domingo, 1 de março de 2020

"SEM DEMOCRACIA E LIBERDADE NÃO HÁ ESTADO DE DIREITO”








O Homem, conforme estudo que fiz durante alguns meses, cresce e se desenvolve pelas três dimensões: a democracia, a liberdade e a igualdade.
Pontes de Miranda





Abertura de O Guarani - Carlos Gomes 1836 1896


Orquestra Sinfônica Nacional - UFF Concerto temporada 2014 (09/11/14) Regência: Anderson Alves Cobertura: Stefano Stefanon Concerto realizado no Teatro do Centro de Artes UFF

Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=rRUMTl4gIng


Para o professor Pontes de Miranda - que há exatamente 62 anos publicou o seu livro História e Prática do Habeas-corpus - o arbítrio não deve existir por muito tempo no Brasil, pois, "a índole do povo brasileiro é profundamente democrática".





Pontes de Miranda, em entrevista exclusiva à Revista Jurídica Lemi, disse que o AI-5 é "verdadeira ofensa ao Brasil" e que "esse negócio de dizer que o povo brasileiro não sabe votar é distorção profunda da realidade".
O jurista acha de estado de direito é aquele em que as leis são feitas através de debate democrático entre os partidos, quando não impera nenhum arbítrio. Sua opinião sobre os principais problemas do País você vai conhecer nas páginas que seguem.





60 ANOS DE DEMOCRACIA
Aos 86 anos e mantendo a mesma lucidez e intransigência em defesa dos direitos humanos com que marcou a sua vida jurídica, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda acredita profundamente no Brasil e acha que estamos caminhando pouco a pouco para a abertura democrática.





Sua vida é marcada de fatos pitorescos e interessantes.

Quando mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1916, começou a colaborar na imprensa. Mal seu primeiro artigo havia saído no Jornal do Commércio, do Rio, o proprietário, José Carlos Rodrigues mandou pagá-lo em dobro. José Carlos fez mais: mandou alugar a Pontes de Miranda um escritório de advocacia na atual Avenida Rio Branco, no Rio, e não cobrou nada.

Em 1923, Artur Bernardes, então Presidente da República, nomeou-o Conselheiro da Delegação Brasileira à V Conferência Internacional Americana. Foi uma nomeação que o surpreendeu. E ele afirma sobre isto:
- Era um Presidente da República que não conhecia e por isto fiquei muito surpreso. A Conferência foi no Chile e, quando voltei de lá, Artur Bernardes me explicou porque fui escolhido: ele tinha lido o meu livro Sistema de Ciência Positiva do Direito e havia gostado muito. Depois ele quis que eu fosse ser embaixador na Tchecoslováquia e eu não aceitei por não saber a língua daquele País, e além do mais, não tinha 35 anos, pré-requisito para exercer este cargo.

Mas Pontes de Miranda foi nomeado para Juiz dos Testamentos por decreto de Artur Bernardes. Ficou neste cargo por pouco tempo, pois foi feito Desembargador.
Em 1939, Getúlio Vargas, que havia lhe feito várias propostas, convidou-o para ser embaixador do Brasil na Alemanha. Pontes de Miranda disse que não aceitaria porque, embora ele gostasse muito da Alemanha, havia um abismo muito grande entre a de que ele gostava e a Alemanha de Hitler. Desembargador do Distrito Federal, foi transferido, por lei especial, para o Ministério das Relações Exteriores. Como Embaixador de carreira, foi para a Colômbia e de lá para os Estados Unidos e é interessante que lá passou dois anos e o ex-chefe do Estado-maior da Armada Americana, que estava em Londres, nos preparativos da invasão dos aliados, por ocasião da declaração de guerra pelo Brasil, lhe escreve nada mais que isto:

- "Para você, que trabalhou tão arduamente para o entendimento recíproco e aspirações que fizeram isso possível, tem de ser grande a satisfação, seu próprio prêmio."

Mesmo seguindo a carreira jurídica e diplomática, Pontes de Miranda não se esqueceu da matemática. Tendo feito várias restrições à teoria de Einstein, esse sugeriu que ele escrevesse uma tese sobre Representação do Espaço, para o Congresso Internacional de Filosofia, que se reunira em Nápoles em 1924 e o trabalho foi escrito em alemão, enviado e aprovado no Congresso por unanimidade.

