segunda-feira, 23 de setembro de 2024

"SENTIMENTO DO MUNDO"

O Brasil segue... Não sei para onde. ---------- -------------- DAS VANTAGENS DE SER BOBO - Clarice Lispector Odilon Esteves ---------- 'Não serei o poeta de um mundo caduco': o verso de Drummond que inspirou 'alerta' de Cármen Lúcia Lançado em 1940, o poema faz referência ao momento político no mundo e reforça o compromisso do autor com a realidade. Por Emily Santos, g1 29/02/2024 13h22 Atualizado há 6 meses -------------
------------- Poeta Carlos Drummond de Andrade — Foto: Reprodução/ EPTV ----------- Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. É assim que começa o poema ‘Mãos dadas’, de Carlos Drummond de Andrade, que foi citado pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na quarta-feira (28). Durante entrevista exclusiva para o Conexão GloboNews e publicada Blog da Daniela Lima, a ministra faz uma adaptação dos versos ao alertar sobre o motivo de ter buscado a aprovação de regras contra uso de inteligência artificial nas eleições. "Estamos trabalhando no mundo de hoje. Então, o que posso lhe dizer, à maneira de [Carlos] Drummond, que disse: 'Não serei o poeta de um mundo caduco', é que também eu não serei juíza de um mundo caduco". A versão original do poema foi publicada em 1940, como parte do livro "Sentimento do mundo". Mas, para Saulo Gomes Thimoteo, professor de Literaturas de Língua Portuguesa do campus Realeza (PR) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a obra de Drummond permanece atual. Segundo o professor, a obra do poeta é marcada por conflitos, seja dele consigo mesmo ou dele com o mundo. Neste caso, não é diferente, já que ele renega expectativas que possam ter sobre ele e se reafirma como um expectador da realidade. Isso, segundo Thimoteo, é uma resposta direta ao momento político que o mundo vivia, diante do início da Segunda Guerra Mundial. Era esperado que poetas escrevessem sobre mulheres, sobre amores ou paisagens, mas Drummond se nega a fazer isso. Ele deixa claro que sua matéria é o presente – presente esse que vê os regimes autoritários em ascensão, prestes a se consolidar –, e diz que não vai fugir ou ficar alheio a isso. — Saulo Gomes Thimoteo, professor da UFFS. Para José Wellington Dias Soares, coordenador do curso de Letras da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (Feclesc) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), o livro de 1940 marca o início da segunda fase do trabalho de Drummond, "muito mais preocupada com as questões sociais." Em seu artigo “O particular e o universal na poética de Carlos Drummond de Andrade”, Soares considera que é a partir dessa obra que o poeta passa a refletir sobre o “destino do homem em face do mundo” e a questionar a existência humana. Reflexão essa que ele quer manter no presente, já que se nega a ficar no passado (“mundo caduco”) ou idealizar o futuro (“mundo futuro”). E é no presente que ele percebe os companheiros introspectivos, “taciturnos”, mas esperançosos, e declara: “vamos de mãos dadas”. O poema é curto, possui apenas duas estrofes, mas Saulo Thimoteo acredita que é do tamanho perfeito para Drummond deixar sua mensagem. “Ele diz que não vai ser o que não é e não vai escrever sobre algo que não seja o presente, e ainda entende a importância do coletivo para aquele momento. E conclui o poema com a metáfora de que aquilo é o verdadeiro presente", conclui o professor. Abaixo, leia o poema: Mãos dadas (Carlos Drummond de Andrade) Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente. _________________________________________________________________________________________________________ ----------
----------- segunda-feira, 23 de setembro de 2024 Fernando Gabeira - Cadeirada, explosão de pagers e muita fumaça O Globo Os brasileiros precisam obter licença para comprar caixa de fósforo. Eles as transformam facilmente em armas de fogo O avião decolou à noite, em Brasília, e, ao ganhar altura, seus motores produziram um som regular e monótono. “Dez mil pés”, diz o piloto ao microfone. Encostei a cabeça na cadeira e me preparei para entrar naquele longo túnel escuro, sabendo que, no fim dele, encontraria os refugiados venezuelanos e os maltratados ianomâmis, que, nas aulas de antropologia, são vistos como povo cheio de orgulho. Esperava uma nova onda migratória depois que a oposição ganhou, mas não levou, a eleição na Venezuela. Vejo famílias caminhando pela BR-174, em busca de água para banho. É a nova leva, pós-eleitoral, que chega aos milhares a uma Roraima exausta. Minha ideia era me concentrar só nisso. Faria também uma curta viagem a Lethem, na Guiana, e me atualizaria sobre os ianomâmis. Um cego vendendo balas nas filas enormes, crianças brincando de fazer casa com pedaços de papelão, velhos sonhando com o asilo para trazer suas mulheres doentes e conseguir salvá-las no Brasil, um arquiteto chorando de emoção diante da chance de recomeçar. É o quadro em Pacaraima. Essas multidões em trânsito — tangidas pelas guerras, ditaduras e desastres naturais — são a humanidade em movimento e o tema recorrente da política na Europa e nos Estados Unidos. O mundo nem sempre reconhece seu drama, envolto no espetáculo cotidiano. O Brasil não percebe tanta gente batendo à porta, porque a discussão central é a cadeirada de Datena em Pablo Marçal. Lado político, ético, jurídico e até fisiológico, a imagem da cadeira quebrando no peito de Marçal eletriza o país. Fora, a trama tecnológica da espionagem intriga o mundo. Explodem os pagers do Hezbollah, os walkie-talkies, não se sabe o que pode explodir mais no Líbano, terra dos meus antepassados. Talvez liquidificadores, micro-ondas, aparelhos de audição, máquinas de lavar, marca-passos, próteses de titânio, todo artefato sólido se desfaça em mil