nossas memórias." Inspirando-se em Tito Lívio, a história dos 130 anos da República Brasileira, de 1889 a 2019, é dividida em décadas, o que pode supor alguma falta de sincronia em relação à periodização tradicional – mas que é, afinal compensada tanto pelo efeito de continuidade que cada autor procura garantir - na sintonia fina da redação de capitulos curtos, linguagem acessível e sem nenhum aparato acadêmico -, quanto nas criteriosas cronologias dos eventos mais importantes que orientam o leitor e abrem o exame de cada uma das décadas.

O patrimonialismo, o personalismo, uma mal ajambrada esfera pública, o pesado lastro da escravidão e de suas crônicas mazelas mas, sobretudo, a tardia e falha entrada da maioria da população no sistema político, fez do Brasil mais uma republica incompleta e, por vezes, caricata - do que propriamente um regime em busca de uma mínima racionalidade democrática. Difícil falar sobre todos os capítulos sem injustiçar alguns, mas, longe de esconder saudáveis diferenças interpretativas, os textos revelam um foco bastante equilibrado, funcionando como sismógrafos das mudanças e permanências que ocorreram numa República que iniciada em 1889 -e abolida a escravidão um ano antes - tinha apenas 14 milhões de habitantes, a maioria vivendo no meio agrário; e que ao chegar a 2019, viu sua população saltar para 208 milhões, agora concentrada nos grandes centros urbanos mas, registre-se, ainda marcada por contrastes sociais que fazem do Brasil um dos mais desiguais do planeta.

A vantagem para o leitor é que ele pode começar a leitura do livro pela década que mais lhe interessar. De qualquer forma, um rápido olhar sobre o todo republicano revela estatísticas sombrias: apenas seis presidentes foram eleitos pelo voto popular, quatro não chegaram a completar seus mandatos e sete sequer chegaram a ser eleitos por votação popular. Para captar tamanhas instabilidades, muitas das abordagens também acabam recorrendo aos poetas. Analisando o arcabouço jurídico da República na década de 1920, que já antecipa o quadro ditatorial da época de Vargas, Paula Forgioni e Ruy Camilo Júnior, ao revelarem o profundo contraste entre os bacharéis de prosa empolada e as novas linguagens esgrimidas pelas gerações de escritores modernistas -, usam a metáfora do poema de Drummond de 1928: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Já Nelson Jobim, ao analisar o quadro jurídico-político da década de 1980, que começa com o General Figueiredo, passa pela gestão Sarney e termina com Fernando Collor, fecha o capítulo com o belo (mas lúgubre) final de um poema de Borges: “Somos nossa memória/ somos este quimérico museu de formas inconstantes,/ este montão de espelhos rotos”. “Desordem”, “aventura”, “ocaso”, “instabilidade”, “experimento”, “conturbação”, “crise”, “turbulência”, “frustração”, “excessos”, “discórdia”, “ruptura”, “incerteza” - estes são alguns dos vocábulos, entre muitos outros, colhidos ao acaso, que marcam presença nos títulos de cada um dos 40 capitulos. Sintomática neste sentido é a própria divisão em décadas, inspirada em Tito Lívio, a qual faz lembrar, por coincidência – para definir a nossa República – aquela antiga definição brincalhona que o historiador Jérôme Carcopino, perdendo a paciência no final de um dos seus livros, deu ao Império Romano: “uma sucessão de crises em meio a um apogeu completamente superficial”.