Sua obra é composta de mais de 100 volumes publicados na área do Direito, Sociologia, Psicologia, Filosofia e Matemática. Seu livro principal é História e Prática do Habeas-Corpus, onde ele resume suas idéias em prol da liberdade, da igualdade e da democracia. Enfim, o nome de Pontes de Miranda estará sempre associado aos ideais de liberdade do povo brasileiro, pois, ele manteve sempre uma coerência ideológica e política em prol deste objetivo.

LEMI - Professor Pontes de Miranda: a reforma do judiciário que está sendo encaminhada ao Congresso Nacional, principalmente a Lei da Magistratura, tem provocado muita polêmica. Ela atende às necessidades do Judiciário?
Pontes de Miranda - O Governo deveria ter mandado fazer uma pesquisa nos Tribunais Federais e nos Tribunais Estaduais, para saber como é que se faria uma boa reforma do Poder Judiciário. Depois desta pesquisa, poderia fazer uma discussão entre alguns interessados principais, mas não mandar este anteprojeto. Este anteprojeto, quando li de noite, fiquei tão abalado que não dormi bem. Está tão cheio de erros que não vale a pena comentar agora. Acredito que nossos parlamentares poderão verificar muito bem e consertar o máximo possível. Prefiro falar depois que for à votação final, pois um erro que considero agora já pode ter sido visto e modificado. Mas sei que tem erros muito graves. São tantos que não se compreende como é que se fez um anteprojeto daquele. Não vale nem a pena comentar agora.
LEMI - As reformas que o governo está projetando indicam que estamos caminhando para uma abertura democrática. É positiva ou negativa esta caminhada atual?
Pontes de Miranda - O povo brasileiro é profundamente democrático. Esta coisa de dizer que o povo não sabe de nada, não sabe votar e outras coisas, é distorção profunda da realidade. Vê-se, às vezes, como já vi, quando estão votando jovem e senhoras idosas, todos preocupados com a lista dos candidatos, analisando e verificando bem o nome daqueles em que vão votar. O Brasil tem uma herança democrática que devemos continuar custe o que custar, porque o que houve em 1930 e depois em 1964 é uma verdadeira ofensa à Nação. Querem só o poder e quem quer o poder está espiritualmente cassado (e quero deixar bem claro que sou radicalmente contra cassações).

"A Lei da Magistratura está tão cheia de erros que, lendo-a à noite, não dormi bem".