fragmentos. A discussão sobre a cadeirada iria mais longe se a fumaça dos incêndios nos desse mais fôlego, se não tivéssemos de cuidar dos pulmões ameaçados em grande parte do país. Deveríamos ter levado a sério os conselhos de Tom Jobim. Os brasileiros precisam obter licença para comprar caixa de fósforo. Eles as transformam facilmente em armas de fogo, incendiando matas e lavouras. É preciso cavar espaço para falarmos de uma ditadura que mata, tortura, comete violência sexual e faz fronteira com o Brasil. Não estou me baseando apenas em relatos de gente que foge da Venezuela. A violência do governo Maduro foi tema de um relatório da ONU que, a julgar pela descrição dos seus crimes, põe a Venezuela entre as ditaduras mais cruéis do planeta. E, se pudermos nos sentar na cadeira, seria interessante falar sobre eleições, sobretudo na grande metrópole. É arrogância dar sugestões, posso apenas perguntar. Num lugar tão poluído e com tantas doenças respiratórias, não seria razoável um projeto para reduzir esses males? Numa cidade com tanto asfalto e cimento, não seria interessante construir, por meio das plantas, esponjas para absorver as águas, como já fazem os chineses? Com tantas ilhas de calor, não seria interessante um projeto para atenuar a vida nesses espaços? O planeta só esquenta. O calor aqui em Roraima é muito forte. Os incêndios vieram e se foram mais cedo. Quando começa a noite, chove intensamente, a tempestade quebra o vidro dos hospitais, corta a luz, ouvimos apenas o barulho da água caindo e vemos relâmpagos, tudo no escuro, o que nos dá uma sensação de tempos ancestrais e um desejo de recomeço do mundo, sobretudo daqui para baixo, no lugar que um dia se chamou Vera Cruz, Santa Cruz — vocês sabem do que estou falando. ------------ ----------- MÃOS DADAS - Carlos Drummond de Andrade Odilon Esteves (este poema faz parte do livro "Sentimento do mundo", publicado em 1940, originalmente pela editora Pongetti.) ---------- Há seca em grande parte da Amazônia, os incêndios aqui produzem mais emissões de CO2 que a Noruega. E aqui estava a esperança do mundo, que, por sinal, emudeceu diante de sua tragédia." ----------- Se Fernando Gabeira e Carlos Drummond de Andrade compartilham a alma mineira e o “sentimento do mundo”, o texto de Gabeira poderia se transformar em algo mais contemplativo e lírico, na voz de Drummond. O tom jornalístico daria espaço a uma reflexão poética mais introspectiva, carregada de uma melancolia contida e de uma visão crítica do mundo, sempre temperada pelo peso da história e das experiências humanas. -----------
------------- Segunda-feira, 23 de setembro de 2024 Carlos Drummond de Andrade – O golpe da cadeira e a fumaça que nos sufoca Brasileiros... Somos uma gente que, para tocar fogo, talvez precisássemos de uma licença. Mas não. O fósforo dorme quieto no bolso e, ao menor estalo, vira chama. Chama que arde nos pulmões da mata e da cidade. Nos sonhos de quem foge, nas lágrimas de quem fica. A noite caiu em Brasília, e o avião subiu aos céus como um ritual. O piloto anuncia, “dez mil pés”. Fecho os olhos e sinto-me deslizando nesse túnel sem fim. A cada metro de altitude, um pensamento. Lá embaixo, na terra, os homens caminham em busca de água, de abrigo. São venezuelanos, são ianomâmis, são rostos anônimos que caminham sem serem notados por um país que se esquece de sentir. Ah, Pacaraima... ali o tempo não corre, escorre. Esgueira-se entre a poeira da estrada e os restos de papelão que viram brinquedo nas mãos de uma criança. O arquiteto chora, mas não por um prédio derrubado. Seu pranto é pelo edifício de sua vida, que tenta reerguer num chão estrangeiro. Há uma angústia familiar na fuga. Gente que, como eu, carregou pedras nas costas por outros motivos, mas sempre no mesmo fardo pesado da humanidade. Mas o Brasil, distraído, eletriza-se por outra briga. Uma cadeira que quebra no peito de um candidato, e o país todo prende a respiração como se fosse ali, naquele ato, que repousasse o destino de nossa história. Enquanto isso, o fogo lambe as florestas, a fumaça enrola-se nas casas e nossos pulmões imploram por ar. Os olhos de Tom Jobim, talvez, enxergassem o absurdo: precisamos de licença, sim, para comprar fósforos. Porque aqui o menor estalo vira incêndio. A mata grita, e a cidade silencia. No Líbano, explodem pagers. E eu, que trago no sangue a terra dos meus avós, fico a pensar: que mais vai explodir nesse mundo sem aviso? Micro-ondas, marca-passos, próteses? Explosões que não são de pólvora, mas de vida fragmentada. Porque é isso que somos: pedaços de uma história esparramada pelo tempo, entre bombas e cadeiras quebradas. E o calor, esse calor que não nos deixa respirar. Roraima, no escuro, é um cenário de fim do mundo. A tempestade, no seu furor, quebra vidros, arranca a luz. E nós, sentados no escuro, ouvimos a água cair. Talvez seja assim que o mundo se reinicia, no silêncio entre um trovão e outro. Quem sabe, daqui, debaixo desse céu sem estrelas, nasça alguma coisa nova. Uma vez nos chamaram Vera Cruz, Santa Cruz... mas agora, será que há cruz que baste para carregar nosso fardo? E enquanto queimamos, a Amazônia chora. Uma seca devora suas veias, e a fumaça que dela escapa atravessa o céu como uma prece sufocada. Lá se foi nossa esperança, perdida na correria do mundo que, ocupado demais, nem percebeu que a mata, aquela que um dia carregava a promessa de salvação, agora arde em silêncio. Fico a pensar se, nesse caos de gente que corre, que foge, que luta por espaço, se há ainda tempo para pensar. Para replantar o mundo. Para fazer das cidades esponjas que sorvem a água, como fazem os chineses, e devolver algum frescor ao planeta. Mas quem ouve? Quem, nesse tumulto de cadeiras e fumaça, ainda sente? O Brasil segue... Não sei para onde.