Mas os muitos avanços – e não foram poucos – também são analisados e contabilizados a crédito da nossa República. Por exemplo, entre a Constitução de 1946, que proibia o voto para “militares de tropa, mendigos(!)e analfabetos” e a Constituição de 1988, as melhorias foram inegáveis e o Judiciário passou a viver uma progressiva ascensão institucional. Através de analises brilhantes de autores como Tércio Sampaio Ferraz Junior, Nelson Jobim e até do Ministro Luís Roberto Barroso, o leitor pode comprovar o quanto, no quadro jurídico - incluindo os seus naturais desdobramentos na política - tivemos numerosos avanços. Coube à Joaquim Falcão esmiuçar a década de 1960, talvez a mais difícil e turbulenta de todas: em menos de 10 anos, foram três Constituições - a liberal, de 1946 até 1967; a ditatorial, de 1967 até 1969; e a emenda de 1969, que, praticamente, substituiu toda a Constituição de 1967. Foram 17 Atos Institucionais e três regimes políticos: em uma dimensão, o presidencialismo e o parlamentarismo; em outra, a ditadura. Foram sete presidentes da República; três primeiros-ministros e 25 ministros do Supremo, sendo três cassados e um renunciante. Triste recorde.

Na Economia também foram consideráveis os avanços, sobretudo com a industrialização no período do Estado Novo, mas, no conjunto dos 130 anos, persistiu, e talvez ainda persista, escolhas políticas de precária racionalidade econômica e uma reincidente e crônica desatenção ao planejamento de longo prazo. No ponto alto de muitos exemplos tristes, registre-se a queima da produção agrícola: entre 1932 e 1943 foram destruídas 75 milhões de sacas de café, correspondentes a três safras anuais. “É o trabalho paulista queimando. E Paulista é o mesmo que ‘humano’: essa prodigiosa massa de trabalho humano, de esperanças de salvação, de ambições, de fadigas, engenhos e atividades, tudo sacirificado pela estupidez...humana” – escreveu Mário de Andrade em 1932.

Para ajustar os sismógrafos na captação dos tempos de tão longa duração da República brasileira, também comparecem historiadores, como José Murilo de Carvalho, Bóris Fausto, Marieta de Moraes Ferreira – entre outros. Ao analisar o período ditatorial inaugurado em 1964, Carlos Fico mostra-nos o quanto o governo militar orgulhava-se de sua própria propaganda política (rotulada pelo eufemismo “relações públicas) embora sempre tentasse negar, descaradamente, a censura à imprensa. (Descaradamente, já que entre tantos exemplos, o Estado ficou sob censura entre 1968 e 1975). Numa simples consulta à lista das 80 proibições determinadas pela censura em 1971 e 1972, o historiador constata que 39 diziam respeito a confrontos entre a repressão e militantes de esquerda. Desta maneira, conclui Fico, “além de evitar a divulgação de críticas ao regime, a censura política foi amplamente utilizada para ocultar a violência."

Em tempos nos quais a informação histórica, replicada em inúmeras redes sociais, chega impregnada de visões apaixonadas, erráticas, quando não completamente irracionais -, a coletânea é um saboroso coquetel de equilíbrio e sobriedade, imprescindível para conhecer a história da república e entender muitos dos desafios presentes. Assim, numa época na qual as disciplinas de humanidades sofrem ataques, a própria coletânea torna-se ela mesma uma contribuição para aquela busca contida no título. Ela reitera que a História não fornece lições, mas sim, perspectivas. Lições estão mais próximas de profecias, aquelas que superam o horizonte da experiência calculável e passam ao largo da história. Já as perspectivas geram prognósticos, aqueles que avançam do presente para o futuro, apoiam-se no diagnóstico racional do passado e nas suas infinitas possibilidades.

*Elias Thomé Saliba é historiador, professor titular da USP e autor, entre outros livros, de As Utopias Românticas.





BALANCÊ
Gal Costa
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Quando por mim você passa
Fingindo que não me vê
Meu coração quase se despedaça
No balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Você foi minha cartilha
Você foi meu ABC
E por isso eu sou a maior maravilha
No balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Eu levo a vida pensando
Pensando só em você
E o tempo passa e eu vou me acabando
No balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Quero dançar com você
Entra na roda, morena, pra ver
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Ô balancê, balancê
Source: LyricFind
Compositores: Carlos Alberto Ferreira Braga / Alberto Ribeiro Da Vinha
Letra de BALANCÊ © Ubc