LEMI - Quais seriam seus comentários sobre o debate em torno da volta do Habeas-corpus?
Pontes de Miranda - O meu livro História e Prática do Habeas-corpus, que publiquei em 1916, completou 62 anos. Portanto, posso falar com sinceridade e autoridade que este instituto tem que retornar à prática jurídica. A minha paixão pela liberdade fez com que me dedicasse intensamente a esta obra. Sempre esperei que o Brasil nunca furasse um instituto que tem o nome de Habeas-corpus e que mesmo antes, e na Ordenação Afonsina, em 1446, já existia. No prefácio da 7ª edição deste meu livro escrevi: O Habeas-corpus foi um dos passos mais seguros e uma das armas mais eficientes para a salvação da civilização ocidental. É o não que a justiça diz, em mandamento, à violência e à ilegalidade; é o sim a quem confia nos textos constitucionais e nas leis.
O Habeas-corpus é o primeiro grande marco histórico das nossas liberdades, muito embora tenha aparecido com atraso no Brasil. Mas apareceu em um Brasil que nascia e que tem reagido, como possível, às violações dos textos constitucionais, que são devidas, quase sempre, a planos estrangeiros para se evitar que o País chegue à altura a que há de chegar. Quando se procura investigar a causa da diferença do trato da liberdade entre os povos da Europa, verdadeiramente só uma se encontra, de ordem filosófica. A Inglaterra teve influxos de Oxford, universidade que recebeu, no nascedouro, a influência dos frades Franciscanos Nominalistas. Paris teve a sua universidade, que recebeu idêntica filosofia. Portugal dos séculos passados também recebeu a mesma formação filosófica, desde a Fundação da Universidade de Lisboa. Por isto o Brasil recebeu a herança democrática da Europa. A Constituição do Império era de cunho liberalista e continha, implicitamente, o remédio que chamamos Habeas-corpus. O Código de processo criminal de 1832 foi que regulou o processo do Habeas-corpus, inspirando-se no Habeas-corpus atos ingleses de 1679 e 1816. Passamos a mencionar o que ocorreu na Constituição de 1934, e depois. A Carta de 1937, apenas outorgada, longe estava de aceitar a liberdade física e as demais liberdades como direitos do Homem. A regressão psicológica, que ela traduzia, não lhe permitia ver a dimensão da liberdade como resultado da evolução do homem ocidental, a começar de vinte e cinco séculos atrás. Com a Constituição de 1946, a estrutura tradicional do Brasil, ferida em 1925-26 e despedaçada em 1930 e 1937, recompôs-se. Voltou ao trilho, pelo menos no propósito popular, o aparelho que três vezes descarrilhara. O texto sobre estado de sítio foi minudente e sábio. Ouviu 1801 e 1934 e pesou experiências. Já na Constituição de 1967 a coisa sofreu algumas modificações. A sua emenda nº 01 deixou explícito que só se daria Habeas-corpus "sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Mas nas transgressões disciplinares dizia que "não caberá Habeas-corpus". Ao prever a expulsão de brasileiros somente porque tomam parte de revolução, é um tremendo absurdo. Qual a "Ratio Legis" da exceção à inexpulsabilidade dos brasileiros ou dos estrangeiros, com filho brasileiro, que havia na Constituição de 1946? Expulsar brasileiros porque tomam parte em revolução, constituiria contradição para os que tomam parte em revoluções. Confiemos que o Governo de hoje, faça voltar a sabedoria jurídica de 1891, com as correções até 1946.
"O habeas-corpus é o primeiro marco histórico de nossas liberdades".
LEMI - E os Atos Institucionais, principalmente o AI-5? Que modificações eles fizeram na justiça brasileira?
Pontes de Miranda - Tais Atos funcionam como se fossem fósforos com que se queimaram os melhores textos da Constituição. Fizeram do povo brasileiro, exceto os governantes, mais de cem milhões de escravos, a despeito da abolição da escravatura dos pretos, no fim do Império. Não se voltou ao que havia, mas a algo de semelhante, extensivo à toda população, do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Pelo Ato Institucional nº 5, o habeas-corpus ficou suspenso "nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular". Em seu artigo 11, está escrito: "Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus atos complementares como os respectivos feitos". Pelo que se viu, 1968, ano do AI-5, foi um golpe profundo na personalidade dos brasileiros e da tradição, de típica ditadura, que nunca existiu no Brasil.
LEMI - Como se sente atualmente, diante do impasse institucional que desde esta época o País vive?
Pontes de Miranda - Para quem, há mais de sessenta anos, se dedicou à história e prática do habeas-corpus e há quase meio século, em 1932, lançou livros sobre os direitos humanos, três volumes publicados (Novos Direito do Homem, Direito à Subsistência, Direito à Educação) e dois volumes queimados por ordem de alguém do Governo (Direito à Assistência e Direito ao Ideal) é grande sofrimento, no fim da vida, em vez de ver respeitar-se o que tal pessoa sustentou antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assistir a um decênio de retorno a mais de cinco séculos da nossa herança jurídica, política e moral. Espero, antes de morrer, ver deixar-se o Brasil voltar a ser o que foi e direito do povo é. Nós temos que voltar imediatamente ao habeas-corpus. Eu sou contra revoluções, mas não vindo o habeas-corpus é necessário uma revolução no Brasil!