------------- MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand Google Arts & Culture ---------- A Alemanha segue... Não sei para onde. Com seu problema migratório e a ascensão de partidos de extrema-direita, o mundo treme só de imaginar os artefatos que, um dia, espalharam fogo e terror, frutos do engenho e da técnica que aquele povo dominou tão bem. ----------
----------- Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil também viveu a incerteza entre alinhar-se ao Eixo ou ceder ao chamado do Estado de Direito civilizatório. O país oscilava entre o flerte com regimes autoritários e o compromisso com as democracias. Já disseram que, quando a tragédia se repete, da primeira vez é tragédia, e da segunda, uma farsa — e no nosso caso, uma farsa tortuosa. Um eco distorcido da história, onde as escolhas difíceis se apresentam, mas com máscaras diferentes e consequências igualmente sombrias. --------------
------------- Opinion | Israel's Pager Bombs Have No Place in a Just War - The New York Times ----------- Israel’s Pager Bombs Have No Place in a Just War Michael Walzer ⋮ ⋮ 21/09/2024 The exploding pagers and walkie-talkies targeting members of Hezbollah in Lebanon were certainly an espionage and technological coup. Few people on the spot or reading about them from far away could fail to be amazed. But the explosions on Tuesday and Wednesday were also very likely war crimes — terrorist attacks by a state that has consistently condemned terrorist attacks on its own citizens. Yes, the devices most probably were being used by Hezbollah operatives for military purposes. This might make them a legitimate target in the continuous cross-border battles between Israel and Hezbollah. But the attacks, which killed at least 37 people and wounded thousands of others, came when the operatives were not operating; they had not been mobilized and they were not militarily engaged. Rather, they were at home with their families, sitting in cafes, shopping in food markets — among civilians who were randomly killed and injured. Israel has neither confirmed nor denied responsibility for the attacks but is widely believed to be behind them. If those allegations are true, it is important for friends of Israel to say: This was not right. The theory of just war depends heavily on the distinction between combatants and civilians. In contemporary warfare, these two groups are often mixed together in the same spaces — often, indeed, deliberately mixed together, because the killing of civilians invites moral condemnation. The war that Hamas designed in Gaza is a grim illustration of the strategy of putting civilians at risk for political gain. Still, a military responding to this strategy has to do everything it can to avoid or minimize civilian casualties. Israel claims to be doing that in Gaza, although serious criticism of its conduct there has appeared in media around the world, not to mention a case brought against Israeli and Hamas officials alike at the International Criminal Court alleging war crimes and crimes against humanity. No similar claim of minimizing risk to civilians can be made for the decision to explode the devices. They were not distributed by Hezbollah in order to put its people at risk. This was not a plot to force Israel to kill or injure civilians. The plot was Israel’s, and the plotters had to know that at least some of the people hurt would be innocent men, women and children. Israel’s recent assassinations of Hamas and Hezbollah leaders requires a more complicated, but still critical, political and moral response. These were men actively supporting terrorist attacks on Israel, who certainly knew themselves to be targets — I would say legitimate targets — of assassins who could be operating from close up or far away. But when a government authorizes the killing of men it is directly or indirectly negotiating with, such as the Hamas leader Ismail Haniyeh in July, we have to conclude that the government isn’t committed to the negotiations’ success. That is politically and morally wrong, not only from the standpoint of the large number of Israeli citizens (including my friends in Israel) who are strongly, 2/2 even desperately, committed to ending the war and bringing the hostages home, but also from the standpoint of all the victims of the Gaza war.
----------- Guerra e Paz são dois painéis de, aproximadamente, 14 x 10 m cada um produzidos pelo pintor brasileiro Candido Portinari, entre 1952 e 1956. Wikipédia Autor: Candido Portinari Localização: Assembleia Geral das Nações Unidas ------------ Obra do pintor brasileiro Candido Portinari foi inaugurada em 1957 na sede da ONU em Nova Iorque; Nações Unidas ressaltaram obra monumental mais importante doada à organização. ------------ Se o texto de Michael Walzer fosse reescrito por Leon Tolstói, o tom seria mais meditativo, quase filosófico, imbuído de um profundo questionamento moral e existencial. Tolstói, com sua alma russa, ampliaria o foco para refletir sobre a condição humana, o sofrimento causado pela guerra e a incapacidade de qualquer justificativa política ou militar redimir a violência cometida. ------------
----------- Israel e Suas Bombas-Pager Não Têm Lugar em Uma Guerra Justa Leon Tolstói – 21/09/2024 ------------ A explosão dos pagers e walkie-talkies no Líbano, ceifando vidas de membros do Hezbollah e de muitos civis, marca mais um capítulo sombrio na história da humanidade. E aqui estou, na vastidão da estepe espiritual da guerra, refletindo sobre o absurdo desta tragédia. A tecnologia, que poderia ser uma expressão do gênio humano, transforma-se em arma, espalhando morte entre os homens. Mas o que resta quando o engenho, dominado por vaidades e ódios, destrói o próprio espírito da vida? Sim, há quem se maravilhe com o engenho técnico, o estratagema de explodir esses aparelhos nas mãos de operativos do Hezbollah, escondidos entre suas famílias. Mas que utilidade tem a admiração diante de um ato que toma o sangue dos inocentes? Esses homens, alvos da fúria de Israel, não estavam em combate. Sentados entre seus entes queridos, em casas, em mercados, ou mesmo em cafés, foram destruídos por uma força invisível, impiedosa, que não fez distinção entre o culpado e o inocente. E aqui, a culpa não se divide. Israel, o Estado que sempre se ergueu contra o terror, agora recorre ao mesmo expediente que tanto condena. Nada em uma guerra justifica a transformação de lares em campos de batalha. A teoria de uma guerra justa exige que combatentes e civis sejam claramente diferenciados. No entanto, em nossa época, os dois se misturam, tornando o julgamento moral