Balancê
Gal Costa
Gal Tropical




Ô balancê balancê
Quero dançar com você
Entra na roda morena pra ver
Ô balancê balancê


Quando por mim você passa
Fingindo que não me vê
Meu coração quase se despedaça
No balancê balancê

Refrão

Você foi minha cartilha
Você foi meu abc
E por isso eu sou a maior maravilha
No balancê balancê

Refrão

Eu levo a vida pensando
Pensando só em você
E o tempo passa e eu vou me acabando
No balancê balancê




Referências

http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/alcantara3.pdf
https://abrilveja.files.wordpress.com/2019/06/mundo-macron-bolsonaro-02012012-001.jpg?quality=70&strip=info&resize=680,453
https://veja.abril.com.br/mundo/no-g20-bolsonaro-convida-macron-para-visitar-amazonia/
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/06/livro-faz-balanco-dos-130-anos-da.html?m=1
https://youtu.be/hs-I80jmjSE
https://www.vagalume.com.br/gal-costa/balance.html

sábado, 29 de junho de 2019

A 010 ERA DELA


CLASSE: MÉDICO I - ANESTESIOLOGIA – VAGAS: 11
001 - AMANDA PALHA DE SOUZA
002 - VICTOR MATHEUS CONDÉ DE OLIVEIRA
003 - BRYNNER MOTA BUÇARD
004 - DANIEL MATTOS RENHE
005 - EVANDRO DE FREITAS CAMPOS COSTA
006 - ROBERTO RIGUETI CARLI
007 - JAQUELINE APARECIDA DA SILVA
008 - CHIRLAINE DE OLIVEIRA PEDROSA
009 - DENISE FERNANDES VIEIRA
010 - LUISA ALMEIDA RODRIGUES SILVA
011 - NATHÁLIA GOLHATH KNOPP ALVES


A 001 TINHA O DE SOUZA DA VELHA BIZA LUÍZA E PADRINHO LEO

O 002 TRAZIA O VICTOR DO VELHO BIZA RODRIGUES DA SILVA

O 004 O RENHE DO SAUDOSO EX-SINDICALISTA TECELÃO E VEREADOR   JAIR

A 007 APARECIDA DA SILVA DA VÓ CIDA E MÃE APARECIDA

A 009 A DENISE PRIMA E NETA DA VÓ APARECIDA

MAS A 10 ERA SIMPLESMENTE LUÍSA ALMEIDA RODRIGUES SILVA


PARABÉNS ÀS 11!

VITÓRIA LUÍSA!

OBRIGADO POR MAIS ESTA CONQUISTA!


PREFEITURA DE JUIZ DE FORA
DIÁRIO OFICIAL ELETRÔNICO DO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA
ATOS DO GOVERNO DO PODER EXECUTIVO

Publicado em: 29/06/2019 as 00:01
PORTARIA N.º 10.516 – Autoriza a nomeação de pessoal aprovado em Concurso Público.
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REFERÊNCIA

https://www.pjf.mg.gov.br/e_atos/e_atos_vis.php?id=69484&__sw_csrfToken=4vPtKvgWGUIN4BVKOc4KqBBoeyy1yxWq



O REVOLTADO ROBESPIERRE & Feminicídio na intimidade




Laranja-da-China



“São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)



O REVOLTADO ROBESPIERRE
Laranja-da-China de Alcântara Machado

— O povo que sue para pagar o luxo dos afilhados do governo! Aproveite, pessoal! Vá mamando no Tesouro enquanto o povo não se levanta e manda vocês todos... Nada! Mas isto um dia acaba.


O REVOLTADO ROBESPIERRE

(Senhor Natanael Robespierre dos Anjos)
Todos os dias úteis às dez e meia toma o bonde no Largo de Santa Cecília encrencando com o motorneiro.

— Quando a gente levanta o guarda-chuva é para você parar essa joça! Ouviu, sua besta?