LEMI - Mas, em resumo, a sua visão é otimista ou não quanto aos rumos futuros do País?
Pontes de Miranda - Otimista. Creio que o habeas-corpus virá. Tenho muita esperança no atual Presidente e acredito que ele vai fazer voltar este remédio jurídico na integra por uma razão: os responsáveis por estes erros da Revolução de 64 não foram os Presidente. Foram os Ministros da Justiça. O Presidente Costa e Silva, por exemplo, foi meu amigo e pessoa que vinha com sua mulher jantar comigo. Ele não era homem ditatorial de maneira nenhuma. Por isso afirmo que ele não assinou o AI-5.
LEMI - Mas quem assinou, então?
Pontes de Miranda - Costa e Silva morreu, estava gravemente enfermo naquela época. Foi o Ministro Gama e Silva quem tramou tudo, e que era o Ministro da Justiça na época. Uma das coisas mais graves da história da República é que não sabem escolher Ministros. Quando escolhem, são os homens incompetentes que há no Brasil.
LEMI - Mas, segundo o que informa a imprensa, o AI-5 será substituído por salvaguardas de Estado. Qual a sua opinião a respeito?
Pontes de Miranda - Essa coisa de salvaguarda já está prevista dentro da Constituição que tem todas as coisas que se pode aplicar, com respeito à democracia, para defender a segurança nacional. Uma Lei de Segurança Nacional que impõe medidas arbitrárias, leva a mocidade que está aí no Brasil de hoje a fazer assaltos e roubos. Uma pessoa que assaltou aqui perto, interrogada porque estava fazendo assaltos, disse que estava fazendo a mesma coisa que os governos. A mocidade de hoje me surpreende pela sua mentalidade, principalmente porque é uma geração participante e que se interessa pelos principais problemas do Brasil. Por isso não pode haver lei nenhuma que impeça o jovem de falar, de expressar seu pensamento ou que impeça o jovem de participar das decisões nacionais.
"Costa e Silva não assinou o AI-5."
LEMI - Há algum tempo se faz um debate em torno de anistia. Qual a sua opinião a respeito?
Pontes de Miranda - Primeiro é necessário revogar todos os atos revolucionários, salvo onde tiver alguma coisa que foi julgada. Aí sim, se foi julgado tal crime e ele foi mostrado, apresentado, não há dúvida de que ele existiu na realidade. Mas os outros casos não. Como é que se vai provar que uma pessoa fez isto ou aquilo se não foi julgada ou formado processo? Há uma porção de pessoas que estão no exterior, exiladas e não fizeram nada. Foi o Ministro da Justiça o grande responsável pelos erros da Revolução. Reafirmo mais uma vez: não são os presidentes os responsáveis, são os seus Ministros.
LEMI - Como pode ser vista, então, a situação dos exilados?
Pontes de Miranda - Alguns, econômica e cientificamente, ganharam mais com isto. Outros, com a paixão que têm pelo Brasil, não compreendem o fim da vida sem voltar. É lamentável isto. O exílio é uma coisa que vem dos primitivos, das tribos, dos clãs. Não se queria um indivíduo ali, botava-se para fora. Ora, não é para a mentalidade de hoje.
LEMI - A escolha do Presidente da República é feita sem consulta ao povo, pois o próprio. Presidente escolha o seu sucessor. Não seria melhor eleições direitas?
Pontes de Miranda - Temos que voltar à democracia autêntica. O Homem, conforme estudo que fiz durante alguns meses, cresce e se desenvolve pelas três dimensões: a democracia, a liberdade e a igualdade. Com a democracia é que foi possível constituir-se uma Inglaterra e um Estados Unidos. Com a liberdade e igualdade também. É preciso prestar atenção: nós homens não somos iguais. Há uns que não valem, outros que valem muito. Mas o nosso dever de Homem é diminuir a desigualdade humana. Dar instrução, dar assistência médica e tudo que for necessário para a sua existência. Um pobre que pedis esmola, por aqui, há muito tempo, foi ajudado pelos monges que o levaram para o Seminário onde fez seus estudos. Hoje é uma das personalidades de destaque no Brasil. Veja-se, então, que foi de grande valia para ele a oportunidade dada. Nós é que temos o dever de igualizar os indivíduos. Não se pode fazer a igualdade conforme se prega por aí, mas possibilitar que o indivíduo consiga melhores oportunidades para viver.
LEMI - Isto seria uma concepção mais ampla de direitos humanos?
Pontes de Miranda - Na verdade, ao que se chama comumente direito humanos, ainda existe muito o que acrescentar. Faltam na Declaração Universal dos Direitos Humanos muitos direitos que não foram enumerados. Os homens têm mais direitos do que os que constam naquela relação. Escrevi uma obra onde tratei do assunto, há mais de 40 anos - Os Novos Direitos do Homem - em quatro volumes, sendo que dois foram queimados por ordem de alguém do Governo.
LEMI - O sistema penitenciário brasileiro tem recebido inúmeras críticas. Com a questão pode ser vista?
Pontes de Miranda - O problema penitenciário está dentro dos direitos humanos. Se um homem cometeu um crime, ele não é totalmente responsável por ele. A sociedade é também responsável De modo que nós devemos evitar a criminalidade. Hoje estão estudando profundamente as razões do crime. Há vários livros de criminologia. E lá nós vemos a razão principal dos crimes. O que nós temos contra a penitenciária é não ter uma instalação perfeita onde, examinado o preso, saber-se-á qual é a espécie de educação que se deve dar a ele, e até mesmo psicologicamente retirar algum complexo que ele tenha. Isto é um dever do Homem.