cada vez mais difícil e obscurecendo o que resta de justiça no campo de batalha. No entanto, até mesmo na escuridão, é possível ver: o sofrimento de inocentes é uma marca que não pode ser ignorada. Mas, por mais que as forças de Israel tentem justificar suas ações, não há como escapar da verdade amarga. Essas explosões não aconteceram no calor do combate, não foram provocadas por uma emboscada de homens em armas. Não. Elas foram planejadas, deliberadas, contra pessoas desarmadas, contra homens, mulheres e crianças que nada sabiam dos atos de guerra ao seu redor, e suas vidas foram arrancadas sem aviso. Na guerra, sempre há o pretexto da necessidade. Vejo isso há tanto tempo. Os homens que apoiam o terror, que justificam as mortes e os massacres, também estão marcados pela sombra da guerra. Mas quando um Estado, que se afirma superior moralmente, toma a vida de civis com o mesmo descuido que seus inimigos, estamos diante de algo ainda mais profundo, um abismo de dor e corrupção espiritual. Lembro-me dos líderes que caíram recentemente nas mãos de Israel, mortos em suas casas, em seus esconderijos, enquanto negociavam nas sombras. Eram homens que, sem dúvida, apoiavam ataques terroristas contra Israel, mas sabiam que suas vidas estavam sob ameaça. No entanto, quando um governo decide matar aqueles com quem se negocia, como ocorreu com Ismail Haniyeh em julho, é evidente que este governo já não está comprometido com o sucesso das negociações. Isso é um erro, tanto político quanto moral, para Israel e para o mundo. Em nome de quem essas mortes foram autorizadas? Das vítimas de Gaza, dos soldados israelenses, ou dos civis em suas casas? Não. Foram autorizadas pelo espírito da guerra, que se alimenta da tragédia e do sofrimento humano. As consequências são claras: mais guerra, mais dor, mais mortes. Se o mundo continua a caminhar nesse caminho, pergunto-me o que restará de nós, da nossa humanidade, quando a última bomba explodir e o último homem cair. -------------
-------------- Social-democratas freiam ultradireita alemã em Brandemburgo – DW – 22/09/2024 --------------- PolíticaAlemanha Social-democratas freiam ultradireita alemã em Brandemburgo Jean-Philip Struck 22/09/202422 de setembro de 2024 Partido Social-Democrata do chanceler Scholz fica levemente à frente dos ultradireitistas da AfD em eleição estadual no Leste alemão. Ainda assim, partidos populistas abocanharam mais de 40% do eleitorado local. https://p.dw.com/p/4kwxr Dietmar Woidke O governador de Brandemburgo, o social-democrata Dietmar Woidke (centro), após o anúncio das primeiras projeçõesFoto: Fabrizio Bensch/REUTERS Anúncio Castigado por uma onda de maus resultados eleitorais, o Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha, a sigla do chanceler federal Olaf Scholz, obteve algum alívio neste domingo (22/09) ao terminar na liderança na eleição estadual de Brandemburgo, no Leste alemão. Numa reviravolta eleitoral, o SPD ficou na primeira posição na disputa, com 30,9% dos votos, levemente à frente da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que terminou com 29,2%. Com a contagem finalizada, o SPD não apenas se mostrou capaz de barrar uma vitória da ultradireita – que permaneceu à frente nas pesquisas durante toda a campanha –, mas também garantiu a manutenção da sua liderança em Brandemburgo, estado que é um bastião do partido há mais de três décadas. Nos últimos dias, o SPD conseguiu reverter sua desvantagem em relação à AfD graças a uma campanha personalista que focou no atual governador, o social-democrata Dietmar Woidke, cuja aprovação entre os eleitores contrasta com a impopularidade nacional da administração do chanceler Scholz. Em relação ao último pleito, em 2019, o SPD até mesmo conseguiu crescer 4,7 pontos percentuais. A eleição era vista como um termômetro para a situação do SPD como um todo. Uma potencial derrota provavelmente seria colocada na conta do impopular chanceler federal – reprovado por 67% dos alemães – e teria adicionado ainda mais pressão sobre a fragilizada tríplice coalizão do governo federal, formada pelo SPD, Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão). Vários membros do SPD não escondiam que pretendiam usar um potencial mau resultado em Brandemburgo e uma vitória da AfD para fortalecer a ideia de que os social-democratas precisam adotar um caminho "Kamala no lugar de Biden" nas eleições federais de 2025 e substituir Scholz por outra figura. Ainda assim, a vitória deve ser creditada ao popular governador Woidke, que ao longo da campanha evitou exibir o apoio de Scholz, apesar de o atual chanceler ter sua residência e seja deputado pelo distrito de Potsdam, que fica em Brandemburgo. Dessa forma, o resultado ainda deve reforçar o argumento de que a SPD só se mostra competitivo quando se afasta do impopular governo federal. "O partido da chanceler venceu, o chanceler perdeu", sentenciou uma análise da revista Der Spiegel. Após a divulgação das primeiras projeções, o secretário-geral do SPD, Kevin Kühnert, celebrou de maneira cautelosa o resultado em entrevista à emissora ZDF, apontando que os problemas do partido ainda persistem, mas que pelo menos eles não aumentaram. Kühnert, por outro lado, evitou responder sobre se o resultado terá impacto na manutenção de Scholz como candidato ano que vem. As atenções da campanha também estavam voltadas para o desempenho combinado das populistas da AfD e da Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), um partido de esquerda com viés socialmente conservador criado em janeiro e que leva o nome da sua fundadora. No final, as duas siglas somaram 42,7% dos votos, o que deve mudar a paisagem política local. O pleito ocorreu três semanas depois de as duas siglas conseguirem quase 50% dos votos na Turíngia e 42% na vizinha Saxônia, dois estados que, assim como Brandemburgo, também ficam no Leste alemão. Na Turíngia, a AfD conquistou 32,8% dos votos, e o resultado marcou a primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial que um partido de ultradireita terminou um pleito estadual alemão em primeiro lugar. A sigla esperava obter sua segunda vitória justamente em Brandemburgo e usar o resultado para se fortalecer para a eleição federal de 2025. Ainda em Brandemburgo, os primeiros resultados mostraram um declínio significativo dos verdes e do partido oposicionista A Esquerda, sendo que este último foi aparentemente canibalizado pela ascensão da BSW. As duas siglas ficaram abaixo da cláusula de barreira de 5% e arriscam ficar sem bancada local. Já a União Democrata-Cristã (CDU, o partido da ex-chanceler Angela Merkel), também sofreu um declínio, obtendo 