Gosta de todos aqueles olhares fixos nele. Tira o chapéu. Passa a mão pela cabeleira leonina. Enche as bochechas e dá um sopro comprido. Paga a passagem com dez mil-réis. Exige o troco imediatamente.

— Não quero saber de conversa, seu galego. Passe já o troco. E dinheiro limpo, entendeu? Bom.

Retém o condutor com um gesto e verifica sossegadamente o troco.

— O quê? Retrato de Artur Bernardes? Deus me livre e guarde! Arranje outra nota.

Levanta-se para dar um jeito na cinta, chupa o cigarro (Sudan Ovais por causa dos cheques), examina todos os bancos, vira-que-vira, começa:

— Isto até parece serviço do governo! Pausa. Sacudidela na cabeleira leonina. Conclui:
— O que vale é que os homens um dia voltam...

Primeiro sorriso aparentemente sibilino. Passeio da mão direita na barba escanhoada. Será espinha? Tira o espelhinho do bolso. É espinha sim. Porcaria. Segundo sorriso mais ou menos sibilino. Cara de nojo.

Não sei que raio de cheiro tem este Largo do Arouche, safa!
Vira a aliança no seu-vizinho. Essa operação deixa-o meditabundo por uns instantes. Finca o olhar de sobrancelhas unidas no cavalheiro da esquerda. Esperando. O cavalheiro afinal percebe a insistência. É agora:

— Perdão. O senhor leu a última tabela do Matadouro? Viu o preço da carne de leitão, por exemplo? Cinco ou seis ou não sei quantos mil-réis o quilo!

Não espera resposta. Não precisa de resposta Berra no ouvido do velho da direita:

— É como estou lhe contando: o quilo!

Quase despenca do bonde para ver uma costureirinha na Rua do Arouche. As pernas magras encolhem-se assustadas.

— O cavalheiro queira ter a bondade de me desculpar. São os malditos solavancos desta geringonça. Um dia cai aos pedaços.

Dá um tabefe no queixo, mas cadê mosca? Tira um palito do bolso, raspa o primeiro molar superior direito (se duvidarem muito é fibra de manga), olha a ponta do palito, chupa o dente com a ponta da língua (tó! tó!), um a um percorre os anúncios do bonde. Ritmando a leitura com a cabeça. Aplicadamente. Raio de italiano para falar alto. Falta de educação é cousa que a gente percebe logo. Não tem que ver. O do ODOL já leu. Estava começando o da CASA VENCEDORA. Isto de preço de custo só engana os trouxas.

— Oh estupidez! O senhor já reparou naquele anúncio ali? Bem em cima da mulher de chapéu verde. CONSERTA-SE MÁQUINAS DE ESCREVER. conserta-se máquinassss! Fan-tás-tico! Eu não pretendo por duzentos réis condução e ainda por cima trechos seletos de Camilo ou outro qualquer autor de peso, é verdade... Mas enfim...

É preciso um fecho erudito e interessante ao mesmo tempo.

— Mas enfim...

A mão procura inutilmente no ar dando voltinhas.

— Mas enfim... Seu Serafim...

Fica nisso mesmo. Acerta o cebolão com o relógio do Largo do Municipal. Esfrega as mãos. O guarda-chuva cai. Ergue-o sem jeito. Enfia a cartolinha lutando com as melenas. Previne os vizinhos:

— Este viaduto é uma fábrica de constipações. De constipações só? De pneumonias mesmo. Duplas!

Silêncio. Mas eloqüente. Palito de fósforo é bom para limpar o ouvido. Descobre-se diante da Igreja de Santo Antônio.

— Não está vendo, seu animal, que a mulher; não se sentou ainda? Aprenda a tratar melhor os passageiros! Tenha educação!

Cumprimenta rasgadamente o Doutor Indalécio Pilho, subinspetor das bombas de gasolina, que passa no seu Marmon oficial e não o vê. Depois anota apressadamente o número do automóvel no verso de uma cautela do Monte de Socorro do Estado.