"O exílio é coisa de primitivos, das tribos, dos clãs; não é para o mundo moderno."

LEMI - Qual a relação que o sr. Faria entre estado de direito e criminalidade?
Pontes de Miranda - Quando o Estado não é de direito a criminalidade cresce. Esta é uma estatística mundial. Quando há uma ditadura em qualquer país do mundo o número de crimes é grande. Quando vem um regime democrático, liberal, a criminalidade é diminuída. Por exemplo, a criminalidade que vejo hoje no Rio de Janeiro não é absolutamente a que vi quando vim para cá. E também não é, em número, a criminalidade do tempo de Getúlio Vargas, não. Agora é a maior criminalidade possível. Mas o que se vê na televisão, o anúncio, a publicidade que se faz, é uma ameaça a nossa segurança pessoal. O anúncio do cigarro, por exemplo, que é proibido nos Estados Unidos, é feito às revelias. Gasta-se uma quantidade enorme de dinheiro com estes anúncios e o cigarro não faz nenhum bem à saúde. A maior quantidade de câncer, atualmente, segundo estatísticas médicas, são de moças que fumam muito. E, também, no Brasil, que tem atores e atrizes com talento, por que permitem que se passem filmes estrangeiros que ensinam a violência, apresentando mortes, roubos, assaltados, exatamente no horário que atinge a população jovem.
LEMI - algumas pessoas têm afirmado que a Revolução de 64 já cumpriu sua missão e que, portanto, podemos passar para uma ordem política mais liberal e democrática. É esse também o seu pensamento?
Pontes de Miranda - Acho que está se aproximando o fim dela e confio que o atual Presidente tenha compreendido que alguns erros que foram cometidos não foram por ele. Foram por seus Ministros. Nunca um militar gaúcho podia não se preocupar com a agricultura do País. O próprio Ministro da Agricultura tem se preocupado, mais é necessário verificar quem é o responsável pela importação de gêneros alimentícios como cebola, feijão, café etc. Em compensação alguns Estados do Norte têm excesso de açúcar e aqui este produto é mais caro do que era. É um absurdo muito grande e uma ofensa ao povo brasileiro. Um amigo meu, alemão, perguntou-me se eu tinha dicionário para ele saber o que era ou o que significava a Economia do Brasil. Ninguém entende o que está acontecendo atualmente.

"O nosso dever de homem é diminuir a desigualdade social."