12,1% – 3,5 pontos percentuais a menos do que em 2019 e o pior resultado histórico da sigla no estado. O comparecimento eleitoral foi alto. De acordo com as autoridades eleitorais, 72,9% dos eleitores do estado votaram, uma porcentagem significativamente maior do que em 2019, de 61,3%. Eleitoras com roupas típicas em frente à seção eleitoral em BrandemburgoEleitoras com roupas típicas em frente à seção eleitoral em Brandemburgo Eleitoras com roupas típicas em frente à seção eleitoral em BrandemburgoFoto: Frank Hammerschmidt/dpa/picture alliance Raio-X de Brandemburgo Com pouco menos de 2,6 milhões de habitantes, Brandemburgo fica no território que compunha a antiga Alemanha Oriental comunista. Mais de 30 anos após a reunificação do país, essa região ainda apresenta padrões de votação distintos do restante da Alemanha, e nos últimos anos tem sido o principal reduto da ultradireita do país. Apesar de ser uma eleição local, a campanha em Brandemburgo abordou temas nacionais como política de imigração e a continuidade do auxílio alemão à Ucrânia, que são vistos de forma mais crítica por parte da população do Leste, onde há proporcionalmente menos estrangeiros e, segundo pesquisas, uma maior prevalência de opiniões favoráveis à Rússia. Pouco menos de 12% da população de Brandemburgo têm raízes imigrantes, em comparação com a média nacional de quase 30%. Mas Brandemburgo também apresenta diferenças em relação a outros estados do Leste. Embora tenha se deparado com problemas similares a de outros após a reunificação, Brandemburgo não sofreu o mesmo êxodo populacional como outros estados da região. Brandemburgo ainda viu o renascimento de cidades, como a capital estadual, Potsdam, que se tornou um concorrido subúrbio para a classe média berlinense. Nos últimos anos, a economia estadual foi reforçada com a abertura do Aeroporto de Berlim-Brandemburgo e a inauguração de uma fábrica da Tesla, que rapidamente se tornou a maior empregadora privada do estado. Popularidade de governador leva partido de Scholz a resistir Brandemburgo é considerado um bastião do SPD. O partido lidera o governo estadual há 34 anos, desde a reunificação da Alemanha em 1990. De acordo com os primeiros prognósticos, o SPD deve conquistar 30,9% dos votos, acima do registrado no pleito de 2019, quando o partido conquistou 26,2%. Boa parte desse bom desempenho deve ser creditada ao desempenho do atual governador, o social-democrata Dietmar Woidke, de 61 anos, que está no cargo desde 2013. Durante sua campanha, Woidke, manteve distância do impopular Scholz e também procurou se diferenciar do governo federal se mostrando crítico à política migratória dos últimos anos, defendendo mais rigor contra a entrada de migrantes irregulares. Em Brandemburgo, pesquisas mostraram que a política migratória aparecia no topo das preocupações dos eleitores durante a campanha. Outra pesquisa mostrou que 55% dos eleitores de Brandemburgo afirmaram que gostariam que Woidke permanecesse à frente do governo - um percentual mais alto do que o dos votos recebidos pelo SPD. Woidke decidiu usar isso para pressionar parte do eleitorado, fazendo uma aposta arriscada ao afirmar durante a campanha que não pretendia continuar à frente do governo se o SPD ficasse em segundo lugar. A tática parece ter tido efeito, já que o SPD local conseguiu reverter a desvantagem em relação à AfD na reta final da campanha. A vitória do SPD em Brandemburgo também contrasta com os maus resultados do partido nos pleitos da Turíngia e Saxônia três semanas atrás, nos quais os social-democratas amargaram a quinta e quarta posições respectivamente. Olaf ScholzOlaf Scholz O chanceler federal Olaf Scholz é deputado federal por um distrito de Brandemburgo, mas permaneceu distante da campanha estadualFoto: Thomas Koehler/photothek/IMAGO AfD cresce, mas deixa escapar primeiro lugar Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas. A AfD é especialmente forte no Leste. Em Brandemburgo, o partido elegeu seus primeiros deputados estaduais ainda em 2014 e em 2019 conquistou 23,5% dos votos. Neste domingo, o partido registrou crescimento mais uma vez entre o eleitorado, conquistando 29,2%, segundo as primeiras projeções, mas deixou escapar o primeiro lugar entre todos os partidos na disputa, em contraste com o diretório da AfD na Turíngia. O colíder do diretório nacional da AfD, Tino Chrupalla, lamentou que o partido não tenha conseguido terminar a disputa em Brandemburgo em primeiro lugar, mas celebrou o crescimento. "Obtivemos um apoio significativo e, acima de tudo, tivemos grandes ganhos entre os eleitores jovens”, disse ele. Uma pesquisa mostrou que a AfD conquistou 32% do eleitorado entre 16 e 24 anos, maior percentual entre todas as siglas. O diretório da AfD em Brandemburgo foi liderado durante a campanha por Hans-Christoph Berndt, um dentista de 68 anos. Antes de entrar para a AfD em 2018, ele foi cofundador de uma associação chamada Zukunft Heimat (Pátria Futura), que organiza protestos contra refugiados e que é vigiada como extremista por autoridades policiais, que apontaram a influência de neonazistas no grupo. Hans-Christoph Berndt, Alice Weidel e Tino ChrupallaHans-Christoph Berndt, Alice Weidel e Tino Chrupalla Hans-Christoph Berndt (esq.), o líder da AfD em Brandemburgo, ao lado dos colíderes nacionais da AfD, Alice Weidel e Tino ChrupallaFoto: Liesa Johannssen/REUTERS Na campanha de 2024, Berndt e o diretório brandemburguês da AfD defenderam o fim da instalação de novas turbinas eólicas e a exclusão de refugiados de eventos públicos, além de fazer promessas que fogem da alçada dos governos estaduais, como retirar as sanções econômicas impostas pela Alemanha contra a Rússia. Novo partido populista de esquerda forma sua terceira bancada estadual O pleito de Brandemburgo também marcou o terceiro teste da BSW em eleições estaduais alemãs. Fundada em janeiro pela deputada federal Sahra Wagenknecht, uma das figuras mais controversas da esquerda alemã, a legenda se apresentou para o eleitorado com uma agenda bastante heterodoxa: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da ultradireita em questões como imigração e diversidade. Antes de lançar a BSW, Wagenknecht era uma figura proeminente da legenda A Esquerda, formado em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental. No entanto, Wagenknecht vivia às turras com seus antigos correligionários por causa da sua oposição à imigração ilegal e ao "identitarismo". Ao lançar sua legenda, Wagenknecht não escondeu seu desejo de tentar atrair eleitores da classe trabalhadora que debandaram para a AfD nos últimos anos. Em Brandemburgo, o candidato