— O povo que sue para pagar o luxo dos afilhados do governo! Aproveite, pessoal! Vá mamando no Tesouro enquanto o povo não se levanta e manda vocês todos... Nada! Mas isto um dia acaba.

Terceiro sorriso nada sibilino. Passa para a ponta. Confirma para os escritórios da I.R.F. Matarazzo:

— Ora se acaba!

Outro cigarro. Apalpa todos os bolsos. Acende-o no do vizinho. E dá de limpar as unhas com o canivete de madrepérola. Na esquina da Rua Anchieta por pouco não arrebenta o cordão da campainha. Estende a destra espalmada para o companheiro de viagem:

— Natanael Robespierre dos Anjos, um seu criado. Desce no Largo do Tesouro. Faz a sua fézinha no CHALET PRESIDENCIAL (centenas invertidas). Atravessa de guarda-chuva feito espingarda o Largo do Palácio.

E todos os dias úteis às onze horas menos cinco minutos entra com o pé direito na Secretaria dos Negócios de Agricultura e Comércio onde há vinte e dois anos ajuda a administrar o Estado (essa nação dentro da nação) com as suas luzes de terceiro escriturário por concurso não falando na carta de um republicano histórico.




*José de Souza Martins: Feminicídio na intimidade


Dois casamentos costurados pela violência, sem causa aparente.


- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Entre 2012 e 2017, a taxa de homicídio na residência, por 100 mil mulheres, aumentou 17,5%. A família abrigou a violência

Sou de uma família em que minha mãe, viúva e casada pela segunda vez, em várias ocasiões sofreu tentativa de assassinato por parte de meu padrasto, sem motivo, repentinamente. Ela se tornaria evangélica, e isso deve ter aprofundado o abismo entre os dois. Ele tentou ser evangélico e desistiu. Católico nominal, foi duas vezes à igreja, no batismo e no casamento. Da vida regular e ordenada da roça, onde nascera e crescera, migrara para as incertezas da cidade e da fábrica, que nunca compreendeu.

Em mais de uma ocasião tentou matar os enteados também. A última tentativa foi contra mim. Eu já era adulto, aluno da Universidade de São Paulo. Foi quando, então, saí de casa e fui cuidar de minha vida. Por essa época, minha mãe teve o bom senso de se separar do marido. Ele acabou voltando para a roça e, com o tempo, foi morar com outra mulher, que, anos depois, o mataria a pauladas. Dois casamentos costurados pela violência, sem causa aparente.

Era uma boa pessoa. Trabalhador, não bebia, não fumava, que esse era o estereótipo das pessoas honradas. Analfabeto, caipira de quatro costados, com fortes traços mamelucos. Tampouco se adaptou à fábrica. Na cultura caipira, era um erudito. Tudo que sei sobre esse assunto, e sei relativamente muito, aprendi com ele, num período em que a família viveu na roça, quando eu estava na escola primária.

A experiência negativa em casa deu-me a experiência da observação participante, como se diz nas ciências sociais. Vivi e conheci o invisível das problemáticas relações de família numa sociedade em transição, que separa e confronta em vez de unir, a sociedade do descompasso e da ira.

Enquanto pesquisador e estudioso dos temas sociais, sinto uma grande angústia quando me deparo com estatísticas sobre violência contra mulheres. Seus dados documentam um fato, mas não revelam o essencial, os mecanismos sutis e imperceptíveis no cotidiano. Os que corroem os relacionamentos e disseminam a violência entre os que violentos não são ou não deveriam ser.

Sugerem, mas não dizem que a família não é necessariamente essa bela instituição que as igrejas hipocritamente proclamam. Boa parte da violência letal ocorre dentro de casa. No estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Ipea, a alta proporção de homicídios de mulheres ocorre em família. Entre 2012 e 2017, a taxa de homicídios na residência, por 100 mil mulheres, aumentou 17,5%, enquanto a taxa fora da residência diminuiu 3,3%. A família abrigou a violência.