LEMI - Uma das mais duras leis legadas pela Revolução foi a de Segurança Nacional. Deve ela ser revogada ou atenuada?
Pontes de Miranda - Essa Lei de Segurança não garantiu e nem garante nada de segurança e só tem uma finalidade: deixar o arbítrio para julgamentos que não são julgamentos. O Presidente Geisel, antes de deixar o Governo, deve acabar com essas coisas. Mas sei que para ele acabar com isto irá aborrecer muito ministro.
LEMI - Então, podemos prever que o General Figueiredo fará um bom Governo, porque encontra encontrará o País em um clima jurídico e político favorável?
Pontes de Miranda - Depende dos Ministro que o General Figueiredo escolher. Aí é que está a questão. Qualquer Presidente da República acerta quando escolhe bons ministros. Atualmente, por exemplo, o Ministro da Agricultura, que é mineiro, tem encontrado grandes dificuldades porque o que ele quer é acabar com a importação de produtos que podem ser plantados e produzidos aqui mesmo sem necessidade de importação.
LEMI - O partido da oposição tem feito uma campanha em prol da Constituinte como única forma de resolver o problema do País. O sr. está de acordo?
Pontes de Miranda - Acho que o Presidente da República deveria retirar todos aqueles atos institucionais e todas aquelas coisas e deixar intacta a Constituição de 1967 somente com a Emenda Constitucional nº 1. Deixava intacta aquela Constituição e depois o Congresso iria estudar se alguma coisa precisava ser alterada. O que o Governo deve é limpar tudo agora, tudo que juridicamente tem sido vergonha para o povo brasileiro desde 1964. Se ele fizer isto o Brasil, o povo brasileiro, vai ficar profundamente agradecido.
LEMI - Como é que fica o caso de pessoas que foram presas, sem julgamento, por dois, três anos, por exemplo e depois de julgadas são consideradas inocentes, mas, já cumpriram penas?
Pontes de Miranda - Quem foi preso não tendo sido feito julgamento em tempo e depois absolvido, a primeira coisa que se deve fazer é procurar saber quem foram os responsáveis por isto e prendê-los. Hoje a gente vê cada coisa, mas espero que isto não aconteça. Outro dia estava numa esquina e ia atravessar a rua, pois o sinal estava aberto para mim, mas não pude porque três carros oficiais ultrapassaram o sinal fechado. Esta corrupção tem que acabar.
LEMI - Qual o verdadeiro significado de Estado de Direito?
Pontes de Miranda - Estado de Direito é um estado em que não há nada de arbítrio e onde tudo se rege por regras jurídicas feitas de acordo com a Constituição e a Democracia. Sem democracia e liberdade não há Estado de Direito.

"Essa Lei de Segurança Nacional não garantiu e nem garante nada de segurança."

LEMI - Na sua opinião as eleições devem ser diretas ou indiretas?
Pontes de Miranda - Diretas, não tenha dúvida. Atualmente se se fizesse eleições diretas para Presidente da República ninguém saberia qual seria o eleito. Isto porque o povo estudaria os candidatos. Ou ia votar no General Figueiredo ou ia votar no senador e banqueiro Magalhães Pinto ou, ainda no General Euler ou em outros. Mas ia votar, exercitar a democracia e isto é importante.
LEMI - Como se definiria a candidatura Magalhães Pinto?
Pontes de Miranda - Ele é senador da Arena, e como tal deveria esperar que seu partido o indicasse, mas viu logo que isto era impossível. A Arena não escolhe nada, já vem tudo esquematizado lá de cima, é só executar. Só em São Paulo é que as coisas parecem que serão diferentes, pois lá a insatisfação é muito grande.
LEMI - Então, os políticos não têm podes de decisão?
Pontes de Miranda - Grande parte está afastada dos centros de decisão. Quem manda no Brasil de hoje são os Ministros e as multinacionais, que estão numa situação de compra do Brasil. Os Ministros, então, são representantes de estrangeiros. Há coisas no Brasil que são horríveis e às vezes sou convidado a dar parecer sobre este ou aquele assunto e sempre há o dedo de empresas estrangeiras. Temos que valorizar o Brasil, as coisas da nossa terra e não nos deixar governar por coisas de fora. Está muito bem demonstrado pelo livro que saiu recentemente do industrial Kurt Mirow - A Ditadura dos Cartéis - onde são mostrados alguns males que as empresas estrangeiras estão nos fazendo. Mas há muitas coisas ainda que não foram publicadas no livro. Há o caso dos que compram do estrangeiro e para isso recebem 25% por fora e não são punidos ou exilados.
LEMI - E se existissem mais partidos a situação não se modificaria?
Pontes de Miranda - Dependendo da ideologia deles, poderiam ser só dois, como atualmente. Mas dentro da Arena, por exemplo, há divergências muito graves e dentro do MDB também há diferenças. O que se deveria é fazer uma permissão de abrir os partidos conforme as suas intenções. Por exemplo: conheço políticos da Arena de Minas e de Alagoas que não conhecem absolutamente as coisas da Arena. E divergem fundamentalmente. Então, não pode.
LEMI - A pena de morte existe para determinados crimes de ordem política. Sua opinião é favorável à sua existência?
Pontes de Miranda - Não sou, nunca fui e nem serei pela existência da pena de morte. Só em caso excepcionalíssimo, quando um homem que já assassinou dezenas de pessoas e que nos presídios possa continuar assassinando. Aí não tem alternativa. Mas não sou pela pena de morte, não sou por nada de violência. Sou pela igualização do Homem e creio que assim estas coisas diminuirão. Para isto é preciso ter escolas para toda a população, assistência médica, habitação. Talvez gastasse menos que estes Ministros que viajam para o exterior.
LEMI - Pode existir um regime de arbítrio juridicamente institucionalizado?
Pontes de Miranda - Livre arbítrio de maneira nenhuma, mesmo que seja com os melhores juristas do mundo. Eles têm que verificar as leis e aquilo que chamo suportes factus, que permitam que a regra jurídica incida. Da maneira nenhuma. Se houvesse um conselho jurídico para aplicar o livre arbítrio do Presidente da República e se eu fosse convidado para fazer parte desta assessoria, não aceitaria de maneira nenhuma. De maneira nenhuma! Nunca tive arbítrio para coisa nenhuma da minha vida. Talvez seja esta razão por que estou com 86 anos.
LEMI - O número de faculdade de direito tem aumentado muito nos últimos anos. Isto é positivo ou negativo?
Pontes de Miranda - O que está havendo é uma comercialização do ensino do Direito. Estão comercializando. Pessoas que não podem ser advogados sugerem que se criem Faculdades para eles serem professores. Há muitos professores e juristas bons nas faculdades do Brasil, inclusive em Minas Gerais, mas é necessário não deixar que se criem tantas faculdades. Um dia deste veio um estudante para me mostrar as perguntas que seu professor fez para eles responderem em sala. Uma calamidade, pois nenhuma pergunta estava em bom português e o professor não sabia nada de Direito.