oficial da BSW ao cargo de governador foi o juiz trabalhista e ex-social-democrata Robert Crumbach, de 61 anos, um desconhecido. Nos cartazes eleitorais da legenda no estado, Sahra Wagenknecht foi a grande estrela da BSW, que conduziu uma campanha recheada de críticas ao apoio do governo alemão à Ucrânia. A BSW obteve em sua estreia em Brandemburgo 13,5% dos votos, ficando à frente de siglas tradicionais, como a União Democrata-Cristã (CDU, o partido da ex-chanceler Angela Merkel) e os Verdes. No início de setembro, nos pleitos estaduais da Saxônia e Turíngia, a BSW já havia conquistando 11,8% e 15,8% respectivamente, indicando que havia mesmo um filão de eleitores interessados no tipo de "mistura" que Wagenknecht vem oferecendo. Sahra WagenknechtSahra Wagenknecht Sahra Wagenknecht fundou partido em janeiro e já acumula vários sucessos eleitorais com programa de esquerda "antiwoke"Foto: Anja Koch/DW Verdes, liberais e Esquerda agonizam em Brandemburgo Se os social-democratas de Brandemburgo ainda demonstraram força, o mesmo não pode ser dito sobre os verdes e liberais, que compõem a tríplice coalizão partidária federal que governa a Alemanha. Os resultados mostraram que os verdes amargaram 4,1% dos votos no estado – 6,6 pontos a menos do que em 2019. Com esse desempenho, o partido ficou abaixo da cláusula de barreira de 5% e deve ficar sem deputados no Parlamento estadual. Os liberais de Brandemburgo, por sua vez, não conseguem superar a cláusula de barreira desde 2014. Agoram eles receberam ínfimos 0,8% dos votos. Os percentuais devem se somar aos maus resultados que as duas siglas registraram na Saxônia e na Turíngia. Já o partido A Esquerda, que vem sangrando com a saída de Wagenknecht, aparece à beira da extinção em Brandemburgo, com 3% dos votos – bem abaixo dos 10,7% conquistados no último pleito estadual, em 2019. Dietmar WoidkeDietmar Woidke Dietmar Woidke durante a eleição neste domingoFoto: Fabrizio Bensch/REUTERS Mudanças na coalizão de governo? Na Alemanha, o sistema para a formação de governos estaduais também é parlamentarista. O partido que obtém mais da metade dos assentos no parlamento local conquista o posto de governador do estado. Mas, como nem sempre um partido sozinho conquista tantos assentos, muitas vezes é preciso que as legendas mais votadas costurem coalizões com outras siglas para garantir governabilidade. Mesmo que a AfD terminasse a eleição em primeiro lugar, era considerado certo que a sigla não teria condições de liderar o governo de Brandemburgo, já que todos os outros partidos haviam excluído a possibilidade de formar alianças com os ultradireitistas. Analistas apontam que o cenário se desenha para que o SPD continue à frente do governo. No momento, Woidke lidera uma tríplice coalizão formada pelo SPD, a CDU e os Verdes, que contam com 50 das 88 cadeiras no Parlamento de Brandemburgo. No entanto, tanto a CDU quanto os Verdes perderam votos em relação ao pleito de 2019, o que deve levar a rearranjos na coalizão. O encolhimento dos verdes, que devem perder toda a sua bancada de dez deputados, será o principal fator que deve levar a rearranjos na coalizão. Nesse cenário, a BSW de Wagenknecht aparece como o partido mais propenso a assumir o lugar. Se isso for confirmado, Wagenknecht reforçará sua posição de "fazedora de reis" em nível estadual. Na Saxônia e na Turíngia, o partido da populista de esquerda já está em negociações com outras siglas para integrar coalizões que visam isolar a ultradireitista AfD. Jean-Philip StruckJean-Philip Struck _________________________________________________________________________________________________________ ------------
-------------- A reportagem sobre as eleições em Brandemburgo destaca um cenário político cada vez mais complexo na Alemanha, especialmente no Leste do país. O Partido Social-Democrata (SPD) conseguiu uma vitória apertada, liderado pelo governador Dietmar Woidke, que se distanciou da impopular administração nacional de Olaf Scholz. Embora a AfD tenha tido um crescimento significativo, capturando 29,2% dos votos, o SPD permaneceu no poder com 30,9%, uma vitória que alivia momentaneamente a pressão sobre o partido em meio a uma sequência de maus resultados. A ascensão da AfD, assim como a chegada de novos partidos populistas como o BSW de Sahra Wagenknecht, reflete uma mudança nas dinâmicas políticas locais. Ambos captaram uma fatia substancial do eleitorado, com preocupações focadas em temas como imigração e apoio à Ucrânia. Apesar de o SPD manter sua liderança, a forte presença de forças populistas evidencia uma crescente fragmentação política, que já é visível em outros estados da antiga Alemanha Oriental, como Turíngia e Saxônia. A perda de apoio dos Verdes e o declínio dos liberais apontam para a necessidade de rearranjos nas coalizões de governo, e a possível inclusão do BSW no governo de Brandemburgo reforçaria ainda mais a influência de Wagenknecht. A situação evidencia como a política alemã no Leste está cada vez mais marcada por debates em torno da identidade, imigração e questões nacionais, refletindo um panorama em transformação para as próximas eleições federais em 2025. _________________________________________________________________________________________________________ -----------
------------ Sob o olhar arguto de Thomas Mann, o cenário político de Brandemburgo, revelado pela vitória frágil dos social-democratas sobre a ultradireita, assumiria uma aura quase sombria, como as penumbras que envolvem os personagens de "A Montanha Mágica". O ritmo lento e inexorável da política alemã, tal como a doença que gradualmente toma conta do sanatório de Davos, seria descrito com uma profunda consciência da decadência e da busca por sentido em meio à desordem. Neste contexto, a vitória de Dietmar Woidke não seria um triunfo retumbante, mas um fôlego temporário, um suspiro que mascara as fissuras mais profundas na sociedade alemã. A figura do chanceler Olaf Scholz, em sua impopularidade, ecoaria o embotamento moral que aflige uma nação que ainda busca encontrar seu caminho entre os ecos do passado e as incertezas do futuro. A liderança de Woidke, isolada da figura do chanceler, seria vista como um esforço solitário de um homem que, à semelhança de Hans Castorp, navega um mar revolto de tensões sociais, sem rumo claro, mas com a persistência de quem conhece bem os ventos traiçoeiros da política. A ascensão da AfD e o crescimento do BSW de Sahra Wagenknecht seriam tratados como sintomas de uma doença espiritual que consome o corpo político alemão, refletindo o espírito inquieto e febril que Mann descreve com tanta maestria. O