A modernização rápida sem atenuante de adaptação desestruturou-a, tornou-a uma instituição precária, na maior parte das vezes mero arrimo. A mulher, mas os filhos também, é a grande vítima e o será quanto mais a família se tornar resíduo das mudanças econômicas. Especialmente se levarmos em conta a conhecida função social das avós no amparo e cuidado de filhos dos filhos vitimados pela violência, pelo desemprego e pela pobreza.

A desorganização social da família, em decorrência de fatores econômicos, não entra no raciocínio dos que dizem cuidar da saúde da economia brasileira. Política econômica sem política de amparo contra suas consequências sociais destrutivas é política de promoção de dramas sociais.

As anunciadas mudanças na Previdência Social agravarão o problema. São mudanças para países ricos, e não para países como o nosso, alcançado por extenso e grave estado de anomia. Elas destruirão a concepção e a função de que a Previdência Social é um bem de família. Isso não está na lei, nunca esteve. Mas está na vida.

Nos últimos 30 anos a precaríssima Previdência Social rural dos velhos amparou pais, filhos e netos vitimados pela marginalização social decorrente do desemprego na roça, fruto, em boa parte, de transformações tecnológicas nos setores agrícolas mais representativos da agroeconomia brasileira. Tecnologias desenvolvidas e implantadas com financiamento público favorecido. O Estado conspirando contra a sociedade: promoveu e apoiou a mudança tecnológica, mas não previu suas consequências sociais. Os velhos, que serão injustamente punidos com as mudanças previdenciárias de agora, têm sido o sofrido instituto de previdência informal dos desvalidos que trabalharam a vida inteira por muito menos do que valia a imensa riqueza que criaram.

O discurso previdenciário oficial torna completamente hipócrita o discurso moralista e religioso do Ministério da Família, do da Educação, e do próprio presidente da República. Ainda que ele tenha se confessado "terrivelmente cristão", a 4 mil pastores pentecostais, ninguém o é quando, com o poder que tem, não considera as consequências sociais do que faz e separa o "terrivelmente" do "cristão".

*José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de ‘Moleque de Fábrica’ (Ateliê Editorial).







No conto que abre o volume, O revoltado Robespierre, a precipitação da primeira frase anuncia a personalidade intensa do protagonista. A ironia do título, iremos descobrindo-a pouco a pouco. Agressivo, irrequieto, com seu “sorriso sibilino”, parágrafo a parágrafo gestos e pensamentos se sobrepõem, disparatados, na mente do Senhor Natanael Robespierre. Crítico radical, resta-lhe às vezes, em sua febre de falar, apenas a linguagem fática. Apesar do exaltamento, mostra-se, no entanto, dissimulado e servil diante de um superior. No fim, o narrador conclui a superposição de sentidos: título da narrativa, nome da personagem e psicologia se fundem nesse soldado da República, escriturário cuja espingarda é um guarda-chuva — e cujo ardor vale meia pataca.
Por RODRIGO GURGEL
Ensaios e Resenhas





Em Laranja da China apresenta uma série de figuras humanas com designativos alusivos a grandes personalidades da história (“O Filósofo Platão”, “O Revoltado Robespierre”), mas que não passam de gente comum, do cotidiano (Senhor Platão Soares, Senhor Natanael Robespierre dos Anjos). Nessa obra mostra-se um mestre da técnica do “tempo retardado”, que é uma espécie de “câmera lenta” da literatura, em que o autor detém a passagem do tempo e descreve os mínimos detalhes.


‘O rei devia morrer para que o país pudesse viver’: a Revolução Francesa segundo Robespierre. Por Camila Nogueira
Publicado por
Camila Nogueira
9 de julho de 2015



“Sem a virtude, o terror é fatal; sem o terror, a virtude é impotente.
                                                                                                      




Referências

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http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/
http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/alcantara3.pdf
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/06/jose-de-souza-martins-feminicidio-na.html
http://rascunho.com.br/lacuna-prejudicial/
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https://www.diariodocentrodomundo.com.br/wp-content/uploads/2012/11/Robespierre.jpg
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