"O governo do General Figueiredo vai depender dos ministros que ele escolher."

LEMI - E a situação da Universidade brasileira, em geral?
Pontes de Miranda - O problema é o seguinte: os políticos e os homens ligados ao poder estão mudando a Universidade, principalmente as universidades federais, cujo nível de ensino tem caído muito. E agora estão dizendo que basta de bacharel no Brasil. É um absurdo. O que eu detesto são estes economistas, pois não sabem nada de matemática e só têm na cabeça uma palavra que é toque de mágica para qualquer ocasião: inflação. Tudo é culpa da inflação. Minha secretária tem tomado nota dos pronunciamentos do Ministro da Fazenda para fazermos comparação. Quando diz que a inflação vai diminuir tanto, minha secretária anota sua afirmação, o dia e etc., e quando vem o cálculo, na realidade ele disse que não disse aquilo. É uma calamidade!
Revista Jurídica Lemi / Caderno Jornalístico - Abril de 1978.
Doação do Caderno ao Memorial Pontes de Miranda, pelo Promotor de Justiça de MG - Dr. Alexandre Rezende Grillo.








OBRA ETERNA
Morto em 1979, Pontes de Miranda ainda é o doutrinador preferido dos juízes
13 de fevereiro de 2019, 12h12
Por Sérgio Rodas
Morto em 1979, o jurista Pontes de Miranda não abordou na sua obra os pilares legais do Direito brasileiro atual, como a Constituição Federal de 1988 ou o Código Civil de 2002. Ainda assim, ele continua sendo a maior referência dos juízes do país, segundo o estudo “Quem somos: a magistratura que queremos”, feito pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB).




Jurista Pontes de Miranda é a maior referência dos juízes brasileiros, mostra pesquisa da AMB
Acervo de Ivan Barros

Na pesquisa, os magistrados deveriam citar três juristas que consideravam referências importantes para o Direito brasileiro. Pontes de Miranda, cuja principal obra é o Tratado de Direito Privado, com seus 60 volumes, foi o mais citado em todos os segmentos. Entre os juízes de primeiro grau, ele foi citado 324 vezes. Em segundo lugar ficou o ministro do Supremo Tribunal Federal e constitucionalista Luís Roberto Barroso, com 292 menções. Em terceiro, o professor de Direito Penal e Direito Processual Penal Guilherme Nucci, lembrado por 207 julgadores.

Na segunda instância, Pontes de Miranda também lidera: foi apontado como referência por 66 desembargadores. Barroso dividiu o segundo lugar com o penalista Nelson Hungria: ambos foram mencionados 28 vezes.

No grupo dos aposentados, naturalmente, prevaleceu a velha geração: além de Miranda (74 citações), completaram o pódio Hungria (48 menções) e o civilista Clóvis Beviláqua (31). O segundo morreu em 1969, e o último, em 1944.