eleitorado jovem, capturado pela AfD, poderia ser comparado aos jovens do sanatório, perdidos em sua busca por identidade, facilmente seduzidos por promessas radicais que oferecem um alívio imediato, mas que, como o ar rarefeito das montanhas, são enganadoramente sufocantes. Mann não deixaria de sublinhar a ironia cruel do renascimento de forças políticas que, como sombras do passado, ressurgem para atormentar a memória de uma Alemanha que já viu os perigos de sua própria fraqueza. O dilema moral de Brandemburgo – entre a continuidade de uma liderança desgastada e a tentação de um populismo avassalador – ecoaria a luta de Settembrini e Naphta, em que a racionalidade e o idealismo colidem com o fatalismo e a destruição. Nas entrelinhas dessa política fragmentada, Mann revelaria o desconforto existencial de um país que, mesmo em tempos de progresso e modernização, encontra-se perdido em sua própria história, repetindo ciclos de crise e redenção. Brandemburgo, com sua tensão entre o passado comunista e o presente capitalista, seria uma microcosmo de um corpo político maior, doente e cansado, que busca, em meio a dores e delírios, encontrar uma cura que talvez nunca chegue. Assim como "A Montanha Mágica" oferece uma reflexão sobre o destino da civilização, Mann transformaria esse momento eleitoral em uma meditação sobre a fragilidade da democracia, a eterna luta contra o irracional e o peso das escolhas políticas que, como o tempo em Davos, pairam sobre a Alemanha com uma lenta, mas implacável, gravidade. -----------
------------ O chanceler federal Olaf Scholz é deputado federal por um distrito de Brandemburgo, mas permaneceu distante da campanha estadualFoto: Thomas Koehler/photothek/IMAGO ----------- A recente eleição estadual de Brandemburgo, na Alemanha, trouxe à tona profundas fissuras sociais e políticas que refletem tanto as tensões locais quanto os desafios nacionais. Embora castigado por uma série de derrotas eleitorais, o Partido Social-Democrata (SPD), sob a liderança do governador Dietmar Woidke, conseguiu manter uma frágil vantagem sobre a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). Este aparente triunfo, no entanto, é menos uma vitória e mais um sintoma de uma crise política e espiritual que tem assolado a Alemanha e, particularmente, sua antiga região oriental. Ao tecermos a narrativa dessa disputa, podemos vislumbrar um cenário que evoca as sombrias reflexões de Thomas Mann em A Montanha Mágica, onde a política, como a doença, se manifesta lentamente, corroendo o corpo social e deixando marcas profundas no espírito de uma nação em declínio. A eleição de Brandemburgo foi mais do que uma simples disputa local; ela foi um termômetro para a situação do SPD no cenário político alemão. O governador Woidke, uma figura popular entre os eleitores de Brandemburgo, conseguiu, com uma campanha personalista e estratégica, reverter a desvantagem que seu partido vinha enfrentando nas pesquisas. Sua vitória, com 30,9% dos votos, superou por uma margem estreita os 29,2% da AfD. No entanto, este resultado, embora celebrado por alguns como um alívio temporário, está longe de resolver os problemas mais profundos que afetam tanto o SPD quanto o sistema político alemão como um todo. Nas entrelinhas dessa vitória, emerge um contraste gritante: enquanto o SPD de Woidke conseguiu resistir às investidas da ultradireita, o chanceler Olaf Scholz, representante máximo do partido, continua atolado em uma profunda impopularidade. As eleições em Brandemburgo revelam uma desconexão entre a política local e a nacional, onde a figura de Scholz parece mais um peso do que uma vantagem para os social-democratas. Woidke, astutamente, evitou exibir o apoio de Scholz durante sua campanha, reconhecendo que, para vencer, era necessário distanciar-se do governo federal, que enfrenta rejeição entre 67% da população. Esta dicotomia entre o governador local e o chanceler federal ressoa com a complexa trama de A Montanha Mágica, onde os personagens, presos em suas realidades individuais, lutam para encontrar sentido em um mundo cada vez mais fragmentado. Essa fragmentação não é exclusividade do SPD. A ascensão da AfD, que tem feito avanços significativos nas regiões do leste da Alemanha, indica uma inquietação mais profunda, uma desilusão com as políticas tradicionais e uma busca por soluções radicais que prometem restaurar uma ordem perdida. A AfD, com seu discurso inflamado e muitas vezes racista, conseguiu canalizar a frustração de parte da população, especialmente entre os jovens, conquistando 32% dos votos entre eleitores de 16 a 24 anos. Essa juventude, que deveria representar o futuro da Alemanha, mostra-se seduzida por um populismo perigoso que evoca as sombras do passado. Thomas Mann, se vivesse hoje, veria nisso um reflexo da lenta corrosão espiritual de uma nação que, como os doentes de Davos, se deixa seduzir por ilusões enquanto a verdadeira cura permanece distante e inalcançável. Por outro lado, a BSW de Sahra Wagenknecht, um novo partido populista de esquerda, conseguiu formar sua terceira bancada estadual com 13,5% dos votos. A mistura heterodoxa de uma plataforma economicamente esquerdista, mas socialmente conservadora, atraiu eleitores desencantados com os partidos tradicionais de esquerda, como A Esquerda, que, dilacerado pela partida de Wagenknecht, ficou à beira da extinção em Brandemburgo. Tal como Settembrini e Naphta em A Montanha Mágica, os partidos políticos da Alemanha moderna travam um embate entre o racional e o irracional, entre o progresso e o retrocesso, mas sem um verdadeiro vencedor, apenas a constante erosão da fé na política como meio de redenção. Nesse contexto, os verdes e os liberais, membros da tríplice coalizão que governa a Alemanha no nível federal, sofreram declínios dramáticos em Brandemburgo, com os verdes caindo para 4,1% dos votos, arriscando-se a ficar sem representação no parlamento local. Já os liberais receberam meros 0,8%, consolidando seu papel como meros figurantes em uma cena política onde os extremos ganham cada vez mais espaço. Este é um sintoma de uma crise mais ampla, uma quebra de confiança nos partidos tradicionais que, como o sistema político em A Montanha Mágica, parecem perder relevância e vigor diante de uma sociedade cada vez mais polarizada e desiludida. Brandemburgo, com suas raízes na antiga Alemanha Oriental comunista, permanece um bastião de diferenças políticas e sociais. Embora tenha sofrido menos com o êxodo populacional que outras regiões do leste, ainda carrega consigo uma memória coletiva distinta, marcada pelas cicatrizes da divisão do país. A reunificação não curou essas feridas, e as tensões sociais, particularmente em relação à imigração e ao apoio à Ucrânia, continuam a alimentar a retórica tanto da extrema direita quanto da nova esquerda populista. Thomas Mann descreveria essa situação como um estado de febre, uma doença do espírito nacional que se alimenta das incertezas do presente e das sombras do passado. O que se desenha em Brandemburgo e no resto da Alemanha não é apenas uma luta política, mas uma batalha pelo espírito da nação. A erosão das instituições democráticas, a ascensão do populismo de direita e esquerda, e o colapso da confiança nas elites políticas são sinais de uma crise mais profunda, que toca na alma alemã. A política, como a febre que consome os doentes de A Montanha Mágica, avança lentamente, corroendo as fundações da democracia e deixando em seu rastro uma sensação de desespero e desencanto. Assim, a eleição de Brandemburgo, que à primeira vista poderia parecer um evento local de pouca relevância, revela-se, sob uma análise mais atenta, como um microcosmo das tensões que ameaçam dilacerar o tecido social alemão. Thomas Mann, com sua capacidade de revelar as profundezas da alma humana, veria nisso um reflexo da eterna luta entre razão e irracionalidade, entre a busca por progresso e a tentação do retrocesso. E como em A Montanha Mágica, a Alemanha de hoje parece estar em uma encruzilhada, onde cada escolha carrega consigo o peso do passado e as incertezas do futuro. ------------
----------- A reflexão sobre a recente eleição em Brandemburgo, com toda a complexidade política e social que ela evoca, pode ser enriquecida quando conectamos os temas discutidos com os textos de autores como Fernando Gabeira e Carlos Drummond de Andrade, que, em diferentes contextos, também exploraram a tensão entre o indivíduo, a sociedade e a política. Fernando Gabeira, em sua obra, frequentemente se debruça sobre as contradições da política brasileira e global, a luta pela liberdade individual e a perplexidade diante da degradação do sistema político. Em seu livro O que é isso, companheiro?, Gabeira narra a turbulência de um período marcado por lutas ideológicas extremas, o que encontra paralelo na ascensão da extrema-direita na Alemanha e nos movimentos populistas de esquerda. Tanto no Brasil quanto na Alemanha, há uma busca por respostas radicais às crises do sistema democrático, seja através do autoritarismo ou da desconstrução política. Gabeira aborda o dilema entre o idealismo e a realidade do pragmatismo político, algo que também ecoa na figura de Dietmar Woidke, que, ao buscar se distanciar da liderança nacional de seu partido, parece replicar o distanciamento emocional que Gabeira descreve em relação às suas antigas lutas ideológicas. Já Carlos Drummond de Andrade, especialmente em sua poesia, oferece uma lente mais introspectiva e existencial sobre as crises do homem em sociedade. Em "A Flor e a Náusea", por exemplo, Drummond captura o sentimento de impotência e alienação diante de um mundo degradado, com versos como: "O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." Assim como os personagens de Thomas Mann em A Montanha Mágica, Drummond nos apresenta figuras presas em suas realidades pessoais, tentando resistir às forças esmagadoras do tempo e da política. As paisagens sombrias da poesia de Drummond encontram ressonância na Alemanha de hoje, onde o avanço de movimentos extremistas, como a AfD, e a desconexão entre líderes locais e federais apontam para uma sociedade que, tal qual a flor sufocada de Drummond, busca sobreviver em meio à náusea do desencanto político. Ambos, Gabeira e Drummond, em suas diferentes abordagens, abordam o tema da desilusão e da luta constante do ser humano diante de forças históricas e sociais que parecem esmagadoras. A política de Brandemburgo, com suas vitórias efêmeras e o crescimento dos extremos, pode ser lida como um eco dessas reflexões, onde o ser humano, ao se deparar com uma realidade implacável, precisa encontrar formas de resistir, seja através do engajamento político ou do recuo introspectivo. A solidão política de Dietmar Woidke, assim como o isolamento de Hans Castorp em A Montanha Mágica, é, em última instância, uma metáfora para a fragilidade humana diante da história. Assim, a complexidade do cenário político alemão e a ascensão de movimentos populistas ecoam a reflexão constante de autores como Gabeira e Drummond sobre as limitações da política tradicional e a busca por alternativas que sejam capazes de resgatar o ser humano das crises de fé na democracia. Em ambos os casos, a solução parece cada vez mais distante, assim como o horizonte nebuloso de Mann em sua montanha mágica. _________________________________________________________________________________________________________ ------------- ----------- Juízo final/Final Judgment - Nelson Cavaquinho - English Lyrics Leonardo Costa 30 de jul. de 2022 Juízo Final/Final Judgment ---------- Letra em português: O sol Há de brilhar mais uma vez A luz Há de chegar aos corações Do mal Será queimada a semente O amor Será eterno novamente É o juizo final A história do bem e do mal Quero ter olhos pra ver A maldade desaparecer É o juizo final A história do bem e do mal Quero ter olhos pra ver A maldade desaparecer O sol Há de brilhar mais uma vez A luz Há de chegar aos corações Do mal será queimada a semente O amor Será eterno novamente O amor Será eterno novamente O amor Será eterno novamente English Translation: The sun Will shine another time The light will reach the hearts The evil Will have the seed burned The love Will be eternal once again It's the last judgment The story of the good And the evil I wanna have eyes to see The evil disappear It's the last judgment The story of the good And the evil I wanna have eyes to see The evil disappear The sun Will shine another time The light will reach the hearts The evil Will have the seed burned The love Will be eternal once again The love Will be eternal once again The love Will be eternal once again Música 1 músicas Juízo Final Nelson Cavaquinho Nelson Cavaquinho _________________________________________________________________________________________________________ -----------
--------- O avião era de José Dirceu, afirma Lava Jato Parte do ex-ministro na aeronave, segundo a Procuradoria da República, foi comprada com propina de R$ 1,071 milhão; valor foi pago por empresa de lobista -----------
----------- Esperando Godot There's a disconnection. "Essa aí estou, assistindo de camarote." De O Cessna Aircraft 560XL do Estadão O aviãozinho na estante da Folha

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