O quadro dos doutrinadores mais citados muda consideravelmente entre os ministros do STF e tribunais superiores. Novamente, Pontes de Miranda foi o mais lembrado: 5 menções. Com 3 citações, o jusfilósofo Miguel Reale Jr. ficou em segundo lugar. Depois vem um empate quíntuplo: tiveram duas indicações Beviláqua; o especialista em Direito Administrativo Celso Antônio Bandeira de Mello; o constitucionalista José Afonso da Silva; o processualista José Carlos Barbosa Moreira e o civilista Orlando Gomes.

O ministro do STF Edson Fachin, especialista em Direito Civil, é um estudioso da obra de Pontes de Miranda. Seu gosto pela pesquisa levou-o a protagonizar situações pitorescas. Quando estava na Alemanha, como pesquisador do Instituto Max Planck, lembrou-se da história de que Pontes de Miranda havia conhecido o maior físico do mundo: Albert Einstein. Como era também matemático, Pontes de Miranda gabava-se de ter discutido a Teoria da Relatividade com o pai da ideia. Desconfiado, o professor Fachin passou a usar seu tempo livre — e o de alguns estagiários —para buscar nos arquivos alemães informações sobre as palestras de Einstein nas quais ele poderia ter encontrado Pontes de Miranda. E achou! Nos registros de um evento sobre a Teoria da Relatividade, lá estava o registro de presença do físico alemão e do jurista brasileiro.

Doutrina e jurisprudência
Os pesquisadores também pediram que os magistrados citassem três obras jurídicas que consideram referência para a fundamentação de suas decisões. Obras de doutrina foram, de longe, as mais citadas, em todos os níveis da magistratura. Em segundo lugar ficaram livros acadêmicos. Em terceiro, jurisprudência, e em quarto, referências filosóficas — entre desembargadores, a ordem dessas duas categorias ficou invertida.

O tipo de obra doutrinária mais popular foi a civil, citada por 36% dos juízes. Depois vêm a penal (21%) e a constitucional (12,5%). O autor doutrinário mais mencionado foi Guilherme Nucci, indicado por 2,4% dos magistrados. Ele foi seguido pelos processualistas Fredie Didier Jr. e Theotonio Negrão, lembrados por 1,1% dos julgadores.

Com relação às obras acadêmicas e filosóficas, os autores mais citados foram o alemão Robert Alexy (mencionado por 0,5% dos juízes); o austríaco Hans Kelsen e o americano Ronald Dworkin (ambos indicados por 0,3% dos entrevistados).

Dos brasileiros, dois colunistas da ConJur encabeçam a lista: os constitucionalistas Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Streck. Eles e Miguel Reale Jr. foram citados por 0,2% dos magistrados.


Os cinco juristas mais citados entre juízes de 1º grau
Pontes de Miranda
324 citações
Luís Roberto Barroso
292 citações
Guilherme Nucci
207 citações
Humberto Theodoro Júnior
185 citações
Fredie Didier
182 citações

Os cinco juristas mais citados entre juízes de 2º grau
Pontes de Miranda
66 citações
Luís Roberto Barroso
28 citações
Nelson Hungria
28 citações
Humberto Theodoro Júnior
22 citações
Hely Lopes Meirelles
21 citações

Os cinco juristas mais citados entre os inativos
Pontes de Miranda
74 citações
Nelson Hungria
48 citações
Clóvis Beviláqua
31 citações
José Frederico Marques
23 citações
Humberto Theodoro Júnior
22 citações

Os juristas mais citados entre os ministros
Pontes de Miranda
5 citações
Miguel Reale Júnior
3 citações
Celso Antônio Bandeira de Mello
2 citações
Clóvis Beviláqua
2 citações
José Afonso da Silva
2 citações
José Carlos Barbosa Moreira
2 citações
Orlando Gomes
2 citações
Clique aqui para ler a íntegra da pesquisa.
*Texto atualizado às 16h27 do dia 13/2/2019 para acréscimo de informações.

Fonte:
https://www.conjur.com.br/2019-fev-13/morto-1979-pontes-miranda-doutrinador-favorito-juizes

Nenhum comentário:

Postar um comentário